Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0671/11
Data do Acordão:12/07/2011
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:DEVER GERAL DE INFORMAÇÃO
INFORMAÇÕES CONFIDENCIAIS
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
GOVERNO
GABINETE MINISTERIAL
REALIZAÇÃO DE DESPESAS
DESPESAS CONFIDENCIAIS
Sumário:1 - Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo” ( art.º 5.° da LADA), “mesmo que se não encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito” (art.º 65.º/1 do CPA).
2 - O direito à informação pode ser sacrificado sempre que é confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou maior valia, mas as restrições só têm respaldo legal quando se não façam contra o disposto nos princípios da adequação e da proporcionalidade e que só serão legítimas quando a satisfação da pretensão formulada se traduzir na violação desses direitos e valores.
3 - Tanto o Requerente da informação como o órgão a quem ela é solicitada devem pautar o seu comportamento pelo interesse público sabendo-se que a satisfação deste passa também pelo respeito dos direitos e interesses legítimos que podem ser reflexamente atingidos pelo exercício do direito à informação.
4 - O direito de acesso aos documentos administrativos compreende não só o direito à sua reprodução e entrega como também o direito à informação sobre a sua existência e conteúdo.
5 - A recusa da Administração a prestar qualquer informação com o fundamento de que a mesma está publicada no Diário da República não tem fundamento legal visto tal recusa se traduzir na violação do seu dever de colaboração podendo, na prática, corresponder a uma verdadeira denegação do direito de acesso às informações e aos documentos solicitados.
6 - Estando os documentos ou as informações publicadas, a Administração pode limitar-se a indicar os locais onde essa publicação se encontra, sem que os tenha de reproduzir e entregar ao requerente, e que só assim não será quando, apesar de publicada, a mesma não responda às necessidades do requerente ou quando se torne particularmente difícil encontrar o que, concretamente, o requerente pretende.
Nº Convencional:JSTA00067304
Nº do Documento:SA1201112070671
Data de Entrada:10/03/2011
Recorrente:MFIN E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Recorrido 1:ASSOC SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO
INTIMAÇÃO INF CERT
Legislação Nacional:CPA91 ART4 ART61 ART62 N1 ART63 N1 ART65 N1 N2
LADA07 ART1 ART4 N1 ART6 N5 ART8
DL 72/80 DE 1980/04/15 ART1 ART2
DL 262/88 DE 1988/07/23 ART9
DL 321/2009 DE 2009/12/11 ART26
L 4/85 DE 1985/04/09 ART2 ART3 ART5 ART9 ART11 ART12 ART13 ART14
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:
O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA inconformado com o Acórdão do TCAS que (1) negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAC de Lisboa que, julgando o pedido formulado pela ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES parcialmente procedente, a intimou a entregar fotocópias de parte da documentação que esta requerera e que (2), concedendo provimento ao recurso interposto por aquela ASSOCIAÇÃO, revogou a dita sentença na parte em que julgou improcedentes dois dos pedidos de intimação formulados, assim julgando integralmente procedente a acção de intimação para prestação de informações e passagem de certidões dele veio interpor o presente recurso de revista que rematou do seguinte modo:
1. O presente recurso de revista excepcional deve ser admitido já que se encontram preenchidos os requisitos fixados no n.° 1 do artigo 150.° do CPTA.
2. Em primeiro lugar, estamos, sem dúvida, perante questões de direito, a saber, se existe ou não obrigação de informação (i) quando a informação pretendida esteja já disponível, nomeadamente por constar de normas legais em vigor e (ii) quando se pretenda tal informação para proceder “à verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis” (vide pedido da Requerente).
3. Em segundo lugar, afigura-se que se trata de questões de importância fundamental dada a sua relevância jurídica e social.
4. Com efeito, torna-se essencial esclarecer quando é que a Administração está obrigada a prestar informação relativa a aspectos que são do domínio público, evitando-se assim, de futuro, pedidos inúteis e desnecessários.
5. É também fundamental saber se o direito à informação existe para que os cidadãos exerçam funções de fiscalização relativamente à actuação da Administração Pública, quando existem instituições especialmente encarregues de proceder a tal fiscalização, como seja o Tribunal de Contas.
6. Também se crê que o presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito uma vez que o acórdão recorrido, ao confirmar parcialmente a decisão de primeira instância e ao dar provimento ao recurso da ASJP, fez uma errada aplicação do direito, obrigando o Requerido a entregar à Requerente documentos com informação de que a mesma já dispõe.
7. Tem sido assumido pelo STA que as questões relativas ao direito de informar e ao acesso à informação se revestem de elevado interesse social pelo que, estando em causa a definição dos contornos e limites de tal direito, se afigura que, também no caso sub judice, deverá existir também uma segunda instância de recurso.
8. Deverá ser dado provimento ao recurso uma vez que a sentença impugnada é nula, por violação da lei em vigor, maxime da Lei n.° 46/2007, de 24 de Agosto.
9. Com efeito, o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, aprovado pela Lei n.° 4/85, de 9 de Abril, contém a referência ao montante auferido a título de despesas de representação pelos membros do Governo do Ministério ora Recorrente.
10. Tratando-se de informação pública, conhecida do cidadão em geral e das instituições, não se descortinam motivos e fundamentos para a obrigatoriedade de a fornecer ao abrigo da Lei n.° 46/2007, de 24 de Agosto.
11. A atribuição do subsídio de alojamento aos chefes de Gabinete de membros do actual Governo decorre igualmente da lei e encontra-se titulada por despachos do Ministro de Estado e das Finanças, publicados no DR, 2ª série, que identificam os beneficiários de tal subsídio, bem como o respectivo valor.
12. As resoluções do Conselho de Ministros e outros actos equivalentes não constituem documentos administrativos pelo que inexiste dever da Administração de proceder à respectiva reprodução por fotocópia.
13. O pedido formulado pela Requerente não encontra fundamento no exercício do direito de acesso à informação administrativa, mas antes na utilização dessa informação no âmbito de um processo de negociação colectiva, que já se encontra findo, pelo que é inútil.
