Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0958/17
Data do Acordão:11/23/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:CONCLUSÕES
CONVITE PARA SINTETIZAR AS CONCLUSÕES
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:I - A finalidade ou função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação, abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações;
II - Sendo as conclusões a delimitar o objecto do recurso, a sua precisão tem essencialmente por finalidade tornar mais fácil, mais pronta e segura a tarefa da administração da justiça, numa perspectiva dinâmica de estreita cooperação entre os vários agentes judiciários, e permitir eficaz contraditório ao recorrido, que terá ganho total ou parcialmente a causa, e que, por via disso, terá todo o interesse em manter o decidido, reagindo, para isso, a questões que deverá perceber;
III - A lógica, e a boa arte de alegar, mandam que as conclusões sejam proposições sintéticas que emanam do que se desenvolveu nas alegações. Devem, portanto, ser em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, mas não só, devem traduzir, ainda, o esforço de condensar, de forma clara, a exposição realizada naquelas;
IV - É nessa perspectiva dinâmica de cooperação, servindo o objecto do recurso e a efectividade do contraditório, e bem assim a promoção das decisões de mérito, que deve ser enquadrado o despacho convite formulado pelo relator nos termos do artigo 639º, nº3, do CPC;
V - O que significa que nunca se deverá atribuir ao «convite» uma impositividade que ele não tem, nem extrair do seu eventual incumprimento, total ou parcial, consequências que ele não comporta. É que, enquanto convite, a sua aceitação não poderá deixar de ficar na disponibilidade do destinatário, e, enquanto convite incumprido, sempre fica a dever a cominação de «não conhecimento do recurso, na parte afectada» à permanência e efectividade dos vícios detectados nas conclusões.
Nº Convencional:JSTA00070424
Nº do Documento:SA1201711230958
Data de Entrada:10/13/2017
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:B... SA E MUNICÍPIO DA CALHETA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS DE 2017/06/22
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPTA02 ART6 ART7 ART8 ART89 N3 ART103 N3 ART140 ART146 N4.
CPC13 ART3 ART4 ART7 ART635 N4 ART639 N3.
CCIV ART334.
CCP ART43.
PORT 701-H/08 DE 2008/07/29.
PORT 119/12 DE 2012/04/30.
DLR 21/85/M DE 1985/10/19.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC07/12 DE 2012/03/28.; AC STA PROC0845/08 DE 2010/09/23.; AC STA PROC0225/07 DE 2007/06/06.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A…………, Lda. [A………] - identificada nos autos - interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 22.06.2017, que decidiu não conhecer do recurso de apelação para ele interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, porque, após convite, não foram «sintetizadas» as alegações, mantendo-se as mesmas «prolixas» e «confusas».

Tudo ocorre no âmbito de «acção administrativa de contencioso pré-contratual» instaurada por B……………, S.A., contra o MUNICÍPIO DA CALHETA [MC], e contra ela própria e mais 7 concorrentes ao concurso público cuja obra lhe foi adjudicada - uma empreitada de obras públicas para realização de «infra-estruturas de protecção da floresta – Rede Natura 2000».

Culmina as suas actuais alegações com as conclusões seguintes:

I. Da admissibilidade da revista

1- O acórdão recorrido consubstancia uma verdadeira denegação de administração da justiça;

2- A rejeição de recurso por alegadas deficiências de sintetização, prolixidade ou confusão das conclusões suscita questões de grande relevância jurídica e social [por atentar contra o direito ao processo equitativo, à garantia de acesso aos tribunais e por estar em causa conceitos indeterminados que facilmente resvalam para o subjectivismo e a arbitrariedade] e justificam a admissão do recurso de revista com vista a uma melhor aplicação do direito;

3- O STA e o STJ têm vindo, pacificamente, a admitir o recurso de revista nos casos de rejeição dos recursos jurisdicionais com base nos fundamentos supra, sobretudo quando os recorrentes aceitam e respondem de bom grado ao convite de aperfeiçoamento [sintetização das conclusões];

4- Assim foi decidido recentemente nos acórdãos do STA de 28.04.2016 e 19.05.2016, e nos acórdãos do STJ de 28.01.2016 e de 09.06.2016;

II. Da apreciação das questões

5- A recorrente refuta categoricamente que as suas conclusões, apresentadas na sequência do douto convite ao aperfeiçoamento, padeçam de deficiências de sintetização, e sejam prolixas e confusas;

