Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0957/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
PROPOSTA
ESCLARECIMENTO
EXCLUSÃO
Sumário:I – A proposta é a peça fundamental do procedimento concursal, estando sujeita ao princípio da intangibilidade ou imutabilidade o qual impõe que, com a respectiva entrega, o concorrente fique vinculado à mesma, tal como foi apresentada, não a podendo, por regra, alterar ou corrigir posteriormente à sua apresentação.
II - Em sede de esclarecimentos, previstos no art. 72º do CCP, o concorrente não pode juntar elementos que contrariem os que já constam da proposta, nem pode alterar ou completar a mesma.
III - No caso em apreço tratava-se não de qualquer erro de forma mas de um erro material da proposta apresentada, cuja reparação a transformava noutra proposta diferente, uma vez que os erros constatados respeitavam às características (diferentes composições) das rações que constavam das fichas técnicas e da declaração de compromisso.
IV – Não tendo a autora cumprido a exigência do art. 5º, nº 4 do programa do concurso, tal determinava a sua exclusão, sendo que, nesta matéria o júri agiu de forma vinculada (cfr. art. 146º, nº 2, al. n) e 132º, nº 4 do CCP).
Nº Convencional:JSTA00070434
Nº do Documento:SA1201711300957
Data de Entrada:10/16/2017
Recorrente:MINISTÉRIO DA AGRICULTURA FLORESTAS E DESENVOLVIMENTO RURAL
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS DE 2017/03/04
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - PRÉ-CONTRATUAL
Legislação Nacional:CCP ART56 N1 N2 ART70 N2 A ART72 N1 ART132 N4 ART146 N2 N.
CCIV66 ART249.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01355/14 DE 2015/05/07.; AC STA PROC0580/14 DE 2014/09/25.; AC STA PROC0878/12 DE 2013/01/30.; AC STA PROC0760/11 DE 2012/05/09.; AC STA PROC01042/10 DE 2011/03/22.; AC STA PROC0839/10 DE 2011/01/13.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

O Ministério da Agricultura Florestas e Desenvolvimento recorre para este Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão do TCA Sul, proferido em 4 de Março de 2017, que concedeu provimento ao recurso instaurado por A…………, Ld., revogando a decisão recorrida e, em consequência:
“(i) Anulou a decisão de adjudicação à proposta apresentada por B……….., Lda;
(ii) Condenou a entidade demandada a adjudicar à proposta da autora, ora recorrente, os lotes 9 e 10;
(iii) Determinou a baixa dos autos à primeira instância para se proceder ao convite previsto no artigo 45º, n.º 1, aI. d) do CPTA, seguindo-se a demais tramitação aí prevista (dada a impossibilidade absoluta de satisfazer os interesses da ora recorrente com referência aos lotes 1, 2, 6,7 e 8).”
A recorrente apresentou alegações com o seguinte quadro conclusivo:
1. Sem prejuízo de outro e diverso entendimento de V. Exas., afigura-se-nos ocorrerem as circunstâncias que, nos termos do n.° 1 do art,° 150.° do CPTA, permitem o presente recurso de revista;
2. A proposta da ora recorrida não apresentava nenhuma obscuridade que demandasse esclarecimentos por parte do júri do concurso;
3. Sucedendo, ao invés, que na mesma constavam dois documentos divergentes quanto a alguns dos atributos da proposta e mais concretamente no que toca às características técnicas do produto a fornecer;
4. Que, em rigor, resultavam na possibilidade de fornecimentos alternativos, o que não era admitido pelo procedimento;
5. Não podia o júri, sob pena de infringir o disposto no n.° 2 do art. 72.° do CCP e por essa via o princípio da intangibilidade das propostas, solicitar à proponente que se vinculasse, a uma ou outra das alternativas que propunha para o fornecimento;
6. Não se estava, pois, perante, uma situação que exigisse ou aconselhasse qualquer pedido de esclarecimentos, como erradamente se concluiu na douta decisão recorrida, pois que nada havia a esclarecer;
7. Não se vislumbrando, por isso, que a entidade adjudicante tivesse violado aquele preceito do CCP ou algum dever dele decorrente ou cometido alguma ilegalidade e designadamente que tivesse omitido um dever procedimental em cumprimento do princípio do favor do procedimento ao invés do que, erradamente, se decidiu;
8. Perante aquela informação/vinculação contraditória, a proposta deveria ser excluída nos termos da alínea n) do n.° 2 do art.° 146.° do Código dos Contratos Públicos, por força da cláusula de exclusão prevista no artigo 5.º do procedimento do concurso;
9. Por isso se devendo também considerar incorreta a decisão do tribunal a quo, no que concerne a violação, pelo júri, do princípio da proporcionalidade, dado que a decisão de exclusão era estritamente vinculada;
10. A douta decisão recorrida violou o disposto no art.º 72.° e no art.° 146.° n.° 2 r) do CCP.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A formação prevista no art. 150º, nº 5 do CPTA, admitiu a revista.

