Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:020/18
Data do Acordão:02/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÂMBITO TEMPORAL
PRESUNÇÃO
RENDIMENTO
Sumário:A determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do nº 4 do art. 89º-A da LGT só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou a aquisição ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos.
Nº Convencional:JSTA00070532
Nº do Documento:SA220180207020
Data de Entrada:01/11/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E CÔNJUGE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT ART87 - ART89-A N1 N4.
CIRS01 ART9 N1 D.
CONST05 ART13 N1 ART103 ART104 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0433/13 DE 2013/04/17.; AC STA PROC01203/13 DE 2013/07/24.; AC STA PROC0400/14 DE 2014/04/23.; AC STA PROC0418/14 DE 2014/06/18.; AC STA PROC01562/14 DE 2015/01/21.; AC STA PROC0849/14 DE 2017/07/12.; AC TC PROC0186/13 DE 2014/01/09.
Referência a Doutrina:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO - TRIBUTAÇÃO PRESUMIDA DO RENDIMENTO, CONTRIBUTO PARA REEQUACIONAMENTO DOS MÉTODOS INDIRECTOS DE DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL PÁG303.
CASALTA NABAIS - RLJ N3963 ANO139 JULHO - AGOSTO 2010 PÁG357-372.
JOÃO SÉRGIO RIBEIRO - ALGUMAS NOTAS ACERCA DA MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA, ESTUDOS EM MEMÓRIA PROF DR J L SALDANHA SANCHES VOLV 2011 PÁG197 PÁG210.
PEDRO MARINHO FALCÃO - OS ACRÉSCIMOS INJUSTIFICADOS COMO METODOLOGIA DE COMBATE À EVASÃO FISCAL, NOTAS SOBRE OS ASPECTOS PARTICULARES DO RESPECTIVO REGIME JURÍDICO, IV CONGRESSO DIREITO FISCAL, DIRECÇÃO GLÓRIA TEIXEIRA, VIDA ECONÓMICA 2014 PÁG235-262.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. O Director de Finanças do Porto recorre da sentença que, proferida pelo TAF do Porto, julgou procedente o recurso interposto, nos termos do disposto nos n.ºs 6 e 7 do art. 89°-A da LGT e nº 5 do art. 146°-B do CPPT, por A………………… e B………………., ambos com os demais sinais dos autos, contra a decisão proferida em 29/7/2014, que fixou o rendimento tributável, para efeitos de IRS nos anos de 2010 e 2011, por recurso à utilização de métodos indirectos no valor de € 53.177,87, para cada um daqueles anos.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. A questão que constitui o thema decidendum do presente recurso consiste em saber se, com base na aquisição de imóveis no valor global de € 265.889,33 quando o rendimento declarado no ano de aquisição para efeitos de IRS foi substancialmente inferior, é legítimo, ao abrigo do disposto no artigo 89°-A, n° 4 da LGT, proceder à fixação do rendimento tributável nos três anos seguintes ao da aquisição, sendo que também em relação a cada um destes anos os rendimentos revelam uma considerável desproporção superior a 50%, para menos, relativamente ao rendimento padrão (20% do valor de aquisição) resultante da tabela prevista naquele preceito legal.
II. A sentença recorrida entendeu que “a determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do n° 4 do art. 89° A da LGT só pode ser feita uma única vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n° 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos." - fundamentando-se integralmente no mui douto acórdão proferido por este Tribunal Superior, a 21/01/2015, processo 01562/14.
III. Pelo que, argumentando no presente recurso, se expõe a V. Exas., Colendos Senhores Conselheiros, entendimento que, contrariando o decidido no mui douto acórdão citado, cremos, verter, com fidelidade e inteireza, o ordenamento jurídico-fiscal, em respeito à letra e ao espírito da lei e, bem assim, à Constituição fiscal.
IV. A alteração da norma contida no n° 4 do art. 89°-A, da LGT, constante da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (Lei n° 53-A/2006, de 29 de dezembro), na parte em que dispõe que quando “o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n° 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n° 2, nos três anos seguintes, (...).” - negrito nosso - não pode ser entendida no sentido pugnado no douto acórdão: “visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas alíneas a) e b) do n° 2 no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes. Ou seja, nas alíneas a) e b) do n° 2 dizia-se que para efeitos do n° 1 eram considerados os bens adquiridos nesse ano e nos três anos anteriores. Porém, o n° 4, que tratava da determinação da matéria colectável, era omisso quanto ao ano em que podia onerar a presunção, omissão que a nova redacção veio colmatar (...)” – sublinhado nosso;
V. A interpretação conferida à referida alteração legislativa, pelo Acórdão em apreço, não encontra arrimo legal. Antes, a alteração, teve a finalidade muito clara de esclarecer e de determinar que os bens adquiridos (imóveis, automóveis, motociclos e aeronaves) podem constituir uma manifestação de fortuna e conduzir à determinação do rendimento coletável, não apenas no ano da aquisição mas, também, nos três anos seguintes.
VI. Ao utilizar a expressão “nos três anos seguintes", prevista no n° 4 do art. 89°-A, da LGT, pretendeu o legislador, precisamente, que a presunção baseada na manifestação de fortuna repercuta os seus efeitos durante esse período.
VII. Na interpretação vertida na sentença de que recorremos, o contribuinte poderia até não justificar a manifestação de fortuna e nem declarar qualquer rendimento, acabando por ter um prémio: pagar imposto unicamente sobre 20% do valor de aquisição - o que constitui uma clara violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade.
VIII. Sobre esta matéria, não sendo é certo ignorado pela sentença recorrida, o próprio Tribunal Constitucional pronunciou-se já lapidarmente, confirmando sem margem para dúvidas, que a norma constante do artigo 89°-A, n° 4 da LGT quando interpretada no sentido de que a manifestação de fortuna apresentada pelo sujeito passivo permite à AT a correcção do rendimento para efeitos de IRS em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica, nada tem de inconstitucional, num raciocínio irrepreensível "o alargamento do horizonte de controlo por parte da AT, e da potencial intervenção corretora da matéria coletável, por um período de quatro anos (o ano da verificação da aquisição de imóveis e os três anos posteriores) encontra como racional a eficácia do instituto como instrumento de combate à evasão fiscal, que de outra forma ficaria seriamente comprometida ou mesmo inviabilizada. § "se a relevância da aquisição do bem susceptível de ser considerado manifestação de fortuna se limitasse ao ano em que foi adquirido, bastaria, ao sujeito passivo que tivesse a intenção de praticar a evasão fiscal, declarar, nesse ano, um rendimento que não estivesse desfasado do rendimento padrão resultante da aplicação da tabela, podendo nos anos seguintes declarar rendimentos ostensivamente baixos, sem que a Administração Fiscal algo pudesse fazer para a isso obstar” - negrito e sublinhado nossos.
IX. Acrescentando ainda que:
Com efeito, importa ter em atenção que o rendimento tributável decorrente da aplicação da normação em apreço não corresponde inteiramente ao montante aplicado na aquisição dos imóveis. Ainda que o tenha como base de cálculo, o rendimento que se presume auferido e não tributado como devido, encontra-se a partir da aplicação do percentual de 20% a esse valor, sendo o resultado - o rendimento padrão - a expressão do afluxo de proventos numa base anual que se tem como fundadamente indiciado, para efeitos de controlo da sua desconformidade com os rendimentos declarados e eventual liquidação adicional de IRS durante quatro períodos de tributação, caso não justificada. Nessa medida, não se trata, como afirma o Tribunal a quo, de extrair consequências plúrimas do mesmo facto, mas de repercutir - relevar - o mesmo facto presumido em vários períodos de incidência de IRS, no que representa um escalonamento da avaliação presuntiva do rendimento, por confronto com outras opções do legislador tributário democraticamente legitimado.
Na verdade, para além de obedecer às apontadas exigências de eficácia na luta contra a fraude e a evasão fiscal, incentivando o sujeito passivo a declarar o rendimento real, a normação em apreço compara favoravelmente para o sujeito passivo com o que seria a tributação do acréscimo patrimonial não justificado de uma só vez e num único ano, como observa a AT. Note-se ainda que, mesmo na expressão cumulativa máxima implicitamente admitida na decisão recorrida (...), o rendimento tributável obtido a partir da não justificação de manifestação de fortuna em todos os quatro anos não ultrapassa 80% do valor dos bens imóveis adquiridos, comportando então incidência objetiva que permanece aquém do que aconteceria caso o sujeito passivo tivesse declarado todo o rendimento correspondente ao capital aplicado na mesma. ” - negrito e sublinhado nossos.
X. O próprio entendimento do STA quanto a esta questão não parece ser unânime, porquanto no Acórdão de 24.07.2013, proferido no Processo n° 01203/13, ficou consignado um Voto de Vencido do Senhor Juiz Conselheiro António Bento São Pedro, onde pode ler-se o seguinte: “(...) Como se vê os termos da lei são claros e simples: “no ano em causa e nos três anos seguintes”. - negrito e sublinhado nossos.
XI. No mesmo sentido pode ver-se o Comentário ao Acórdão do STA de 24.07.2013 (Processo n° 01203/13), 2ª Secção, elaborado por Ana Paula Dourado e Ana Gabriela Rocha:
O argumento do STA neste acórdão (...) é o de que a interpretação literal do n° 3 do art. 89°-A da LGT implicaria o caráter sancionatório e conduziria a resultados confiscatórios porque a matéria tributável consistiria em 80% do valor do imóvel.
Pode argumentar-se, em contrapartida, que o rendimento padrão de um sujeito passivo que tem capacidade de adquirir um imóvel no valor de € 250.000 tem de ser superior a 20% num único ano fiscal. Por outras palavras, a aquisição de um imóvel no valor referido não pode ser feita com o rendimento (presumido) de € 50.000 num único ano fiscal. Por conseguinte, na ausência de elementos fornecidos pelo SP, a tributação durante quatro anos de 20% do valor do imóvel - € 200.000 ficando ainda abaixo do valor total do imóvel, já é mais próxima do rendimento padrão que possibilita a aquisição de tais imóveis. Saliente-se, porém, que a presunção de que os rendimentos tributáveis foram de 20% do valor do imóvel, durante quatro anos, fica aquém do que terá sido auferido por um SP para poder adquirir o imóvel, e fazer face às despesas correntes e outras que não constituam manifestações de fortuna tipificadas na lei.
XII. A análise que o acórdão em que se sustenta a decisão recorrida faz da letra da lei é a de que o disposto no n° 4 do artigo 89°-A da LGT visou, unicamente, harmonizar essa norma com as alíneas a) e b) do n° 2 do mesmo artigo, que prevêem que, para efeitos de apuramento das manifestações de fortuna, relevam as aquisições de bens realizadas nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou por qualquer elemento do respectivo agregado familiar.
XIII. A redacção do anterior n° 4 do artigo 89°-A da LGT era omissa relativamente ao ano em que podia operar a tributação de rendimentos com base nas manifestações de fortuna, omissão essa que foi colmatada com a nova redacção dada pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a qual, no entendimento do acórdão, veio limitar-se “(...) a explicitar quais os anos relativamente aos quais podia ocorrer a determinação da matéria tributável, admitindo-a no ano em que teve lugar a aquisição e em qualquer um dos três anos seguintes, mas apenas uma única vez."
XIV. O próprio texto da lei que prevê a avaliação indirecta do rendimento tributável, com base nas manifestações de fortuna, nos três anos seguintes ao ano de aquisição (ou, nos demais casos, ao ano da matrícula ou do registo). A redacção do n° 4 do artigo 89°-A da LGT mostra-se conforme com a tabela aí constante, a qual define, expressamente, a percentagem para efeitos de apuramento do “rendimento padrão” a calcular em cada um dos anos subsequentes ao ano da verificação dos pressupostos da manifestação de fortuna, percentagem que se mantém inalterada, no caso de bens imóveis, e que diminui o seu valor, no caso dos automóveis ligeiros de passageiros, motociclos, barcos de recreio e aeronaves de turismo.
XV. A não ser assim, não se compreenderia a referência expressa que é feita pelo legislador ao valor das percentagens a calcular nos anos seguintes ao ano em que se verificam os pressupostos para a tributação das manifestações de fortuna, nestes últimos casos em que ela é decrescente.
XVI. Por outro lado, da análise da tabela, constatamos que a intenção do legislador não é a tributação de valor equivalente ao efectivamente despendido pelo contribuinte (que corresponderia a uma tributação de 100%), mas sim da capacidade contributiva do sujeito passivo associada à manifestação de fortuna, por referência a um determinado “rendimento padrão” previamente estabelecido pelo legislador.
XVII. Ao contrário do que sucede com a tributação dos acréscimos patrimoniais não justificados, o legislador não tributa a diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial, mas sim o "rendimento padrão”, cuja percentagem se encontra previamente estabelecida na lei, optando por repartir a tributação da capacidade contributiva identificada (com referência ao valor da aquisição ou aquisições) pelos três anos seguintes ao da manifestação de fortuna e não pela sua tributação integral num só ano.
XVIII. Uma leitura distinta, tal como aquela que é sustentada na sentença recorrida, seria, aliás, incentivadora de comportamentos de omissão declarativa e de evasão fiscal, traduzindo-se num verdadeiro perdão fiscal para os sujeitos passivos que não declarassem a totalidade dos seus rendimentos tributáveis. Na, verdade,
XIX. A limitar-se a tributação a um só ano e
XX. a 20% do valor não justificado da manifestação de fortuna, isto é, da capacidade contributiva efectivamente verificada na esfera do sujeito passivo,
XXI. estar-se-ia a reduzir a tributação a apenas uma quinta parte daquela que seria devida
XXII. caso ao mesmo rendimento tivesse sido aplicada a tributação que seria normalmente devida se o contribuinte não omitisse o cumprimento das suas obrigações declarativas.
XXIII. Ao invés do invocado pendor sancionatório assacado no acórdão à tributação indirecta feita a partir das manifestações de fortuna, esta traduzir-se-ia, afinal, num verdadeiro benefício ao infractor, que ver-se-ia assim sancionado com uma tributação de apenas 20% da capacidade contributiva evidenciada com a manifestação de fortuna, esquivando à tributação 80% do valor que seria tributável em caso de tributação directa segundo a declaração de rendimentos.
XXIV. É o próprio Tribunal que, como se citou, evidencia que, no caso dos bens imóveis, a tributação não ultrapassa 80% do valor de aquisição, o que, conclui, comporta “(...) incidência objetiva que permanece aquém do que aconteceria caso o sujeito passivo tivesse declarado todo o rendimento correspondente ao capital aplicado na mesma.”- negrito nosso
XXV. A interpretação restritiva do texto da lei, firmada na sentença, desvirtua o propósito da criação deste regime de tributação indirecta, na medida em que a inércia do contribuinte (de justificar os rendimentos que lhe permitiram a manifestação de fortuna) seria recompensada pela própria lei, considerando que a tributação se atém a 20% do valor de aquisição, muito aquém, pois, do estatuído, quer nas leis tributárias, quer nos princípios que regem o ordenamento tributário português - os princípios da igualdade e da tributação da capacidade contributiva - que preconizam a tributação pelo rendimento real.
XXVI. Defende ainda o Tribunal que a interpretação da AT se funda numa presunção inilidível de rendimentos, na medida em que, ao repartir as consequências jurídicas da tributação das manifestações de fortuna nos 3 anos seguintes ao da verificação dos seus pressupostos, não seria consentido ao sujeito passivo afastar a tributação pelo rendimento padrão, o que consubstanciaria, não só uma violação da lei (in casu, do disposto no artigo 73° da LGT), mas também dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, contemplados no n° 1 do artigo 4° da LGT e nos artigos 13° e 104° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
XXVII. No que diz respeito à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, a lei estabelece, no n° 3 do artigo 74° da LGT, um regime repartido do ónus da prova: à AT compete fazer a prova dos pressupostos daquela tributação, e ao sujeito passivo a prova do excesso na respectiva quantificação.
XXVIII. Em concreto, e quanto às manifestações de fortuna, evidenciada a sua existência pela administração, sobre o contribuinte incide um ónus de comprovar, por um lado, a veracidade do declarado à administração e, por outro lado, de justificar a fonte de rendimentos que lhe permitiu tais manifestações de riqueza, em resultado da regra instituída no n° 3 do artigo 89°-A da LGT.
XXIX. A verdade é que a tributação das manifestações de fortuna assenta numa presunção de capacidade contributiva associada à evidência das manifestações de riqueza, tal como definidas na lei. O legislador elencou determinados factos-índice, tipificados como manifestações de fortuna, que constituem meros indicadores legais de determinada capacidade contributiva.
XXX. Todavia, a ocorrência destes indicadores, por si só, não é suficiente para determinar a tributação dos sujeitos passivos por métodos indirectos. Exige-se, também, a falta de declaração de rendimentos ou uma desproporção superior a 30%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no n° 4 do artigo 89°-A.
XXXI. Por conseguinte, a aquisição daquele tipo de bens e o seu montante apenas permitem inferir a existência de disponibilidades financeiras (ou outras) que possibilitem aos sujeitos passivos suportar esses gastos, estabelecendo-se, assim, uma presunção de capacidade contributiva.
XXXII. O apuramento do rendimento que será ulteriormente considerado, pela administração, para efeitos de tributação (que a lei faz corresponder, no caso das manifestações de fortuna, ao “rendimento padrão”) ocorrerá num momento ulterior, sendo o resultado de um esforço probatório insuficiente do sujeito passivo em comprovar a veracidade dos elementos declarados à AT ou que é outra a fonte dos recursos que lhe permitiram tais aquisições de bens.
XXXIII. Assim, da ausência ou insuficiência probatórias do contribuinte o legislador faz decorrer, “ope legis”, determinadas consequências jurídicas que se prenderão com a quantificação e qualificação jurídicas do facto tributário. Para efeitos de quantificação, e como medida de tributação, estabelecem-se percentagens directamente associadas ao valor não justificado da manifestação de fortuna evidenciada.
XXXIV. A tributação pelo valor do “rendimento padrão” não constitui, assim, uma presunção inilidível de rendimentos, na medida em que, no âmbito do procedimento de tributação pelas manifestações de fortuna, ao sujeito passivo será sempre facultada a possibilidade de comprovar a veracidade dos elementos declarados e de demonstrar a fonte dos seus rendimentos.
XXXV. A tributação repartida segundo o regime das manifestações de fortuna é, tão simplesmente, uma tributação sucedânea face a essa conduta omissiva do sujeito passivo, como alternativa à tributação num só ano, susceptível de se revelar mais gravosa do sujeito passivo, por exigir um esforço financeiro acrescido num único ano.
XXXVI. É que ao contrário do sugerido no acórdão não há um efeito cumulado da tributação, há outrossim, um efeito diluído.
XXXVII. Mais, contrariamente ao que parece resultar do acórdão, o contribuinte pode obstar a que a AT prossiga com a avaliação indirecta da matéria colectável, demonstrando que não existe qualquer ocultação ilegal de rendimentos. O que, in casu, de resto e sem conceder, não fizeram.
XXXVIII. O procedimento a realizar pela AT é unitário, porque a manifestação de fortuna está identificada, considerando os elementos recolhidos no ano da verificação dos pressupostos da tributação das manifestações de fortuna e, eventualmente, nos três anos que lhe precedam, designadamente com uma relação das aquisições de bens e os rendimentos líquidos declarados em cada um desses anos.
XXXIX. A opção do legislador foi, não a de tributar, num único ano, uma percentagem de 80% do valor não justificado da manifestação de fortuna (ainda assim, numa percentagem que fica aquém da tributação de 100% do rendimento), mas sim a de diluir essa consequência jurídica pelo próprio ano em que se reúnem os pressupostos legais para a tributação, segundo aquele regime, e pelos 3 anos seguintes àquele, de acordo com uma percentagem anual de 20%.
XL. Esta interpretação é, salvo melhor opinião, a que melhor se coaduna com as exigências de combate à fraude e evasão fiscais subjacentes ao procedimento de tributação indirecta a partir das manifestações de fortuna, o qual tem em vista restaurar a ordem jurídica violada por uma conduta omissiva do sujeito passivo, sob pena de se tornar um regime claramente mais favorável para o contribuinte faltoso (fazendo incidir a tributação numa reduzida percentagem de 20% sobre o valor de aquisição do bem imóvel, a considerar num só ano de tributação), do que o regime normal de tributação real do rendimento (assente em 100% daquele valor).
XLI. Também quanto a matéria se pronunciou o Tribunal Constitucional, concluindo, sem dúvidas ou incertezas:
Em todo o caso, contando o sujeito passivo com a efetiva possibilidade de elidir a presunção, em toda a sua amplitude temporal e efeito cumulado, justificando em fase contraditória, sem exigências probatórias de difícil realização, as fontes financeiras que lhe permitiram lançar-se na aquisição dos bens imóveis e, ao mesmo tempo, declarar sucessivamente em sede de IRS rendimentos fortemente inferiores ao rendimento padrão (...), a margem de incerteza, conatural a todos os instrumentos de fixação presuntiva de rendimento, mostra-se substancialmente reduzida, incluindo no seu prolongamento e aplicação nos três anos subsequentes ao do facto manifestador de riqueza.
Não se encontra, assim, nesse sentido normativo, solução de fixação de rendimento presumido ilógica, desrazoável ou incompatível com o pressuposto económico erigido como objeto do imposto, sendo certo que a capacidade contributiva encontra expressão, para além do rendimento, também na utilização dos bens e no património acumulado.
13. Em suma, estando em questão instrumento de combate à fraude e evasão fiscal, através da operação de presunção baseada em desconformidade de rendimentos evidenciada, presunção essa não absoluta, não ofende os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, decorrentes dos artigos 13°, n° 1 e 104°, n° 1, da Constituição, que, por razões de praticabilidade e eficácia, e também de contra motivação dos comportamentos evasivos a que se procura obstar, a avaliação presuntiva de rendimentos tributáveis não declarados possa ter lugar nos três anos posteriores àquele em que ocorre o facto consubstanciador de manifestação de fortuna”. - negrito e sublinhado nossos.
XLII. E assim também, no mesmo sentido, o Comentário ao Acórdão do STA de 24.07.2013 (Processo n° 01203/13), 2ª Secção, elaborado por Ana Paula Dourado e Ana Gabriela Rocha: “Todavia, o facto de se aplicar o método indireto em diversos anos ou exercícios fiscais, relativamente ao mesmo bem que constitui a manifestação de fortuna, não implicará, só por si, uma “suspeição de obtenção do rendimento", isto é, uma presunção inilidível sobre a existência de rendimentos obtidos em cada um dos 4 anos (cumulativamente, como se diz no acórdão). Não parece existir uma presunção sobre novo facto tributário, i.e., sobre um (novo) bem (presumido), mas o fracionamento do valor tributável desse mesmo bem, em vários anos fiscais, justificado neste caso pelo elevado valor do mesmo: há uma intenção de reposição da tributação sobre rendimentos que foram (presumivelmente) acumulados ao longo de vários (pelo menos 4) anos e que só são detetados indiretamente - pelas manifestações de fortuna. - in Revista IDEFF, Ano 6, n° 3, páginas 296-298 - negrito e sublinhado nossos.
XLIII. Sem conceder, a admitir-se a interpretação da decisão recorrida - interpretação segundo a qual a determinação do rendimento com base numa aquisição concreta de um bem previsto na tabela do n° 4 do art. 89°-A, da LGT, só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n° 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos - considerando que o próprio tribunal constitucional já atestou a constitucionalidade da interpretação que a AT defende - estar-se-ia aí sim, em última instância, perante uma inconstitucionalidade, designadamente por violação dos princípios da legalidade, tipicidade, proporcionalidade, igualdade e da capacidade contributiva, decorrentes dos artigos 13°, n° 1, 103° e 104°, n° 1, da Constituição.
XLIV. O que resulta irrefutável em face da declaração do Tribunal Constitucional, que chamado a pronunciar-se sobre a eventual inconstitucionalidade da interpretação do artigo 89°-A da LGT formulada pela AT, no sentido de admitir a correcção do rendimento tributável nos três anos seguintes àquele em que se verificaram os pressupostos da tributação segundo o regime das manifestações de fortuna, por violação do princípio da capacidade contributiva. Através do acórdão n° 43/2014, de 09 de Janeiro de 2014, o TC emitiu um juízo de não inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
Não julgar inconstitucional a norma contida nos n° 2, al. a), e n° 4, do art. 89°-A, da Lei Geral Tributária, na redação da Lei n° 53-A/2006, de 29 de dezembro, na interpretação de que a manifestação de fortuna apresentada pelo contribuinte permite à Administração Tributária a correção do rendimento, para efeito de IRS, em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica;”.
XLV. Simultaneamente, estar-se-ia a limitar, se não mesmo a impedir a realização do princípio da prossecução do interesse público, previsto nos artigos 266° e 269°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 55° e 58° da LGT, porquanto estaria a limitar-se a um número muito reduzido, as situações em que a Administração Fiscal poderia levar a cabo as suas atribuições no âmbito do princípio constitucionalmente consagrado da prossecução do interesse público, nomeadamente a justa e atempada arrecadação de receitas fiscais, o dever fundamental de pagar impostos, o princípio da capacidade contributiva e o princípio da igualdade fiscal, o combate ao ilícito e a identificação e punição dos seus agentes.
Termina pedindo o provimento do recurso.

