Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02213/04.7BELSB |
Data do Acordão: | 10/14/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IVA NULIDADE DE SENTENÇA FALTA ESPECIFICAÇÃO FUNDAMENTO DE DIREITO PRESCRIÇÃO |
Sumário: | I - Em relação à nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. II - Apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede, mesmo oficiosamente, como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide. III - Como a Recorrente apenas argui a nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito e no segmento em que julgou não prescrita a dívida e já não no segmento em que julgou improcedente a impugnação judicial por falta de causa de pedir, por não ter sido imputado qualquer vício às liquidações sindicadas, resta apenas negar provimento ao recurso perante o que ficou dito relativamente ao primeiro elemento (nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito), dado que, sem prejuízo do que ficou exposto relativamente à questão da prescrição (de modo a deixar um obiter dictum para o futuro), resulta evidente que a decisão de improcedência da impugnação judicial torna-se inatacável, o que significa que, o conhecimento da prescrição nesta sede, que visa apenas indagar da eventual inutilidade superveniente da lide, pois que, verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade, deixa de ter qualquer sentido neste contexto. |
Nº Convencional: | JSTA000P26506 |
Nº do Documento: | SA22020101402213/04 |
Data de Entrada: | 11/12/2019 |
Recorrente: | A......, LIMITADA |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Processo n.º 2213/04.7BELSB (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO “A…………, LDA.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 05-06-2019, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as liquidações adicionais n.º 04203791, de IVA no montante de 11.726,33, referente ao ano de 2002 e n.ºs 04203790, 04203789, de juros compensatórios.
“ (…) 1. Não pode a recorrente colher o entendimento que se encontra sufragado na sentença ora em crise, porquanto s.m.e. encontra-se a mesma enferma por vício de nulidade por falta de fundamentação e bem assim, por mal ter promovido a aplicação da Lei quanto ao instituto da prescrição diz respeito. 2. A recorrente não é obrigada, nem isso a Lei determina, que a mesma tenha de atingir as conclusões não fundamentadas do douto Tribunal, porquanto devidamente compulsada a sentença proferida, a mesma é completamente omissa quanto à fundamentação. 3. A devida fundamentação de Direito, importa que se indiquem não só os factos dados por provados, bem como e em particular, porquanto é nesse tocante que importa a douta aplicação da JUSTIÇA, 4. O tribunal a quo limita-se a indicar factos - as datas supra indicadas - não promovendo contudo a devida subsunção dos factos ao Direito. 5. Inexiste, como é bom de ver nos presentes autos e no quanto à não aplicabilidade por parte do Tribunal a quo diz respeito da prescrição qualquer exame crítico, o mesmo é claramente OMISSO. 6. É OMISSA a fundamentação de Direito, bastando para tanto indicar que não é sequer indicado um único artigo de direito, a fundamentar a posição adoptada pelo Tribunal a quo. 7. Termos em que atendendo ao supra exposto, desde já respeitosamente se requer que se reconheça o vício imputado à sentença em crise, determinando-se a revogação da mesma, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais. 8. No ordenamento jurídico tributário a prescrição é de conhecimento oficioso (art.º 175.º do CPPT). 9. As dívidas tributárias prescrevem assim e de acordo com a Lei, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos. 10. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (n.º 1 do art.º 326.º do Código Civil), sendo que é neste tocante que mal andou o douto Tribunal a quo. 11. A vertente que adopta a posição s.m.e. inconstitucional, não começaria a correr de novo o prazo de prescrição, enquanto o processo não tiver termo, labora assim em erro, porquanto ficaria assim o executado refém de uma Justiça que se poderia atrasar no tempo e ser obliterada no espaço, renascendo assim a hipotética divida, anos ou décadas mais tarde, 12. Este entendimento, tal qual o entendimento que não pode ser colhido mas que se encontra a enformar a sentença ora em crise, viola os princípios do Estado de direito e coloca em crise os princípios da boa-fé e da proteção da confiança, mais atendendo a que não existe já uniformidade na jurisprudência, porquanto, no acórdão do STA, tirado no processo n.º 01121/16, de 23.11.2016, foi lavrado por um juiz Conselheiro voto de vencido. 13. Impõe-se assim considerar que o facto que interrompe a prescrição, nos presentes autos, ocorre com a citação no processo judicial aqui em causa, i e, em 20.09.2004 e que, conforme melhor decorre da Lei, inutiliza-se o tempo até ai então decorrido. 14. No entanto e para boa e conforme aplicação da Lei, ao abrigo dos mais basilares ditames e orientações Constitucionais supra melhor indicadas alegadas e legalmente, jurisprudencialmente e doutrinariamente fundamentas, nesse mesmo momento, renasce a contagem do prazo para efeitos de prescrição, e assim, atendendo ao período de prescrição de oito anos, tendo iniciado novo período de contagem em 20.09.2004, sempre a prescrição tem de ser reconhecida, com efeitos à data de 19.09.2012, o que respeitosamente se requer em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA! Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ªs. Ex.ªs. respeitosamente se requer a procedência por provada do presente Recurso e em consequência, se reconheça quer a nulidade da sentença em crise por falta de fundamentação quer ainda a verificação da prescrição invocada, tudo em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!”