14. A pretendida «verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis» não é da competência da Requerente, pelo que os fins que presidem ao requerimento são abusivos.
15. É doutrina da CADA que, «como qualquer direito subjectivo, o direito de acesso aos documentos administrativos deve ser exercido de forma não abusiva».
16. O pedido ultrapassa, assim, os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social ou económico de um direito que lhe assiste, mas que, com este fim, não lhe cabe exercer.
17. A Requerente parece querer assumir o papel de “órgão de fiscalização” que, claramente, não lhe compete desempenhar.
18. É ao Tribunal de Contas, e não à Requerente, que cabe a efectiva verificação da legalidade e regularidade das despesas dos membros do Governo e seus Gabinetes.
19. A Administração não está obrigada a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos (artigo 14°, n.° 3 da Lei n.° 46/2007, de 24 de Agosto).
ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES contra alegou para formular as seguintes conclusões:
a) A Recorrida não tem objecção a que o recurso seja admitido; Pensa, porém, que não o poderá ser com os fundamentos que o Recorrente invoca;
b) Na verdade, ao contrário do que escreve o Recorrente, os documentos requeridos não se encontram publicados (ou, ao menos, o Recorrente não indicou onde);
c) Além de que, de forma incongruente, o ora Recorrente recusou facultar os documentos solicitadas invocando, além do mais, que tais documentos são documentos nominativos cuja revelação nos termos pretendidos violaria direitos e configuraria um precedente grave.
d) Nas conclusões das suas alegações, o Recorrente restringe-se apenas aos documentos solicitados sobre despesas de representação e subsídio de residência ou alojamento - alíneas b) e c) dos documentos solicitados;
e) Mas mesmo quanto a tais matérias, as normas que indica são as que prevêem tais pagamentos mas não documentam os pagamentos efectivamente efectuados, que é a informação que se pretende obter.
f) A ora Recorrida tem direito a obter tal informação e o pedido não ultrapassa os limites da boa fé ou pelo fim a que se destina, nem se tornou inútil.
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO
Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1) A Associação Sindical dos Juízes Portugueses dirigiu um requerimento, entre outros, ao requerido, o qual consta de fls. 8 a 10, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere e solicita designadamente o seguinte:
“(...)
1 - Acesso a documentos
1) a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, representada pelo seu Presidente, com a identificação completa abaixo indicada, ao abrigo do direito previsto nos artigos 5°, 10°, 11° e 13° da Lei n° 46/2007, de 24 de Agosto, vem solicitar acesso, na modalidade de entrega de reprodução por fotocópias, dos seguintes documentos administrativos do Governo:
A - Cópias da Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por Membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento do Estado;
B - Cópias dos Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por Membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações;
C - Cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos Membros do actual Governo; D - Cópias dos documentos de processamento e pagamento a todos os Membros do Governo e seus Chefes de Gabinetes, de subsídios de residência previstos no Decreto-Lei n° 72/80, de 15 de Abril ou noutros diplomas legais.
2) A requerente desconhece se cada um dos Ministérios e Secretarias de Estado a quem está a ser dirigido o presente pedido designaram algum responsável pelo cumprimento das disposições da referida Lei n° 46/2007, de acordo com o que dispõe o seu artigo 9°, mas em qualquer caso, de harmonia com o disposto no artigo 14° n° 1 al. d) do mesmo diploma, solicita que, se os documentos pretendidos não estiverem na posse das entidades dirigidas por V.as Ex.as, o pedido seja remetido para as entidades que os detêm, com conhecimento à requerente.
3) Mais solicita a requerente, ao abrigo do disposto no artigo 13° n° 5 do diploma acima referido, caso os documentos pretendidos contenham algum erro na sua identificação, uma vez que é perfeitamente perceptível a natureza dos mesmos, que sejam designados os funcionários que deverão dar assistência na sua correcta identificação.
II - Reutilização dos documentos
4) Ao abrigo do disposto nos artigos 16° e seguintes da mesma Lei, uma vez que se tratam de documentos administrativos não compreendidos no seu artigo 18°, a requerente solicita também autorização para os reutilizar posteriormente, no âmbito de iniciativa própria e particular, nomeadamente tendo em vista ter acesso a informação relevante no âmbito do processo de negociação colectiva que está a decorrer relativo às reduções de vencimento e subsídios dos juízes, previstas na Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2011, bem como de verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis.
(...)".
2) Pelo ofício n. ° 2077, datado de 2/11/2010 - recebido pela requerente em 3/11/2010 - foi esta informada da decisão de indeferimento ao requerimento descrito em 1), ofício esse que consta de fls. 11 a 21, dos autos em suporte de papel, cujo aqui teor se dá por integralmente reproduzido e no qual se escreveu designadamente o seguinte:
"(…)
II. O acesso aos documentos pretendido pela ASJP é abusivo, desproporcionado e excessivo.
Por um lado, porque para conhecer o quadro regulamentar aplicável à autorização e realização das despesas com cartões de crédito e comunicações, bem como para conhecer as remunerações e vencimentos dos membros do Governo e chefes do gabinete, não é necessário obter fotocópias dos documentos solicitados, designadamente dos recibos de vencimento e documentos de processamento desses vencimentos. Para aceder a essa informação basta consultar o que já hoje é publicado e de acesso livre.
Por outro lado, a disponibilização de todos os recibos de vencimentos e documentos de processamento de despesas, além de desnecessária para o fim proposto, implicaria a reprodução por fotocópia de um número desproporcionado de documentos.
O pedido de acesso e de reutilização dos documentos formulado pela ASJP configura, pois, uma situação de abuso do direito, nos termos do artigo 334. ° do CC.
Na verdade:
1. A informação que se pretende obter decorre de instrumentos legais e regulamentares que estão publicados em Diário da República e que podem ser acedidos por todo e qualquer cidadão. As normas legais invocadas pela ASJP não servem para facultar acesso a documentos cujo conteúdo decorre ou consta da lei e de outros instrumentos publicados em Diário da República, hoje, aliás, electrónico e de acesso universal e gratuito.
