Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0293/09
Data do Acordão:05/20/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IVA
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
CONTAGEM DE PRAZO
Sumário:I - O prazo de 4 anos, de caducidade do direito de liquidação, estabelecido no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, é de aplicação aos factos tributários ocorridos a partir de 1-1-1998 – por força do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 389/98, de 17-12, que aprovou a LGT (entrada em vigor no dia 1-1-1999, nos termos do artigo 6.º deste Decreto-Lei n.º 389/98).
II - Depois da redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto».
III - A alteração do início de contagem do prazo traduz a fixação de um “prazo mais longo”, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 297.º do CC, pelo que se aplica ao prazo em curso o prazo mais longo, a contar pelo modo novo desde o seu momento inicial.
IV - Assim, não se verifica a caducidade do direito de liquidar IVA relativo a factos ocorridos em 15/11/2000 e 15/12/2000 se a notificação da respectiva liquidação teve lugar em 20/12/2004.
Nº Convencional:JSTA00065745
Nº do Documento:SA2200905200293
Data de Entrada:03/16/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:LGT98 ART45.
DL 389/98 DE 1998/12/17 ART5 N5.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30 ART43.
CCIV66 ART297 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC65/02 DE 2003/05/07.; AC STA PROC1018/06 DE 2007/03/07.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR 1983 PAG242-243.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A representante da Fazenda Pública, não se conformando com a sentença da Mma. Juíza do TAF do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., com os sinais dos autos, contra a liquidação do IVA do ano de 2000, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
I. A douta sentença sob recurso julgou procedente a presente impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos Juros Compensatórios, do exercício de 2000, por haver entendido que “(…) nos termos do n.º 4 do art.º 45.º da LGT, com a redacção aplicável à data da prática dos factos, conclui-se que quando as notificações foram efectuadas havia já decorrido o prazo de caducidade dos quatro anos previstos na lei.”.
II. Entende a Fazenda Pública que não se verifica a alegada caducidade do direito à liquidação do tributo, incorrendo a douta sentença em erro de julgamento de direito, por errada interpretação da lei.
III. O direito de liquidar o IVA, como imposto de obrigação única que é, face à redacção inicial do art.º 45.º, n.º 4 da LGT, tinha como início de contagem do prazo de caducidade o dia imediato àquele em que ocorreu o facto tributário.
IV. A partir de 1 de Janeiro de 2003, com a entrada em vigor da redacção dada àquele preceito pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (OE 2003), esse início de prazo passou a ocorrer no início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
V. No caso em concreto, como o prazo de caducidade, face à redacção inicial do art.º 45.º, n.º 4 da LGT, ainda não se tinha esgotado quando entrou em vigor a nova redacção dada a este preceito, verifica-se uma questão relativa à sucessão de leis no tempo.
VI. Acolhendo os ilustres ensinamentos de J. Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1991, págs. 242 e 243, quando a lei nova altera o momento a partir do qual um prazo se começa a contar (o seu momento inicial), se o momento é postcipado, como sucede no caso sub judice, deve aplicar-se a regra do n.º 2 do art.º 297.º do C. Civil, que preceitua que a lei nova aplica-se imediatamente aos prazos em curso, computando-se no novo prazo todo o tempo decorrido desde o termo inicial segundo a lei nova, salientando o autor que “não passa de uma aplicação directa dos critérios gerais do direito transitório”.
VII. No plano jurisprudencial, perfilhando na íntegra este mesmo entendimento, veja-se o Acórdão do TCA Sul, processo n.º 00332/04, de 19.04.2005, disponível em www.dgsi.pt.
VIII. Assim, aplicando o preceituado ao caso concreto, designadamente o disposto no n.º 2 do art.º 297.º do C. Civil, verifica-se que a caducidade do imposto relativo ao ano de 2000, por respeitar a “IVA mencionado nas facturas n.ºs 61 e 63 emitidas (…) em 15.11.2000 e 15.12.2000” só ocorreria a 31.12.2004.
IX. Ora, resulta do probatório, ter sido a impugnante notificada da liquidação do imposto e dos respectivos juros compensatórios em 20.12.2004, pelo que o foi ainda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.
X. A actuação da Administração Tributária foi assim conforme à lei, justificando-se a manutenção das liquidações efectuadas.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste STA emite parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
1- A ora impugnante foi objecto de uma inspecção tributária de âmbito parcial e que incidiu sobre o exercício económico do ano de 2000.
2- Os fundamentos de facto e de direito para as liquidações adicionais ora em discussão encontram-se exarados no relatório da inspecção tributária constante de fls. 84 a 89 do PA.
3- Tais liquidações adicionais resultam do IVA mencionado nas facturas n.ºs 61 e 63 emitidas por Joaquim Pinho de Oliveira em 15.11.2000 e 15.12.2000 e que os Serviços da Administração Tributária consideraram indevidamente deduzido.
4- As liquidações do IVA foram efectuadas em 12.11.2004, cfr. modelo 382 junto a fls. 70 e que aqui se dá por reproduzida.