6- Todos os intervenientes processuais, ou seja, a recorrida B……….., a contra-interessada C……….. e o Ministério Público, apresentaram respectivamente contra-alegações e parecer, demonstrando e revelando terem compreendido perfeitamente as conclusões e as questões que devem ser apreciadas e decididas no recurso, sem quaisquer reparos;

7- As conclusões são perceptíveis, claras, objectivas e permitem compreender e conhecer todas as questões suscitadas, reunindo todas as condições necessárias para o tribunal a quo apreciar e decidir o recurso;

8- As conclusões têm 59 pontos porque a recorrente impugnou matéria de facto [tendo prestado declarações 5 testemunhas sujeitas a interrogatório e vários contra-interrogatórios] e de direito;

9- A recorrente suscitou de modo claro e objectivo diversas questões: invocou a caducidade da acção; indicou os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, com menção dos concretos meios de prova, em especial com transcrição de declarações das testemunhas; os factos que deveriam ser considerados provados, e não o foram, e o sentido em que o deveriam ser; efectuou a apreciação crítica da motivação de facto; efectuou alegações de direito e citou jurisprudência;

10- O douto acórdão padece de falta de fundamentação porque se limita a adjectivar, de modo abstracto e subjectivo, as conclusões de prolixas e confusas, sem concretizar o que está ou não confuso, o que o TCA compreendeu ou não compreendeu;

11- O tribunal a quo estava obrigado a fundamentar a alegada confusão por força do direito à defesa e do dever de cooperação;

12- Não é verdade que a recorrente não tenha efectuado um esforço de «sintetização», pois ela reduziu as conclusões em quase 1/3, de 84 para 59;

13- A quantidade de conclusões, por si só, não é fundamento de rejeição do recurso;

14- Constatando-se que a recorrente aceitou e respondeu de bom grado ao convite, e efectuou uma redução significativa do número de conclusões, tal conduta impede que lhe seja aplicada a cominação prevista no nº3 do artigo 639º do CPC;

15- A jurisprudência é pacífica a considerar que uma vez acatado o convite ao aperfeiçoamento, a alegada falta de sintetização das conclusões não é fundamento de rejeição do recurso.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a admissão do recurso de apelação.

2. Dos recorridos, só a «B………..» contra-alegou, concluindo assim:

1- As conclusões formuladas pelo recorrente, no seu recurso para o TCAS da sentença proferida no TAF do Funchal, mantêm-se, mesmo após o convite, deficientes, obscuras e complexas;

2- As conclusões formuladas pelo recorrente não cumprem o nº2 do artigo 639º do CPC [ex vi artigos 1º e 140º do CPTA];

3- As deficiências das alegações de recurso da recorrente, implicam o seu não conhecimento nos termos do nº3 do artigo 639º do CPC, por força dos artigos já citados.

Termina pedindo que o recurso de revista não seja admitido, ou então, a sê-lo, lhe seja negado provimento.

3. O STA, através da formação a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA, veio a admitir a «revista».

4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do provimento do recurso - ver artigo 146º, nº1, do CPTA.

5. Cumpre, pois, apreciar e decidir este recurso de revista.

II. De Facto

Com pertinência para a apreciação, e decisão, do recurso de revista, resulta dos autos o seguinte quadro factual:

1- Em 23.12.2016, foi proferida pelo TAF do Funchal, no âmbito de «acção administrativa de contencioso pré-contratual», a sentença inserta a folhas 336 a 340 do II volume destes autos - aqui dada por reproduzida;

2- A contra-interessada A……….. - aqui recorrente - não se conformando, dela interpôs recurso para o TCAS, apresentando as alegações que constam de folhas 393 a 422 do I volume destes autos - aqui dadas por integralmente reproduzidas - e que culminam em 84 «conclusões»;

3- A recorrida, e contra-interessada, B……….., apresentou as contra-alegações que constam de folhas 464 a 478 do II volume destes autos - que aqui se dão por integralmente reproduzidas;

4- Enviado o recurso de apelação ao TCAS foi, em 30.03.2017, proferido pelo Exmo. Relator o seguinte despacho:

«Ao abrigo do disposto no artigo 639º, nº1 e nº3, do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, convido a Recorrente A…………. a sintetizar as conclusões constantes do seu requerimento de alegações de folhas 393 e seguintes, sob pena de não se conhecer do presente recurso jurisdicional.