Examinando o pedido é forçoso concluir que a ASJP requer informação relativamente à qual a generalidade dos cidadãos facilmente tem ou pode ter acesso através de fontes publicamente disponíveis.
Vale aqui, de forma decisiva, a jurisprudência da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) segundo a qual, caso a informação requerida tenha sido publicada em Diário da República, "não tem a entidade requerente que emitir cópia dos documentos de que conste (encontram-se disponíveis em www.dre.pt)" (Parecer n.° 357/2007, de 19 de Dezembro).
Com efeito, a autorização, realização e pagamento de qualquer uma das despesas identificadas pela ASJP, seja referente a cartões de crédito, que constituem um meio de pagamento de despesas de cada Gabinete governamental, seja com comunicações, decorre da lei. A este nível, refiram-se, desde logo, as regras que disciplinam e limitam a realização de despesas públicas e os procedimentos de contratação pelo Estado (DL n.° 197/99, de 8/06, e o Código dos Contratos Públicos), as normas habilitantes da prática de actos por membros de Governo e da delegação de competência nos respectivos chefes do gabinete (DL n.° 262/88, de 23/07 e Lei Orgânica do XVIII Governo Constitucional, aprovada pelo DL n.° 321/2009, de 11/12) e, ainda, as normas que, anualmente, fixam os limites de despesa a realizar por cada Gabinete, aprovados por Lei da Assembleia da República, cujos mapas anexos discriminam os valores atribuídos para cada uma das rubricas aos gabinetes dos membros do Governo (Lei do Orçamento do Estado e Decreto-Lei de execução orçamental). Todas estas regras são públicas, transparentes e encontram-se disponíveis para consulta a todos os cidadãos e entidades.
De igual modo, a informação relativa aos pagamentos de despesas de representação e subsídios de alojamento aos membros do Governo e chefes do gabinete é de conhecimento público, encontra-se publicada e é acessível por qualquer cidadão ou organização que o pretenda. Refira-se, a este propósito, o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, aprovado pela Lei n.° 4/85, de 9/04, da Assembleia da República, bem como o Decreto-Lei n.° 72/80, de 15/04 e os Despachos do Ministro de Estado e das Finanças n.ºs 5506/2010 e 6669/2010, ambos de 25/02. Todos estes actos legislativos, normativos e despachos encontram-se publicados e podem ser consultados de forma acessível e transparente por todos os cidadãos e entidades.
2. Em segundo lugar, como é concretizado pela ASJP no pedido para reutilização dos documentos, a finalidade do presente requerimento é a utilização da informação em causa "no âmbito do processo de negociação colectiva que está a decorrer relativo às reduções de vencimento e subsídio dos juízes".
É certo que, nos termos da lei, não há que justificar o pedido de acesso a documentos da Administração Pública. Mas é igualmente certo e afirmado pela CADA que, "como qualquer direito subjectivo, o direito de acesso aos documentos administrativos deve ser exercido de forma não abusiva". Ou seja, o exercício de um direito não pode ser admitido, por ser abusivo, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (Parecer, da CADA n.° 50/2005, de 9/03), que é o caso. De forma igualmente decisiva, a CADA afirma que "certas motivações poderão determinar o carácter abusivo dos pedidos" (Parecer n.° 25/2008, de 23/01).
Ora, num Estado de Direito Democrático, não é aceitável que os instrumentos de transparência criados por esse mesmo Estado de Direito Democrático - como o regime de acesso aos documentos administrativos previsto na Lei n.° 47/2007, de 24/08 (LADA) - sejam desvirtuados, o que ocorreria, se o pedido da ASJP fosse aceite.
3. Em terceiro lugar, também é concretizado pela ASJP, no pedido para reutilização dos documentos, que a finalidade do presente requerimento é a "verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis".
Ora, os membros dos Governos e os gabinetes dos membros dos governos estão, à semelhança da generalidade dos serviços e organismos do Estado, sujeitos à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas. A efectiva verificação da legalidade e a regularidade das despesas dos membros dos Governos e dos respectivos gabinetes é efectuada pelo Tribunal de Contas enquanto entidade competente para fiscalizar a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas.
Não cabe a uma associação sindical (nem à requerente, nem a qualquer outra), ao contrário do que se sustenta no requerimento, constituir-se em "tribunal popular", à margem das instituições e procedimentos que a lei previu.
4. Finalmente, o carácter abusivo do requerimento apresentado pela associação sindical reflecte-se ainda no pedido de cópia de todos os documentos de processamento e pagamento de todas as despesas de representação aos membros do actual Governo e de todos os processamentos e todos os pagamentos de subsídios de residência a todos os membros do actual Governo e todos os respectivos chefes do gabinete.
Satisfazer nos termos requeridos um tal pedido acarretaria a produção de cópias de um número assinalável de documentos, todos com o mesmo teor e de conteúdo repetitivo e idêntico, sendo a própria lei a estabelecer que, nesses casos, a Administração não está obrigada a satisfazer o pedido (n.° 3 do art.º 14. ° da LADA) e a própria jurisprudência da CADA a sancionar com o abuso do direito "em razão do grande número de documentos solicitados" (Parecer n.° 50/2005, de 9/03).
III. A transparência quanto às despesas dos gabinetes está sempre garantida, independentemente do acesso aos documentos que a ASJP pretende.
A circunstância de o pedido da ASJP ser exercido com abuso de direito e, por isso, não poderem ser disponibilizados os documentos solicitados, não afecta, nem prejudica a transparência das despesas dos gabinetes. Com efeito, toda a informação sobre os vencimentos e as remunerações dos membros do Governo e chefes de gabinete, bem como as regras sobre a autorização e realização das despesas com cartões de crédito estão publicadas e são livremente acessíveis a quem pretenda consultá-las.
1. Sem o acesso às cópias em papel dos documentos de processamento de despesas não se fica sem saber - nem a requerente, nem qualquer outro cidadão - os montantes auferidos a título de despesas de representação e de subsídio de alojamento pelos membros do Governo e seus chefes do gabinete. Igualmente, também, não se fica sem conhecer as regras sobre a atribuição e utilização de cartões de crédito e de despesas com comunicações.