1.3. Em contra-alegações, a recorrida pugna pela confirmação do julgado recorrido e formula as Conclusões seguintes:
1 - A sentença recorrida não merece qualquer censura.
2 - A decisão do Director de Finanças do Porto, de 29/07/2014, que fixou o rendimento colectável por métodos indirectos para efeitos de IRS, para os anos de 2010 e 2011 é ilegal por errónea interpretação e aplicação do direito.
3 - Com a fixação do rendimento tributável para o ano de 2008, esgotaram-se os fins pretendidos pelo legislador, não mais podendo ser efectuada nova fixação.
4 - A alteração do n° 4 do artigo 89°-A da LGT, levada a cabo pela Lei 53-A/2006, apenas veio permitir esclarecer o limite temporal em que é possível o recurso à avaliação indirecta, e não admitir que a mesma sucedesse mais do que uma vez relativamente ao mesmo facto aquisitivo.
5 - Nesse sentido, é abundante a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que sustenta que a Administração Fiscal só pode lançar mão da avaliação indirecta da matéria colectável quando e tão só ocorra a manifestação de fortuna, ainda que temporalmente se possa percorrer os 3 anos anteriores à desproporção, fixando o rendimento, naturalmente, num dos 3 anos seguintes à aquisição, mas uma única vez.
6 - Jurisprudência que se mantém mesmo depois do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 43/13 de 9/01/2014, designadamente a do Acórdão de 21/01/2015, processo 01562/14 e do Acórdão do STA de 12/07/2017, processo 0849/14.
7 - Só o ano em que se detecta o desfasamento declarativo é que pode ser alvo de presunção de rendimento.
8 - Não foi intenção do legislador fixar um rendimento tributável tendo por base um rendimento padrão de 80% diluído em 4 anos.
9 - Foi, sim, apurar esse rendimento tendo por base um rendimento padrão de 20%.
10 - É absolutamente incompreensível que aquisições num determinado ano possam denunciar rendimentos em anos posteriores.
11 - Não ocorre qualquer inconstitucionalidade na interpretação que é feita pela sentença recorrida em adesão ao entendimento repetido do STA.
Termina pedindo a confirmação da sentença.