A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumpre decidir. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a realidade apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito bem como indagar da bondade da decisão recorrida no que concerne ao tratamento da questão da prescrição. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… A) A AT procedeu a inspeção à atividade da Impugnante relativamente ao exercício de 1997 e elaborou o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 25 e segs. do Processo Administrativo Tributário (PAT), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Em termos de Custos, a sociedade apresenta na sua contabilidade apenas as faturas da empresa “B…………, Lda”, possuidora do N.I.P.C.: ………, conforme abaixo se indica:
As faturas têm uma numeração contínua e sequencial da 21 à 32 (precisamente 12, sendo uma por mês, donde se pode deduzir que aquela sociedade trabalha única e exclusivamente para esta), e referem-se a uma sociedade que nunca cumpriu com as suas obrigações fiscais tanto a nível de IVA como de IRS e IRC.
Assim, o valor a acrescer ao Lucro Tributável, apresentado na Declaração mod. 22 IRC, neste exercício de 1997 é de 10.692.089$00. nos termos do artigo 41 ° n.º 1 alínea h) do Código do IRC. - O IVA deduzido, por não se ter comprovado, de acordo com a documentação apresentada, não é considerado, mantendo-se em conformidade as correções anteriormente feitas. 3. Ora, de acordo com o teor do Relatório, a fls. 28, a R. foi inspecionada no âmbito de uma série de ações externas levadas a cabo junto de “empresas pertencentes aos mesmos sócios e que se participavam mutuamente”. • não se verifica a inexistência de facto tributário; O) A petição inicial for apresentada em 20/09/2004 (conforme resulta de fls. 2). c) Como tinha um crédito de € 1.926,09 (identificado em A, a fls. 6/8 do anexo 1) foi feita a compensação entre os dois valores: regularizações a crédito - débito sem meio de pagamento, ou seja, 1.926,09 - 1.330,98, d) E foi emitida nova regularização a crédito pela diferença, isto é, no montante de € 595,11 (identificado em B, a fls. 5/8 do anexo 1). 26° Foram então emitidas as regularizações a débito - anexo 3 à presente informação - nos montantes de € 950,96, € 5.918,94 e € 4.857,13 para os períodos, respetivamente, de 0205, 0206 e 0207, por utilização indevida de créditos que já haviam sido utilizados e * 2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO. A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. * 2.3. FACTOS NÃO PROVADOS Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados.” «» 3.2. DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, estaria cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito. Com efeito, nas suas alegações, a Recorrente refere que não é obrigada, nem isso a Lei determina, que a mesma tenha de atingir as conclusões não fundamentadas do douto Tribunal, porquanto devidamente compulsada a sentença proferida, a mesma é completamente omissa quanto à fundamentação, sendo que a devida fundamentação de Direito, importa que se indiquem não só os factos dados por provados, bem como e em particular, porquanto é nesse tocante que importa a douta aplicação da JUSTIÇA e o tribunal a quo limita-se a indicar factos - as datas supra indicadas - não promovendo contudo a devida subsunção dos factos ao Direito, para além de que inexiste, como é bom de ver nos presentes autos e no quanto à não aplicabilidade por parte do Tribunal a quo diz respeito da prescrição qualquer exame crítico, o mesmo é claramente OMISSO, sendo OMISSA a fundamentação de Direito, bastando para tanto indicar que não é sequer indicado um único artigo de direito, a fundamentar a posição adoptada pelo Tribunal a quo, o que significa que, atendendo ao supra exposto, desde já respeitosamente se requer que se reconheça o vício imputado à sentença em crise, determinando-se a revogação da mesma, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