5- As liquidações dos juros compensatórios foram efectuadas em 07.12.2004, cfr. 77 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
6- Em 13.12.2004 foi remetida notificação para a ora impugnante proceder ao pagamento das liquidações em causa, cfr. fls. 71 do PA.
7- Em 21.12.2004 foi assinado o aviso de recepção, cfr. fls. 72 do PA.
8- Em 20.12.2004 foi a impugnante notificada pessoalmente da liquidação do IVA e Juros Compensatórios.
III – Vem o presente recurso interposto pela representante da FP da sentença da Mma. Juíza do TAF do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios do ano de 2000 por haver entendido que, nos termos do n.º 4 do artigo 45.º da LGT, com a redacção aplicável à data da prática dos factos, quando as notificações de tais liquidações foram efectuadas, já havia decorrido o prazo de caducidade de quatro anos previsto na lei.
Vejamos. As liquidações impugnadas respeitam a IVA mencionado em facturas emitidas em 15/11/2000 e 15/12/2000 que os serviços da AT consideraram indevidamente deduzido e foram efectuadas em 12/11/2004 e 7/12/2004, tendo sido notificadas à recorrida em 20/12/2004 (v. pontos 3 a 8 do probatório fixado).
Nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
Este prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998, por força do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 389/98, de 17 de Dezembro, que aprovou a LGT.
Por outro lado, segundo o n.º 4 do citado artigo 45.º da LGT, o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Conforme é jurisprudência desta Secção do STA (cfr., a este respeito, entre outros, o acórdão do Pleno desta Secção do STA, de 7-5-2003, proferido no recurso n.º 65/02, e também os acórdãos desta Secção, de 17-1-2007, e de 7-3-2007, proferidos nos recursos n.º 963/06, e n.º 1018/06), o IVA, para o efeito de caducidade do direito de liquidação, deve ser qualificado como imposto de obrigação única, e não como imposto periódico, pois que incide sobre factos tributários de carácter instantâneo, reportando-se a cada um dos actos concretos praticados, não relevando, para tal qualificação, que o sujeito passivo exerça continuada ou só ocasionalmente a respectiva actividade.
O certo é que, porém, após a redacção dada ao n.º 4 do artigo 45.º da LGT pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003), aquele prazo de caducidade de quatro anos se passou a contar a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
Ou seja, o termo inicial do prazo (de 4 anos) extintivo do direito da AT à liquidação do IVA – que, à luz do n.º 4 do artigo 45.º da LGT, na sua redacção originária, se fixava «a partir da data em que o facto tributário ocorreu» –, passou a ser fixado «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto», após a redacção dada ao n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
Ora, esta alteração do termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto traduz-se objectivamente em uma alteração desse prazo para “mais longo”.
E, assim sendo, de acordo com o que dispõe o n.º 2 do artigo 297.º do CC, a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
O artigo 297.º do Código Civil resolve, assim, um problema de sucessão de leis no tempo. Quando a lei nova altera o momento, o dies a quo um prazo se começa a contar, se esse momento é dilatado ou ampliado, deve aplicar-se a regra do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil: a lei nova aplica-se imediatamente aos prazos em curso, computando-se no novo prazo todo o tempo decorrido desde o termo inicial segundo a lei nova.
Com efeito, como refere Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 242/243, “tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento de início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova”.
Não se trata, assim, de aplicação retroactiva da lei, mas de simples aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo, de que a lei vale para o futuro.
No caso em apreço, como vimos, o IVA em causa nos autos reporta-se ao imposto mencionado nas facturas emitidas em 15/11/2000 e 15/12/2000, tendo as liquidações impugnadas e ao mesmo referentes sido notificadas à impugnante, ora recorrida, em 21/12/2004, conforme consta do probatório da sentença recorrida.
À data de entrada em vigor da redacção dada ao n.º 4 do artigo 45.º da LGT pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003) – em que o prazo de caducidade de quatro anos se conta «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto» – ainda estava em curso, pois que não se tinha completado, o prazo de quatro anos sobre Janeiro de 1999, contado à luz do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na sua redacção originária, «a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
E porque a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT contempla, assim, como vimos, um prazo mais longo que o anterior ainda em curso na situação em causa, a “lei nova” é aplicável ao caso, computando-se «todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial», nos termos do n.º 2 do artigo 297.º do CC.
Razão por que, tendo a impugnante sido notificada da liquidação do imposto e dos respectivos juros compensatórios em 20/12/2004, não havia ainda decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidar aquele IVA de quatro anos previstos na lei e contados desde 1 de Janeiro de 2001 (início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto).
A sentença recorrida que assim não entendeu não pode, por isso, manter-se, impondo-se a apreciação das restantes questões suscitadas e cujo conhecimento ficou prejudicado, face ao decidido quanto à caducidade.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos à instância para, após fixação da matéria de facto pertinente, conhecer das restantes questões suscitadas.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Maio de 2009. - António Calhau (relator) – Lúcio Barbosa - Jorge Lino.