1.4. O Ministério Público emite Parecer nos termos seguintes:
«I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Penafiel que julgou procedente a ação intentada contra o ato do senhor diretor de finanças do Porto, datado de 29/07/2014, que fixou o rendimento coletável dos Recorrentes para efeitos de IRS, por métodos indiretos, para cada um dos anos de 2010 e 2011, no montante de € 53.177,87 euros.
2. Considera a Recorrente que a sentença padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação da lei, por alegadamente a interpretação adotada pelo tribunal recorrido desvirtuar «o propósito da criação desta regime de tributação indireta, na medida em que a inércia do contribuinte (de justificar os rendimentos que lhe permitiram a manifestação de fortuna) seria recompensada pela própria lei, considerando que a tributação se atém a 20% do valor de aquisição, muito aquém ... do estatuído, quer nas leis tributárias, quer nos princípios que regem o ordenamento tributário português - os princípios da igualdade e da tributação da capacidade contributiva - que preconizam a tributação pelo rendimento real».
Alega a este propósito que «a opção do legislador foi, não a de tributar, num único ano, uma percentagem de 80% do valor não justificado da manifestação de fortuna (...), mas sim a de diluir essa consequência jurídica pelo próprio ano em que se reúnem os pressupostos legais para a tributação, segundo aquele regime, e pelos 3 anos seguintes àquele, de acordo com uma percentagem anual de 20%».
E termina pedindo a revogação da sentença.
II. Fundamentação de facto e de direito da sentença.
Na sentença recorrida deu-se como assente [(1) De forma implícita, pois não resulta expressamente da factualidade levada ao probatório] que na sequência da aquisição no ano de 2008 de dois imóveis pelo valor de € 265.889,33 euros, a AT, ao abrigo do disposto no artigo 89º-A da LGT, fixou para esse ano o rendimento padrão de € 53.177,87 euros, cujo ato foi impugnado, mas que não foi objecto de conhecimento, por ter sido considerado intempestivo o recurso apresentado.
Mais se deu como assente que por despacho do diretor de finanças do Porto, datado de 29/07/2014, foi fixado, com base na mesma manifestação de fortuna, o mesmo rendimento padrão para os anos de 2010 e 2011.
Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal "a quo", invocando a jurisprudência do acórdão do STA de 12/07/2017, proc. 0849/14, que «a determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do nº 4 do artigo 89º-A da LGT só pode ser feita uma única vez, nos termos do nº l do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos», pelo que tendo a manifestação de fortuna em causa nos autos dado origem a idêntica fixação do rendimento tributável padrão no ano de 2008, conclui o tribunal pela ilegalidade do ato de fixação de rendimentos para os anos de 2010 e 2011.
III. Análise do recurso e apreciação das questões suscitadas.
A questão que se coloca consiste em saber se com base na manifestação de fortuna evidenciada pelos sujeitos passivos em 2008 com a aquisição de dois imóveis pelo valor de € 265.889,33 euros, quando os rendimentos declarados para efeitos de IRS nesse ano e nos anos de 2010 e 2011 revelam uma desproporção superior a 50%, para menos, relativamente ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no artigo 89º-A, nº 4 da LGT, é legítima a atuação da Administração Tributária, que, ao abrigo do disposto no citado preceito legal, procedeu à fixação do rendimento tributável com base naquele rendimento padrão não só no ano de 2008, como também nos anos de 2010 e 2011.
Como se evidencia nas alegações de recurso a Recorrente considera que a avaliação indireta prevista no artigo 89º-A da LGT deve abranger senão a totalidade, pelo menos a quase totalidade dos acréscimos patrimoniais evidenciados no facto tipificado na lei como "manifestação de fortuna".
E verdade que a redação do n° 4 do artigo 89º-A da LGT se presta a diversas interpretações, designadamente a defendida pela Recorrente.
A questão está em saber se o método plasmado no citado preceito legal da LGT equipara o rendimento presumido ao valor das manifestações de fortuna ou se a partir do indício que é tipificado como "manifestação de fortuna" o legislador presume o rendimento omisso ou oculto.
Neste último sentido pronunciou-se João Sérgio Ribeiro na sua tese de doutoramento ("Tributação Presumida do Rendimento", edição Almedina, pág. 303): «Convém ... que ... não se confunda indício ou facto base da presunção (valor das manifestações de fortuna) com o próprio facto presumido (rendimento imputado ao sujeito passivo).».
Ou seja, para este ilustre Autor, e ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, o mecanismo de determinação do rendimento tributável decorrente das manifestações de fortuna plasmado na LGT não equipara as manifestações de fortuna tipificadas na lei a rendimento tributável, mas apenas configura um índice a partir do qual o legislador obtém o rendimento presumido que é imputado ao contribuinte. Refere o citado Autor (ob. cit. pág. 280), que «as manifestações de fortuna não são rendimento tributável, mas simplesmente o facto base de uma presunção iuris tantum, em virtude da qual se atribui ao sujeito passivo um rendimento, até então, desconhecido».
Por outro lado considera o mesmo Autor que a presunção tem igualmente repercussões a nível temporal, pois «presume-se que os rendimentos inferidos das manifestações de fortuna são produzidos no período em relação ao qual a Administração tem conhecimento da existência ou verificação daqueles, ou seja, na data da aquisição dos bens, ou da realização do consumo».
Caracterizando esse tipo de rendimento refere o mesmo Autor [(2) "Algumas Notas Acerca das Manifestações de Fortuna", 2011, Estudos em Memória do prof. Dr. Saldanha Sanches, vol. V], que «O património não encaixa no conceito legal de rendimento, sendo somente um dos destinos que se pode dar a esse rendimento»
«Resulta claro, ... que as manifestações de fortuna não são rendimento tributável, mas simplesmente o facto base de uma presunção iuris tantum, em virtude da qual se atribui ao sujeito passivo um rendimento, até então, desconhecido. O rendimento que se determina a partir desse mecanismo tem, assim, uma raiz estritamente presumida, o que, face à natureza iuris tantum da presunção em que assenta, é perfeitamente compatível com o princípio da capacidade contributiva» [(3) Ob. cit., pág. 200]. (...)
«estes rendimentos não justificados são normalmente explicados como o resultado de rendimentos sonegados à administração tributária, em anos anteriores, podendo, inclusive, tratar-se de rendimentos advenientes de actividades ilícitas. As manifestações de fortuna servem, precisamente, como válvula de escape para tributar esses rendimentos de origem desconhecida».
Ora, é a partir da conceção deste mecanismo que o referido Autor retira depois outras conclusões, designadamente a asserção de que tal mecanismo de determinação do rendimento tributável só pode funcionar uma única vez, ainda que no decurso do tal período de três anos após a verificação da manifestação de fortuna.
Também tem sido este o entendimento sufragado na jurisprudência do STA, o qual, por acórdão de 17/04/2013, proc. 0433/13, acolhendo a doutrina daquele Autor, entendeu que «... entre nós o legislador configurou as manifestações de fortuna como presunções de rendimento: a lei, perante aquisições onerosas de bens ou consumos e na falta de declaração de rendimentos ou da desproporção que revelem relativamente ao rendimento declarado, se não for feita a prova da origem do rendimento que as permitiu, presume um determinado rendimento não declarado ou ocultado, em ordem à sua tributação», jurisprudência esta que foi seguida posteriormente pelo STA nos acórdãos de 24/07/2013, proc. 01203/13, de 23/04/2014, proc. 0400/14, de 21/01/2015, proc. 01562/14, e de 12/07/2017, proc. 0849/14.
A questão que se coloca pois é a de saber se as "manifestações de fortuna" previstas no artigo 89º-A da LGT têm ou não natureza presuntiva ou serão antes incrementos patrimoniais.
O entendimento defendido na tese de doutoramento de João Sérgio Ribeiro é no primeiro sentido. Afirma aquele Autor que «as manifestações de fortuna na podem constituir, por si sós, uma especificação do facto tributário do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, mas apenas indícios de uma presunção» (Ob. cit., pág. 278) – [(4) Conclui assim o referido Autor que «o instrumento jurídico-lógico que permite inferir rendimento das manifestações de fortuna é a presunção, com todas as consequências que daí advêm, nomeadamente a possibilidade de a ilidir» - ob. cit. pág. 282].
Em que termos tal entendimento foi acolhido no artigo 89º-A da LGT?
José Guilherme Xavier de Basto (in "IRS, Incidência real e Determinação dos rendimentos líquidos", Coimbra Editora, 2007) faz uma acertada crítica por não estar definido no CIRS, o tipo de rendimentos que são fixados ao abrigo do mecanismo do artigo 89º-A da LGT. Com efeito, a alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS limita-se a integrar na categoria "G" - incrementos patrimoniais", desde que não considerados rendimentos de outras categorias, os "acréscimos patrimoniais não justificados", determinados nos termos dos artigos 87º, 88° ou 89º-A da lei geral tributária. E nessa medida essa técnica legislativa não contribui para a clarificação que se impunha, bem pelo contrário, uma vez que aparentemente qualifica como rendimento os "acréscimos patrimoniais". Ora, como bem nota João Sérgio Ribeiro (oc. cit), património não é rendimento para efeitos de IRS. Antes, os rendimentos gerados em período anterior é que se materializam na aquisição de bens ou na realização de consumos de valor desproporcional aos rendimentos declarados.
De todas as formas, afigura-se-nos que pese embora as deficiências e algumas incongruências da determinação dos rendimentos tributáveis com base em acréscimos patrimoniais não justificados que vários autores apontam ao regime plasmado na LGT e CIRS, e tal como defende João Sérgio Ribeiro e é sufragado na jurisprudência do STA, nas manifestações de fortuna estamos perante um mecanismo de base presuntiva, que assenta em factos índice tipificados na lei – nº 4 do artigo 89°-A - e com base nos quais o legislador define o valor do rendimento padrão a acrescer ao rendimento tributável do contribuinte. De modo que, é à luz deste entendimento que se deve interpretar o disposto no corpo do nº 4 do artigo 89-A da LGT. E nessa medida, pese a defeituosa redação do preceito, deve entender-se que o rendimento padrão fixado na tabela apenas é fixado uma única vez, seja no ano em que o contribuinte evidencie a manifestação de fortuna, seja nos três anos seguintes, por correspondência ao disposto na alínea a) do nº 2 do mesmo preceito legal, verificados que sejam os demais pressupostos, ou seja, nos casos em que falte a declaração ou o rendimento líquido declarado revelar uma desproporção superior a 30% para menos, em relação ao rendimento padrão.
A tese defendida pela Recorrente FP tem subjacente o pressuposto que o acréscimo patrimonial resultante da aquisição do imóvel equivale ao rendimento presumido, o que, a nosso ver, não tem acolhimento na previsão do artigo 89º-A da LGT, nem foi essa a intenção do legislador [(5) Que constitui opção noutros ordenamentos jurídicos, como é salientado por João Sérgio Ribeiro na sua obra citada]. Configurando um mecanismo de combate á evasão fiscal, e tendo o legislador optado pela tipificação de um rendimento padrão inferido de sinais exteriores de riqueza, não há fundamento para que esse rendimento padrão seja imputado ao contribuinte por mais do que uma vez, atenta a nítida diferenciação entre o facto que serve de indício de desconformidade com o rendimento declarado e o rendimento inferido pelo legislador em função desse facto índice. Aliás, tanto é assim, que, conforme ilustra João Sérgio Ribeiro na obra que vimos citando, a adoção da tese da Recorrente conduziria a que no caso dos automóveis o rendimento presumido acabaria por superar o montante do acréscimo patrimonial e no caso dos barcos de recreio e das aeronaves de turismo diversas vezes esse valor, uma vez que nestes últimos casos, sim, o legislador fez equivaler o valor do rendimento padrão ao montante do acréscimo patrimonial.
De igual modo e atenta a natureza presuntiva da avaliação indireta prevista no normativo em causa, coloca-se igualmente a questão, tal como tem sido realçado na jurisprudência do STA, que «a aceitar-se a tese da AT, o sujeito passivo não pode ilidir, relativamente a cada um dos três anos seguintes àquele em que se verificou a aquisição do bem que a lei releva com a manifestação de fortuna, a presunção de rendimentos resultantes dessa manifestação de fortuna e de provar que os rendimentos declarados em cada um desses anos correspondem à verdade», o que esbarra com o disposto no artigo 73° da LGT, segundo o qual as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
Por outro lado, afigura-se-nos que a doutrina do acórdão nº 43/2014 do Tribunal Constitucional apenas releva nesta problemática no sentido em que se pretenda assentar a interpretação efetuada pela AT numa qualquer desconformidade com o princípio da capacidade contributiva, motivo pelo qual da mesma não podem extrair-se argumentos no sentido de uma ou outra interpretação, como aparentemente pretende a Recorrente, sendo certo que o papel do Tribunal Constitucional não é o de interpretar o direito infraconstitucional, mas o de avaliar da conformidade constitucional dessas interpretações.
Entendemos, assim, e sufragando a jurisprudência do STA nesta matéria, que «a melhor interpretação da lei continua a ser aquela «que considera que o inciso «e no caso das alíneas a) e b) do n° 2, nos três anos seguintes» resultante da nova redacção dada ao n° 4 do art. 89°-A pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas alíneas a) e b) do n° 2 no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes.».
Motivo pelo qual se nos afigura que se impõe a confirmação da sentença recorrida, sendo o recurso julgado improcedente.»