O pagamento de despesas de representação aos membros do actual Governo decorre directamente da lei e integra a respectiva remuneração mensal. As despesas de representação têm valor fixo e não variam de mês para mês, não se vislumbrando motivos para que sejam fornecidos a qualquer cidadão ou grupo de cidadãos, ao abrigo da LADA, os respectivos documentos de processamento e pagamento.
Quanto à atribuição do subsídio de alojamento a membros do Governo e chefes do gabinete, decorre dos despachos proferidos nos termos da lei e publicados em Diário da República já referidos, os quais identificam os seus beneficiários, bem como o respectivo valor.
Finalmente, as regras que disciplinam a autorização, atribuição e utilização de cartões de crédito e comunicações por membros do Governo resultam, tal como já se referiu, de diplomas legais e têm limites anualmente fixados por lei da Assembleia da República.
Em suma, todas as despesas em causa, bem como os vencimentos dos membros do Governo e seus chefes do gabinete, incluindo as despesas de representação e subsídio de alojamento que lhes são pagos, resultam dos diplomas legais que regem a matéria, que estão publicados e podem ser consultados por todas as pessoas e entidades que o entendam. Não se encontra, pois, em nome do princípio da proporcionalidade, qualquer razão atendível que justifique a necessidade de acesso aos documentos que a ASJP pretende e nos termos pretendidos.
A adoptar-se tal critério, teria doravante o Governo, por iniciativa de qualquer cidadão, de satisfazer o pedido de acesso aos documentos relativos às prestações, de qualquer natureza e referentes a qualquer lapso temporal, asseguradas pelo Estado, por exemplo, a membros da judicatura ou a magistrados do Ministério Público ou a quaisquer outros remunerados por recurso a dotações orçamentais, o que não decorre da LADA.
2. Por último, refira-se que, quanto aos montantes auferidos a título de remuneração, os membros do Governo estão sujeitos a um sistema de controlo e transparência ímpar, quando comparado com outros órgãos de soberania.
Com efeito, a declaração sobre o valor do património e rendimentos dos titulares de cargos políticos e equiparados, que deve ser apresentada pelos membros do Governo no Tribunal Constitucional na data do início de exercício das suas funções e renovada sempre que se verifique um acréscimo patrimonial efectivo, fixado nos termos da lei (Lei n.° 4/83, de 2 de Abril e subsequentes alterações). E recorde-se ainda o registo de interesses criado na Assembleia da República, onde são inscritos os registos relativos, entre outros, aos membros do Governo, podendo ser consultado por quem o solicitar.
IV. O pedido formulado pela ASJP abrange documentos relativamente aos quais podem estar em causa dados cuja revelação nos termos pretendidos violaria direitos e configuraria um precedente grave.
A disponibilização dos documentos de vencimentos dos membros do Governo e chefes do gabinete pode colocar em causa, sem justificação aceitável, informação legalmente protegida.
1. A requerente pretende ter em sua posse, para os poder reutilizar, documentos concretos de pagamento às pessoas que desempenham cargos de membro de Governo e chefe do gabinete. Por outras palavras, a requerente pretende ter em sua posse, para a poder reutilizar, facsimiles de todos os documentos com os vencimentos de todas estas pessoas, cujos montantes são públicos e livremente escrutináveis para os efeitos que qualquer cidadão nacional ou estrangeiro entenda.
2. De novo ocorre sublinhar que, a aceitar-se tal critério, qualquer cidadão teria direito a requerer e obter, por exemplo, facsimile da documentação referente às remunerações percebidas por qualquer magistrado e por todos eles - em qualquer momento e mesmo ao longo de períodos inteiros da sua carreira profissional.
3. Ora, a lei protege os documentos nominativos, razão pela qual, quanto a esses, um terceiro só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados respeitem ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante, segundo o princípio da proporcionalidade.
Não tem habilitação legal o entendimento segundo a qual o Estado deveria entregar cópias dos recibos de vencimento e documentos de processamento desses vencimentos de pessoas singulares concretas a todo e qualquer um que o solicite, assim permitindo a divulgação e reutilização desta informação pessoal sem controlo, nem limitação.
4. Com efeito, e sem prejuízo do alcance que vem sendo atribuído pela CADA aos documentos nominativos, afirmou já o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que "nenhuma razão de princípio permite excluir as actividades profissionais [...] do conceito de vida privada" (TEDH, acórdão Amman c. Suíça, de 16/02/2000 e Rotaru c. Roménia, de 4/05/2000). E o Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu, referindo-se a dados nominativos relativos a retribuições pagas, que "a comunicação desses dados a um terceiro [...] viola o direito ao respeito da vida privada dos interessados, seja qual for a utilização posterior das informações assim comunicadas, e apresenta a natureza de uma ingerência na acepção do artigo 8.° da CEDH" (Acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2003, proferido nos processos apensos n.° C-465/00, C-138/01 eC-139/01).
5. Havendo razões para considerar que estes documentos revestem a natureza de documentos nominativos, não se antevê qualquer razão, de ordem pública ou outra, que demonstre o interesse directo, pessoal e legítimo da requerente nessa informação, e que legitime, por necessário e adequado, segundo o princípio da proporcionalidade, o acesso pela requerente a tais cópias.
Pelo contrário. Como decorre igualmente do Acórdão do Tribunal de Justiça acima referido, se existe alguma razão que legitima o acesso a informações de carácter nominativo respeitantes ao pagamento de remunerações, é uma razão de interesse público e reside no cumprimento do objectivo de fiscalização da legalidade e regularidade da utilização de dinheiros públicos, que cabe ao Tribunal de Contas e ao Parlamento exercer.
Nestes termos, e com os fundamentos invocados, indefere-se o presente pedido, ficando sem objecto o pedido para reutilizar documentos.
Tal indeferimento em nada afecta o pleno exercício pela ASJP do seu direito de acesso, pelas múltiplas vias disponíveis e gratuitas, à diversificada e abundante informação necessária, útil ou em qualquer outra medida relevante para o processo de negociação colectiva que está a decorrer ao abrigo da Lei n.º 23/98, relativo às medidas previstas no quadro do Orçamento do Estado para 2011.".
