Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0520/11.1BESNT
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - A regra do cômputo (dos juros indemnizatórios) desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, além da limitação decorrente das exceções inscritas no art. 43.º n.º 3 da LGT (e outras detentoras dessa qualidade), tem de ser temperada, calibrada, quando o resultado a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a autoridade tributária e aduaneira (AT).
II - Nestas condições, na situação julganda, é aplicável e deve relevar, enquanto norma legal específica, o disposto no art. 96.º n.ºs 3 e 6 do CIRC (redação vigente no ano de 2009).
Nº Convencional:JSTA00071282
Nº do Documento:SA2202110270520/11
Data de Entrada:07/12/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BRISA - AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, SA
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:ART. 43.º DA LGT
ART. 61.º DO CPPT
ART. 96.º DO CIRC/2009
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;


# I.



A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, em 6 de abril de 2021, que, nesta impugnação judicial, apresentada por Brisa – Auto Estradas de Portugal, S.A., …, julgou procedente “o pedido de pagamento de juros indemnizatório(s), mas, tão somente, sobre o valor de reembolso constante da liquidação que se mantém válida - € 28.569.767,97”.
A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «


I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor de reembolso constante da válida liquidação, no montante de € 28.569.767,97 – face aos termos e/ou cômputo que fez da sua contagem.
II) Aceitando-se que o erro dos serviços, ontologicamente, não decorre da norma do art. 43º da LGT nem do regime do art. 61º do CPPT, mas do disposto no art. 96º, nº 6, por remissão para o nº 3, do CIRC que enquanto norma especial, se sobrepõe, necessariamente, ao que se mostra previsto naqueloutras disposições legais então, também teremos de reconhecer que o incumprimento por parte da AT em reembolsar o contribuinte só ocorre a partir do momento em que legalmente se esgota o prazo que esta tem para esse efeito, só a partir desse momento se constituindo o direito deste no sentido de se ver ressarcido do prejuízo resultante do incumprimento e que terminará com a cessação dos efeitos da lesão, ou seja, no dia anterior ao do reembolso (28-12-2009) pois que foi dado como provado que este se efetuou em 29-12-2009 (Facto provado M);
III) Está em causa manifesto erro de julgamento, por incorreta apreciação jurídica, mostrando-se violado disposto no art. 96º, nº 3 e 6, do CIRC, na redação dada à data dos factos.

Termos em que, deverá ser considerado procedente o recurso ora apresentado, determinando-se que os referidos juros indemnizatórios sejam fixados entre o dia 01-10-2009 e o dia 28-12-2009, perante o disposto no art. 96º do CIRC e à luz da jurisprudência citada na sentença recorrida.
V/Exas, porém, decidindo, não deixarão de fazer habitual justiça.»

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Foram formalizadas contra-alegações, onde, a recorrida (rda) conclui: «







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A Exma. Procuradora-geral-adjunta (Pga) emitiu parecer, suscitando, em exclusivo, a incompetência, hierárquica, do STA; exceção sobre a qual, notificadas, as partes nada disseram.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.



Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «


Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, atentas as soluções plausíveis de direito, julgo provada a seguinte factualidade:
A) A Impugnante tem por objecto social a construção, conservação de auto-estradas e respectivas áreas de serviço, bem como o estudo e realização de infraestruturas de equipamento social [cf. não controvertido – cf. artigo 42.º da p.i. e artigo 1.º dos factos elencados na informação junto à contestação].

B) A Impugnante exerce uma actividade concessionada e outra actividade não concessionada [cf. não controvertido – cf. artigo 42.º e 44.º da p.i. e artigo 1.º dos factos elencados na informação junto à contestação, prova testemunhal].

C) Até 31.12.2007, à actividade concessionada da Impugnante foram atribuídos benefícios fiscais em sede de derrama, imposto de selo e IRC [cf. não controvertido – cf. artigo 45.º da p.i. e artigo 3.º e 5.º dos factos elencados na informação junto à contestação].

D) A actividade não concessionada encontra-se sujeita no regime geral de tributação em sede de IRC [cf. não controvertido – cf. artigo 48.º da p.i. e artigo 2.º, 1.ª parte, dos factos elencados na informação junto à contestação].
E) Na actividade não concessionada foram apurados pela Impugnante, prejuízos fiscais desde 2002 a 2007 [cf. não controvertido – cf. artigo 51.º da p.i. e quadro identificado no artigo 55.º da informação junto à contestação].

F) A 29.05.2009 pela Impugnante foi apresentada a declaração de rendimentos de IRC, modelo 22, referente ao exercício de 2008, inscrevendo no campo 368, referente ao total a recuperar, o montante de € 46.134.091,41 [cf. cópia de declaração modelo 22 a fls. 51 dos autos].