Relativamente ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”. Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação. Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”. Diga-se ainda que a fundamentação de direito, por norma, é feita por indicação da norma ou normas legais em que se sustenta, mas poderá, também, ser estruturada por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que se baseia. Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123º nº 2 do CPPT e 659º nº 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável. Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, de modo que, considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a invocada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o equivale a dizer que a decisão recorrida, ao contrário do defendido pela Recorrente, exterioriza de forma expressa e clara as razões pelas quais julgou a presente impugnação improcedente e que se traduzem no simples facto de a Recorrente ter impugnando as liquidações adicionais de IVA de 2002 e respectivos juros compensatórios e de não lhes ter imputado qualquer vício especifico, uma vez que toda a causa de pedir se reporta a outros actos tributários que não os sindicados, o que a recorrente não põe, expressamente, em causa, ou seja, qualquer destinatário normal colocado na posição da Recorrente não poderia deixar de entender a motivação de direito que determinou a improcedência da impugnação judicial, pelo que, tem de improceder o presente recurso na parte em que reclama a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito.
A Recorrente aponta depois que no ordenamento jurídico tributário a prescrição é de conhecimento oficioso (art.º 175.º do CPPT) e as dívidas tributárias prescrevem assim e de acordo com a Lei, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos, sendo que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (n.º 1 do art.º 326.º do Código Civil), sendo que é neste tocante que mal andou o douto Tribunal a quo, pois que a vertente que adopta a posição s.m.e. inconstitucional, não começaria a correr de novo o prazo de prescrição, enquanto o processo não tiver termo, labora assim em erro, porquanto ficaria assim o executado refém de uma Justiça que se poderia atrasar no tempo e ser obliterada no espaço, renascendo assim a hipotética divida, anos ou décadas mais tarde, sendo que este entendimento, tal qual o entendimento que não pode ser colhido mas que se encontra a enformar a sentença ora em crise, viola os princípios do Estado de direito e coloca em crise os princípios da boa-fé e da protecção da confiança, mais atendendo a que não existe já uniformidade na jurisprudência, porquanto, no acórdão do STA, tirado no processo n.º 01121/16, de 23.11.2016, foi lavrado por um juiz Conselheiro voto de vencido, impondo-se considerar que o facto que interrompe a prescrição, nos presentes autos, ocorre com a citação no processo judicial aqui em causa, i e, em 20.09.2004 e que, conforme melhor decorre da Lei, inutiliza-se o tempo até ai então decorrido, verificando-se, no entanto e para boa e conforme aplicação da Lei, ao abrigo dos mais basilares ditames e orientações Constitucionais supra melhor indicadas alegadas e legalmente, jurisprudencialmente e doutrinariamente fundamentas, nesse mesmo momento, renasce a contagem do prazo para efeitos de prescrição, e assim, atendendo ao período de prescrição de oito anos, tendo iniciado novo período de contagem em 20.09.2004, sempre a prescrição tem de ser reconhecida, com efeitos à data de 19.09.2012, o que respeitosamente se requer em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!. Que dizer? Como é sabido, em sede de impugnação judicial, a prescrição da obrigação tributária nunca poderá constituir causa de pedir do pedido de anulação da liquidação, mas apenas poderá ser conhecida, incidentalmente, como motivo de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide: no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução (cfr. art. 175.º do CPPT), caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede, mesmo oficiosamente, como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e), do C. Proc, PC (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 23 a 25.). Cumpre também ter presente que a prescrição da obrigação tributária em sede de impugnação judicial apenas deve ser conhecida, como causa da eventual inutilidade superveniente da lide, nos casos em que do processo constem (não havendo de diligenciar nesse sentido, pois não se trata de questão a apreciar em impugnação judicial) todos os elementos que permitam uma decisão segura quanto àquela questão, designadamente, quando do processo constem os elementos que permitam atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos.
