Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01191/12.3BELRS
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
Sumário:No caso de um prédio rústico adquirido por usucapião, onde posteriormente vem a ser erguida uma construção, só o valor do primeiro pode ser considerado para efeitos de incidência de Imposto de Selo.
Nº Convencional:JSTA000P28489
Nº do Documento:SA22021111001191/12
Data de Entrada:03/22/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........ - CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA, REPRESENTADA POR B.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório
1 – A………… – Cabeça de Casal da Herança, representada por B………., com os sinais dos autos, impugnou no Tribunal Tributário de Lisboa o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, proferido no âmbito da liquidação de Imposto do Selo, no ano de 2006, pedindo a anulação do mesmo, a revisão da liquidação e o reembolso do imposto pago em excesso, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

2 – Por sentença de 29 de Dezembro de 2020, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação, anulou a decisão de indeferimento de recurso hierárquico e, consequentemente, a liquidação de imposto de selo no valor de € 27.845,00 e condenou a Administração Tributária à devolução à Impugnante do valor de imposto pago no montante de € 11.138,00, acrescido dos juros indemnizatórios.

3 – A Fazenda Pública, inconformada com o teor da sentença, vem dela interpor recurso, apresentando, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões:
«[…]
i. O A questão em causa nos presentes autos prende-se em saber se o IS devido por transmissão gratuita de imóvel, in casu por usucapião, recai apenas sobre o valor patrimonial do prédio rústico ou também sobre o valor do prédio nele edificado pelos impugnantes.

ii. A aquisição por usucapião é considerada uma aquisição originária e por esse motivo não é juridicamente verdadeira transmissão.

iii. Ou seja, o usucapiente não sucede nos direitos do anterior titular do direito de propriedade ou outro direito rela de gozo sobre o bem adquirido.

iv. Em termos de incidência, o imposto do selo não incide sobre a aquisição da propriedade em si, mas sobre os atos jurídicos praticados relativamente àquela aquisição, sendo, pois, devido pela celebração da escritura pública de justificação ou da escritura de compra e venda.

v. Posto isto, resulta evidente o facto tributário que é objeto da tributação não é a aquisição, mas sim o ato notarial constituído pela Escritura de justificação notarial que titula a aquisição por usucapião, i.e., a incidência objetiva é o documento notarial em causa.

vi. Sendo que o que é relevante, como objeto da aquisição, é a realidade imobiliária existente à data da celebração da escritura e não qualquer outra.

vii. Assim sendo, porque a obrigação tributária se constitui com a transmissão operada por via da escritura de justificação notarial (art. 5°, nº 1, al. r do CIS), como aquisição originária que é a usucapião, é irrelevante o momento de aquisição do direito de propriedade (Vide neste sentido, Acórdão de 26.11.2008, recurso 376/08 in www.dgsi.pt).

viii. Por conseguinte, a data relevante será a data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial.

ix. Acresce ainda que, o facto de os impugnantes, alegadamente, terem construído um prédio em terreno de terceiro não lhes confere a propriedade do mesmo, pois tal construção se revela como uma mera benfeitoria útil, cfr. nº 3 do art.º 216º do CC.

x. Assim, conforme bem esclarece a Circular 19/2009, de 21/07, da DSMIT, “Sendo o valor tributável na aquisição por usucapião o valor tributável do prédio adquirido, sem qualquer dedução, não pode ser deduzido ao valor tributável do Imposto do Selo, o eventual direito de crédito do usucapiente sobre o proprietário relativo às benfeitorias úteis realizadas ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa. Tal direito de crédito, na verdade, extingue-se com o justificativo da aquisição por usucapião, em virtude da reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e de devedor”.

xi. Concluindo que “Assim, o valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial do prédio adquirido, sem qualquer dedução, no momento do nascimento da obrigação tributária, ou seja à data em que tiver transitado em julgado a acção de justificação ou for celebrada a escritura de justificação notarial”.

xii. Destarte, é nosso entendimento que a factualidade dos presentes autos preenche os pressupostos de incidência previsto no CIS, sendo, por isso passível de tributação nos exatos moldes que o foram e que constam dos atos tributários em crise.

xiii. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o disposto nos arts.º 1º, nº 3, al. a), 5º, al. r), 13º, nº 1 todo do CIS, bem como a verba 1.2 da TGIS.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
[…]».

