Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0699/16
Data do Acordão:05/10/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
CORRECÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
Sumário:As razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correcções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para delas extrair consequências tributárias em exercícios posteriores – in casu, por via de alteração do enquadramento do sujeito passivo do regime simplificado de determinação do lucro tributável para o regime-regra -, pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situações que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário.
Nº Convencional:JSTA00070169
Nº do Documento:SA2201705100699
Data de Entrada:05/31/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1.
CPPTRIB99 ART97 N1 B.
CIRC01 ART53 N10.
Referência a Doutrina:RUI MARQUES - A CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO - PORTO VIDA ECONÓMICA 2016 PAG46.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e AduaneiraAT recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 4 de Março de 2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………, LDA, com os sinais dos autos, contra liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008, no montante de €3.300.004,65, anulando a liquidação sindicada.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a. Salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação do instituto da caducidade à situação “sub judice”.
b. Com efeito, o facto de o Tribunal a quo fundamentar a sua decisão com base no acórdão do TCA Sul n.º 02859/09 de 09.02.2010 que enquadra uma situação totalmente diversa da aqui em discussão, faz inquinar a análise do Tribunal;
c. Na situação do Acórdão referido, a AT procedeu, em 1999, a correcções no exercício de 1991 que alteraram a matéria colectável desse exercício, e que por sua vez tiveram consequências nos exercícios seguintes, nomeadamente, em 1996 (ano da liquidação impugnada), por desconsideração dos prejuízos reportados e resultantes dos declarados naquele exercício de 1991;
d. Nesta situação, cremos que bem decidiu o Tribunal no que concerne à caducidade porquanto in casu verifica-se a existência de correções à matéria colectável de 1991 que tiveram impacto nesse exercício – no qual não foi, no entanto, apurado lucro tributável e não deu origem a qualquer liquidação – mas que deviam ter sido notificadas ao sujeito passivo dentro do prazo de caducidade.
e. Pelo que, não tendo as correções promovidas pela AT à matéria colectável ao exercício de 1991 sido notificadas ao sujeito passivo dentro do prazo de caducidade, as referidas alterações com efeitos no reporte de prejuízos para os exercícios posteriores não podem ter repercussões nestes exercícios (1996);
f. A situação em aqui nos autos em análise é totalmente distinta porquanto a alteração promovida aos proveitos de 2007 por força da acção inspectiva externa consistiu apenas na confirmação de que os proveitos efectivos referentes ao exercício de 2007 foram, num único exercício, de montante superior a 25% do limite estabelecido (€149.693,37) no n.º 1 do artigo 53.º do CIRC, pelo que, cessava a aplicação do regime simplificado de tributação passando a aplicar-se o regime geral com efeitos a partir de 2008;
g. De facto, o fim da AT com a acção de inspecção foi recolher elementos que pudessem aferir da correcta aplicação do princípio contabilístico da especialização dos exercícios e apurar os proveitos dos exercícios de 2006 e 2007 para efeitos de enquadramento tributário, nunca tendo por intuito a alteração da matéria tributável à qual se seguisse a emissão de qualquer liquidação adicional para esses exercícios;
h. E tanto assim é que a AT viria a concluir que parte dos proveitos contabilizados em 2008, a maioria, aliás, respeitavam, na realidade e de acordo com o princípio da especialização de exercícios, a 2007, sem, no entanto, promover nenhum acto de liquidação adicional, em face da caducidade do direito à liquidação;
i. A AT, decorrente do princípio da especialização de exercícios, reconheceu proveitos que deviam ter sido contabilizados em 2007, alterando a título meramente declarativo os proveitos desse exercício, com consequências legais para os exercícios futuros, cujo período de caducidade estava a decorrer, nomeadamente, para o exercício de 2008, alterando o regime de tributação em IRC (ficando sujeito ao regime geral);
j. A alteração aos proveitos de 2007, tem efeitos no exercício de 2008, porque acaba por alterar o enquadramento do regime de enquadramento da impugnante em IRC no exercício de 2008. Mas a referida alteração não provoca directamente a alteração da matéria tributável do exercício de 2008;
k. Em substancia, estamos em presença de correcções operadas aos proveitos de 2007 que não tiveram como consequência a alteração da correspondente liquidação, mantendo-se inalterada para efeitos tributários a situação da Impugnante.
l. Recorde-se que o artigo 45.º da LGT respeita ao prazo máximo durante o qual o Estado pode exercer o seu direito a liquidar, ancorando-se a caducidade do direito à liquidação nos princípios da certeza e da segurança jurídica.
m. Ora, como vimos, o reconhecimento dos proveitos em 2007 para efeitos de aplicação do correcto enquadramento tributário da Impugnante em exercícios posteriores, não teve em vista a emissão de qualquer liquidação adicional para esse exercício, independentemente de se ter apurado ou não prejuízo fiscal.
n. A situação tributária quanto ao exercício de 2007, encontra-se estabilizada e imperturbada desde 2011 (data da ocorrência da caducidade do direito de liquidar), não tendo as alterações promovidas aos proveitos qualquer impacto em termos fiscais nesse exercício.
o. Por sua vez, o impacto da alteração dos proveitos de 2007 para exercícios posteriores, nomeadamente, para 2008, apenas teve repercussões para efeitos de enquadramento tributário em IRC, não tendo a referida alteração consequências directas no apuramento da matéria tributável desse ano.
p. Assim sendo, na situação vertente não se colocam questões que se prendem com a necessidade de certeza de direitos ou de relações jurídicas.
q. E é o facto de existir essa diferenciação que não foi, com o devido respeito, apreendida pelo Tribunal a quo que faz inquinar o sentido da decisão recorrida, ferindo-a de ilegalidade.
r. Acresce que a actuação da Administração Tributária, no caso concreto, se encontra legitimada pelas próprias normas constantes do ordenamento jurídico tributário.
s. Por força da sua função de controlo e fiscalização dos impostos, a Administração tributária, para exercício da sua actividade inspectiva, tem ao seu dispor meios legais que lhe possibilitam a comprovação e a verificação das realidades tributárias.
t. No âmbito daqueles meios que se destinam a materializar e concretizar o fim a que a AT se destina, encontram-se os previstos nos artigos 36.º n.º 1 do RCPIT e o artigo 121.º do Código do IRC, conjugado com os artigos 2.º e 12.º do RCPIT.
