Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:065/19.1BALSB
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:JOSÉ VELOSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25218
Nº do Documento:SAP20191127065/19
Data de Entrada:09/13/2019
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:JUIZ A QUO DO TAF DE BRAGA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº65/19.1BALSB
Acordam, em conferência, no PLENÁRIO, do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

1. A……… - residente na rua ……………., ………., Barcelos -intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [TAF] aquilo a que chamou «impugnação judicial administrativa», contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., formulando o pedido seguinte: - «que seja revogada a nota de reposição proferida pela Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego da Segurança Social com todas as devidas consequências».

Para tanto, imputa erro sobre os pressupostos factuais e de direito à decisão de «reposição da quantia de 12.462,60€», proferida pelos serviços competentes do instituto demandado, alegadamente por ter acumulado «o exercício da actividade para a qual o projecto foi aprovado [incentivo PAECE - Apoio ao empreendedorismo e à criação do próprio emprego, junto da Segurança Social, aprovado pela Portaria 985/2009, de 04.09, com redacção da Portaria 58/2011, de 28.09] com outra actividade normalmente remunerada, a partir de 25.03.2013, como membro de órgão estatutário na entidade B............, LDA., antes do decurso de três anos a contar da data de início do projecto [10.04.2012], conforme o nº3 do artigo 34º do DL nº64/2012, de 15.03».

Insiste não ser verdade que «acumulou o exercício dessa actividade com outra remunerada», e que «nunca exerceu qualquer actividade remunerada desde a situação de desemprego».

2. A «impugnação judicial administrativa» - assim chamada pelo autor - foi registada e distribuída, no TAF de Braga, como «acção administrativa», tendo sido objecto de decisão liminar que «declarou materialmente incompetente a área administrativa para apreciar a questão objecto dos autos» e determinou que, após o trânsito em julgado, os autos fossem remetidos à área tributária do mesmo TAF.

Assim tendo sido feito, foi proferida decisão judicial a julgar o tribunal tributário «incompetente para conhecer da acção administrativa, por ser competente para tal o tribunal administrativo de círculo do TAF de Braga».

3. Foi assim que o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal veio suscitar - ao abrigo dos artigos 29º do ETAF, 109º, nº2, e 111º, nº2, do CPC - a resolução do conflito negativo de competência, que se impõe, agora, a este Plenário do STA apreciar e decidir.

II. Apreciação

1. O conflito de competência emergiu nos autos porque o autor começa por dizer, logo no artigo 1º da petição inicial, que «foi citado da instauração de um processo de execução fiscal para pagamento do montante de 12.462,93€».

A partir daqui, o «tribunal administrativo» enquadrou o litígio no âmbito de uma execução fiscal, sendo que da respectiva decisão se respiga o seguinte:

[…]

«Analisada a pretensão material enunciada pelo autor, constata-se pretender sindicar a legalidade da actuação tomada em sede do processo executivo nº0301201900067865 do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Braga»

[…]

«Atento os contornos do litígio evidenciados quer pela petição inicial quer pelos documentos juntos com o mesmo articulado, está em causa, e em suma, a [i] legalidade do acto/decisão da Secção de Processos Executivos da Delegação de Viana do Castelo do Instituto da Segurança Social»

[…]

«De acordo com o nº1, a), ponto iv do artigo 49º do ETAF, compete aos tribunais tributários conhecer das acções de impugnação dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídas à competência de outros tribunais»

[…]

«No caso em apreço está em causa, manifestamente, a aplicação de normas de direito fiscal uma vez que a pretensão do autor se reconduz ao reconhecimento da ilegalidade do acto de liquidação do tributo em causa, praticado pela Secção de processo executivo do Centro Distrital de Braga do Instituto de Segurança Social»

[…]

E, nesta base, decidiu como decidiu.

2. Por sua vez, o tribunal tributário entendeu estar face a litígio da competência do tribunal administrativo. Para tal, disse nomeadamente o seguinte:

[…]

«No presente caso, como se extrai dos factos estruturantes da causa de pedir e do pedido e documentos juntos, o autor insurge-se contra o acto praticado pela Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego do ISS, que determinou a reposição dos valores que lhe foram concedidos no âmbito do incentivo PAECE - Apoio ao empreendedorismo e à criação do próprio emprego, junto da Segurança Social, aprovado pela Portaria nº985/2009, de 04.09, com a redacção dada pela Portaria nº58/2011, de 28.09, no montante de 12.297,60€»

[…]

«De acordo com o artigo 49º, nº1 alínea a), ponto iv, do ETAF, compete aos tribunais tributários conhecer das acções de impugnação dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais»

[…]

«No caso vertente […], a resolução do litígio não passa pela interpretação ou aplicação de qualquer norma de direito tributário, e posto não estar em causa a exigência de qualquer montante a título de cotização ou contribuição para a Segurança Social, mas somente a restituição do valor recebido a título de incentivo […] que, por sua vez, se configura como actividade administrativa»

[…]

«Em suma, atentos o pedido e causa de pedir […] está-se em presença de um litígio jurídico-administrativo para cuja resolução haverá que convocar e aplicar normas de Direito Administrativo, tratando-se de litígio que, naturalmente, deverá ser dirimido na jurisdição administrativa [ver artigos 1º, nº1, 4º, nº1 alínea b), e 44º, do ETAF, e 2º, nº2 alínea a) do CPTA»

[…]

3. Como tem sublinhado inúmeras vezes o Tribunal de Conflitos, a competência material afere-se em função da «configuração da relação jurídica controvertida» ou seja, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na sua petição inicial, incluindo os respectivos fundamentos.

Destarte, a competência em razão da matéria é questão que se resolve face ao modo como o autor estrutura a causa, como exprime a sua pretensão em juízo, sem cair na tentação de antecipar, para este momento, a qualificação jurídica dos factos ou a indagação do direito [ver AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, processo nº08/14].

Numa análise objectiva da estruturação da presente causa, resulta, sem sombra de dúvida, que o pedido e a causa de pedir são os por nós referidos no ponto 1 do relatório supra, e assim também entendidos pelo tribunal tributário.

Muito embora tenha sido a «citação» no processo de execução fiscal da quantia não voluntariamente reembolsada que despoletou a reacção do autor - como indica o artigo 1º da sua petição inicial -, ele optou por «impugnar judicialmente» o acto que lhe determinou a reposição do montante que lhe tinha sido concedido como incentivo ao empreendedorismo, em vez de reagir dentro do próprio processo executivo, nomeadamente por oposição à execução.

E fá-lo, como vimos, pedindo a «anulação» desse acto - embora fale em «revogação» -, essencialmente com fundamento em erro sobre os seus pressupostos, já que insiste não ser verdade que tenha acumulado actividades de forma ilegal e de modo a justificar a decisão de reposição proferida pela «Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego da Segurança Social».

Estamos, pois, perante litígio que terá de ser resolvido «mediante a convocação de normas de direito administrativo», não de direito tributário, pelo que deverá subscrever-se o julgamento efectuado, a respeito, pelo tribunal tributário.

III. Decisão

Nestes termos, decidimos resolver o presente conflito mediante a atribuição da competência, em razão da matéria, para conhecer da presente acção, ao Tribunal Administrativo.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Novembro de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Artur Madeira dos Santos – Ana Paula da Fonseca Lobo – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.