4 – A Impugnante e aqui Recorrida contra-alegou, sumariando as seguintes conclusões:

«[…]
I. A Exma. Representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença, aliás douta, da Meritíssima Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida nos presentes autos, a 29 de dezembro de 2020, que julgou procedente a impugnação apresentada pela recorrida e, em consequência, por um lado, anulou a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, e por outro, anulou o ato de liquidação de Imposto do Selo, no ano de 2006, interpôs contra ela recurso para este Venerando Tribunal.

II. Na sequência das alegações de recurso, apresentadas pela Exma. Representante da Fazenda Pública, a ora Recorrida vem agora, nos termos do disposto no artigo 282.º, n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), apresentar as suas contra-alegações, o que faz do seguinte modo:

III. A Mma Juiz a quo deu como provados os factos enunciados no artigo 1 das presentes contra-alegações - matéria esta que não foi impugnada ou contestada pela Recorrente, e da qual resulta com maior destaque que: «

Q) Em 28 de Setembro de 2006, foi lavrada escritura de justificação realizada no Cartório Notarial de Almada, onde ficou a constar que o prédio inscrito na matriz predial sob o n.º ……….. foi adquirido no ano de 1977, pela Impugnante a C…………., sem ter sido celebrada a respectiva "escritura de compra e venda". (Cfr. documento a fls. 5 a 10 do Processo Administrativo Tributário);

(...)

N) O prédio objecto da escritura de justificação era um terreno, com mato e duas árvores de frutos, sem qualquer edificação.”. (Cfr. depoimento de C……….. e D…………);

O) O prédio que veio a ser edificado no terreno objecto da escritura de justificação constante da alínea D) supra foi construído pela Impugnante, filhos e amigos, ao longo de vários anos, a suas expensas, não tendo sido contratado qualquer empreiteiro.”. (Cfr. depoimento de D…………. e E………….);»

IV. Ora, não se conformando a Ilustre Representante da Fazenda Pública com o teor desta decisão interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo balizado o seu dissentimento no argumento que: «(...)

xiv. Em termos de incidência, o imposto do selo não incide sobre a aquisição da propriedade em si, mas sobre os atos jurídicos praticados relativamente àquela aquisição, sendo, pois, devido pela celebração da escritura pública de justificação ou da escritura de compra e venda.

xv. Posto isto, resulta evidente o facto tributário que é objeto da tributação não é a aquisição, mas sim o ato notarial constituído pela Escritura de justificação notarial que titula a aquisição por usucapião, i.e., a incidência objetiva é o documento notarial em causa.

xvi. Sendo que o que é relevante, como objeto da aquisição, é a realidade imobiliária existente à data da celebração da escritura e não qualquer outra.

xvii. Assim sendo, porque a obrigação tributária se constitui com a transmissão operada por via da escritura de justificação notarial (art. 5.º, n.º 1, al. r do CIS), como aquisição originária que é a usucapião, é irrelevante o momento de aquisição do direito de propriedade (Vide neste sentido, Acórdão de 26.11.2008, recurso 376/08 in www.dqsi.pt).

xviii. Por conseguinte, a data relevante será a data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial.

xix. Acresce ainda que, o facto de os impugnantes, alegadamente, terem construído um prédio em terreno de terceiro não lhes confere a propriedade do mesmo, pois tal construção se revela como uma mera benfeitoria útil, cfr. n.º 3 do art.º 216.º do CC.

(...).»