1.5. Com dispensa de Vistos, dada a natureza (urgente) do processo, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Em 13/05/2011, a AT, através do ofício n.º 29317/0354, notificou o Recorrente de que na sequência da aquisição, pelo valor total de € 265.889,33, de dois prédios urbanos, inscritos na matriz predial da freguesia de Santo Tirso, concelho do mesmo nome, sob os artigos 5564° - F e 1228°, pelos valores, respectivamente, de € 253.389,33 e € 12.500,00, foi desencadeada na Direcção de Finanças do Porto procedimento de avaliação indirecta do rendimento colectável, em virtude de se ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado em IRS no ano de 2008 e o rendimento padrão de € 53.177,87, resultante da aplicação da tabela constante do Artigo. 89°-A da LGT (€ 265.889,33 x 0,2), (facto não controvertido e confirmado mediante consulta SITAF ao processo n.º 470/11.1BEPNF);
2. O Recorrente recorreu judicialmente daquele acto de fixação de rendimentos, dando origem ao processo n.º 470/11.1BEPNF, que correu termos neste Tribunal, tendo sido liminarmente indeferido por intempestividade, decisão, esta, confirmada pelo Ac. do STA de 31/08/2011 (cfr. consulta SITAF ao processo n.º 470/11.1BEPNF);
3. Em 17/03/2014, a AT, através do ofício n.º 17426/0354, notificou o Recorrente do PROJETO DE DECISÃO - MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA (ART° 89°-A DA LGT) IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES (IRS) ANOS: 2010 E 2011, cfr. fls. 77/79 do PA apenso, cujo teor se transcreve:
«(…)I. Notifica-se por este meio V. Exa. nos termos e para efeito do disposto na alínea d) do n° 1 e n° 5 do artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT), para, no prazo de 15 (Quinze) dias contados a partir do 3°, dia útil ao do registo ou no 1° dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, de acordo com o determinado no número 1 do Artigo 39° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, se pronunciar do projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a IRS, dos anos de 2010 e 2011, nos termos seguintes:
1° - Na sequência da aquisição, pelo valor total de € 265.889,33, de dois prédios urbanos, inscritos na matriz predial da freguesia de Santo Tirso, concelho do mesmo nome, sob os artigos 5564° - F e 1228°, pelos valores, respectivamente, de € 253.389,33 e € 12.500,00, foi desencadeada nesta Direcção de Finanças o procedimento de avaliação indirecta do rendimento colectável, em virtude de se ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado em IRS no ano de 2008 e o rendimento padrão de € 53.177,87, resultante da aplicação da tabela constante do Artigo. 89°-A da LGT (€ 265.889,33 x 0,2), conforme notificação da fundamentação da decisão enviada através do oficio n° 29317/0354, de 13-05-2011.
2º - Estatui o número 1 deste preceito legal "1-Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.° 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior o 50 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela" (Redacção do Art.° 89.° da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro). Por seu turno, os números 3 e 4 do mesmo normativo dispõem: "3- Verificadas as situações previstas no número 1 deste artigo, bem como a alínea f) do artigo 87°, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada". "4-Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.° 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.° 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.°, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte": (Redacção do Art.° 89.° do Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro).
3° - Não tendo sido demonstrada, no âmbito daquele procedimento de avaliação indirecta, a origem da verba aplicada na aquisição dos imóveis identificados no ponto 1, e tendo em consideração o facto de o recurso de contencioso apresentado pelo contribuinte no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (processo n° 470/11.0BEPNF), ter sido indeferido liminarmente por intempestividade, decisão confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo (processo n° 737/11 STA), esta Direção de Finanças, tendo por base o rendimento padrão determinado nos termos da tabela inserida no n° 4 do Artigo 89°-A procedeu á fixação do rendimento para o ano de 2008, atendendo a que o contribuinte declarou um rendimento líquido de € 22.404,81, portanto, inferior a 50% do rendimento padrão (€ 53.177,87), considerando mais valias categoria G o montante de € 53.177,87 (€ 265.889,33 x 0,2), que originou a liquidação n° 5335086293, datada de 24-10-2011.
4° - Confrontados os elementos constantes no Cadastro da (AT) Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente os valores declarados em IRS dos anos de 2010 e 2011, verifica-se, relativamente ao rendimento declarado para cada um destes anos, persistir a desproporção enunciada no ponto I.:
- Rendimento global em 2010: € 35.615,20 que origina o rendimento coletável de € 22.947,14;
- Rendimento global em 2011: € 28.240,20 que origina o rendimento coletável de € 16.240,20.
5° - Assim, persistindo a divergência enunciada relativamente a cada um dos referidos anos, mantêm-se as condições legais para, de acordo com a tabela a que se refere o número 4 do referido Artigo 89°-A da LGT, e na sequência da avaliação indirecta efectuada ao IRS do ano de 2008, tomada definitiva, se proceder à fixação do rendimento no montante de € 53.177,87, relativamente a cada um dos anos de 2010 e 2011, conforme prevê aquele preceito legal.