Prazo: 5 [cinco] dias.

Notifique. […]» - folha 500 do III volume destes autos;

5- Na sequência deste despacho, a recorrente A………… apresentou conclusões «sintetizadas» [ver folhas 523 a 531-verso dos autos], em número de 59, e que se dão por reproduzidas;

6- Devidamente notificados os recorridos da junção aos autos das alegações sintetizadas, veio o MUNICÍPIO DA CALHETA oferecer o merecimento dos autos [ver folha 547 do III volume dos autos];

7- O Ministério Público junto do TCAS pronunciou-se pela total improcedência do recurso - ver folhas 549 a 558 do III volume dos autos;

8- Por acórdão proferido em 22.06.2017 - que se dá por integralmente reproduzido - o TCAS decidiu «rejeitar o recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF do Funchal e não conhecer do seu objecto», constando da sua fundamentação de direito, após enunciação do que se dispõe no artigo 639º, nº1 e nº3, do CPC, o seguinte:

[…]

«As conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações. Sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados nas alegações não há conclusões, o que é motivo para não receber o recurso [ver, entre outros, o AC do STJ de 04.02.1993 in CJ, STJ, 1993, Tomo 1, página 140].

Estando, como vimos, consignado no nº3 do actual artigo 639º, do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, que o recorrente deve ser convidado a completar, esclarecer e/ou sintetizar as conclusões quando elas se apresentem deficientes, obscuras ou prolixas - sob pena de não se conhecer do recurso - pode concluir-se por esta cominação quando o recorrente não satisfaça o convite nesse sentido.

E compreende-se que assim seja.

Na verdade, as conclusões das alegações de recurso contêm necessariamente o pedido e os fundamentos, de facto e de direito, pelos quais se pretende a alteração do decidido. E o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões formuladas nas alegações, só podendo ser conhecidas as questões nelas referidas.

No caso em apreço, como se alcança do requerimento de folhas 523 a 531-verso, constata-se que o conteúdo é em tudo idêntico às anteriormente apresentadas, sem qualquer esforço de síntese do texto das conclusões em confronto com as alegações a que dizem respeito. Tal vício ocorria já nas anteriores alegações em que o texto prolixo das mesmas era replicado nas conclusões.

Ora, o certo é que o texto das conclusões “sintetizadas” continua confuso e prolixo, mais se assemelhando a um texto de alegações.

Em suma, face à falta de esforço de síntese exigível, ao abrigo do disposto no artigo 639º, nº3, do CPC, impõe-se a rejeição do presente recurso jurisdicional e o não conhecimento do seu objecto.

Acordam, pelo exposto, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em rejeitar o recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF do Funchal e não conhecer do seu objecto.

[…]

III. De Direito

1. Esta «acção administrativa do contencioso pré-contratual» - artigos 100º a 103º-B do CPTA - foi intentada pela ora recorrida B……….., S.A., impugnando o «acto de adjudicação» à A…………. da celebração do contrato de empreitada de obras públicas visando a realização de «Infra-estruturas de Protecção da Floresta - Rede Natura 2000».

A anulação da adjudicação era pedida fundamentalmente com base na alegada «nulidade do respectivo Caderno de Encargos».

O TAF do Funchal - sentença de 23.12.2016 - julgou procedente a acção, e, por isso, declarou «a nulidade do Caderno de Encargos» e anulou «o acto de adjudicação».

Desta sentença interpôs a A………… - contra-interessada na acção, e adjudicatária no concurso público - recurso de apelação para o TCAS, tendo este sido objecto do despacho e do acórdão referidos, respectivamente, nos «pontos 4 e 8» da matéria de facto supra seleccionada.

2. A ora recorrente discorda do «acórdão recorrido» - do TCAS - que rejeitou o seu recurso de apelação, por, após apresentação de «conclusões sintetizadas», na sequência do «convite» que lhe foi dirigido, ter entendido que houve «falta de esforço da síntese exigível».

A seu ver, o acórdão recorrido realiza uma interpretação e aplicação erradas do nº3 do artigo 639º do CPC, fazendo-o em termos desrespeitadores da «garantia constitucional de acesso aos tribunais» e, além do mais, fazendo-o de um modo «abstracto, arbitrário e subjectivo», sem fundamentar o seu entendimento.

3. Nos termos do nº3 do actual artigo 639º do CPC [aplicável ex vi artigo 140º nº3 do CPTA], «Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada».