V. E concluído no sentido de que «Destarte, é nosso entendimento que a factualidade dos presentes autos preenche os pressupostos de incidência previsto no CIS, sendo, por isso passível de tributação nos exatos moldes que o foram e que constam dos atos tributários em crise. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o disposto nos arts. 1.º n.º 3, al. a), 5.º, al. r), 13.º n.º1 todo do CIS, bem como a verba 1.2 da TGIS.»

VI. Pedindo a final o provimento do recurso que interpõe, e em consequência, a revogação da sentença recorrida.

VII. Ora, sem embargo da leitura que a administração fiscal possa fazer da escritura de justificação, pretendia e pretende aquele documento, no caso em apreço, ter como objeto da aquisição do direito de propriedade por usucapião, do terreno rústico, por só este se encontrar em condições para tal, e por só sobre este ser possível a aplicação daquele instituto, pelo que, não poderia a mesma - como tão bem apreciou e determinou a sentença recorrida - por ilegalidade, atender ao valor das benfeitorias para efeitos de tributação do Imposto do Selo, mas tão só ao valor do terreno cujo direito de propriedade foi efetivamente adquirido por usucapião, nomeadamente, pela violação do princípio da tipicidade do Direito Fiscal, ou seja, pela falta a previsão legal nesse sentido –

Na verdade,

VIII. Nada encontra, a Recorrida, na sentença em crise, de contestável ou repreensível, a qual, no seu entender, o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, deverá manter, porquanto, faz a mesma a correta e adequada apreciação e aplicação do direito aos factos dados como provados, em total consonância e em estreito cumprimento com a jurisprudência uniformizada deste douto e Venerando Supremo Tribunal, que se acompanha integralmente.

IX. Nesta aceção, e tendo em consideração, que nos presentes autos a questão que se coloca prende-se com a legalidade da liquidação de Imposto do Selo, nomeadamente saber se o Imposto do Selo deveria ter sido liquidado reportando-se ao valor do prédio rústico originariamente adquirido pelos recorridos, ou ao valor que se encontrava inscrito na matriz à data da escritura de justificação notarial nos termos dos arts. 1.º, ns. 1 e 3, 2.º n.º 2, al. b), 3.º, ns. 1 e 3 al. b), 5.º, al. r), e 13.º n.º 1 do CIS.

X. Entende a Recorrida, sem delongas, em prol da sua posição e em defesa da decisão recorrida, recuperar a jurisprudência uniforme e consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, por adequada e incisiva, no sentido de que: o acto de usucapião de imóvel usucapido que constitui o objecto de incidência de tributação em imposto do selo e não também a aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente no mesmo imóvel (...). Deste modo, tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto do selo."» [Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferidos no âmbito dos processos n.º 0922/09, de 21.10.2009 e n.º 01120/11, de 08.02.2012]; (negrito nosso);

XI. Posição que é também partilhada, em muitos outros arestos todos do Supremo Tribunal Administrativo, que aqui se indicam, a título de exemplo, a saber:

a) o proferido no processo n.º 0667/15, de 23.09.2015, cujo sumário é: «I - Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo. lI - Não sendo possível distinguir na liquidação sindicada os valores patrimoniais correspondentes ao terreno e ao imóvel aí construído, impõe­se a anulação total - e não apenas parcial- da liquidação.»;

b) o proferido no processo n.º 0833/11, de 07.03.2012, cujo sumário é: «I- Para efeitos do imposto de selo, a usucapião é uma transmissão gratuita que apenas nasce com o trânsito em julgado da acção de justificação judicial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação. lI- Tendo sido adquirido por usucapião apenas um prédio rústico, onde foi construído um prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeito de imposto de selo.»;

c) o proferido no âmbito do processo n.º 0619/12, de 17.10.2012, cujo sumário, deste último, é: «I - Para efeitos do IS, a usucapião é uma transmissão gratuita que apenas nasce com o trânsito em julgado da acção de justificação judicial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação. II - É o acto de usucapião de imóvel usucapido que constitui o objecto da incidência em IS e não também a aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente no mesmo imóvel. III - Assim, tendo sido adquirido por usucapião apenas um prédio rústico, que passou a urbano por nele ter sido construída uma casa pelo usucapiente, só o valor daquele deve ser considerado para efeito de IS.»,

XII. Resulta, assim, manifesto que tendo o terreno rústico sido objeto da usucapião, e deste modo, da transmissão, só o valor deste poderá ser contemplado a título de liquidação de imposto do selo, por só este se enquadrar nas previsões legais do n.º 1 e al. a) do n.º 3 do artigo 1.º do CIS, contrariamente ao defendido pela Recorrente e em conformidade com o que foi doutamente determinado pela sentença recorrida.

