Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0149/18
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22961
Nº do Documento:SA1201802220149
Data de Entrada:02/12/2018
Recorrente:ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… requereu, no TAC de Lisboa, contra a Comissão de Inscrição da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (CIATOC), a execução do Acórdão do STA, de 24/04/2007, pedindo:
a) Que a Executada seja condenada a praticar o acto de inscrição na executada na CTOC;
b) Que seja fixado o prazo de dez (10) dias para cumprimento de tal condenação; e
c) Que os titulares do órgão competente sejam condenados ao pagamento de sanção pecuniária compulsória.”

Aquele Tribunal julgou improcedente a pretensão da Exequente, absolvendo a Entidade Executada do pedido.

Decisão que o TCA Sul revogou, ordenando que a CTOC inscrevesse a Recorrente na ATOC e fixando prazo para o efeito.

É desse acórdão que a Executada vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Autora impugnou a decisão da CIATOC que recusou a sua inscrição na ATOC e obteve ganho de causa, o que determinou a anulação daquele acto por o Acórdão exequendo ter entendido que a desconsideração dos meios de prova que a Autora tinha apresentado para fundamentar a sua pretensão era ilegal.
Todavia, a entidade demandada não inscreveu a Autora na ATOC o que a levou a instaurar a presente execução pedindo que aquela fosse condenada a proceder à requerida inscrição, no prazo de 10 dias, e ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
Mas o TAC indeferiu esse pedido condenatório pela seguinte ordem de razões:
“(…)
No caso dos autos, conforme se extrai do probatório, retomou a Administração a apreciação do requerimento de inscrição apresentado pela interessada, praticando novo acto administrativo que sem restringir os meios de prova em relação aos factos alegados pela requerente, denegou a sua pretensão por falta de exercício de funções no período legalmente relevante.
Quanto a isto, ao contrário do que entende a Exequente, mostra-se inteiramente executado o anterior julgado, tendo a Administração reapreciado o requerimento apresentado sem o restringir aos meios de prova, como havia feito anteriormente, considerando os factos alegados pela interessada, mas sem que os mesmos conduzam ao deferimento da sua pretensão material, por não respeitarem o requisito do tempo legalmente exigido.
E embora a Exequente ponha em causa a legalidade desse entendimento, contido na deliberação impugnada, o certo é que o mesmo constitui um fundamento novo do acto administrativo, não coberto pelo anterior caso julgado e, por isso, que com o mesmo não se apresenta em desconformidade, para que o julgador dele deva conhecer.
De resto, o novo acto não volta a reincidir no mesmo vício, para que enferme da nulidade invocada, já que não condiciona as alegações da requerente a quaisquer meios de prova, antes valendo o requerimento que, em devido tempo, foi apresentado e não outro que a interessada pretenda agora corrigir ou aditar, já que esse se traduziria num requerimento novo.
(...)
Isto é, a possibilidade de a Exequente ser inscrita como TOC está dependente de saber se, face aos meios de prova que instruíram o processo de candidatura, preenchia um dos pressupostos vinculados que a lei prescreve com vista à inscrição na ATOC como técnico oficial de contas, sendo que, conforme apurado nos factos assentes e decorrente da nova deliberação da Entidade Executada, a interessada, através dos meios de prova que forneceu, não fez a demonstração de que preenchia os pressupostos ou requisitos legais de que dependia a sua inscrição na ATOC, pelo que, a deliberação impugnada tinha de recusar, como o fez, o pedido de inscrição.

O TCA, para onde a Exequente apelou, revogou tal decisão, com o seguinte discurso:
“… Neste momento importa tomar posição sobre a ampliação do pedido formulada pela recorrente e em que requereu ao tribunal a quo a declaração de nulidade da deliberação que renovou a recusa de inscrição, por violação do caso julgado, e a condenação da entidade demandada a praticar o acto de inscrição legalmente devido.
…..
Todavia, «in casu», apesar de a Administração ter praticado determinado acto em resposta ao requerimento do particular, o conteúdo desse acto não satisfaz, total ou parcialmente, a pretensão deste mas a mera anulação do acto praticado não tem a possibilidade de satisfazer a pretensão do particular que só ficará satisfeita com a prática do acto com o conteúdo desejado. Sendo assim, como é, no caso concreto não se deveria utilizar a impugnação, mas, apenas e só, o pedido de condenação à prática de acto devido.
É que a pronúncia condenatória elimina da ordem jurídica o acto de indeferimento expresso - a pronúncia condenatória reveste um duplo sentido já que, por um lado, profere uma injunção à Administração para que esta pratique o acto devido por lei e, por outro, ao proferir essa injunção faz desaparecer da ordem jurídica o acto de recusa.
....
Com efeito, analisada a factualidade fixada no Acórdão exequendo, vê-se claramente que a requerente se limitou a solicitar a sua inscrição, alegando genericamente … que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do Decreto-Lei n.º 265/95, de 17/10, foi, durante três anos seguidos ou interpolados, responsáveis directa por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada.
Sucede até, como salienta a Recorrente, que tal exposição dos factos foi considerada suficiente pela entidade executada para proceder à apreciação da pretensão da exequente, que foi indeferida, por, alegadamente, não ter sido apresentada prova bastante dos mesmos, à luz do Regulamento que ATOC aprovara (já unanimemente considerado ilegal pela Jurisprudência).