G) Através do ofício n.º 15228, de 30.06.2008, da Direcção de Serviços de IRC, foi a Impugnante notificada para esclarecer o fundamento do valor indicado no campo 309 do quadro 09 da declaração de rendimentos apresentada para o ano de 2008, no montante de € 69.791.843,07 [cf. cópia do ofício a fls. 131 dos autos].

H) Através de requerimento apresentado pela Impugnante a 13.07.2009, foi apresentada resposta ao solicitado em G) supra [cf. cópia do requerimento apresentado a fls. 132 a 158 dos autos].

I) I. Através de ofício n.º 30059, de 23.11.2009 da Direcção de Serviços de IRC, foi a Impugnante notificada de que “[por despacho de 18 de Novembro p.p, do substituto legal do Director-geral dos Impostos, sancionado o entendimento de que estes Serviços devem proceder à correcção da liquidação do IRC do exercício de 2008, com base na eliminação da dedução dos prejuízos fiscais deduzidos, em virtude dos prejuízos apurados, em cada ano, da actividade dora da concessão terem sido deduzidos nesse mesma ano, nos lucros da actividade concessionada, pelo que a sua dedução não poderá ser considerada na declaração do exercício de 2008” [cf. cópia do ofício a fls. 159 dos autos].

J) Em 29/05/2009, a Impugnante apresentou a declaração de rendimento Mod. 22 de IRC referente ao ano de 2008 (cfr. doc. 2 junto com a p.i.);

K) Em 30/06/2009, a Impugnante apresentou declaração de substituição da declaração Mod. 22 de IRC relativa ao exercício de 2008 (cf. Doc. 3 junto com a p.i.);

L) A 14.12.2009 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2009.2610404351, em nome da Impugnante, referente ao exercício de 2008, onde foi apurado reembolso no montante de € 28.569.767,97 [cf. Doc. 1 junto com a p.i.].

M) O reembolso ocorreu em 29/12/2009 (facto não impugnado);
N) A 05.05.2010 foi pela Impugnante apresentada reclamação graciosa contra o acto de liquidação identificado na alínea L) [cf. cópia da petição apresentada a fls. 160 a 188 dos autos e carimbo aposto na 1.ª pág. da petição de reclamação graciosa junto ao corresponde processo em apenso].

O) Por despacho de 12.04.2011, da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto anterior [cf. cópia do despacho e informações conexas a fls. 53 a 76 dos autos].

P) Através do ofício n.º 034460, de 13.04.2011, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a Impugnante notificada do teor da decisão identificada no ponto anterior [cf. cópia do ofício a fls. 52 dos autos].

Q) A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada presencialmente em 29.04.2011 [cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos].

III-2. Factualidade não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»

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Liminarmente, ao invés do sustentado pela Exma. Pga, não ressalta de forma clara, desde logo, dos pontos I) e II) das conclusões, acima reproduzidas, que a rte “pretende com este recurso ver novamente discutidos os factos que entende serem pertinentes para obter o desiderato por si pretendido ou seja ver alterado o seu enquadramento legal, …”. Entendemos, versado o conteúdo das mencionadas conclusões com atenção pela alegação correspondente, que, como melhor veremos infra, a rte, na essência, não pretende qualquer discussão ou alteração da matéria de facto consagrada na sentença recorrida, sendo que, igualmente, a sua pretensão (de procedência do recurso) não pressupõe mudanças ao nível dos factos julgados provados (e não provados) em 1.ª instância.
Portanto, sem mais, julgamos o STA competente, hierarquicamente, para conhecer deste apelo.

A ponderação conjugada dos fundamentos coligidos pela rte e daqueles que constam da “Análise fáctico-jurídica”, vertida na sentença sob escrutínio, permite-nos identificar como única questão decidenda, neste recurso, a de saber se o julgamento produzido padece de erro, apenas, por não ter fixado o período de tempo em que é devido o pagamento, de juros indemnizatórios, pela autoridade tributária e aduaneira (AT). Doutro modo, não merecendo, para a rte, qualquer crítica a decisão (e fundamentos de facto e/ou jurídicos) de julgar “o pedido de pagamento de juros indemnizatório(s), mas, tão somente, sobre o valor de reembolso constante da liquidação que se mantém válida - € 28.569.767,97”, a sua insurgência encontra-se na falta de delimitação temporal dessa obrigação, da AT, o que consubstanciará violação do disposto no art. 96.º n.ºs 3 e 6 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (Na redação aplicável ao ano de 2009; atualmente, ver art. 104.º do CIRC.).