XIII. Face ao exposto, considera a aqui Recorrida que andou bem a Mma Juiz a quo ao decidir como decidiu, com base na ponderação devida de toda a prova carreada para os autos, e devida aplicação do Direito, sendo totalmente infundada a posição da Recorrente, porquanto não claudicou a sentença recorrida na apreciação dos factos, o que a Recorrente não coloca em causa face à natureza do Recurso, e aplicação do direito, e não cometeu qualquer erro de julgamento, razão pela qual deve a decisão recorrida ser mantida, e o presente recurso, ser considerado, em consequência, improcedente, por totalmente infundado.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão recorrida e declarada procedente a impugnação judicial apresentada,

CONFORME É DE INTEIRA JUSTIÇA!

[…]».


5 - O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpre apreciar a decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
A. Em 2 de Julho de 1977 foi realizada declaração de “promessa de compra e venda de um terreno rústico com 604 m2, sito em Charneca da Caparica”, da qual consta o seguinte teor:

IMAGEM

(cfr documento n.º 3 junto com a Petição Inicial)

B. Em 14 de Maio de 1992 foi entregue por B…………, declaração para inscrição na matriz, de terreno para construção, na 3.ª Repartição de Finanças de Almada, situado na …… à Rua ………, Lote …….., com 604 m2.
(Cfr. documento n.º 5 junto com a Petição Inicial)
C. Em 14 de Maio de 1992 foi entregue por B…………, declaração para inscrição na matriz, de prédio urbano, na 3.ª Repartição de Finanças de Almada, situado na ……. à Rua …….., Lote …….., descrito como moradia bifamiliar de alvenaria coberta de telha
(Cfr. documento n.º 4 junto com a Petição Inicial)
D. Em 28 de Setembro de 2006, foi lavrada escritura de justificação realizada no Cartório Notarial de Almada, onde ficou a constar que o prédio inscrito na matriz predial sob o n.º ……… foi adquirido no ano de 1977, pela Impugnante a C…………, sem ter sido celebrada a respectiva “escritura de compra e venda”.
(Cfr. documento a fls. 5 a 10 do Processo Administrativo Tributário)
E. No âmbito da escritura referida na alínea anterior ficou a constar que a usucapião foi a forma de aquisição originária do imóvel.
(Cfr. documento a fls. 5 a 10 do Processo Administrativo Tributário)
F. Por ofício datado de 27 de Fevereiro de 2009 foi remetido à Impugnante demonstração de liquidação de Imposto do Selo n.º 721072, efectuada em 23 de Fevereiro de 2009, apresentando o valor sujeito a tributação de € 278.450,00, tendo sido liquidado o valor de € 27.845,00;
(Cfr. documento n.º 2 do Processo Administrativo Tributário)
G. Na sequência da liquidação constante na alínea F) supra, em 15 de Abril de 2009, a Impugnante deduziu reclamação.
(Cfr. documento a fls. 4 do Processo Administrativo Tributário)
H. Em 20 de Dezembro de 2010, na sequência da reclamação constante na alínea anterior, a Administração Tributária emitiu informação, tendo sobre a mesma recaído despacho de indeferimento.
(Cfr. documento a fls. 43 e 44 do Processo Administrativo Tributário)
I. Em 17 de Fevereiro de 2011 a Impugnante apresentou recurso hierárquico perante a Administração Tributária da decisão constante na alínea anterior.
(Cfr. documento a fls. 49 a 107 do Processo Administrativo Tributário)
J. Em 7 de Abril de 2011 foi emitida pela Administração Tributária a informação n.º RHQ-301/11, que concluiu que para efeitos de apuramento de imposto do selo a realidade que importa é a que existe à data na escritura de justificação, constando da mesma, nomeadamente, o seguinte:
[ver documento no original]
(Cfr. documento a fls. 119 a 121 do Processo Administrativo Tributário)
K. Em 28 de Novembro de 2011 a Impugnante pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre o projecto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado
(Cfr. documento a fls. 129 a 138 do Processo Administrativo Tributário)
L. Em 7 de Dezembro de 2011, na sequência da pronúncia da Impugnante, constante na alínea anterior, foi emitida pela Administração Tributária informação n.º 4937/2011, que refere que a data da celebração da escritura de justificação constitui o momento em que ocorre o facto tributário, concluindo pelo indeferimento do recurso hierárquico apresentado, constando da mesma, nomeadamente, o seguinte teor:
[ver documento no original]
(Cfr. documento a fls. 119 a 121 do Processo Administrativo Tributário)
M. Em 12 de Dezembro de 2011, na sequência da informação constante na alínea anterior, foi proferido despacho pela Subdirectora Geral com o seguinte teor:
“Concordo. Indefiro o Recurso Hierárquico.”
(Cfr. documento n.º 1 junto com a Petição Inicial)
N. O prédio objecto da escritura de justificação era um terreno, com mato e duas árvores de fruto, sem qualquer edificação.
(Cfr. depoimentos de C…………. e D…………)
O. O prédio que veio a ser edificado no terreno objecto da escritura de justificação constante na alínea D) supra foi construído pela Impugnante, filhos e amigos, ao longo de vários anos, a suas expensas, não tendo sido contratado qualquer empreiteiro.
(Cfr. depoimentos de D……….. e E………….)
P. Em 3 de Junho de 2009 a Impugnante realizou o pagamento parcial da nota de liquidação constante na alínea F) supra no valor de € 11.138,00.
(Cfr. detalhe de nota de cobrança a fls. 117 do P.A.T.)