Destarte, não é aceitável a conclusão proferida na sentença recorrida, de que a exequente pretende aditar factos não alegados e fazer a respectiva demonstração com os novos documentos juntos com o seu requerimento de 17-11-2008 (DOC. 1 junto com a petição).
Errada se afigura também a asserção feita na sentença de que a execução do julgado se basta com a reapreciação dos elementos de prova apresentados com o requerimento de inscrição de 1998, quando é certo que o fundamento da anulação foi precisamente a restrição dos meios de prova que, então, impendia sobre a interessada, por via de um regulamento inconstitucional e ilegal, e que obrigava a que a prova dos requisitos de inscrição se fizesse, apenas e exclusivamente, pela apresentação de declarações fiscais assinadas pelo próprio.
Ora, no acórdão anulatório exequendo foi declarada a ilegalidade da restrição probatória que impendia sobre a exequente por via do Regulamento da ATOC e reconhecido um efeito condicionador daquela restrição na apresentação de elementos de prova por parte da exequente em 1998. ……
Aplicando tal Doutrina ao caso concreto, tendo em conta o decidido no acórdão anulatório não pode deixar de ser integralmente aplicada, o que acarreta como consequência a nulidade do novo acto que veio a denegar a pretendida inscrição, sem mais, por ofensa ao caso julgado.
….
Tal reintegração deve traduzir-se não no dever legal de repor o administrado na situação anterior à prática do acto ilegal, mas sim consistir na reconstituição da situação jurídica que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado: reconstituição da situação actual hipotética … .
Assim, sobre a ilegalidade declarada pelo acórdão anulatório e ora exequendo formou-se caso julgado não apenas formal mas também material, que a decisão que viesse a determinar a não inscrição sem a ponderação de outros meios de prova nos termos pretendidos pela recorrente manifestamente afrontaria.
….
Ora, impondo o caso julgado anulatório a consideração de todos os meios de prova, é manifesto que o acervo documental junto, acrescidos dos elementos já constantes do processo administrativo, demonstram inequivocamente o preenchimento dos requisitos de inscrição previstos no art.º 1º da Lei nº 27/98, de 3/06, e devem tomados em devida consideração, nos termos e com as consequências legais, mormente a condenação da Comissão de Inscrição da Associação de Técnicos Oficiais de Contas a praticar o acto de inscrição sujeita às seguintes vinculações (art.º 71°, n° 2, do CPTA): .

É deste acórdão que a Executada interpõe a presente revista.

3. Como se acaba de ver, posteriormente à anulação da decisão que recusou a inscrição da Autora na ATOC a Ré praticou um novo acto com o mesmo sentido decisório. Só que desta vez as razões do indeferimento foram diferentes das determinaram a anulação da primeira recusa.
Perante esta realidade o TAC considerou que o Acórdão exequendo se mostrava executado e isto porque, tal como decorria daquele Aresto, a Ré tinha reanalisado o requerimento onde a Autora requeria a sua inscrição no ATOC sem restringir nenhum dos meios de prova apresentados e, considerando não estava cumprido o requisito do tempo legalmente exigido para a inscrição, indeferiu novamente a sua pretensão. Ou seja, o Tribunal de 1.ª instância considerou que a execução do julgado podia traduzir-se na prática de um novo acto com o mesmo sentido decisório, desde que a sua fundamentação fosse diferente da do acto anulado e não violasse o caso julgado. E que tal tinha sido o que acontecera in casu o que levou a considerar cumprido o julgado anulatório.

Outro foi, porém, o entendimento do TCA.
Com efeito, este considerou que a nova recusa da entidade demandada era nula, desde logo, por ofensa ao caso julgado” e, depois, porque a execução do Acórdão anulatório tinha de “traduzir-se não no dever legal de repor o administrado na situação anterior à prática do acto ilegal, mas sim consistir na reconstituição da situação jurídica que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado: reconstituição da situação actual hipotética.” Deste modo, e sendo “manifesto que o acervo documental junto, acrescidos dos elementos já constantes do processo administrativo, demonstram inequivocamente o preenchimento dos requisitos de inscrição” nada mais restava à demandada do que proceder à inscrição da Autora na ATOC.

Ou seja, e dito de diferente modo, enquanto o Tribunal de 1.ª instância considerou que a demandada, perante o julgado anulatório, se tinha de limitar a reapreciar a pretensão formulada, com os meios prova que instruíram o processo de candidatura, o TCA entendeu que nada impedia que a Autora juntasse novos meios de prova e que estes fossem considerados na reanálise da sua pretensão.
O que fica dito evidencia a dualidade de critérios no tratamento da questão que se coloca neste recurso

O que nos permite concluir que a questão suscitada nesta revista é suficientemente relevante do ponto de vista jurídico para merecer a sua admissão.
Ao que acresce que é uma questão de provável replicação.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.