II - ELEMENTOS TRAZIDOS AO PROCESSO
Tendo por base a análise efectuada aos documentos, trazidos ao processo pelo contribuinte, em resultado das notificações efectuadas através dos n/ofícios n° 40331/0354, de 26-06-2012 e n° 64505/035, de 12-10-2012 e ofício n° 17067/0354, de 12-03-2013, verificou-se o seguinte:

1° - AQUISIÇÃO / TRADIÇÃO
Põe em causa, o contribuinte, a avaliação da matéria coletável por método indireto, no ano de 2008, dado não se terem verificado os pressupostos do art° 89°- A da LGT, uma vez que o contribuinte não adquiriu a fração F do art° 5564, em 2008, mas em 2011, ano em que se tornou proprietário desse imóvel e isto porque foi nesse ano que se celebrou a escritura de compra e venda (cf. folhas 2,3 e 4 Anexo 1).
Mais afirma, nos pontos 11, 13 e 14 — do mesmo Anexo I, que em 2008, era um mero possuidor da dita fração, tendo aquela posse sido iniciada após a conclusão do imóvel (armazém), nos primeiros meses de 2006, tendo, por outro lado, em 27/03/2008, pago o IMT, para regularizar, em termos fiscais, a sua posse.
Aliás, no ponto 15 do referido Anexo I, o contribuinte refere que: "da própria liquidação de IMT consta como facto tributário o contrato promessa com tradição".
Da análise ao exposto resulta claro que a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, tomou conhecimento, pela primeira vez, desta operação, quando o contribuinte pagou o IMT, sendo, a data desse pagamento, aceite, como a data da posse.
Assim, a aquisição reporta-se à data em que se verifica a tradição — Pagamento do IMT — 2008, data do conhecimento oficioso pela AT - Autoridade Tributária e Aduaneira.

2° - PAGAMENTO
Quanto ao pagamento, o contribuinte refere na sua exposição (ver ponto 27 Anexo I), que o mesmo foi efectuado nos termos do contrato promessa (cf. folhas 36 e 37 Anexo 1) ao tempo celebrado com o promitente vendedor - a sociedade C………………., LDA, NIPC: ………………., cujo sócio gerente era o Sr°. D……………… e ele próprio.
Também esclareceu a origem do negócio, ou seja: a aquisição foi efectuada para pagar uma dívida que existia entre a sociedade de que ele era o principal sócio e único gerente, a firma E……………, LDA e a C…………….., LDA, sociedade construtora do imóvel em causa, cujo gerente era o Sr°. D……………. Tal negócio foi desencadeado, em virtude a sociedade E……………, LDA ir cessar a actividade, por motivos de saúde do seu sócio gerente.
Na verdade a firma E……………., LDA, tinha como actividade o comércio de combustíveis e lubrificantes. Assim, foi fornecendo ao longo dos anos de 2002 e 2003, o sócio da C……………, LDA, Sr°. D……………...
A………………, sócio-gerente da sociedade E……………., LDA, adquire a fracção agora em causa à C………………. LDA, como forma de pagamento da dívida que esta teria, perante a sociedade E…………….., LDA, no valor de €165.830,34.
Por outro lado, este valor encontrava-se relevado na contabilidade da firma, à data de 31-12-2002, na pessoa do sócio gerente da C……………., LDA, Sr. D……………… e não, como seria de se esperar da referida C………………, LDA.
Por este facto, constata-se haver confusão entre os interesses das sociedades e os seus sócios gerentes, dado que a aquisição do imóvel foi efectuada para pagar uma dívida por fornecimentos feitos pela sociedade E……………, LDA à C………………., LDA, lógico seria a compra ser efectuada pela sociedade E……………, LDA e não pelo seu sócio gerente Sr. A………………, assim como, por outro lado, a conta corrente do cliente C……………., LDA , na sociedade fornecedora dos combustíveis, deveria ser denominada pelo nome C……………, LDA e não pelo nome do sócio gerente, Sr°. D……………..