u. De acordo com os citados artigos, a AT pode verificar e consultar elementos da contabilidade relativos a períodos ou factos tributários já abrangidos pelo período de caducidade desde que o prazo de conservação de 10 anos ainda se encontre a decorrer, como acontece com a documentação contabilística.
v. Isto é, a AT pode iniciar procedimentos inspectivos com vista a confirmar e verificar o cumprimento das obrigações tributárias relativas a exercícios já caducados, mas não pode efectuar qualquer correcção à matéria tributável ou apurar imposto com referência àqueles exercícios já caducados.
w. In casu, a AT através do seu procedimento externo de comprovação e análise quanto aos elementos declarados em 2006 e 2007 teve em vista verificar se para o exercício de 2008 se verificavam os pressupostos para o seu enquadramento no regime geral de tributação.
x. E não tendo ainda decorrido o prazo de caducidade relativamente ao exercício de 2008, a informação recolhida no âmbito daquele procedimento aos exercícios anteriores terá que ter necessariamente impacto nesse exercício, nomeadamente ao nível de alteração do seu enquadramento tributário para o regime geral, dado que não se verificam os pressupostos para beneficiar do regime simplificado.
y. De resto, entendimento contrário sempre resultaria na inviabilização da alteração do enquadramento tributário do sujeito passivo, perpetuando-se o erro quanto à situação tributária do contribuinte.
z. Sobre esta questão, concordamos inteiramente com a informação de 14.05.2013 elaborada pela Direção de Finanças de Braga (junta aos autos), na qual se defende que “A não ser assim, o enquadramento tributário dos sujeitos passivos viria antecipada a caducidade da sua alteração, em detrimento dos restantes elementos constitutivos do facto tributário subjacente. Antecipação essa que poderá abranger, no limite, três anos, ou seja, o período durante o qual um sujeito passivo permanece no regime simplificado de tributação, se os seus pressupostos, não se alterarem.”
aa. Acrescenta ainda a referida informação que "Caso se viesse a verificar um errado enquadramento do sujeito passivo, por factos já abrangidos pela caducidade do imposto, o posterior reenquadramento do mesmo seria inviabilizado, perpetuando-se, no limite, o referido erro de base, o que, manifestamente, não se percebe, pois teremos sempre que atender à natureza da correcção aqui operada e à especificidade da sua regulamentação, ou seja, o enquadramento do sujeito passivo no regime simplificado de tributação nos termos do art.º 53º do Código do IRC (entretanto revogado)."
bb. Assim, tem de se concluir que foi legal a actuação da Administração Tributária ao enquadrar o sujeito passivo no regime geral de determinação do lucro tributável de IRC respeitante ao exercício de 2008 (desconsiderando a opção efectuada pelo regime simplificado) e ao liquidar o imposto em conformidade com tal regime.
cc. Logo, a sentença recorrida ao decidir contrariamente encontra-se inquinada de ilegalidade, não podendo por isso deixar de ser anulada.
dd. No que concerne à caducidade do processo inspectivo relativo aos exercícios de 2006 e 2007 realizado em 2012, não tem razão a Impugnante porquanto de acordo com o n.º 1 do artigo 36º do RCPIT e n.º 4 do artigo 123.º do CIRC, podem ser verificados e consultados elementos contabilísticos relativos a períodos ou factos tributários já abrangidos pelo prazo de caducidade desde que o prazo de conservação de 10 anos ainda se encontre a decorrer, como acontece com a documentação contabilística;
ee. Assim, não podem ser iniciados procedimentos inspectivos relativos a exercícios já caducados mas podem ser efectuadas acções inspectivas visando a consulta, recolha e cruzamento de elementos constantes de documentação contabilística relativa a exercícios cujo prazo de caducidade já tenha ocorrido;
ff. Com efeito, o que caduca é o exercício do direito da Administração Tributária de proceder à liquidação de um imposto, e uma vez que o procedimento inspectivo não visa apenas alcançar tal fim mas outros, designadamente a confirmação de elementos declarados pelos sujeitos passivos ou a indagação de factos tributários não declarados, tal como prevê o artigo 2.º, n.º 2 do RCPIT, são legalmente admissíveis procedimentos de recolha, cruzamento de informação e exame de documentos, mesmo relativos a períodos de tributação abrangidos pela caducidade do direito à liquidação;
gg. Pelo que, nada impedia a AT de aceder e examinar documentos contabilísticos relativos aos exercícios já caducados de 2006 e 2007, porquanto tal exame foi indispensável para determinar o enquadramento da Impugnante no regime de tributação correcto para o ano 2008, o que impunha a confirmação do montante de proveitos efectivamente obtidos nos dois exercícios anteriores, inexistindo, por isso, razão à Impugnante no que alega;
hh. Invoca, ainda, a Impugnante, a violação do fim a que destinava o procedimento inspectivo dos exercícios de 2006 e 2007, aduzindo que, a coberto de um despacho emitido para consulta e recolha de informação, vem a AT, ao abrigo do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do RCPIT, praticar, de facto, um procedimento de comprovação e verificação, previsto na alínea a) do mesmo preceito, do qual resultaram alterações aos proveitos daqueles exercícios, mas não tem razão no que alega;
ii. Ora, o procedimento inspectivo em causa não se enquadra na invocada alínea b) do artigo 12º, n.º 1, do RCPIT, porquanto o seu objectivo não foi a recolha de informação que visasse o cumprimento de deveres de informação ou de parecer que incumbissem à Inspecção Tributaria da Direcção de Finanças de Braga, tendo o Despacho Externo n.º Dl201200473, de 26-03-2012, sido emitido para consulta, recolha e cruzamento de elementos, com a finalidade de comprovar os proveitos declarados pela Impugnante nos exercícios de 2006 e 2007, tal como prescreve a alínea a) do artigo 12º, n.º 1, do RCPIT e de acordo com as competências atribuídas à Inspecção Tributária de confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e de demais obrigados tributários e de indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, previstas no artigo 2º, n.º 2, alíneas a) e b) do RCPITA;
jj. Sendo que tal confirmação era absolutamente necessária para aferir da verificação dos pressupostos atinentes ao enquadramento da Impugnante, no ano de 2008, no regime simplificado de tributação;
kk. O procedimento apenas teve como consequência a confirmação de que os proveitos efectivos referentes ao exercício de 2007 foram, num único exercício, de montante superior a 25% do limite estabelecido (€ 149.693,37) no n.º 1 do artigo 53.º do CIRC, pelo que cessava a aplicação do regime simplificado de tributação passando a aplicar-se o regime geral com efeitos a partir de 2008;