A matéria da contagem dos juros indemnizatórios (São devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Para J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, pág. 267, «(s)em qualquer função penalizante, destinam-se a compensar o sujeito passivo pelos prejuízos sofridos com o cumprimento indevido de uma não existente ou erradamente quantificada obrigação tributária. Em suma, “pelo pagamento indevido da prestação tributária”».), problematizada, in casu, de matriz processual/procedimental, encontra previsão no art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), especificamente, nos respetivos n.ºs 4 e 5: “(s)e a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” e “(o)s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.
Sendo esta última a regra, geral, para definir, identificar, os dias a quo e ad quem, é necessário ter em atenção que são várias as situações (Ou, as diversas formas de pagamento indevido de tributos.), casuisticamente, determinantes da obrigação do pagamento, pela AT, desta modalidade de juros, pelo que, desde logo, importa não olvidar os casos em que, por força de, específica, previsão legal, esses dias possam ser outros. Assim, com grande acutilância, é incontornável, quando se labora nesta matéria, primeiramente, considerar e retirar todas as consequências do estatuído nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), no sentido de que estas positivam exceções, concretas, nominadas, à supra mencionada regra geral do art. 61.º n.º 5 do CPPT, bem como, dão ao operador judiciário (e/ou administrativo) algum sentido de orientação, para as situações, hipóteses, atípicas, no sentido de não expressamente delimitadas pela lei.
Por outras palavras, queremos significar que a regra do cômputo desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito (Convocada, pela rda, na conclusão V) das suas contra-alegações.), além da limitação decorrente das aludidas exceções (e outras detentoras dessa qualidade), tem de ser temperada, calibrada, quando o resultado a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a AT.

Posto isto, na situação julganda, não merece contestação de nenhuma parte e, também, nós, sem necessidade de alongamentos, entendemos ser aplicável e dever relevar, para solucionar a disputada questão de delimitar, temporalmente, os juros indemnizatórios devidos à impugnante/rda, enquanto norma legal específica, o disposto no art. 96.º n.ºs 3 e 6 do CIRC (redação vigente no ano de 2009) («3 - O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês seguinte ao da sua apresentação ou envio.
(…).
6 - Não sendo efectuado o reembolso no prazo referido no nº 3, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.»).
Estatuindo este normativo sobre as regras de pagamento, de IRC, pelos respetivos (legais) sujeitos passivos, da leitura, conjugada, dos dois segmentos acabados de identificar, decorre, objetivamente, a regra de que, havendo lugar a reembolso, por parte da AT, ao sujeito passivo pagante, o mesmo tem de ocorrer até ao final do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio da declaração periódica de rendimentos ou da apresentação ou envio de declaração, idónea, destinada a suprir erros de preenchimento daquela, sendo que, se o reembolso não for concretizado até ao último dia do 3.º mês posterior ao das aprestações/envios aludidos, a quantia a restituir passa a ser acrescida, desde o dia seguinte a este, ultimamente, identificado, de juros indemnizatórios.
Obviamente, acresce, embora não estando expressamente dito no n.º 6 do versado art. 96.º do CIRC, que tais juros indemnizatórios são devidos, contados, como regra geral, até ao dia do processamento da respetiva nota de crédito ou movimento/operação equivalente.

Olhando, à luz destas premissas, para a realidade que, aqui, nos confronta, seguros de que a impugnante/rda, em 30 de junho de 2009, apresentou declaração de substituição da declaração Mod. 22, de IRC, referente ao exercício de 2008 (que tinha apresentado a 29 de maio de 2009), só podemos entender e sustentar que o reembolso a ela devido tinha de ter entrado, na sua esfera patrimonial, até ao dia 30 de setembro de 2009, o último do 3.º mês seguinte àquele (junho) em que apresentou a declaração de substituição da declaração Mod. 22, de IRC, referente ao exercício de 2008 (pressupondo, claro, que esta foi destinada a suprir erros constantes da declaração periódica apresentada em maio de 2009).
Assim sendo, tem razão a rte, quando defende e pugna por que os juros indemnizatórios, que tem de pagar à rda, sejam computados entre os dias 1 de outubro de 2009 (seguinte ao último dia de que dispunha para reembolsar) e 28 de dezembro do mesmo; este último, por, comprovadamente, ter sido aquele em que se efetivou o reembolso (de IRC) devido – pontos L) e M) da factualidade provada.
Consequentemente, a sentença recorrida errou ao não estabelecer, de forma explícita, o espectro temporal necessário a contabilização dos juros indemnizatórios que julgou serem devidos à impugnante, pelo que, tem de ser revogada/alterada em conformidade.

Visto que o valor desta causa foi fixado em € 17.465.604,17 (Pág. 933 segs. (SITAF).), com a cobertura do disposto no art. 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), dispensaremos, o responsável pelas custas, do remanescente da taxa de justiça, acima de € 275.000,00, em função, sobretudo, da desproporção (elevada) que se registaria entre o montante da totalidade da taxa devida e o serviço prestado neste Tribunal, ainda que, Superior.
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# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:
- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, quanto ao aspeto impugnado;
- condenar a AT no pagamento, à impugnante, de juros indemnizatórios, contados desde 1 de outubro de 2009 e até ao dia 28 de dezembro de 2009 (e calculados, à(s) taxa(s) aplicável(veis), sobre o montante de € 28.569.767,97).


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Custas pela recorrida, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.
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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 27 de outubro de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.