Segundo o disposto no contrato promessa, o preço do imóvel era de € 253.389,33 e seria pago da seguinte forma:
1 - € 165.830,34, dar-se-iam como pagos, em virtude de ser este a valor do saldo credor a favor de E……………., Lda, apurado em 30 de Julho de 2002, em conta corrente existente entre o sócio gerente da C……………….., LDA e esta (E……………. Lda). Segundo o disposto no ponto 40 da exposição Anexo 1, tratar-se-ia de um encontro de contas.
2 - € 74.819,68, seriam pagos, sob a forma de fornecimentos dc combustíveis efectuados pela sociedade que veio explorar a cessante E……………, LDA, (sociedade F…………….., LDA), a quem o contribuinte pagou os combustíveis, até atingir o valor da dívida (€ 74.819,34).
3 - O remanescente do preço, € 12.739,30, seria pago no ato da celebração do contrato promessa. No ponto 44 da exposição Anexo I, o contribuinte informa que, este pagamento foi efectuado, por cheque a favor da C………………., LDA, em 31-07-2002, tendo juntado fotocópia do mesmo (apenas da frente e não do verso), conforme folha 51 Anexo 1. Não demonstrou a origem de tal verba.
Quanto ao art° 1228°, no valor € 12.500,00, refere o contribuinte nos pontos 48 a 50 da exposição — Anexo 1, que adquiriu o direito de propriedade de ½ indiviso do mesmo, como forma de pagamento de parte de um empréstimo efectuado ao vendedor G……………, no ano de 2000. Refere o contribuinte, tratar-se de um empréstimo muito antigo. Não juntou qualquer documentação comprovativa.
Da análise aos documentos constantes dos anexos, verifica-se que, quanto à verba referida no ponto 1, € 165.830,34, o contrato promessa, celebrado em 30 de Julho de 2002, refere-a como dívida dessa data, mas, verificando o extrato de conta corrente, constata-se que o saldo, em 30 de Julho, era de € 74.129,17, só atingindo o valor de é € 165.830,34, na data de 15 de Outubro do mesmo ano (cf. folhas 36, 41 e 42 Anexo 1). Desta forma fica descredibilizado o documento "Contrato Promessa" apresentado.
Quanto à verba constante do ponto 2, € 74.819,68, refere o contribuinte no ponto 35 da exposição Anexo 1, que seria pago faseadamente, através da entrega de combustíveis, pela empresa que passaria a explorar o posto de abastecimento, a quem o Sr°. A………….., iria pagando, até atingir o valor em causa.
Pelo oficio n° 64505/0354, de 12-10-2012, foi o contribuinte notificado, no sentido de esclarecer e provar documentalmente o encontro de contas referido e respectivos registos contabilísticos, assim como a justificação da discrepância verificada entre o saldo considerado no contrato promessa em 30-07-2012 e o constante do extrato, na mesma data.
No ponto I - da exposição enviada a estes Serviços, Anexo II, pelo contribuinte, no sentido de responder ao solicitado, reconhece a discrepância verificada entre os valores do contrato promessa e o do extrato, justificando este facto referindo que, na referida data se encontravam em circulação (descontadas em bancos), diversas letras aceites pelo devedor Sr°. D…………….., que se destinavam a pagamento de fornecimentos, referindo, também, que se encontrava em carteira um cheque pré-datado, destinado ao mesmo fim. Estes documentos só, na data do seu vencimento, viriam a ser contabilizados. Para o documentar, juntou em anexo fotocópias de Notas de Débito e documentos de bancos com os descontos de letras, assim como, uma Nota de Débito de um cheque pré-datado, sem identificação do cheque nem qualquer comprovativo bancário. Todos os documentos apresentados são em nome de D……………… e nenhum em nome da C………………, LDA.
Mais juntou declaração da empresa que passou a explorar o posto de abastecimento, F……………….., LDA, onde refere que nos anos de 2002 e 2003, - forneceu a D……….. e à sociedade C…………………. LDA, combustíveis no valor de € 74.819,68 e os mesmos foram pagos pelo Sr°. A………………. Tal pagamento foi efectuado no âmbito de um contrato de promessa de compra e venda de um imóvel celebrado entre a C………………, LDA e o Sr°. A…………………. Este documento foi feito em 25 de Outubro de 2012, não tendo a sociedade F………………, enviado extratos contabilísticos nem qualquer tipo de documento a validar estes fornecimentos (CF. FOLHA 30 Anexo II), pelo que se considera como não comprovada.

3° - TESTEMUNHAS
No âmbito do procedimento tributário, o contribuinte arrolou oito testemunhas como elemento de prova.
Na nossa Informação n° 593/013, que foi notificada pelo oficio n° 30108/035, de 10-05-2013, considerou-se absolutamente desnecessária a audição das testemunhas arroladas pelo sujeito passivo, em obediência aos princípios da celeridade e da eficácia processuais, e atendendo a que nada de relevante poderiam vir aquelas a acrescentar ao que já constava do processo em termos de prova e de fundamentação da legal decisão a tomar. A prova a fazer valer pelo sujeito, na defesa do seu entendimento — e não foi feita -, era de natureza exclusivamente documental, e insuprível por via da audição de qualquer testemunha.

4° - DECISÃO TRIBUNAL
Por sentença de 03-09-2013, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, na sequência de recurso judicial apresentado pelo contribuinte, foi-lhe dada razão e nesse sentido anulada a decisão do Sr° Diretor de Finanças.
Os argumentos mencionados na sentença são de natureza exclusivamente formal, ou seja:
- A AT não ouviu as testemunhas identificadas pelo contribuinte, no exercício do direito de audição.
- Apesar de ter fundamentado o motivo da não produção da prova testemunhal, resulta dos factos alegados no direito de audição que a produção de prova não depende exclusivamente da prova documental.

III- CONCLUSÃO
Do acima exposto, conclui-se que:
1° - Verifica-se uma confusão entre os interesses e movimentos financeiros das sociedades e os seus sócios gerentes. A aquisição do imóvel à C……………., LDA foi efectuada para pagar, parcialmente, uma dívida por fornecimentos/empréstimos (descontos de letras) feitos pela sociedade E…………….. LDA a D…………… (sócio gerente da C………………, LDA), portanto deveria ser a aquisição efectuada pela sociedade e não pelo seu sócio-gerente, Sr°. A………………. Mas e por outro lado, também, a contabilidade da sociedade E……………., LDA, deveria elaborar conta corrente em nome da C………………., LDA e não em nome do seu sócio-gerente, Sr°. D……………..
2° - Não apresentou prova documental (recibos) para justificar o encontro de contas referente à verba € 165.830,34, nem existem registos contabilísticos na conta corrente do cliente Sr°. D…………… e na conta de Empréstimos c/25513 de A………………
3° - O contrato promessa de 30-07-2002, foi descredibilizado, pois o valor referido de € 165.830,34, só foi atingido em 15-10-2002.
4° - O contribuinte não fez prova quanto à origem da verba € 74.819,34, relativos a fornecimentos da F…………. e que seriam pagos por A……………
5° - Relativamente ao valor do cheque de € 12.739,30, não justificou a origem.
6° - Quanto á aquisição do art° 1228, de € 12.500,00, também não prova a existência do empréstimo antigo nem o movimento financeiro.
7° - Face ao descrito nos pontos 3° e 4º, do capítulo II, a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira está disponível para ouvir as testemunhas, arroladas na exposição enviada a estes Serviços, na data de 03-04-2013, no âmbito do direito de audição efetuada pelo n/oficio n° 17067/0354, de 12-03-2012.
Assim, no âmbito do direito de audição, queiram confirmar as testemunhas indicadas, ou se pretendem indicar novas, bem como, sobre que factos ou matérias cada uma vai testemunhar.

Testemunhas:
1 — ………………, com domicílio profissional na Rua ………………….., ………. — ……… 4780 — …………….. Santo Tirso.
2 — ……………………, residente na Rua …………, …………., ……….. 4780 — ……….. Santo Tirso.
3 — ………….., residente na Rua ……….. 4780 — ………….. Santo Tirso.
4 — D…………………, residente em ……….., ……………., 4785-………….. Trofa.
5 — ………………, com domicilio profissional no …………….., ………., ……….. 4795 — …….. Vila das Aves.
6 - ……………., residente na Avenida ………………., …………., ………….., 4780-………… Santo Tirso.
7 — G…………., residente na Rua ……………., …………….. 4780 Santo Tirso.
8 — ………………….., residente na Rua ………………., …………, 4780 — …………… Santo Tirso.

Nota: Não são enviadas cópias dos anexos referidos na presente notificação, em virtude de os mesmos terem sido enviados a este Serviço pelo próprio contribuinte, tendo-os, por conseguinte, em seu poder, sendo, no entanto, de se referir que:
- Anexo 1 — V/exposição que deu entrada neste Serviço na data de 13-07-2012, em resposta ao n/oficio n° 40331/0354, de 26-06-2012.
- Anexo II — V/exposição entrada neste Serviço em 26-10-2012, em resposta ao n/oficio n°
64505/0354, de 12-10-2012. (…)»;

4. Em 26/05/2014, as testemunhas arroladas pelos ora Recorrentes prestaram declarações no âmbito do direito de audição prévia referente ao processo n.º 365/014, tendo sido lavrados os respectivos autos de declarações, cfr. fls. 118/121 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
5. Em 29/07/2014, foi elaborado Relatório Final de Inspecção, sancionado superiormente pelo Director de Finanças do Porto em 29/07/2014, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – cfr. fls. 30/45 dos autos (p.f.), evidenciando-se o seguinte:
«(…)

































(…)»
6. Em 29/07/2014, foi emitido pelo Director de Finanças de Porto, documento de fixação dos rendimentos ao Recorrente, cfr. fls. 28/29 dos autos (p.f.), com o seguinte teor: «(...)


(...)»

7. Em 29/07/2014, por via postal registada com AR (referência postal RM346030130 PT) – cfr. fls. 27 e 46 dos autos (p.f.), o Recorrente através da sua mandatária foi notificado do Relatório final da IT, o qual, mais uma vez por mera questão de economia processual, se considera integralmente reproduzido;
8. O presente recurso foi intentado, em 13/08/2014 [cfr. fls. 2 dos autos (p.f.)].

3.1. A sentença apreciou, desde logo, a alegada questão do erro sobre os pressupostos da tributação operada aos impugnantes (a questão atinente à também referenciada preterição de formalidades legais acaba por não ser apreciada na sentença, por ter sido considerada como prejudicada face à decisão da questão do erro sobre os pressupostos) e, apelando, além do mais, ao teor do acórdão do STA, de 21/05/2015, no proc. 01562/14, julgou procedente a impugnação, fundamentando-se, no essencial, na interpretação do disposto no art. 89º-A da LGT no sentido de que a determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do seu nº 4 só pode ser feita uma única vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos, pelo que, no caso, tendo a manifestação de fortuna em causa nos autos dado origem à respectiva fixação do rendimento tributável padrão no ano de 2008, ocorrerá ilegalidade do acto de fixação de rendimentos para os anos de 2010 e 2011.