ll. Invoca, ainda, a Impugnante que o procedimento inspectivo realizado ao exercício de 2008 assumiu a natureza de um procedimento de carácter externo e não interno como o considerou a AT, porquanto foram praticados actos materialmente inspectivos;
mm. E assim sendo, considera a Impugnante que a AT incorreu na violação das regras procedimentais vigentes em matéria de procedimento externo, desde a falta de notificação prévia, à necessária credenciação dos funcionários alegadamente incumbidos da sua realização e à consequente notificação para o seu início prevista no artigo 51.º do RCPIT;
nn. Não tem razão a Impugnante nestes seus argumentos;
oo. O procedimento relativo ao exercício de 2008 é um procedimento interno, dado que foi exclusivamente realizado nas instalações da AT, mediante análise formal e de coerência dos elementos declarados, constantes do sistema informático, ou que lhe foram facultados pela instituição bancária B…………... S.A., ou pela própria Impugnante, no âmbito de procedimentos anteriores, designadamente, o promovido através do Despacho Externo n.º DI201200473, este sim um procedimento de natureza externa;
pp. Mostrando-se necessário determinar o montante dos proveitos nos dois exercícios anteriores ao exercício de 2008 para que a Inspecção aferisse do correcto enquadramento do sujeito passivo no regime simplificado de tributação, foi determinada, pelo Despacho n.º DI201200473, datado de 26-03-2012, a realização de uma acção externa de consulta, recolha e cruzamento de elementos para os anos de 2006 e 2007, que permitisse verificar se os proveitos declarados nas Declarações Anuais correspondiam aos proveitos efectivos desses exercícios, nomeadamente, tendo, em consideração, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios;
qq. Obviamente que para a aferir da correcta aplicação do princípio da especialização dos exercícios havia que recolher elementos contabilísticos do ano de 2008, nomeadamente, extractos das contas de proveitos financeiros e extractos das contas de empréstimos a terceiros e outros documentos relacionados;
rr. Não obstante, a finalidade da Inspecção Tributária não foi efectuar, ao abrigo do Despacho Externo n.º Dl2012000473, um procedimento inspectivo ao exercício de 2008, mas somente de recolher elementos que permitissem aferir da correcta aplicação do princípio da especialização dos exercícios e apurar os proveitos efectivos de 2006 e 2007, designadamente, confirmar a correcta alocação desse proveitos aos exercícios de 2006 e 2007;
ss. Deste modo, face aos elementos recolhidos no âmbito do Despacho indicado, tendo-se verificado que os proveitos efectivos, nomeadamente os referentes ao exercício de 2007, eram superiores num único exercício ao limite estabelecido no n.º 1 do art.º 53º do Código do IRC, o que, de acordo com o n.º 10 do mesmo preceito, resulta na cessação da aplicação do regime simplificado e no enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável a partir do exercício seguinte ao da verificação desse facto; Pelo que, foi emitida a Ordem de Serviço Interna n.º 01201201615 para o exercício de 2008 com objectivo de alterar o regime de tributação e de apurar a matéria tributável de acordo com o novo enquadramento, tendo por suporte os elementos declarados pelo contribuinte na Declaração Anual do exercício em causa constantes no Sistema Informático da AT, e desconsiderando, naturalmente, a parte dos proveitos financeiros que foi reconhecida como referente ao ano de 2007;
tt. Assim sendo, o que efectivamente ocorreu foi a realização de um procedimento externo de recolha de elementos nos exercícios de 2006 e 2007, do qual resultou a conclusão do errado enquadramento do sujeito passivo, em 2008, no regime simplificado de tributação;
uu. Sendo que no âmbito do procedimento interno ao exercício de 2008, foram praticados actos de inspecção exclusivamente nos serviços da AT, através da análise formal e de coerência de documentos de suporte contabilísticos, designadamente, a factura n.º 1, de 01/09/2008 e o orçamento n.º 003/2008, obtidos no âmbito do Despacho Externo efectuado aos exercícios de 2006 e 2007;
vv. Assim sendo, encontra-se perfeitamente demonstrado que o procedimento efectuado ao abrigo da ordem de serviço nº 01201201615, tem natureza e carácter puramente interno; E configurando a acção inspectiva promovida ao exercício de 2008, uma acção meramente interna inexiste fundamento para a aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 63.º da LGT;
ww. Com efeito, tal restrição só será aplicável quando existir mais de um procedimento externo relativamente ao mesmo contribuinte e exercício, o que, como cabalmente demonstrado, não sucede no caso vertente;
xx. Pelo que, não se vislumbra a razão de ser da argumentação da Impugnante referente à inexistência de factos novos e à necessidade de decisão do Director Geral dos Impostos para a realização do procedimento inspectivo determinado pela ordem de serviço nº OI201201615;
yy. Sempre se dirá, não obstante a irrelevância desta argumentação para a questão controvertida, sempre se dirá que a Ordem de Serviço n.º OI201102071, datada de 21 de Outubro de 2011, determinou um procedimento de inspecção externa à sociedade impugnante relativo ao IRC dos anos de 2008 e 2009 e também o IMT dos anos de 2010 e 2011, mas não foram verificadas quaisquer situações atinentes aos proveitos ou ao regime de tributação, porquanto a Impugnante se encontrava enquadrada, por opção, no regime simplificado, no âmbito do qual a matéria tributável é apurada mediante a aplicação de coeficientes;
zz. Só posteriormente, mediante a análise interna às Declarações Anuais dos anos de 2006, 2007 e 2008 e mediante a realização da acção externa aos anos de 2006 e 2007 é que se detectou uma elevada variação dos proveitos financeiros da Impugnante e uma clara manipulação da imputação temporal dos mesmos com o intuito de permanecer no regime simplificado de tributação e beneficiar, ilegalmente, de uma redução substancial da sua carga tributária;
aaa. Aqui chegados, e por tudo o exposto, resta concluir pela estrita legalidade da actuação da Inspecção Tributária, a qual encetou os procedimentos inspectivos em cumprimento do disposto nos preceitos legais aos mesmos aplicáveis;
bbb. Por último, invoca a Impugnante que a liquidação é ilegal, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito em que assentou;