II. O DIREITO
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses requereu, no TAC de Lisboa, a intimação do Ministério das Finanças e da Administração Pública para que lhe possibilitasse “o acesso, através da reprodução por fotocópias, dos seguintes documentos:
- Cópias da Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização e cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento de Estado;
- Cópias dos Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações
- Cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos Membros do actual Governo
- Cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas a todos os Membros do Governo e seus Chefes de gabinetes de subsídios de residência previstos no DL n.º 72/80, de 15/04 ou noutros diplomas legais.”
Por sentença de 5/01/2001, este pedido foi julgado parcialmente procedente e o Requerido intimado a entregar à Requerente reprodução dos seguintes documentos:
“- de processamento e pagamento das despesas de representação aos membros do actual Governo e
- de processamento e pagamento a todos os membros do Governo e seus Chefes de gabinetes de subsídios de residência previstos no DL n.º 72/80, de 15/04 ou noutros diplomas legais
Com expurgo da informação relativa à matéria reservada eventualmente neles contida, no prazo de 10 dias úteis, sob pena de, não o fazendo, poder incorrer em responsabilidade civil, disciplinar ou criminal e ser-lhe aplicada a sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 169º do CPTA.”
Inconformados, tanto o Ministério das Finanças como a referida Associação Sindical recorreram dessa decisão para o TCAS tendo este negado provimento ao recurso daquele Ministério e concedido provimento ao recurso da ASJP o que determinou a inteira procedência do pedido e a consequente intimação do Requerido a entregar não só os documentos indicados pelo Tribunal de 1.ª Instância como também a:
“- Entregar cópias da Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização e cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento de Estado;
- Entregar cópias dos Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações, no prazo de 10 dias úteis, sob pena de, não o fazendo, poder incorrer em responsabilidade civil disciplinar ou criminal e ser-lhe aplicada a sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 169.º do CPTA.”
É contra este julgamento que a presente revista se dirige a qual foi admitida por se considerar que as questões nela suscitadas - referentes à definição do âmbito e limites do direito à informação designadamente quando, em sede de intimação para prestação de informação não procedimental, a informação solicitada já está disponível em Diário da República e a mesma se destina à verificação ou fiscalização da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis - assumiam “importância fundamental, dada a sua manifesta relevância jurídica, contendendo com o direito constitucional e legal à informação, à luz das imposições decorrentes do princípio da administração aberta, e com o correcto dimensionamento do conceito de documentos nominativos, implicando operações exegéticas de assinalável complexidade, bem como pela sua relevância social, atentos os documentos a cuja informação se pretende aceder, não sendo despiciendo considerar que essas mesmas questões se possam vir a colocar em outros casos futuros, assumindo assim capacidade de expansão da controvérsia para lá dos limites da situação singular.”
Vejamos, pois.
1. É sabido que, nos termos constitucionais, os cidadãos têm o “direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas a segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” (art.º 268.º/2 da CRP) direito que se encontra concretizado nos art.ºs 61.º a 65.º do CPA, quando está em causa a informação procedimental, e na Lei 46/2007 (LADA), de 24/08, quando os documentos a que se pretende aceder não se encontram em nenhum processo.
E, porque assim é, “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo” (vd. art.º 5.º da LADA com sublinhado nosso), “mesmo que se não encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito” (art.º 65.º/1 do CPA) e, quando exista procedimento e sejam nele directamente interessados, têm direito a ser informados sobre o seu andamento e sobre os documentos integrantes do mesmo competindo aos funcionários passar aos interessados certidão, reprodução ou declaração autenticada dos mesmos. (vd. art.ºs 61.º, 62.º/1, 63.º/1 e 65.º/1 e 2 do CPA). Trata-se da concretização de um princípio que vem sendo qualificado como da administração aberta (vd. art.º 1.º da LADA)
Não se pense, porém, que o direito à informação é irrestrito e que inexistem limites ao seu exercício visto que se é certo que o mesmo, por um lado, está submetido aos princípios da publicidade, da transparência e da justiça os quais são fundamento do citado princípio da administração aberta, também o é que, por outro, ele pode ser sacrificado sempre que é confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou maior valia, como são, por ex., os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas ou quando a recusa de informação se funde num dever funcional legalmente previsto como são os casos do segredo de justiça, do segredo da correspondência, da confidencialidade fiscal ou dos segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa (vd. art.º 6.º da LADA). O que quer dizer que nem sempre os órgãos das entidades indicadas no art.º 4.º/1 da LADA estão obrigados a facultar a documentação que lhes é solicitada sendo-lhes lícito recusá-la sempre que daí possa resultar o seu uso abusivo ou ilegítimo (vd. art.ºs 1.º e 6.º da LADA e art.º 62.º/ 1 e 65.º/1 do CPA).
Importa, no entanto, realçar que as referidas restrições só têm respaldo legal quando se não façam contra o disposto nos princípios da adequação e da proporcionalidade e que só serão legítimas quando a satisfação da pretensão formulada se traduzir na violação dos apontados direitos. Ou seja, também aqui, tanto o Requerente da informação como o órgão a quem ela é solicitada devem pautar o seu comportamento pelo interesse público sabendo-se que a satisfação deste passa também pelo respeito dos direitos e interesses legítimos que podem ser reflexamente atingidos pelo exercício do direito à informação. Daí, por ex., a severa restrição que sobre o acesso aos documentos nominativos (vd. art.ºs 6.º/5 e 8.º da LADA e 4.º do CPA) e daí também a necessidade de uma correcta justificação da sua recusa.
As considerações acabadas de expor não só enquadrarão a forma como a presente revista irá ser julgada como respondem às preocupações que o Recorrente manifesta a propósito da possibilidade da adopção de uma visão maximalista do princípio do arquivo aberto, visto delas decorrer que este não comporta a amplitude que ele, justamente, teme.
Analisemos, agora, o caso dos autos.
2. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses pediu ao TAF de Lisboa que intimasse o Sr. Ministro das Finanças a entregar cópias de Resoluções do Conselho de Ministros que autorizassem, enquadrassem e regulamentassem a utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, atribuídos aos membros do Governo cujas despesas fossem suportadas pelo Orçamento, e dos documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos membros do Governo e despesas com subsídios de renda de casa desses governantes e dos seus Chefes de Gabinete.
Pedido que o TCAS, revogando parcialmente a decisão do TAF, julgou inteiramente procedente o que determinou a condenação do Recorrente a satisfazer, na sua totalidade, aquela pretensão.
Este não se conforma com essa decisão sustentando que não estava obrigado a prestar as informações requeridas pela seguinte ordem de razões:
- Por um lado, porque o estatuto remuneratório dos membros do Governo, os montantes que eles recebem a título de despesas de representação e de subsídio de alojamento, bem como os subsídios de alojamento dos seus Chefes de Gabinete constam de lei ou de despacho governamental publicado no DR e que, sendo assim, a Requerente podia, facilmente, obter tais informações através de consulta daquele Diário.
- Por outro, porque as Resoluções do Conselho de Ministros e outros actos equivalentes não constituem documentos administrativos pelo que a sua divulgação não estava
sujeita à disciplina prevista na LADA.
- Finalmente, porque o deferimento da mencionada pretensão obrigá-lo-ia a emitir um enorme número de documentos o que a tornaria um exercício abusivo do direito.
Vejamos se litiga com razão.
3. Como já dissemos o direito de acesso aos documentos administrativos compreende não só o direito à sua reprodução e entrega como também o direito à informação sobre a sua existência e conteúdo.
E, porque assim, a recusa da Administração a prestar qualquer informação com o fundamento de que a mesma está publicada no DR não tem fundamento legal visto tal recusa se traduzir na violação do seu dever de colaboração podendo, na prática, corresponder a uma verdadeira denegação do direito de acesso às informações e aos documentos solicitados. E isto porque, por um lado, o requerente pode ser incapaz de identificar os locais onde ela se encontra publicada e, por outro, porque, ainda que seja capaz de os identificar, a informação publicada pode ser insuficiente para dar satisfação ao Requerente. Desde logo porque a mesma pode remeter para mais de um local, o que pode tornar labiríntica a obtenção da informação pretendida. Daí que, num caso destes, a Administração, cumprindo o seu dever de colaboração, deva dar a informação solicitada e não remeter o interessado para uma procura labiríntica ou para uma publicação cuja informação que fica aquém do que o requerente pretende.
Pode, assim, afirmar-se que estando os documentos ou as informações publicadas a Administração pode limitar-se a indicar os locais onde essa publicação se encontra, sem que os tenha de reproduzir e entregar ao requerente, e que só assim não será quando, apesar de publicada, a mesma não responda às necessidades do requerente ou quando se torne particularmente difícil encontrar o que, concretamente, o requerente pretende.
4. No caso, o Recorrente limitou-se a indicar onde as informações requeridas podiam ser encontradas.
Ao fazê-lo referiu que a autorização, realização e pagamento de qualquer uma das despesas mencionadas pelo Requerente, “seja referente a cartões de crédito, que constituem um meio de pagamento de despesas de cada Gabinete governamental, seja com comunicações, decorre da lei”, designadamente do DL 197/99 e do Código dos Contratos Públicos, e das “normas habilitantes da prática de actos por membros de Governo e da delegação de competência nos respectivos chefes do gabinete (DL n.° 262/88, de 23/07, e Lei Orgânica do XVIII Governo Constitucional, aprovada pelo DL n.° 321/2009, de 11/12) e, ainda, (d)as normas que, anualmente, fixam os limites de despesa a realizar por cada Gabinete, aprovados por Lei da Assembleia da República, cujos mapas anexos discriminam os valores atribuídos para cada uma das rubricas aos gabinetes dos membros do Governo (Lei do Orçamento do Estado e Decreto-Lei de execução orçamental). E acrescentou: “De igual modo, a informação relativa aos pagamentos de despesas de representação e subsídios de alojamento aos membros do Governo e chefes do gabinete é de conhecimento público, encontra-se publicada e é acessível por qualquer cidadão ou organização que o pretenda. Refira-se, a este propósito, o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, aprovado pela Lei n.° 4/85, de 9/04, da Assembleia da República, bem como o DL n.° 72/80, de 15/04 e os Despachos do Ministro de Estado e das Finanças n.ºs 5506/2010 e 6669/2010, ambos de 25/02. Todos estes actos legislativos, normativos e despachos encontram-se publicados e podem ser consultados de forma acessível e transparente por todos os cidadãos e entidades.” (Vd. ponto 2 do probatório).
Ou seja, o Recorrente negou-se a entregar cópia dos documentos solicitados com o fundamento de que, estando os mesmos disponíveis nos DR que identificou e podendo, por isso, ser facilmente consultadas, não estava obrigado a prestá-las.
Vejamos se assim é, analisando, diploma a diploma, se as informações que a Recorrida solicitara neles têm resposta.
4. 1. O DL 1997/99 estatui o regime jurídico da realização de despesas públicas e da contratação pública de bens móveis e serviços e nele, como no invocado Código dos Contratos Públicos não se encontram as informações que o Requerente solicitou visto, tanto um como o outro diploma, se limitarem a disciplinar a realização de despesas públicas e os procedimentos de contratação do Estado não tratando especificamente das matérias que a Requerente queria conhecer.
Daí que a indicação de tais diplomas não responda ao pedido da Requerente.
Por outro lado, o DL n.º 262/88 - que estabelece a composição, a orgânica e o regime dos gabinetes dos membros do Governo - limitou-se a dizer que:
Artigo 9.º
Vencimento
1 - O vencimento dos membros dos gabinetes é o que se encontra fixado na lei para as respectivas categorias, podendo ser atribuído ao chefe do gabinete e aos adjuntos um abono mensal para despesas de representação de montante não superior a metade do atribuído aos secretários de Estado.
2 - Compete ao Primeiro-Ministro fixar, mediante despacho, o montante do abono mensal para efeitos do disposto no número anterior.