3.2. Discordando do decidido a AT alega, em síntese:
— (i) A alteração (introduzida pela Lei n° 53-A/2006, de 29/12) ao n° 4 do art. 89°-A, da LGT, na parte em que dispõe que quando “o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n° 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n° 2, nos três anos seguintes”, não pode ser entendida no sentido considerado no acórdão em questão, pois que a alteração teve a finalidade muito clara de esclarecer e de determinar que os bens adquiridos (imóveis, automóveis, motociclos e aeronaves) podem constituir uma manifestação de fortuna e conduzir à determinação do rendimento coletável, não apenas no ano da aquisição mas, também, nos três anos seguintes, isto é, o legislador ao utilizar a expressão “nos três anos seguintes” pretendeu que a presunção baseada na manifestação de fortuna repercuta os seus efeitos durante esse período.
— (ii) Na interpretação da sentença o contribuinte poderia até não justificar a manifestação de fortuna e nem declarar qualquer rendimento, acabando por ter um prémio: pagar imposto unicamente sobre 20% do valor de aquisição - o que constitui uma clara violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade.
— (iii) O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria confirmando que a norma constante do art. 89°-A, n° 4 da LGT quando interpretada no sentido de que a manifestação de fortuna apresentada pelo sujeito passivo permite à AT a correcção do rendimento para efeitos de IRS em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica, não é inconstitucional.
— (iv) Quanto a esta questão não parece ser unânime o entendimento da jurisprudência e da doutrina, porquanto no acórdão do TA de 24/07/2013, proferido no processo n° 01203/13, ficou consignado um voto de vencido e no mesmo sentido pode ver-se o comentário a este acórdão do STA, elaborado por Ana Paula Dourado e Ana Gabriela Rocha.
— (v) A intenção do legislador não é a tributação de valor equivalente ao efectivamente despendido pelo contribuinte (que corresponderia a uma tributação de 100%), mas sim da capacidade contributiva do sujeito passivo associada à manifestação de fortuna, por referência a um determinado “rendimento padrão” previamente estabelecido pelo legislador. Ao contrário do que sucede com a tributação dos acréscimos patrimoniais não justificados, o legislador não tributa a diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial, mas sim o "rendimento padrão”, cuja percentagem se encontra previamente estabelecida na lei, optando por repartir a tributação da capacidade contributiva identificada (com referência ao valor da aquisição ou aquisições) pelos três anos seguintes ao da manifestação de fortuna e não pela sua tributação integral num só ano.
— (vi) Uma leitura distinta, tal como aquela que é sustentada na sentença recorrida, seria, aliás, incentivadora de comportamentos de omissão declarativa e de evasão fiscal, traduzindo-se num verdadeiro perdão fiscal para os sujeitos passivos que não declarassem a totalidade dos seus rendimentos tributáveis.
— (vii) E no que respeita à repartição do ónus de prova, (evidenciada, por parte da AT, a existência da manifestação de fortuna, sobre o contribuinte incide um ónus de comprovar, por um lado, a veracidade do declarado à administração e, por outro lado, de justificar a fonte de rendimentos que lhe permitiu tais manifestações de riqueza - n° 3 do artigo 89°-A da LGT) a verdade é que a tributação das manifestações de fortuna assenta numa presunção de capacidade contributiva associada à evidência das manifestações de riqueza, tendo a lei especificado determinados factos-índice, tipificados como manifestações de fortuna, que constituem meros indicadores legais de determinada capacidade contributiva, sendo que a ocorrência destes indicadores, por si só, não é suficiente para determinar a tributação dos sujeitos passivos por métodos indirectos. Exige-se, também, a falta de declaração de rendimentos ou uma desproporção superior a 30%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no n° 4 do artigo 89°-A.
Por isso, a aquisição daquele tipo de bens e o seu montante apenas permitem inferir a existência de disponibilidades financeiras (ou outras) que possibilitem aos sujeitos passivos suportar esses gastos, estabelecendo-se, assim, uma presunção de capacidade contributiva.
— (viii) A opção do legislador foi, não a de tributar, num único ano, uma percentagem de 80% do valor não justificado da manifestação de fortuna (ainda assim, numa percentagem que fica aquém da tributação de 100% do rendimento), mas sim a de diluir essa consequência jurídica pelo próprio ano em que se reúnem os pressupostos legais para a tributação, segundo aquele regime, e pelos 3 anos seguintes àquele, de acordo com uma percentagem anual de 20%. Sendo esta a interpretação que melhor se coaduna com as exigências de combate à fraude e evasão fiscais subjacentes ao procedimento de tributação indirecta a partir das manifestações de fortuna.
— (ix) A admitir-se a interpretação da decisão recorrida - interpretação segundo a qual a determinação do rendimento com base numa aquisição concreta de um bem previsto na tabela do n° 4 do art. 89°-A, da LGT, só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n° 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos - estar-se-ia perante uma inconstitucionalidade, designadamente por violação dos princípios da legalidade, tipicidade, proporcionalidade, igualdade e da capacidade contributiva, decorrentes dos arts. 13°, n° 1, 103° e 104°, n° 1, da Constituição.
E simultaneamente, estar-se-ia a limitar, se não mesmo a impedir a realização do princípio da prossecução do interesse público, previsto nos arts. 266° e 269°, n° 1 da CRP e nos arts. 55° e 58° da LGT, porquanto estaria a limitar-se a um número muito reduzido, as situações em que a AT poderia levar a cabo as suas atribuições no âmbito do princípio constitucionalmente consagrado da prossecução do interesse público, nomeadamente a justa e atempada arrecadação de receitas fiscais, o dever fundamental de pagar impostos, o princípio da capacidade contributiva e o princípio da igualdade fiscal, o combate ao ilícito e a identificação e punição dos seus agentes.

3.3. A questão a decidir pode, assim, resumir-se como sendo a de saber se, atendendo ao disposto no art. 89º-A da LGT, tendo a AT constatado uma manifestação de fortuna evidenciada pelos sujeitos passivos no ano de 2008 (com a aquisição de dois imóveis pelo valor de € 265.889,33 euros, quando os rendimentos declarados para efeitos de IRS nesse ano e nos anos de 2010 e 2011 revelam uma desproporção superior a 50%, para menos, relativamente ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no art. 89º-A, nº 4 da LGT), é legal a fixação, não só no ano de 2008, mas também nos anos de 2010 e 2011, do rendimento tributável dos impugnantes, com base nesse rendimento padrão.
Vejamos, pois.

4.1. No que ora releva, no art. 89º-A da LGT dispunha-se, à data (ou seja, após a alteração introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12 – OE para 2007):
Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados
«1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no nº 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
2 - Na aplicação da tabela prevista no nº 4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;
b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo.
c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.
3 - Verificadas as situações previstas no nº 1 deste artigo, bem como na alínea f) do artigo 87º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no nº 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do nº 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

Manifestações de fortunaRendimento Padrão
Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a 250.000€20% do valor de aquisição
Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000 e motociclos de valor igual ou superior a € 10.000 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes
Barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes
Aeronaves de TurismoValor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes
Suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.00050% do valor anual
(…)»

Anteriormente à apontada alteração, o transcrito nº 4 tinha a redacção seguinte:
«4. Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no nº 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:
(...)» (Posteriormente:
- o art. 3º da Lei nº 19/2008, de 21/4, aditou o actual nº 10;
- a Lei nº 64-A/2008, de 31/12, aditou o nº 11;
- o art. 2º da Lei nº 94/2009, de 1/9 alterou a redacção do nº 3, da al. d) do nº 5, e do nº 11;
- a Lei nº 55-A/2012, de 29/10 aditou a al. d) do nº 2 e o nº 6 da Tabela referida no nº 4, bem como alterou a redacção do nº 1.)