A norma fixa o objecto do convite a deduzir pelo relator em perfeito paralelismo com os vícios das conclusões, de tal forma que as conclusões deficientes devem ser completadas, as obscuras devem ser esclarecidas, e as complexas devem ser sintetizadas.

O relator deve, pois, ser rigoroso ao apontar o vício ou os vícios das conclusões, e deve dirigir convite consentâneo com o mesmo ou os mesmos, pois assim lho exige o direito de defesa da parte e o dever de cooperar com a mesma [ver artigos 4º e 7º do CPC, 6º e 8º do CPTA].

No presente caso, o vício detectado foi a do «complexidade das conclusões», já que a apelante A……….. foi convidada pelo Exmo. Relator a «sintetiza-las».

Mas, apesar da recorrente, correspondendo ao convite, ter reduzido as páginas das conclusões de recurso de 20 para 17, e o número das conclusões de 84 para 59, o tribunal, ora o Colectivo de Desembargadores, considerou que «o conteúdo [das conclusões agora apresentadas] é em tudo idêntico às anteriormente apresentadas, sem qualquer esforço de síntese do texto das conclusões em confronto com as alegações a que dizem respeito. Tal vício ocorria já nas anteriores alegações em que o texto prolixo das mesmas era replicado nas conclusões.

Ora, o certo é que o texto das conclusões “sintetizadas” continua confuso e prolixo, mais se assemelhando a um texto de alegações. […].

4. Vejamos.

A finalidade ou função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação, abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações [artigo 635º, nº4, do CPC].

Sendo elas a delimitar o objecto do recurso, a sua precisão tem essencialmente por finalidade tornar mais fácil, mais pronta e segura a tarefa da administração da justiça, numa perspectiva dinâmica de estreita «cooperação» entre os vários agentes judiciários, e permitir um eficaz «contraditório» ao recorrido, que terá ganho total ou parcialmente a causa, e que, por via disso, terá todo o interesse em manter o decidido, reagindo, para isso, a questões que deverá perceber [ver artigos 3º e 7º do CPC, e 8º do CPTA].

A lógica, e a boa arte de alegar, mandam que as conclusões sejam proposições sintéticas que emanam do que se desenvolveu nas alegações. Devem, portanto, ser em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, mas não só, devem traduzir, ainda, o esforço de condensar, de forma clara, a exposição realizada naquelas.

Este esforço de síntese suculenta depende muito da arte daquele que a realiza, pelo que o juiz deve estar sempre atento ao essencial, para que a eventual falta de jeito não redunde, escusadamente, em desfavor da parte [artigo 7º do CPTA].

E deverá ter sempre em consideração que nada há na lei que o dispense, pelo facto de haver conclusões, de ler o conteúdo das alegações que elas sintetizam. Com efeito, as conclusões não deverão ser lidas isoladamente, como se fossem peça processual autónoma, porquanto o seu alcance tem de ser determinado, e integrado, pelo teor das próprias alegações.

Essa atenção ao essencial, e a leitura enquadrada e integrada das conclusões, que se requer do juiz, tem a ver com a opção clara que é feita pelo legislador no sentido de «promover as apreciações do mérito». De facto, não é estipulada na lei processual qualquer fórmula para elaborar conclusões de recurso, antes se procura evitar o mais possível, a par de vários outros casos consagrados na lei, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais [ver artigos 7º, e 146º, nº4, do CPTA, e 639º, nº3, do CPC].

É nessa perspectiva dinâmica de cooperação, servindo o objecto do recurso e a efectividade do contraditório, e bem assim a promoção das decisões de mérito, que deve ser enquadrado o despacho convite formulado pelo relator nos termos do artigo 639º, nº3, do CPC [ex vi 140º do CPTA].

O que significa que nunca se deverá «confundir a nuvem com Juno», ou seja, nunca se deverá atribuir ao «convite» uma impositividade que ele não tem, nem extrair do seu eventual incumprimento, total ou parcial, consequências que ele não comporta. É que, enquanto convite, a sua aceitação não poderá deixar de ficar na disponibilidade do destinatário, e, enquanto convite incumprido, sempre fica a dever a cominação de «não conhecimento do recurso, na parte afectada» à permanência e efectividade dos vícios detectados nas conclusões.