ccc. Argumenta, em defesa da ilegalidade da liquidação, que "ao contrário do que sustenta a inspecção tributária, nunca poderia ser invocado o princípio da especialização de exercícios para imputar ao exercício de 2007 um proveito que não lhe dizia respeito”;
ddd. De acordo com o principio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do CIRC, os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir­se nas demonstrações financeiras a que respeitam. Vigora, pois, neste campo, um critério económico e não um juízo financeiro;
eee. E foi precisamente com base nesse juízo económico que sustenta as demonstrações financeiras, que a AT considerou que os proveitos no valor de € 900.000,00 relativos a encargos financeiros e outros conexos relativos a juros de empréstimos de financiamentos entre a Impugnante e uma sua subsidiária com sede na Roménia e que haviam sido contabilizados exclusivamente em 2008, deveriam também ser imputados a 2007 na medida em que são referentes a verbas que foram emprestadas nesse mesmo exercício;
fff. Pelo que, bem andou a AT em proceder à repartição dos proveitos pelos dois exercícios, conforme o princípio da especialização dos exercícios, como melhor evidenciado no RIT, a fls. 12 e 13;
ggg. Acresce que, quanto ao alegado pela Impugnante no sentido de ter ficado previamente estipulado que a remuneração dos capitais apenas ocorreria após a celebração do contrato, em 2008, estabelecendo-se relativamente a 2007, “uma espécie de carência de juros”, importa referir que tal acordo não tem relevância em face do princípio da prevalência da substância sobre a forma, vigente no âmbito do direito tributário;
hhh. Desta forma, “in casu”, não obstante ter ficado estipulado que os juros relativos a financiamentos obtidos para a operação da Roménia só se venceriam em 2008, tal disposição contratual não poderá surtir o efeito pretendido pela Impugnante no sentido de reduzir a tributação, manipulando a imputação temporal dos proveitos com o intuito de permanecer enquadrada no regime simplificado de tributação;
iii. Assim, a liquidação impugnada mostra-se perfeitamente legal, não padecendo de qualquer vício;
jjj. Por todo o exposto. A Administração Tributária fez uma correcta interpretação e aplicação do direito, padecendo, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida de erro de julgamento de direito,
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser a sentença recorrida revogada, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada Justiça.

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos termos seguintes:
A. A douta sentença sob recurso fez criteriosa análise das normas jurídicas aplicáveis, tendo decidido com acerto, devendo, por isso, ser confirmada.
B. Na verdade, tendo dado como provado que a Autoridade Tributária efetuou correções ao exercício de 2007, alterando o volume de proveitos de €140.225,08 para €537.625,86 que viria a determinar a alteração do enquadramento do regime de tributação de IRC da impugnante no exercício de 2008, quando já tinha decorrido o prazo de caducidade, veio a concluir, com acerto que o efeito preclusivo do instituto da caducidade, "ancorado na certeza e segurança jurídicas e no princípio da confiança dos cidadãos no Estado, impede, nos termos da jurisprudência supracitada, que as correções efetuadas para além do prazo de caducidade possam ser utilizadas para configuração de uma situação jurídica posterior, pois que contrariam a situação jurídica entretanto consolidada pelo decurso do respetivo prazo de caducidade" (página 12 da douta sentença).
C. Para a Fazenda Pública, de acordo com as alegações efetuadas, o instituto da caducidade apenas se aplica à proibição de efetuar o ato tributário, ficando inteiramente livre de alterar (em termos declarativos - cf. página 5 das alegações) todos os demais elementos da relação jurídica tributária.
D. O que não pode admitir-se.
E. O instituto da caducidade aplica-se não apenas à possibilidade de praticar o ato tributário de liquidação, como a todos os demais atos administrativos em matéria tributária que se reportam ao período temporal já abrangido pela caducidade.
F. E, nesta medida, se a alteração do volume de negócios vem a ser efetuada para além do prazo de caducidade deve considerar-se viciada de ilegalidade e determinar-se a sua impropriedade para, de forma válida e eficaz, utilizada na configuração de situações jurídicas posteriores.
G. É o que resulta da configuração jurídica do instituto da caducidade nos termos que melhor constam no artigo do Exmo. Conselheiro Joaquim Gonçalves (in, Problemas Fundamentais de Direito Tributário, Vislis, 1999, pp. 227 e ss.),

H. E, em termos jurisprudenciais, no Acórdão do TCA Sul, de 9/02/2010, proferido no recurso n.º 02859/09 onde se afirmou que "a caducidade à prática de tal ato tributário, acarreta a estabilização/consolidação da situação que lhe está subjacente o que, a nosso ver, não pode deixar de implicar que a caducidade do direito à liquidação implique a caducidade à prática de um qualquer outro ato tributário que corporize a referida situação subjacente, se e ao menos na medida em que se traduza no ato tributário desfavorável e agressivo da esfera jurídica do contribuinte”.

I. De onde resultará a manutenção da decisão recorrida com a consequente improcedência do recurso da Fazenda Pública.

Prevenindo a hipótese de vir a ser outra a decisão e de se considerar estarem reunidas as condições para o conhecimento, em substituição, das demais questões colocadas na impugnação, cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio, o que apenas se admite a benefício de raciocínio, ainda se dirá:

J. Que todos os procedimentos inspetivos realizados pela autoridade tributária são manifestamente ilegais, porque violadores das regras previstas no RCPITA e com influência invalidante da liquidação que, com base neles, veio a ser efetuada.

K. Assim, o procedimento inspectivo realizado aos anos de 2006 e 2007, designado como de “consulta, recolha e cruzamento de informação”, foi, na verdade um procedimento inspectivo de comprovação e verificação da situação tributária da recorrida.
L. Foi, por isso, realizado muito para além do prazo de caducidade em clara violação do disposto no art.º 36.º, n.º 1 do RCPITA.
M. É a própria Fazenda Pública a reconhecê-lo nas suas alegações (conclusão ii) quando refere, expressamente, que o procedimento inspetivo realizado aos exercícios de 2006 e 2007, nos termos da alínea a), do n.º 1, do art.º 12º do RCPITA, visava a confirmação dos elementos declarados pela recorrida,
N. “Sendo que tal confirmação era absolutamente necessária para aferir da verificação dos pressupostos atinentes ao enquadramento da impugnante, no ano de 2008, no regime simplificado de tributação" (conclusão jj).