*
Não existem factos não provados com interesse para a decisão da presente causa.
[…]».

2. Questões a decidir
A única questão que vem suscitada nos presentes autos é a de saber se existe erro de julgamento do Tribunal a quo quando considerou que a base tributável do imposto do selo do imóvel adquirido por usucapião deveria ser apenas o prédio rústico, por ter sido esse o objecto da escritura de justificação judicial de posse, ou se deveria ter sido considerado, como alega a Fazenda Pública, o valor matricial do prédio urbano entretanto construído naquele terreno.


3. De direito
A questão que vem suscitada no presente recurso – determinação da base de incidência do imposto do selo no caso de um imóvel (prédio) adquirido por usucapião, em que posteriormente foi edificado um imóvel pelos adquirentes – não é nova para a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e sobre ela incidiram já diversas decisões que têm adoptado um sentido uniforme.

Com efeito, no caso discute-se o imposto do selo devido pela aquisição por C…………, por usucapião, do prédio sobre o qual foi lavrada escritura de justificação em 28.09.2006. Este prédio, constituído por terreno rústico com 604 m2 havia sido adquirido em 1977, sem escritura pública. Em 1992 foi apresentado na respectiva repartição de finanças um pedido para inscrição deste prédio na matriz como terreno para construção e, na mesma data, um outro pedido de inscrição na matriz, sobre o mesmo prédio, como prédio urbano (moradia bifamiliar). A AT liquidou o imposto do selo sobre o valor do prédio urbano, liquidação com a qual a Impugnante se não conforma por entender que aquela liquidação teria de ter incidido sobre o valor do prédio rústico, uma vez que foi esse o prédio adquirido por efeito da usucapião e não o prédio urbano.

A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa deu razão à Impugnante, fundamentando a decisão na jurisprudência constante deste STA antes mencionada. Decisão com a qual a Fazenda Pública não se conformou e por isso recorre para este Supremo Tribunal Administrativo. Mas sem razão.