O Exmo Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer no recurso.

Sem vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
A) No Diário da República II Série número 80, de 26 de Abril de 2016 foi na Parte L - Contratos Públicos publicado pela Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo “Anúncio de procedimento n.º 2457/2016” relativo ao Concurso Público n.º AVAP/4/2016/SPL com vista à “Aquisição de ração para o efectivo pecuário dos centros de experimentação” no qual se referia designadamente o seguinte:
“5 DlVISÃO EM LOTES, SE FOR O CASO
Lote n.º 1
Designação do lote: Ração para efectivo bovino - Iniciação
Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 15 toneladas de ração (...)
Lote n.º 2
Designação do lote: Ração para efectiva bovino - Crescimento
Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 54 toneladas de ração (...)
Lote nº 3
Designação do lote: Ração para efectivo bovino - Manutenção (farinado)
Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 10,8 toneladas de ração
Lote n.º 4
Designação do lote: Ração para efectivo bovino - Manutenção (tacos)
Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 95 toneladas de ração (...)
Lote n.º 5
Designação do lote: Ração para efectivo ovino e caprino - Iniciação (medicada) Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 2,1 toneladas de ração (...)
Lote n.º 6
Designação do lote: Ração para efectivo ovina e caprino - Crescimento Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 20 toneladas de ração (...)
Lote n.º 7
Designação do lote: Ração para efectivo ovino e caprino Lactação Descrição sucinta do obiecto do lote: Fornecimento de 30 toneladas de ração (..,)
Lote n.º 8
Designação do lote: Ração para efectivo suíno - Animais em recria Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 48 toneladas de ração (...)
Lote n.º 9
Designação do lote: Ração para efectivo suíno: Porcas em gestação/lactação
Descrição sucinta do objecto do lote: Fornecimento de 25,02 toneladas de ração (...)
Lote n.º 10
Designação do lote: Ração para efectiva suíno - Animais em acabamento montanheira Descrição sucinto do objecta do lote: Fornecimento de 10 toneladas de ração (...)
6- LOCAL DA EXECUÇÃO DO CONTRATO
Herdade .............. - Safara; Herdade............. - Vila Nova de 5.
Bento (...) Distrito: Beja
Concelho: Serpa
7- PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
Restantes contratos
Prazo contratual de 8 meses a contar da celebração do contrato (...).
12- CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
Mais baixo preço.”
Cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial
B) O concurso público n.º AVAP/4/2016/SPL para a aquisição de ração para o efectivo pecuário dos centros de experimentação da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo” tinha por objecto, de acordo com o programa do procedimento, a aquisição de ração para o efectivo bovino, ovino, caprino e suíno, durante o ano de 2015, nas quantidades e para os centros de experimentação indicados no quadro seguinte:



C) O caderno de Encargos do concurso determina no seu artigo 7.º, n.º 1 que as rações a fornecer devem observar as características técnicas descritas no Anexo A as quais, em termos de composição, empreendem as percentagens de gordura e proteínas aí descritas para cada um dos lotes a concurso (Cfr. verso de folhas 18 do Volume 1 do processo administrativo).
D) O Anexo A do Caderno de Encargos tinha o seguinte teor:







(Cfr. documento junto ao processo administrativo).
E) A ração a adquirir destina-se a: no “Centro de Experimentação ………………, específica para a fase de iniciação, crescimento e acabamento/manutenção do efectivo pecuário bovino desta Unidade de Produção destina-se a assegurar a alimentação de 255 vacas Mertolengas, 26 novilhas Mertolengas, 13 novilhos Mertolengos, 173 bezerros Mertolengos, 9 touros Chaalez, Limousine e Mertofengo, 110 vacas Garvonesas, 2 novilhos Garnoneses, 38 novilhos Garvonesas, 3 toiros Garvoneses, 78 bezerros Garvoneses”; e no “Centro de Experimentação............, específica para a fase de crescimento e manutenção do efectivo pecuário bovino desta Unidade de Produção destina-se a assegurar a alimentação de: 215 vacas Mertolengas, 169 vacas Alentejanas, 2 toiros Alentejanos, 2 toiros Limousine, 2 toiros Charoleses, 17 novilhas Alentejanas, 13 novilhos Alentejanos, 1 novilho cruzado, 92 novilhos cruzados, 81 bezerras e bezerros Alentejanos, 84 bezerras e bezerros cruzados” (Cfr. Informação n.º INF/5/2016/DAP junta ao processo administrativo).
F) O artigo 5.º do Programa do Procedimento tinha o seguinte teor:
Artigo 5.º
Documentos que constituem as propostas
1. As propostas são constituídas pelos documentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos.
2. O concorrente deverá apresentar, também, a proposta de preço, a qual deverá indicar os seguintes elementos:
a) Acréscimo de IVA à taxa legal em vigor aos preços apresentados;
b) Dados referentes a assistência técnica;
c) Prazos de entrega/execução;
3. A proposta deverá conter a informação técnica necessária à verificação do cumprimento dos requisitos técnicos mínimos estabelecidos no caderno de encargos.
4. Os concorrentes devem apresentar, juntamente com a proposta, e sob pena de exclusão, documentos que contenham os seguinte elementos:
a) Composição e percentagem de incorporação de matérias-primas, por kg de ração;
b) Constituição nutricional, por kg de ração;
c) Declaração de compromisso em como fornecerá a ração constante da proposta, durante o período de vigência do contrato, no que respeita a:
Composição e percentagem de incorporação de matérias-primas; Constituição nutricional.”
G) A A…………, Lda apresentou a sua proposta e deu cumprimento às exigências documentais tendo optado por juntar à “declaração” prevista no n.º 2 do artigo 5.º do “Procedimento de Concurso”, a documentação prevista no n.º 4, embora, em cumprimento do aí determinado, a tivesse entregue igualmente de modo isolado sob a designação de fichas técnicas. (Cfr. proposta que consta do volume II do processo administrativo e que se dá por reproduzida).
H) Em 5 de Maio de 2016 a A………., Lda, foi notificada do Relatório Preliminar onde o Júri propôs adjudicar à sua proposta 7 (sete) dos 10 (dez) Lotes deste procedimento (os Lotes 1, 2, 6, 7, 8, 9 e 10, tendo nos restantes 3 (três) Lotes a sua proposta sido excluída por ter apresentado um preço superior ao preço base, tendo aquele Relatório Preliminar o seguinte teor:









I) Em 23 de Maio de 2016 a A…………., Lda foi notificada do Segundo Relatório Preliminar onde o Júri propôs a exclusão da proposta da autora em todos os Lotes e propôs a adjudicação dos Lotes 1, 2, 6, 7, 8, 9 e 10 à proposta da B…………., Lda, tendo aquele segundo relatório preliminar o seguinte teor:








J) Em 3 de Junho de 2016 a A…………., Lda foi notificada do Relatório Final onde o Júri do concurso confirmou as conclusões do Segundo Relatório Preliminar (Cfr. documento junto ao processo administrativo que se dá por integralmente reproduzido).
K) Com data de 2 de Junho de 2016 foi elaborada a Informação N. INF/15/2016/DGFcom o seguinte teor:






(Cfr. documento junto ao processo administrativo).
L) Pelo Director Regional de AgricuItura e Pescas do Alentejo foi proferido despacho exarado naquela Informação em que refere designadamente o seguinte: “Adjudique-se o procedimento à firma “B……….., Lda” (Cfr. Informação n.º INF/15/2016/DGF junta ao processo administrativo)
M) A A……….. Lda apresentou reclamação daquele despacho (Cfr. documento junto ao processo administrativo que se dá por reproduzido).
N) Aquela reclamação foi apreciada na Informação n.º INF/18/2016 no qual foi em 20 de Junho de 2016 exarado despacho pelo Director Regional da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo com o seguinte teor: “Concordo. Proceda-se em conformidade e adjudique-se o procedimento à firma B…………., Lda” (Ctr. documento junto ao processo administrativo que se dá por integralmente reproduzido).
O) Entre a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo e a B……………, Lda foi em Junho de 2016 celebrado o “contrato para o fornecimento de ração para o efectivo pecuário dos centros de experimentação da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo Lotes 1, 2, 6, 7 e 8” (Cfr. documento junto ao processo administrativo).
P) Em 14/06/2016 a autora apresentou “impugnação administrativa do acto de adjudicação, sob a forma de reclamação para o autor do acto”, tendo junto com a mesma dois documentos concretamente a ficha técnica e a declaração de compromisso (cfr. doc 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


3. O Direito
A Autora, aqui recorrida, impugnou na presente acção o acto que excluiu a proposta que apresentou no concurso público para o fornecimento de rações, em causa nos presentes autos.
O art. 5º do programa do concurso exigia que os concorrentes indicassem, “sob pena de exclusão”, determinados componentes das rações, indicados no respectivo nº 4, alíneas a), b) e c). Sendo certo que, no âmbito dessa exigência, a proposta da autora continha informações diferentes em relação a alguns dos lotes.
Neste quadro o TAC de Lisboa entendeu que a decisão de adjudicação no concurso ao ter excluído a proposta da autora não era ilegal, por violação do art. 72º, nº 1 do CCP e dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, não padecendo o acto de adjudicação de qualquer vício.
Já o TCA Sul decidiu em sentido contrário, por haver entendido que aquelas discrepâncias consubstanciavam um erro evidente susceptível de correcção de acordo com o art. 72º, nº 1 do CCP, devendo o júri ter aberto uma fase de esclarecimentos, em obediência ao princípio da proporcionalidade.
Considerou o acórdão recorrido que tais esclarecimentos não violavam o “princípio da intangibilidade da proposta” por que não alteravam ou completavam os respectivos atributos, nem “supriam omissões que determinassem a exclusão de propostas por falta de algum dos atributos submetidos à concorrência”. E que os “esclarecimentos que deveriam ter sido solicitados à concorrente incidem sobre os elementos já constantes das suas propostas, não resultando dos mesmos a modificação do conteúdo destas”.

A questão a decidir é, pois, a de saber se a proposta da aqui recorrida foi bem excluída, ou se, ao invés, deveriam ter sido solicitados pelo júri esclarecimentos nos termos do disposto no art. 72º, nº 1 do CCP.