O. Tal como resulta do relatório elaborado na conclusão do procedimento "interno" de inspeção ao exercício de 2008 o volume de proveitos declarado pela impugnante em 2007 foi alterado de 140.225,08 para 537.625,86, confirmando, assim, que o objetivo do procedimento inspetivo não era de mera recolha de elementos mas de comprovação e verificação.
P. Sendo assim, não apenas não estavam devidamente credenciados os seus autores (pois que se exigia uma Ordem de Serviço - cf. art.º 49.º, n.º 4, alínea a) do RCPITA), em vez do Despacho que foi emitido,
Q. Como, foi desencadeado para além do prazo de caducidade, em clara violação do disposto no art.º 36.º, n.º 1 do RCPITA.
R. Não se confundindo aqui realização de procedimento inspetivo (como veio de facto a acontecer) com direito de exame de documentos (que nunca aconteceu), como pretende a Fazenda Pública nas suas alegações.
S. Ilegal é também o procedimento inspetivo realizado ao exercício de 2008.
T. Assim, e desde logo porque nunca esteve em causa qualquer procedimento inspetivo interno como pretende a Autoridade Tributária.
U. Como se deixou claramente demonstrado foram realizados atos inspetivos fora das instalações da AT pelo que o procedimento foi, materialmente, externo.
V. Basta analisar o teor da notificação do documento junto sob o doc. 4 da petição inicial e referida no ponto 5 dos factos provados, para ver como a autoridade tributária transforma procedimentos externos em alegados procedimentos internos.
W. Todavia, a inspeção tributária obteve os documentos que permitiram as correções que estiveram na origem da liquidação impugnada junto dos serviços de contabilidade da recorrida por atuação presencial do funcionário inspetivo encarregado do procedimento.
X. E não se venha alegar, como o faz a Fazenda Pública, que aquele documento foi obtido com base na Despacho que credenciou o procedimento inspetivo aos exercícios de 2006 e 2007,
Y. Pela simples e elementar razão de que tais documentos estavam contabilizados em 2008.
Z. Estamos perante procedimentos inspetivo externo, como o reconhece a Fazenda Pública quando refere na sua conclusão qq. "Obviamente que para aferir da correta aplicação do princípio da especialização dos exercícios havia que recolher elementos contabilísticos do ano de 2008, nomeadamente, extratos das contas de proveitos financeiros e extratos das contas de empréstimos a terceiros e outros documentos relacionados".
AA. Não se tratou, assim, assim, de uma "espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividade de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo (Acórdão do TCA Sul, de 01/10/2014, recurso n.º 04817/11),
BB. Mas, antes de um procedimento externo, que implicou a análise da contabilidade e a realização de atos inspetivos fora das instalações da autoridade tributária,
CC. De que é exemplo o documento que se encontrava contabilisticamente registado no exercício de 2008 (fatura n.º 1 de 01/09/2008 e orçamento n.º 003/2008) e que não era possível obter, tal como se referiu, no procedimento inspetivo realizado aos anos de 2006 e 2007 (cf. conclusão uu.).
DD. Mais. Por força do disposto no art.º 34.º, n.º 1 do RCPITA, este procedimento teria que ser necessariamente externo, pois envolvia a verificação da contabilidade.
EE. A máscara que lhe emprestou a Autoridade Tributária, ao classificá-lo como interno destinou-se a contornar a disposição contida no art.º 63.º, n.º 3 (atual n.º 4), que impedia a realização de qualquer outro procedimento externo ao exercício de 2008, face à realização, em 2011 (cf. doc. 2 junto à petição inicial, reconhecido pela Fazenda Pública na sua conclusão yy.), de procedimento inspetivo externo ao mesmo "sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação" (art.º 63.º, n.º 3 da LGT),
FF. sem que tivesse retirado qualquer consequência tributária dos documentos relativo aos juros de financiamento que, já então, se mostravam registados contabilisticamente.
GG. Assim, o novo procedimento inspetivo, materialmente externo, realizado ao exercício de 2008, ao abrigo da Ordem de Serviço 01201201615, apenas podia ser realizado com autorização do dirigente máximo do serviço e com base em factos novos.
HH. O que não aconteceu e demonstra, claramente, a ilegalidade do procedimento inspetivo com a consequente invalidade da liquidação que com base nele veio a ser efetuada.
II. Finalmente, a liquidação efetuada deve ser anulada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto ao alegado princípio da especialização de exercícios,
JJ. E à convenção, entre as partes, de que o empréstimo apenas venceria juros a partir de 1 de Janeiro de 2008,
KK. Não havendo, assim, qualquer proveito que fosse possível imputar ao exercício de 2007.
LL. Por outro lado, e conforme resulta do disposto no n.º 2 do art.º 18.º do Código do IRC, na redação à data dos factos, reportado às regras de periodização do lucro tributável, "As componente positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos”.
MM. No caso, o documento que procedeu à contabilização dos juros é de Setembro de 2008, muito posterior, portanto, ao encerramento das contas de 2007,
NN. Sendo, nessa data, manifestamente desconhecido.
OO. Pelo que não houve qualquer violação do princípio da especialização de exercícios.
PP. O que determinará a anulação da liquidação impugnada.
TERMOS EM QUE,
Sendo negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e mantendo-se a decisão recorrida,
Ou, acolhendo qualquer dos fundamentos invocados pela recorrida para determinar a anulação da liquidação impugnada,
Farão V. Excelências, Ilustres Conselheiros, a habitual e sempre esperada JUSTIÇA!

3 - O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 218/220 dos autos, concluindo no sentido da improcedência do recurso e da confirmação da sentença recorrida, pois que:
«(…)
A questão que se coloca consiste em saber se verificada a caducidade do direito de liquidação em relação a determinado exercício é possível à AT corrigir a respetiva matéria tributável para efeitos de a relevar no enquadramento do sujeito passivo no regime simplificado de determinação da matéria tributável no exercício seguinte.