No caso presente, o Tribunal a quo ponderou o seguinte: “… Nas doutas alegações, a Impugnante, aos vícios indicados na douta petição inicial, veio invocar a prescrição da dívida a que se referem as liquidações de 1997. Porque, nos termos do artigo 175.º do CPPT a prescrição é de conhecimento oficioso, importa, pois, verificar se a dívida a que se refere as liquidações de IVA de 2002 impugnadas se encontram prescritas. Nos termos do artigo 48.º, n.º 1, da LGT, as dívidas tributárias, salvo disposição em lei especial, prescrevem no prazo de oito anos. Atento o disposto no artigo 49.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, a impugnação da liquidação do tributo interrompe a prescrição. Ora, no caso dos autos as liquidações impugnadas reportam-se ao ano de 2002, foram elaboradas em 29/05/2004, o prazo para pagamento voluntário terminou em 31/08/2004 e a presente impugnação foi apresentada em 20/09/2004. Do exposto resulta claro que o prazo de prescrição das dívidas a que se reportam as liquidações impugnadas ainda não se completou. …”.
Assim, a sentença recorrida, não obstante ter conhecido do mérito da impugnação judicial, na medida em que a julgou improcedente por não ter sido imputado qualquer vício às liquidações sindicadas, conheceu da prescrição da dívida, tendo-a considerado não prescrita, por via do ato interruptivo decorrente da instauração da impugnação judicial em 20/09/2004. Neste ponto, resulta claro que, nos termos do disposto nos artigos 48º e 49º da LGT (na redacção vigente em 2004) o efeito interruptivo da instauração da impugnação judicial tinha como consequência a eliminação de todo o tempo até aí decorrido, não voltando o prazo a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo à aludida impugnação judicial. No entanto, se a impugnação judicial esteve parada por mais de um ano por facto não imputável à recorrente, o efeito interruptivo convola-se em suspensivo, nos termos do então nº 2 do artigo 49º da LGT, sendo certo que esta factualidade não foi levada ao probatório, embora seja certo que decorre de fls. 38/39 do processo físico que os autos pararam por mais de um ano a partir de 09/11/2005, realidade que incompreensivelmente foi ignorada pelo Tribunal a quo. Além disso, não consta do probatório e dos autos se a dívida tributária foi ou não paga espontaneamente e, portanto, se se pode invocar a prescrição, se existe PEF, se a Recorrente foi ou não citada e em que data, se foi ou não prestada garantia e em que data, factos esses susceptíveis de relevar, enquanto factos interruptivos e suspensivos da prescrição e determinantes para se poder apreciar a prescrição da dívida - artigos 48º e 49.º da LGT. Isto equivale a dizer que do probatório e dos autos não constam todos os elementos necessários para apreciação da eventual prescrição da dívida, sendo certo que, o Tribunal recorrido apenas podia conhecer, oficiosamente, da prescrição, a título incidental, tendo em vista a avaliação da eventual utilidade ou não do prosseguimento da lide e não, como fez, conhecendo, simultaneamente do mérito da causa e da prescrição. Todavia, a Recorrente apenas argui a nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito e no segmento em que julgou não prescrita a dívida e já não no segmento em que julgou improcedente a impugnação judicial por falta de causa de pedir, por não ter sido imputado qualquer vício às liquidações sindicadas. Nestas condições, resta apenas negar provimento ao recurso perante o que ficou dito relativamente ao primeiro elemento (nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito), dado que, sem prejuízo do que ficou exposto relativamente à questão da prescrição (de modo a deixar um obiter dictum para o futuro), resulta evidente que a decisão de improcedência da impugnação judicial torna-se inatacável, o que significa que, o conhecimento da prescrição nesta sede, que visa apenas indagar da eventual inutilidade superveniente da lide, pois que, verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade, deixa de ter qualquer sentido neste contexto. Finalmente, cabe notar que esta análise em nada coloca em crise a posição da ora Recorrente, que sempre poderá suscitar esta questão junto do órgão de execução fiscal, no caso de, como é habitual, terem sido instaurados processos de execução fiscal com referência às dívidas relacionadas com as liquidações descritas nos autos, sendo que, ainda que esteja esgotado o prazo para deduzir oposição à execução fiscal, sempre a ora Recorrente poderá requerer ao órgão de execução fiscal que declare a prescrição das obrigações tributárias, com reclamação para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT, no caso de eventual decisão de indeferimento. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Pedro Vergueiro (relator) - Aragão Seia - Nuno Bastos. |