Vejamos.
Conforme o disposto no nº 4 do art. 5º do Programa do Concurso os concorrentes tinham de apresentar com a proposta e, sob pena de exclusão, documentos contendo: (i) a composição e percentagem de incorporação de matérias primas por kg de ração; (ii) a constituição nutricional, por kg de ração; (iii) a declaração de compromisso de fornecer a ração constante da proposta, durante o período de vigência do contrato, no que respeita à composição e percentagem de incorporação de matérias primas e constituição nutricional.
O que o júri do concurso verificou nos documentos apresentados pela autora foi que, nas fichas técnicas onde se descrevia a composição e percentagem de incorporação de matérias primas por kg de ração e a constituição nutricional por kg de ração constavam por lote produtos com determinada composição e, na declaração de compromisso das rações a fornecer, a composição era, pelo menos em parte, outra.
O art. 72º do Código dos Contratos Públicos (CCP), sob a epígrafe “Esclarecimentos sobre as propostas” prevê nos seus nºs 1 e 2 o seguinte:
1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.
2 - Os esclarecimentos prestados pelos respectivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respectivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º”.
Significa isto que, em sede de esclarecimentos, o concorrente não pode juntar elementos que contrariem os que já constam da proposta, nem pode alterar ou completar a mesma.
Como a própria autora admite, ao apresentar a sua proposta apresentou dois documentos que continham informações discrepantes e que tal se deveu a lapso na elaboração do documento “Ficha técnica” que não reproduziu, como deveria, o conteúdo do documento junto com a “declaração de compromisso”.
Ora, como resulta dos termos do art. 5º do programa do concurso as fichas técnicas e as declarações de compromisso faziam parte integrante da proposta e em sede de esclarecimentos não podia o concorrente alterar essas fichas técnicas e declarações de compromisso. E, essa era exactamente a pretensão da Autora, em sede de reclamação, na qual refere, “vem (...) anexar (...) os documentos da sua proposta expurgados dos lapsos cometidos”.
Mas, dessa forma, a autora alterava a sua proposta o que face do que dispõe o art. 72º, nº 2 do CCP, não é admissível.
Com efeito, a admitir-se os esclarecimentos, o concorrente poderia corrigir erros materiais ou substanciais da proposta apresentada. E, de facto, face àquela divergência dos documentos, ao júri não era possível saber que tipo de ração a concorrente queria fornecer, pois as composições eram distintas (apesar de em ambos os documentos os teores composicionais mínimos exigidos serem observados).
O que significa que, a aceitação da entrega de um novo documento contendo características técnicas diferentes das já indicadas de um dos dois documentos já juntos, corresponderia a aceitar-se um novo documento contendo uma verdadeira alteração ou correcção da proposta e não um simples esclarecimento.
Prevê o art. 56º, nº 1 do CCP que: “A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.”. E diz o nº 2 que: “Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos”.
Donde decorre que a peça fundamental do procedimento concursal que é a proposta, está sujeita ao princípio da intangibilidade ou imutabilidade o qual impõe que, com a entrega da proposta, o concorrente fique vinculado à mesma, tal como foi apresentada, não a podendo, por regra, alterar ou corrigir posteriormente à sua apresentação.
Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 07.05.2015, P. nº 01355/14: «Este Supremo vem encarando a «proposta» apresentada no âmbito de procedimento de contratação pública como verdadeira «declaração negocial» e, enquanto tal, sujeita à possibilidade de correcção de lapsos e de erros materiais manifestos, rectificáveis a todo o tempo, e sujeita à tarefa hermenêutica, como qualquer outra declaração de vontade, sendo-lhes aplicáveis, na falta de norma especial nesta matéria, as regras gerais do Código Civil, ou seja, o disposto no artigo 249º e os critérios interpretativos para os negócios formais que são ditos no artigo 238º do mesmo [ver, entre outros, AC STA de 13.01.2011, Rº 0839/10; AC STA de 22.03.2011, Rº 01042/10; AC STA de 09.05.2012, Rº 0760/11; AC STA de 30.01.2013, Rº 0878/12; e AC STA de 25.09.2014. Rº 0580/14].
Aquelas correcções, de lapsos e erros materiais manifestos, ao abrigo do art. 249º do CC, exigem que o lapso ou o erro se manifeste com objectividade, e no contexto da declaração de vontade, de modo que apenas se rectifica a forma, e não a substância, nada se acrescenta ou altera, apenas se rectifica.».
Ora, no caso em apreço tratava-se não de qualquer erro de forma mas de um erro material da proposta apresentada, cuja reparação a transformava noutra proposta diferente, uma vez que os erros constatados respeitavam às características (diferentes composições) das rações que constavam das fichas técnicas e da declaração de compromisso.
Assim, visto que a autora não cumpriu a exigência do art. 5º, nº 4 do programa do concurso, não tinha o júri outra solução que não fosse a da sua exclusão, sendo que, nesta matéria o júri agiu de forma vinculada (cfr. art. 146º, nº 2, al. n) e 132º, nº 4 do CCP).
Ao assim não ter entendido o acórdão recorrido incorreu no erro de julgamento que o Recorrente lhe assaca, sendo de revogar, procedendo, consequentemente, o recurso.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo a sentença do TAC de Lisboa.
Custas pela Autora, aqui Recorrida, nas instâncias e neste STA.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.