Da sentença recorrida resulta que no ano de 2007 a Recorrida encontrava-se enquadrada no regime simplificado de determinação da matéria tributável e declarou nesse ano proveitos no montante de €140.225,08 euros. No âmbito de ação inspectiva tendo por base os exercícios de 2007 e 2008 a AT concluiu, tendo por base o princípio da especialização de exercícios, que proveitos declarados em 2008 deviam ter sido declarados no exercício de 2007, o que alterava, em valor superior a 25%, os proveitos declarados neste último ano. E nessa medida considerou a AT que no ano de 2008 se mostravam reunidos os pressupostos da alteração automática do enquadramento do sujeito passivo no regime de determinação da matéria tributável, passando do regime simplificado em vigor no ano de 2007 para o regime geral, atento o disposto no n.º 10 do artigo 53.º do CIRC, na numeração então em vigor.
Nos autos não é contestada a asserção de que à data – ano de 2012 – em que a AT efetuou as correções à matéria tributável do ano de 2007, já havia decorrido o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, cujo termo final ocorreu em 31/12/2011.
A questão controvertida prende-se com a possibilidade da realização dessas correções para efeitos de as relevar em sede de enquadramento da recorrida no regime de determinação do lucro tributável com efeitos no ano de 2008.
Aparentemente e como defende a Recorrente FP, estando em causa a liquidação de IRC do ano de 2008, os requisitos legais subjacentes ao exercício do direito de liquidação devem ser aferidos em função desse ano. Mas na resolução da questão em litígio há que atender a dois momentos distintos, embora um condicione o outro. De facto não está só em causa o exercício do direito de liquidação de IRC em relação ao ano de 2008, mas igualmente o exercício do direito de determinação do lucro tributável do ano de 2007. E nesta parte não concordamos com a conceção subjacente ao entendimento sufragado pela FP no sentido de que o direito de liquidação se reporta ao ato de liquidação em sentido estrito. O direito de liquidação deve ser entendido em sentido amplo, de forma a abranger todos os actos que visam a determinação da prestação tributária, nela se incluindo, como elemento essencial, a determinação da matéria tributável. E como decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, esse ato pode assumir autonomia para efeitos de impugnação se não der origem à liquidação de qualquer tributo.
Ora, só é possível alterar a matéria tributável de um determinado exercício se ainda não houver decorrido o respetivo prazo de caducidade, o qual é, em regra, de 4 anos, atento o disposto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
E se na fixação dos pressupostos de aplicação do regime de determinação do lucro tributável para efeitos do disposto no artigo 53.º do CIRC (à data aplicável), se mostra necessário atender aos proveitos fixados no exercício anterior, tal não significa que se possa alterar a matéria tributável anteriormente fixada, sem atender à caducidade do direito de liquidação reportado a esse ano. E como a lei não prevê para estes casos um prazo especial, há que atender ao prazo fixado no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
Como se deixou exarado na sentença recorrida, citando doutrina abalizada, subjacente ao instituto da caducidade estão razões “atinentes à necessidade da certeza dos direitos e das relações jurídicas”.
Daí que não se possa proceder a correções à matéria tributável de período relativamente ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que não se vise liquidar qualquer tributo referente a esse período. Sob pena de tal ilegalidade inquinar o ato de liquidação que vier a ser efetuado, tendo como pressuposto a validade daquelas correções e ainda que relativamente a este último não se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é atribuído pela Recorrente, motivo pelo qual se nos afigura que a mesma deve ser mantida e o recurso ser julgado procedente.».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter julgado que os princípios da confiança e da segurança jurídica que fundamentam o instituto da caducidade impedem que a AT efectue correcções aos proveitos de um exercício em relação ao qual se mostrava caducado o direito à liquidação e que se refletiram no enquadramento tributário da impugnante em sede de IRC no exercício seguinte e consequentemente na legalidade da liquidação desse exercício impugnada.

5 – Matéria de facto:
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1) A Impugnante exerce a actividade de "Compra e Venda de Bens Imobiliários", CAE 068100, encontrando-se enquadrada, no exercício de 2008, no regime simplificado de determinação do lucro tributável (dr. fls. 2 e 3 do Relatório de Inspecção Tributária, adiante RIT).
2) Em 21 de Outubro de 2011 foi emitida a Ordem de Serviço n.º 01201102071, que determinou a realização de um procedimento de inspeção externa à sociedade impugnante tendo como âmbito o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos anos de 2008 e 2009 (cf. fls. 35 do processo físico).
3) Os atos de inspeção de tal procedimento foram dados por concluídos em 20/12/2011 pela nota de diligência n. ND020111397.
4) Por Despacho n.º D1201200473, datado de 26-03-2012, foi determinada a realização de uma acção externa de consulta, recolha e cruzamento de elementos, incidente sobre os exercícios de 2006 e 2007, para confirmação do montante de proveitos efectivamente obtidos (dr. fls. 5 do RIT e print do Sistema Informático, junto ao PAT).
5) Em 7 de Maio de 2012, o Técnico Oficial de Contas da Impugnante, …………., foi notificado para apresentar na Direção de Finanças, no dia 14/05/2012, os "livros e registos da contabilidade ou escrituração e demais elementos com ela relacionados coma sejam: faturas, vendas a dinheiro, guias de remessa, guias de transporte ou outras, recibos e demais elementos que documentam e suportam os registos contabilísticos referentes aos exercícios de 2006, 2007 e 2008, sob pena de ser considerada recusa de exibição de escrita, punível pelo art.º 113.º do RGIT" (cfr. fls. 37 do processo físico).
6) Tal notificação foi subscrita pela Inspetor Tributário ……………, que aparece credenciado pelo Despacho n.º DI201200473, emitido em 26 de Março de 2012.
7) O Despacho aludido no ponto 4) foi notificado à impugnante na pessoa do referido Técnico Oficial de Contas em 18/05/2012 (cfr. fls. 36 do processo físico).
8) Em 01/08/2012, pelo ofício n.º 7155, foi remetida para a sede social da impugnante a nota de diligência referida no art.º 61.º do RCPIT, relacionada com o despacho DI201200473 (cfr. fls. 38 do processo físico).
9) Esta acção inspectiva foi encerrada em 11-10-2012 sem que tivessem sido efectuadas quaisquer correcções aos exercícios de 2006 e 2007 (cfr. print do Sistema Informático, junto ao PAT).