3 - Os membros dos gabinetes dos ministros da República que prestam serviço nas regiões autónomas têm direito ao vencimento acrescido de um terço e a casa fornecida pelo Estado sempre que, com residência permanente no continente, a tenham transferido para as regiões autónomas por causa do exercício das suas funções.
E o DL n.º 321/2009 (que aprovou a orgânica do XVIII Governo Constitucional, em matéria de remunerações dos seus membros) estabeleceu o seguinte:
Artigo 26.º
Disposições orçamentais
1 - Os encargos com os gabinetes dos membros do Governo, bem como com as entidades criadas ou reestruturadas pelo presente decreto-lei são assegurados com recurso às verbas anteriormente afectas às estruturas que prosseguiam as respectivas competências.
2 - Pode haver lugar à reafectação de parte dos saldos a outras entidades mediante despacho do Ministro do Estado e das Finanças e dos ministros responsáveis por essas entidades.
3 - O Ministro de Estado e das Finanças providencia a efectiva transferência das verbas necessárias ao funcionamento dos gabinetes dos membros do Governo, criados ou reestruturados nos termos do presente decreto-lei.
O que quer dizer que, atenta a generalidade das suas estatuições, não era através dos DL.s n.ºs 262/88 e 321/2009 que a Requerente podia obter as informações que pretendia.
A Lei 4/85 (que regula o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos) estatuiu:
Artigo 2.º
Vencimentos e remunerações dos titulares de cargos políticos
1 - Os titulares de cargos políticos têm direito ao vencimento mensal, abonos para despesas de representação, ajudas de custo e demais abonos complementares ou extraordinários previstos na presente lei.
2 - Os titulares de cargos políticos têm direito a perceber um vencimento extraordinário de montante igual ao do correspondente vencimento mensal, nos meses de Junho e de Novembro de cada ano.
3 - Se o cargo político tiver sido exercido durante um ano por vários titulares, o vencimento extraordinário referido no número anterior será repartido por eles, proporcionalmente ao tempo em que exerceram funções, não se considerando períodos inferiores a 15 dias.
Artigo 3.º
Ajudas de custo
1 - Nas suas deslocações oficiais fora de Lisboa, no País ou ao estrangeiro, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro e os demais membros do Governo têm direito a ajudas de custo fixadas na lei.
2 - Os membros do Governo cujo departamento tenha sede fora de Lisboa têm direito a ajudas de custo nas suas deslocações oficiais fora da localização da sede.
3 - Os juízes do Tribunal Constitucional auferem as ajudas de custo previstas na lei.
4 - Os deputados à Assembleia da República auferem as ajudas de custo previstas no artigo 17.º.
5 - Os membros do Conselho de Estado auferem as ajudas de custo previstas no artigo 23.º, n.º 2.
Artigo 5.º
Remunerações do Presidente da República
O vencimento e os abonos mensais para despesas de representação do Presidente da República regem-se por lei especial.
Artigo 9.º
Remunerações do Primeiro-Ministro
1 - O Primeiro-Ministro percebe mensalmente um vencimento correspondente a 75% do vencimento do Presidente da República.
2 - O Primeiro-Ministro tem direito a um abono mensal para despesas de representação no valor de 40% do respectivo vencimento.
Artigo 11.º
Remunerações dos Vice-Primeiros-Ministros
1 - Os Vice-Primeiros-Ministros percebem mensalmente um vencimento correspondente a 70% do vencimento do Presidente da República.
2 - Os Vice-Primeiros-Ministros têm direito a um abono mensal para despesas de representação no valor de 40% do respectivo vencimento.
Artigo 12.º
Remunerações dos ministros
1 - Os ministros percebem mensalmente um vencimento correspondente a 65% do vencimento do Presidente da República.
2 - Os ministros têm direito a um abono mensal para despesas de representação no valor de 40% do respectivo vencimento.
Artigo 13.º
Remunerações dos secretários de Estado
1 - Os secretários de Estado percebem mensalmente um vencimento correspondente a 60% do vencimento do Presidente da República.
2 - Os secretários de Estado têm direito a um abono mensal para despesas de representação no valor de 35% do respectivo vencimento.
Artigo 14.º
Remunerações dos subsecretários de Estado
1 - Os subsecretários de Estado percebem mensalmente um vencimento correspondente a 55% do vencimento do Presidente da República.
2 - Os subsecretários de Estado têm direito a um abono mensal para despesas de representação no valor de 25% do respectivo vencimento.
E o DL 72/80 estatuiu:
Artigo 1.º
1 - Aos membros do Governo que, ao serem nomeados, não tenham residência permanente na cidade de Lisboa ou numa área circundante de 100 km poderá ser concedida habitação por conta do Estado ou atribuído um subsídio de alojamento, a partir da data da sua tomada de posse.
2 - O subsídio referido no número anterior, que não poderá exceder o quantitativo correspondente a 75% do valor das ajudas de custo estabelecidas para a categoria A do funcionalismo público, será fixado por despacho do Primeiro-Ministro, sob proposta do Ministro das Finanças e do Plano.
Artigo 2.º
1 - O regime previsto no artigo anterior poderá ser aplicado, a título excepcional, aos elementos nomeados para o exercício das funções de chefe de gabinete dos membros do Governo, quando se encontrem nas mesmas condições.
2 - O subsídio referido no n.º 2 do artigo 1.º não poderá, no caso previsto no número anterior, exceder o montante correspondente a 50% do valor das ajudas de custo estabelecidas para a categoria A do funcionalismo público e será fixado por despacho do Ministro das Finanças e do Plano, sob proposta do Ministro interessado.
Finalmente os Despachos 5506/2010, 5509/2010 e 6669/2010 do Sr. Ministro das Finanças estatuíram o seguinte.
O Despacho 5506/2010:
3 - Verificados que estão os requisitos legais e nos termos do Decreto-Lei n.º 72/80, de 15 de Abril, concedo a ... (os Secretários de Estado aqui identificados) .... o subsídio de alojamento a que se refere o artigo 1.º do citado diploma legal, no montante de 75 % do valor das ajudas de custo estabelecidas para os vencimentos superiores ao índice 405 da função pública, com efeitos a partir da data da nome
O Despacho 5509/2010:
“3 - Verificados que estão os requisitos legais, concedo ao Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, licenciado ……, ao Ministro da Justiça, licenciado ……, ao Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Prof. Doutor ……, e à Ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, licenciada ……, o subsídio de alojamento correspondente a 75 % do valor das ajudas de custo fixadas para o índice 405 do estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública, desde a data da sua posse e pelo período de duração das respectivas funções.”