Em sintonia com este modo de ver, decorrente dos princípios e da lei, vem este Supremo Tribunal decidindo, além do mais, que «O ónus de formular conclusões, ou de as sintetizar, mostra-se cumprido desde que as mesmas permitam identificar com precisão o entendimento do recorrente sobre as questões jurídicas do litígio, designadamente, as razões onde assenta a sua divergência da decisão recorrida» [AC do STA de 17.03.2010, Rº01205/09]; que «Se o novo elenco de conclusões denota efectivo esforço do recorrente no sentido da sanação do vício, já que ele diminuiu assinalavelmente o número de conclusões inicialmente oferecidas e simplificou, ainda, o teor da maioria das delas, não pode decidir-se que aquela complexidade se manteve [AC do STA de 06.06.2007, Rº0225/07; e AC STA de 23.09.2010, Rº0845/08]; e que «O recorrente cumpre a obrigação de sintetizar as conclusões das alegações determinada no despacho do relator se reduz o número de conclusões de 23 para 18, e se, para além disso, o relator não lhes apontou nenhum dos outros vícios identificados naquele preceito» [AC do STA de 28.03.2012, Rº07/12].

5. Assim apetrechados, voltemo-nos para o acórdão recorrido.

Não vamos aqui pôr em causa, pelo menos directamente, o mérito do despacho convite dirigido pelo Exmo. Desembargador Relator à recorrente A…………... Seja ele justificado, ou não, numa latente «complexidade» das conclusões, o certo é que foi proferido, e foi, pelo menos objectivamente, correspondido, na medida em que as páginas passaram de 20 para 17 e as conclusões de 84 para 59.

Mas, não deixaremos de sublinhar que a recorrida B………… apresentou as suas contra-alegações, demonstrando perceber o conteúdo das alegações, ou, pelo menos, sem se queixar de qualquer obscuridade que a impedisse de tal [páginas 464 a 478].

É verdade que a redução quantitativa do número das páginas, e de conclusões, não permite, por si só, concluir pela sua clarificação, se eram obscuras, ou pela sua simplificação e sintetização, se eram complexas. E é verdade, também, que se surpreende na «nova peça processual», e face às conclusões iniciais, pouco esforço de sistematização e de condensação por parte da recorrente, já que a redução resulta, essencialmente, da extracção de várias «conclusões».

Mas, o verdadeiramente importante, na linha do que deixamos dito no anterior ponto 4, é saber se as actuais conclusões cumprem a sua finalidade de delimitar o objecto da apelação, identificando as «nulidades» e os «erros de julgamento» que a recorrente imputa à sentença recorrida e justificam o seu pedido de a ver declarada nula, ou revogada, e o fazem de forma a poderem ser entendidas.

E é patente que tal acontece. Das actuais conclusões retira-se que a recorrente invoca, ex novo, duas questões: - «abuso do direito», por parte da autora da acção [artigo 334º do CC - conclusões 1ª e 2ª]; - «caducidade da acção» [artigos 103º, nº3, e 89º, nº3, do CPTA - conclusões 3ª a 10ª].

E imputa à sentença recorrida «erros de julgamento de facto» - segundo ela o «facto 3» da sentença deverá ser alterado, e ainda deverão ser aditados mais sete factos pertinentes e provados [conclusões 11ª a 16ª]; além disso, ocorre deficiente fundamentação da matéria de facto [conclusões 17ª a 26ª] -, e «erros de julgamento de direito» - violação dos nºs 1 e 3 do artigo 11º da Portaria nº701-H/2008, de 29.07, com remissão para o seu Anexo II [conclusões 27ª a 31ª]; - violação do nº1 da Portaria nº119/2012, e o Decreto Legislativo Regional nº21/85/M [conclusões 32ª e 33ª]; - violação do artigo 43º, nº5, do CCP [conclusões 34ª a 36ª]; - desnecessidade dos estudos geológicos e geotécnicos face às características concretas da obra [conclusões 37ª a 59ª].

Em suma: deverá ser concedido provimento ao recurso de revista, ser revogado o acórdão recorrido, e ordenada a baixa dos autos ao TCA Sul para conhecer do objecto do recurso para ele interposto da «sentença do TAF do Funchal», caso nada mais obste a tal.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento ao recurso de revista, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido e ordenar a baixa dos autos ao TCA Sul para aí se conhecer do objecto do recurso, caso nada mais obste a tal.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Novembro de 2017. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.