10) Em face dos documentos recolhidos no âmbito do referido Despacho concluiu a Inspecção que os proveitos efectivos, nomeadamente, os referentes ao exercício de 2007, superavam em 25%, num único exercício, o limite estabelecido no n.º 1 do art.º 53º do Código do IRC facto que implicava a cessação da aplicação do regime simplificado de tributação (cfr. fls. 5 a 14 do RIT).
11) Com o objectivo de confirmar o incumprimento dos requisitos legais relativos ao enquadramento no regime simplificado de determinação do lucro tributável, no exercício de 2008, e de proceder ao correcto enquadramento em sede de IRC foi a Impugnante sujeita a uma acção de inspecção interna, de âmbito parcial, efectuada ao abrigo da Ordem de Serviço Interna n.º 01201201615, determinada por despacho datado de 11-06-2012, a qual teve início em 12-06-2012 e foi concluída em 13-07-2012 (cfr. fls. 1 do RIT).
12) Na sequência da referida acção interna, foi elaborado o relatório de inspecção de fls. 109 a 147 do PAT cujo teor se dá por reproduzido, e que fundamentou as correcções ao valor dos proveitos financeiros declarados, bem como ao regime de determinação do lucro tributável, que vieram a originar a emissão da liquidação adicional de IRC 2008 n.º 20128310015008 ora impugnada - cfr. fls. 32 do processo físico.
Mais se provou que:
13) No exercício de 2007, a Impugnante contabilizou, como proveitos do exercício, o montante de €140.225,08 - cfr. fls. 123 e ss. do PA.
14) No exercício de 2008 a Impugnante contabilizou como proveitos e ganhos financeiros o montante de €9000.000,00, referente a juros obtidos de empréstimos de financiamento (conta 7814) - cfr. fIs. 123 e ss. do PA.
15) O montante contabilizado de €9000.000,00 referido no nº anterior teve por base a Fatura nº 1, de 01.09.2008 emitida pela Impugnante à sociedade A…………., SRL, com sede em …………., Roménia, com a descrição "Encargos financeiros relativos ao capital emprestado a essa sociedade" - cfr. fIs. 135 do PA.
16) Em anexo à fatura indicada, encontrava-se o orçamento nº 003/2008, de 2008-08-28, no qual se discriminam os valores relativos à mesma, cuja descrição se transcreve:
- "Remuneração de operação de crédito sob a forma de conta corrente (a) 887.596,09€
- “Serviços de administração e gestão 12.403,91€
“Observações” (a) Taxa média de remuneração 9,5%”
(cfr. verso de fls. 135 do apenso).
17) Nos exercícios de 2007 e 2008, existe uma conta - 2681 Outros Devedores, que se encontra dividida em 3 sub-contas seguintes: 2681001 ­C............... TRF; 2681002 – C…………. CH .......; 2681002 – C………….. CH ......... e 2681003 ­C…………. CH B…………. nas quais estão reflectidos vários movimentos, quer de transferências bancárias, quer de cheques, para a Roménia, que traduzem operações de crédito sob a forma de conta corrente (empréstimos) à sociedade A…………., SRL e que se encontram identificados nos quadros constantes de fls. 113-verso do P A, os quais se dão aqui por reproduzidos - dr. fls. 123 e ss. e fls. 136 e ss. do PA.
18) Por documento escrito, datado de 15.01.2008, intitulado “contrato de mútuo - contrato particular", no qual surge como primeiro outorgante, D………….., NIF …………., na qualidade de gerente da Impugnante e, como segundo outorgante, o mesmo D………….., na qualidade de administrador da sociedade SC A…………., SRL, NIF ……….., as partes declararam o seguinte:
“1. Que neste acto acordaram as duas outorgantes (A……….. Portugal e A………. Roménia) que a sociedade portuguesa vai financiar as actividades de investimento da sua congénere com sede na Roménia; --------------------------------------------------------
2. Que o montante a financiar poderá ascender até ao limite de 4.000.000,00€ (quatro milhões de euros); ---------------------------
3. Que a verba mencionada no ponto anterior foi ou será disponibilizada em várias tranches, de acordo com as necessidades que a SC A…………, SRL. Venha a demonstrar para fazer face aos compromissos a assumir no âmbito do concurso público a que irá ser opositor naquele estado; ---------------------------------------------------
4. Que os valores a emprestar vencerão juros à taxa de juro nominal anual a pagar pela segunda à primeira outorgante;
5. A taxa de juro será igual Euribor a 3 meses acrescida de um spread de 1%, contados a partir de 01-01-2008;--------------------------------------------------------
6. Desta forma, os montantes já disponibilizados pela primeira à segunda outorgante, antes da assinatura deste contrato, não estão sujeitos ao pagamento de quaisquer juros;----------------------------------------------------
7. Não obstante o acordado pelo presente contrato, fixa-se como mínimo a debitar a título de encargos financeiros e outros conexos com esta operação, que se venha a demonstrar terem sido suportados pela A…………., LDA no âmbito da mesma, a importância de 900.000,00€ (novecentos mil euros); -------------------------
8. Os encargos serão pagos na integra, pela segunda outorgante à primeira, até ao final do período previsto para reembolso no presente contrato; ------------------------
9. Para o efeito previsto no ponto precedente, a primeira outorgante apresentará uma nota de débito de juros e demais encargos, a qual será posteriormente confirmada e paga pela administração da devedora;
10. Os impostos e outros encargos no âmbito deste contrato serão da responsabilidade da sociedade SC A………….., SRL; -----------------------------------------------
11. O mutuário poderá amortizar total ou parcialmente a dívida, o que deverá ocorrer, de qualquer forma, antes de decorrido o prazo de trinta e seis meses após a assinatura deste contrato; ----------------------------------------------------
12. A falta de pagamento da, ou das importâncias em dívida, até à data limite, permitirá à primeira outorgante, se assim o entender, proceder judicialmente contra a segunda, nos termos da Lei com o objectivo de ser efectuado o reembolso da(s) quantia(s) ainda em dívida;-
Disseram ainda ambas as outorgantes:
13. Que aceitam este contrato de empréstimo nos termos exarados, sem quaisquer reservas;------------------------
14. por todos estarem de acordo, vão assinar o presente contrato, que consta de duas vias, uma para cada outorgante.---------------------------------------------------
(cfr. verso de fls. 144 e 145 do PA).

6 – Apreciando.