E o Despacho 6669/2010:
“3 - Verificados que estão os requisitos legais, concedo a ……, chefe do Gabinete do Ministro da Presidência, a ……, chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Juventude e Desportos, a ……, chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna, a ……, chefe do Gabinete do Ministro da Justiça, a ……, chefe do Gabinete do Secretário de Estado das Pescas e Agricultura, e a ……, chefe do Gabinete da Ministra do Trabalho e da Segurança Social, o subsídio de alojamento de 50 % do valor das ajudas de custo estabelecidas para as remunerações base superiores ao valor do nível remuneratório 18, com efeitos a partir da data da nomeação e enquanto permanecer no exercício daquelas funções.”
Será que os transcritos normativos da Lei 4/95, do DL 72/80 e dos Despachos 5506/2010, 5509/2010 e 6669/2010 respondem ao pretendido pela Associação Sindical dos Juízes e que, por isso, o despacho referido no ponto 2 do probatório não merece a censura que ela lhe dirige e, consequentemente, que inexiste fundamento para a requerida intimação?
5. Recordemos que a mencionada Associação solicitou ao Recorrente (1) cópias de Resoluções e de outros actos equivalentes, que autorizassem, enquadrassem e regulamentassem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por membros do actual Governo, cujas despesas tinham de ser suportadas pelo Orçamento de Estado, que permitissem identificar os seus beneficiários, (2) cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos membros do Governo e (3) cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas a todos os membros do Governo e seus chefes de Gabinetes de subsídios de residência previstos no DL n.º 72/80 ou noutros diplomas legais.
Ora, confrontando a transcrita legislação com aqueles pedidos imediatamente se constata que ela não trata da utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos por membros do Governo já que só normatiza o vencimento, a concessão de despesas de representação e a atribuição de subsídios de residência àqueles governantes e chefes dos seus Gabinetes e, porque assim é, a Requerente não podia ver satisfeita toda sua pretensão através da consulta daquelas normas.
E, portanto, haverá que dizer que, nesta matéria, o Acórdão recorrido decidiu bem.
Mas o mesmo não se passa com as restantes decisões.
Com efeito, e no tocante aos vencimentos e despesas de representação dos membros do Governo o Requerente, através da consulta da Lei 4/85, podia ficar a saber em quanto as mesmas importavam já que, muito embora ela não indicasse quais os seus exactos montantes, certo é que estatuiu que os vencimentos do primeiro ministro, dos ministros e dos secretários de Estado constituíam uma percentagem do vencimento do Presidente da República, variável de acordo com o posicionamento de cada um na escala hierárquica, estatuindo, além disso, que as despesas de representação constituíam uma percentagem do respectivo vencimento (vd. seus art.ºs 5.º e 9.º a 14.º).
É verdade que essa Lei não indica qual o montante do vencimento do Presidente da República, remetendo essa definição para lei especial que não revela, mas também o é que não seria difícil à Requerente identificar essa lei e, através dela, ficar a saber qual seria o vencimento de cada membro do Governo.
Sendo assim, e sendo que a pretensão da Requerente era a de conhecer o valor dos vencimentos e despesas de representação dos membros do Governo há que reconhecer que os elementos mencionados no despacho referido no ponto 2 do probatório eram suficientes para satisfazer essa pretensão e, se assim é, improcede o seu pedido de intimação do Recorrente para que este lhe entregue cópias dos documentos de processamento e pagamento relativo a tais despesas.
E igual conclusão se deve retirar a propósito dos subsídios de alojamento atribuídos aos membros do Governo e seus chefes de Gabinete.
Com efeito, os art.ºs 1.º e 2.º do DL 72/80 prescrevem que eles têm direito a esse subsídio o qual, tal como se referiu naquele despacho, foi fixado pelo Sr. Ministro das Finanças nos Despachos n.º 5509/2010 – para os Ministros - n.º 5506/2010 - para os Secretários de Estado – e n.º 6669/2010 – para os Chefes de Gabinete – podendo através destes ficar-se a saber quais os seus montantes. É certo que estes despachos não fixam os valores exactos desses montantes já que neles apenas se diz que tais abonos correspondem a uma percentagem do valor das ajudas de custo fixadas para determinados índices do estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública, nem, por outro lado, indica o diploma onde esses índices podem ser encontrados e que tal dificulta a obtenção da informação pretendida pela Requerente. Mas também o é que essa dificuldade não é especialmente embaraçosa e que a Requerente, atenta a qualidade das pessoas que a integram, não perderia muito tempo a ultrapassá-la.
O que quer dizer que muito embora a resposta da Recorrente não tenha sido a melhor certo é que era suficiente para que a Requerente pudesse obter as informações que pretendia.
Daí que, nesta matéria, se deva considerar que a informação solicitada pelo Requerente foi satisfeita sem que para tal fosse necessário entregar as cópias dos documentos de processamento e pagamento relativo a essas despesas.
Nesta conformidade, e tendo-se em atenção que as decisões governamentais relativas à utilização de cartões de crédito e de telefones suportados pelo orçamento têm natureza administrativa e que não constitui exercício abusivo do direito à informação a obtenção desses elementos, entendemos que, neste ponto, o Acórdão recorrido não merece censura.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal decidem conceder parcial provimento à revista e, em consequência:
a) intimam o Sr. Ministro das Finanças a entregar cópias das decisões do Conselho de Ministros anteriores à propositura destes autos que autorizem, enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por membros do Governo de então, cujas despesas tenham sido suportadas pelo Orçamento de Estado e que permitissem identificar os seus beneficiários
b) no mais, revogando-se o Acórdão recorrido, indeferem ao requerido.
Sem custas.
Lisboa, 07 Dezembro 2011. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Adérito da Conceição Salvador dos Santos.