Como se escreveu, por último, no acórdão de 6 de Outubro de 2021 (proc. 01704/16.1BEBRG 0663/18), “tendo sido adquirido por usucapião o prédio rústico, onde posteriormente foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de Imposto de Selo”.

Na fundamentação do aresto antes mencionado encontra-se, ainda, a referência às restantes decisões deste Tribunal que, de forma reiterada, vêm sublinhando que é esta a interpretação jurídica a dar às normas do CIS aqui aplicáveis, a saber: acórdãos do STA “de 20/1/2010, proc. n.º 773/09 (Ap. ao DR, de 24/3/2011, pp. 79 a 83); de 28/4/2010, proc. n.º 126/10 (Ap. ao DR, de 30/3/2011, pp. 707 a 712); de 12/5/2010, proc. n.º 53/10 (Ap. ao DR, de 30/3/2011, pp. 804 a 808); de 9/6/2010, proc. n.º 242/10 (Ap. ao DR, de 30/3/2011, pp. 1014 a 1017); de 22/9/2010, proc. n.º 334/10 (Ap. ao DR, de 1/4/2011, pp. 1403 a 1407); de 8/2/2012, proc. n.º 1120/11; de 23/2/2012, proc. n.º 1082/11; de 29/2/2012, proc. n.º 818/11; de 7/3/2012, proc. n.º 833/11; e de 17/10/12, proc. 619/12; de 30/10/2013, proc. n.º 0827/13; de 27/11/2013, proc. n.º 0974/13; de 21/5/2014, proc. n.º 01676/13; de 17/12/2014, proc. n.º 01198/14; de 12/2/2015, proc. n.º 0716/14; de 17/6/2015, proc. n.º 0353/15; e de 23/9/2015, proc. n.º 0667/15”.

Do caso dos autos não se retiram argumentos novos, nem fundamentos que justifiquem divergir desta jurisprudência uniforme, razão pela qual nos limitamos (ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do C.Civil), a seguir a fundamentação expendida no acórdão de 27/11/2013, no (proc. n.º 974/13).

Como ali se explicou, o IS incide sobre “o acto de aquisição por usucapião”, uma aquisição que é operada por efeito da escritura de justificação notarial – é este o sentido a retirar da alínea r) do artigo 5.º do CIS.

E acrescenta-se: “(...) E como só o prédio rústico foi objecto de tal forma de aquisição, só o valor deste deve ser considerado na aplicação da respectiva taxa.

Não pode, portanto, afirmar-se que o estado do imóvel a atender para a aferição do valor terá de ser o verificado na data da escritura de justificação, independentemente das causas das modificações verificadas, sendo que tal estado é uno e não pode cindir-se em rústico e urbano e que a quantificação da obrigação tributária se faz apenas a partir do valor do prédio objecto da escritura. E também não releva (para poder concluir que o valor para cálculo do imposto é o do prédio urbano, por ser assim que o mesmo é descrito na escritura) a circunstância de terem sido os justificantes a declarar, à data da escritura, que eram donos de um prédio urbano, e não já de um prédio rústico, dado que tal declaração não pode, neste âmbito, ter efeitos constitutivos.

Aliás, a realidade imobiliária existente no terreno à data da celebração da escritura de justificação não pode ignorar que foram os recorridos que edificaram nele a construção em causa, em momento anterior à celebração dessa escritura. E tratando-se de uma benfeitoria útil – cfr. art. 216.º do CC (que poderia, porventura, vir a conferir a propriedade do terreno por via de acessão industrial imobiliária) não podia a mesma incluir-se no âmbito da aquisição por usucapião, para efeitos da liquidação aqui impugnada (...)”.

Assim, reiterando este entendimento no caso dos autos, há que concluir que o prédio adquirido por efeito da escritura de justificação de posse é o prédio rústico, como bem decidiu o Tribunal a quo. Cabe, pois, concluir pela improcedência do recurso.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.