6.1 Da ilegalidade das correcções efectuadas em virtude da caducidade do direito à liquidação desse exercício
A sentença recorrida, a fls. 111 a 123 dos autos, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2008, anulando a liquidação sindicada, no entendimento de que a correcção efectuada pela AT aos proveitos do exercício de 2007 e que está na base na liquidação adicional do ano seguinte – designadamente, mas não apenas, por alteração do enquadramento tributário da recorrida do regime simplificado de determinação do lucro tributável para o regime normal -, é ilegal, por estar caducado o direito à liquidação em relação ao exercício no qual foi efectuada a correcção aos proveitos e em razão dos princípios da confiança e da segurança jurídica que fundamentam o instituto da caducidade.
Fundamenta-se o decidido nas evidentes razões de salvaguarda de certeza e segurança nas relações jurídicas, que a melhor doutrina assinala como subjacentes aos instituto da caducidade, e invoca-se o decidido no Acórdão do TCA-Sul de 9 de Fevereiro de 2010 (processo n.º 02859/09) que, versando embora sobre uma situação distinta daquela que se discute nos presentes autos, entende a sentença que a problemática suscitada é exactamente a mesma: a de saber se os fundamentos do instituto da caducidade permitem que a AT opere correcções num exercício que não tenha dado origem a qualquer liquidação, por forma a repercutirem-se em posteriores exercícios, num momento em que já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º da LGT relativamente ao exercício “corrigido”, e que idêntica deve ser a solução a adoptar, ou seja, a de que o efeito preclusivo do instituto da caducidade, ancorado na certeza e segurança jurídicas e no princípio da confiança dos cidadãos no Estado impede, nos termos da jurisprudência supra citada, que as correcções efectuadas para além do prazo de caducidade possam ser utilizadas para configuração de uma situação jurídica posterior, pois que contrariam a situação jurídica entretanto consolidada pelo decurso do respectivo prazo de caducidade.
Não se conforma com o decidido a AT, alegando, em síntese, por um lado, que o acórdão do TCA Sul n.º 02859/09 de 09.02.2010 (…) enquadra uma situação totalmente diversa da aqui em discussão, por outro, que não tendo sido liquidado imposto relativamente ao exercício caducado, não obstante terem sido acrescidos os proveitos desse exercício, não se colocam questões que se prendem com a necessidade de certeza de direitos ou de relações jurídicas, estando a actuação da AT legitimada pelas próprias normas constantes do ordenamento jurídico tributário, que lhe permitem verificar e consultar elementos da contabilidade relativos a períodos ou factos tributários já abrangidos pelo período de caducidade desde que o prazo de conservação de 10 anos ainda se encontre a decorrer, como acontece com a documentação contabilística.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste STA defende o não provimento do recurso, manifestando discordância com a alegação da recorrente de que a caducidade do direito à liquidação se reporta apenas e só ao “ato de liquidação em sentido estrito”, entendendo, ao invés, que este “deve ser entendido em sentido amplo, de forma a abranger todos os actos que visam a determinação da prestação tributária, nela se incluindo, como elemento essencial, a determinação da matéria tributável”, pois, “(…) como decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, esse ato pode assumir autonomia para efeitos de impugnação se não der origem à liquidação de qualquer tributo”, só sendo “possível alterar a matéria tributável de um determinado exercício se ainda não houver decorrido o respetivo prazo de caducidade, o qual é, em regra, de 4 anos, atento o disposto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.//E se na fixação dos pressupostos de aplicação do regime de determinação do lucro tributável para efeitos do disposto no artigo 53.º do CIRC (à data aplicável), se mostra necessário atender aos proveitos fixados no exercício anterior, tal não significa que se possa alterar a matéria tributável anteriormente fixada, sem atender à caducidade do direito de liquidação reportado a esse ano. E como a lei não prevê para estes casos um prazo especial, há que atender ao prazo fixado no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.”.
Vejamos.
Embora a recorrente reconheça as razões fundadoras do instituto da caducidade – que não são outras que não a certeza e segurança jurídicas, como consensualmente reconhecido pela doutrina e jurisprudência -, tem delas uma visão redutora, que a este Supremo Tribunal repugna aceitar.
Embora o julgamento da questão sub judice não estivesse antecipadamente facilitada pela existência de um “caso jurisprudencial” anterior de contornos idênticos sancionado por Tribunal Superior, a sentença recorrida julgou bem, olhando aos fins do instituto da caducidade tributária, aos valores de serve, e reputando de ilegais correcções ao lucro tributável de exercícios em relação aos quais a AT perdeu já, pelo seu não exercício atempado, o direito de introduzir alterações com relevo tributário, ainda que circunscrito aos exercícios seguintes não caducados, com o pretende alegadamente ter cumprido com a certeza de direitos ou de relações jurídicas.
Não convence esta sua alegação, antes a sentença recorrida fez correcto enquadramento e julgamento da questão sub judice ao reputar ilegais as correcções efectuadas ao exercício de 2007 caducado e que determinaram, por força do disposto no então n.º 10 do artigo 53.º do Código do IRC, o enquadramento do impugnante do regime de contabilidade organizada no ano de 2008 e a liquidação adicional impugnada.
Embora não sejam abundantes na doutrina referências a situações como a dos autos – pois que a imaginação da vida, ou do Fisco, se revelam mais frutuosas que a dos autores -, encontramos em obra monográfica recente sobre o tema – cfr. RUI MARQUES, A caducidade do direito de liquidação do imposto, Porto, Vida Económica, 2016, p. 46 – expressa a ideia de que mesmo nas situações em que não tenha sido apurado lucro tributável parece que, se aplica o instituto da caducidade, limitando no tempo a possibilidade de a Administração efetuar as ditas correcções, obrigada que está, de igual modo, a notificar o sujeito passivo no prazo de caducidade e sendo a essa mesma luz que, nos casos de fixação da matéria colectável que não origine consequente liquidação de imposto, o legislador admite a sua particularização, para efeitos de impugnação judicial pelo contribuinte – artigo 97.º n.º 1, alínea b), do CPPT.
Entende este STA, como a sentença recorrida, que as razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correcções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para as reflectir em períodos seguintes, pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situações que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário.

O recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida que bem julgou.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com dispensa parcial do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso em 20%, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 10 de Maio de 2017. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Dulce Neto.