4.2. No caso, como se disse, a sentença recorrida considerou, relativamente à questão aqui em causa, que a determinação do rendimento com base numa aquisição concreta de um bem previsto na tabela do nº 4 do art. 89º-A da LGT, acima transcrito, só pode ser feita uma vez, no ano em que se verificou, ou em qualquer um dos três anos seguintes, em que, nos termos do n° 1 do mesmo normativo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista e não em todos esses anos. Pelo que, nesse entendimento e dado que relativamente ao ano de 2008 já fora utilizada a avaliação indirecta para determinar o rendimento padrão desse ano, com base na aquisição do mesmo imóvel que fundamentou a fixação do rendimento padrão para os anos de 2010 e 2011, a sentença conclui pela ilegalidade dos actos de fixação da matéria tributável aqui sindicados.
Trata-se de questão que, como a sentença recorrida dá conta e também a recorrente reconhece, foi já objecto de decisões várias do STA, nomeadamente nos acs. de 17/4/2013 (com voto de vencido), no proc. nº 433/13; de 24/7/2013, (com voto de vencido), no proc. nº 1203/13; de 23/4/2014, no proc. nº 400/14; de 18/6/2014, no proc. nº 418/14; de 21/1/2015, no proc. nº 1562/14 (neste se estribando, aliás, a sentença) e de 12/7/2017, no proc. nº 849/14.
Neste último, emanado desta mesma formação de julgamento, considerou-se o seguinte:
«E sendo certo que também o Tribunal Constitucional decidiu (no ac. nº 43/14, de 9/1/2014, proc. nº 186/13) não julgar inconstitucional a norma contida no segmento normativo extraído dos n.ºs 2, al. a) e 4 do art. 89º-A da LGT, se interpretada com o sentido de que a aquisição de imóveis que constitua manifestação de fortuna permite à AT a correção do rendimento do sujeito passivo adquirente, em sede de IRS, no ano em que tenha lugar e nos três anos seguintes, não se mostrando violados os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, estatuídos nos arts. 13° e 104º, nº 1, ambos da CRP, não é menos certo que no acórdão proferido em 18/6/2014, no proc. nº 418/14, o STA estava obrigado a tal sentido de decisão (já que a pronúncia do TConstitucional ocorreu no âmbito desse mesmo processo e no qual apenas tinha sido suscitada essa questão da inconstitucionalidade).
De todo o modo, não obstante esta referida decisão do TConstitucional, o STA, em decisões posteriores a tal aresto, nomeadamente, nos supra apontados acórdãos de 23/4/2014, no proc. n° 400/14 e de 21/1/2015, no proc. nº 1562/14, continua a entender que a mesma manifestação de fortuna apenas pode fundamentar a tributação por métodos indirectos num único ano e não em três anos consecutivos.
Como bem sublinha o MP, no citado acórdão de 17/4/2013, aderindo à tese sustentada por João Sérgio Ribeiro [( ) Tributação Presuntiva do Rendimento - Um contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Colectável, Almedina, 2010, pp. 305 a 309 e Algumas Notas Acerca das Manifestações de Fortuna, Estudos em do Professor Doutor JL Saldanha Sanches, vol. V, pp. 197 a 210] quanto à interpretação e aplicação do n° 4 do art. 89°-A da LGT, esgrimem-se argumentos convincentes no sentido de que a presunção de rendimentos nos termos do estatuído no art. 89°-A da LGT só pode ser feita uma vez, no ano em que se verificou a aquisição do bem ou em qualquer um dos três anos seguintes.
Nas palavras do acórdão, cujo sentido aqui também se sufraga, a melhor interpretação da lei continua a ser aquela «que considera que o inciso «e no caso das alíneas a) e b) do nº 2, nos três anos seguintes» resultante da nova redacção dada ao nº 4 do art. 89º-A pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas alíneas a) e b) do nº 2 no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes. Ou seja, nas alíneas a) e b) do nº 2 dizia-se que para efeitos do nº 1 eram considerados os bens adquiridos nesse ano e nos três anos anteriores. Porém, o nº 4, que tratava da determinação da matéria colectável, era omisso quanto ao ano em que podia operar a presunção, omissão que a nova redacção veio colmatar, limitando-se a explicitar quais os anos relativamente aos quais podia ocorrer a determinação da matéria tributável, admitindo-a no ano em que teve lugar a aquisição e em qualquer um dos três anos seguintes, mas apenas uma única vez.
É que, para além do mais já consignado nos Acórdãos deste STA de 17 de Abril de 2013, rec. nº 0433/13 e de 24 de Julho de 2013, rec. nº 1203/13, sabido que a lei fiscal não admite presunções de rendimento inilidíveis – cfr. art. 73º («As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».) –, não se vê como lidar com a circunstância de, na tese da AT, o sujeito passivo não poder ilidir, relativamente a cada um dos três anos seguintes àquele em que se verificou a aquisição do bem que a lei releva como manifestação de fortuna, a presunção de rendimentos resultante dessa manifestação de fortuna e de provar que os rendimentos declarados em cada um desses anos correspondem à verdade, não estando nós convencidos de que, conforme entendeu o Tribunal Constitucional e advoga a recorrente, não se estaria já perante novas presunções, mas apenas perante o fracionamento das consequências tributárias de uma única presunção, porquanto, a ser assim, esta deveria, em coerência, ter de ser ilidida na sua origem (embora o Tribunal Constitucional, no juízo de não inconstitucionalidade formulado, pressuponha que o sujeito passivo tenha efetiva possibilidade de elidir a presunção, em toda a sua amplitude temporal e efeito cumulado).» (fim de citação).
E pese embora a aprofundada argumentação da recorrente, continuamos a sufragar esta interpretação por ser a que, a nosso ver, decorre da lei.
Com efeito, o entendimento e a argumentação da Fazenda Pública têm subjacente o pressuposto que o acréscimo patrimonial resultante da aquisição do imóvel equivale ao rendimento presumido, o que, salvo o devido respeito, não tem acolhimento na previsão do art. 89º-A da LGT, sendo que também não terá sido essa a intenção do legislador.
Ora, apesar de, como nota o MP, citando Xavier de Basto(Citando Xavier de Basto, in IRS, Incidência real e Determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007.), não estar definido no CIRS o tipo de rendimentos que são fixados ao abrigo do regime constante do art. 89º-A da LGT [a al. d) do nº 1 do art. 9º do CIRS limita-se a integrar na categoria "G" - incrementos patrimoniais", desde que não considerados rendimentos de outras categorias, os "acréscimos patrimoniais não justificados", determinados nos termos dos arts. 87º, 88° ou 89º-A da LGT, sendo que, nessa medida, a respectiva técnica legislativa não contribui para a clarificação que se impunha, uma vez que aparentemente qualifica como rendimento os "acréscimos patrimoniais"], ainda assim, e pelas razões supra apontadas, concordamos que, relativamente às manifestações de fortuna, estamos perante um mecanismo de base presuntiva, que assenta em factos índice tipificados na lei – nº 4 do artigo 89°-A - e com base nos quais o legislador define o valor do rendimento padrão a acrescer ao rendimento tributável do contribuinte.
Como sublinha João Sérgio Ribeiro (Tributação Presumida do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, p. 303.
E no mesmo sentido parece pronunciar-se Casalta Nabais, no ponto 2.2. da anotação ao acórdão do Pleno do STA, de 19/5/2010, no proc. nº 0734/09, in RLJ, nº 3963, Ano 139, Julho-Agosto de 2010, pp. 357-372. ), «Tudo seria diferente, obviamente, se houvesse uma coincidência entre o rendimento presumido e o valor das manifestações de fortuna, como ocorre em alguns sistemas, contudo, no nosso ordenamento o legislador optou por considerar como rendimento presumido apenas parte do valor daquelas. Convém, portanto, que a essa luz não se confunda indício ou facto base da presunção (valor das manifestações de fortuna) com o próprio facto presumido (rendimento imputado ao sujeito passivo)», além de que, conforme igualmente pondera o mesmo autor, ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, o mecanismo de determinação do rendimento tributável decorrente das manifestações de fortuna plasmado na LGT não equipara as manifestações de fortuna tipificadas na lei a rendimento tributável, mas apenas configura um índice a partir do qual o legislador obtém o rendimento presumido que é imputado ao contribuinte: «as manifestações de fortuna não são rendimento tributável, mas simplesmente o facto base de uma presunção iuris tantum, em virtude da qual se atribui ao sujeito passivo um rendimento, até então, desconhecido», sendo que o «rendimento que se determina a partir desse mecanismo tem, assim, uma raiz estritamente presumida, o que, face à natureza iuris tantum da presunção em que assenta, é perfeitamente compatível com o princípio da capacidade contributiva» e «[o] património não encaixa no conceito legal de rendimento, sendo somente um dos destinos que se pode dar a esse rendimento», ou seja, os rendimentos gerados em período anterior é que se materializam na aquisição de bens ou na realização de consumos de valor desproporcional aos rendimentos declarados. (João Sérgio Ribeiro, Algumas Notas Acerca das Manifestações de Fortuna, in Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, vol. V, 2011, pp. 197/210.)
Assim, aquelas manifestações «não podem constituir, por si sós, uma especificação do facto tributário do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, mas apenas indícios de uma presunção», sendo que «o instrumento jurídico-lógico que permite inferir rendimento das manifestações de fortuna é a presunção, com todas as consequências que daí advêm, nomeadamente a possibilidade de a ilidir»,(Autor citado, Tributação Presumida do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, pp. 278 e 282.) devendo, em suma, entender-se (como já se entendeu nos arestos do STA acima referenciados) que o rendimento padrão fixado na tabela constante do questionado nº 4 do art. 89º-A, apenas é fixado uma única vez (seja no ano em que o contribuinte evidencie a manifestação de fortuna, seja nos três anos seguintes), por correspondência ao disposto na al. a) do nº 2 do mesmo preceito legal, verificados que sejam os demais pressupostos, ou seja, nos casos em que falte a declaração ou o rendimento líquido declarado revele uma desproporção superior a 30% para menos, em relação ao rendimento padrão. Isto é, a presunção só pode ser feita uma vez, e não em vários anos, afastando-se, pois, a interpretação deste art. 89º-A, nº 1, da LGT, no sentido de que a manifestação de fortuna num dado ano justifica a aplicação do rendimento padrão em anos posteriores. (Neste sentido pode ver-se, ainda, Pedro Marinho Falcão: «o que está em causa no instituto das “manifestações de fortuna é a potencial evasão fiscal, rastreável pela incongruência entre determinado gasto e o rendimento fiscalmente declarado no ano em que essa despesa é efectuada. Deste modo, reportando-se o nº 4 do artigo 89º-A aos três anos seguintes está apenas a explicitar em que momento pode ocorrer a determinação da matéria colectável, tendo em consideração que por força da alínea a) do seu nº 2 se tomam em consideração os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores. Ou seja. o excerto que acima deixámos sublinhado do n° 4 deste artigo não habilita o aplicador da lei a fixar rendimentos, por via de presunção, no ano da aquisição e nos três subsequentes, solução que, de resta, violaria não só o regime legal em causa como o princípio da capacidade aquisitiva e a proibição de presunções absolutas em matéria tributária.» (Os acréscimos patrimoniais injustificados como metodologia de combate à evasão fiscal; notas sobre os aspetos particulares do respetivo regime jurídico. IV Congresso de Direito Fiscal, Direcção de Glória Teixeira, Edição Vida Económica – Editorial S.A., 2014, pp. 235-262.
Em sentido diverso (concordante com o sustentado pela recorrente), pronunciam-se Ana Paula Dourado e Ana Gabriela Rocha, em comentário ao acórdão do STA de 24/07/2013, no proc. nº 01203/13, in Revista IDEFF, Ano 6, n° 3, pp. 296-298 conforme é, aliás, referenciado pela recorrente.
E nesse mesmo sentido parece pronunciar-se igualmente, Suzana Tavares da Silva, em apreciação crítica do referenciado acórdão do STA, de 17/4/2013, no proc. nº 433/13 (in Direito Fiscal, 2ª ed., pp. 193 e 194).)
Configurando-se este regime como um meio de combate à evasão fiscal e tendo o legislador optado por tipificar o respectivo rendimento padrão inferido de sinais exteriores de riqueza, não se vê que esse rendimento padrão seja imputável ao contribuinte por mais do que uma vez, «atenta a nítida diferenciação entre o facto que serve de indício de desconformidade com o rendimento declarado e o rendimento inferido pelo legislador em função desse facto índice». Tanto que, como igualmente pondera o autor que vimos citando, a aceitar-se a aplicação do rendimento padrão nos 4 anos em questão, no caso dos automóveis o rendimento presumido acabaria por superar o montante do acréscimo patrimonial e no caso dos barcos de recreio e das aeronaves de turismo diversas vezes esse valor, uma vez que nestes últimos casos, sim, o legislador fez equivaler o valor do rendimento padrão ao montante do acréscimo patrimonial.
Acresce que a sufragar-se o entendimento da recorrente, sempre sobraria a questão de saber se o sujeito passivo poder, ou não, ilidir, relativamente a cada um dos três anos seguintes àquele em que se verificou a aquisição do bem que a lei releva com a manifestação de fortuna, a presunção de rendimentos resultantes dessa manifestação de fortuna, ao arrepio, em caso negativo, do disposto no art. 73° da LGT, ainda que não se afaste a possibilidade de comprovar (em que ano?) a veracidade dos elementos declarados e demonstrar a fonte dos seus rendimentos (cfr. Conclusão XXXIV).
E perante o exposto, improcedem, portanto, as Conclusões V a XVII e XXIX a XXXIX, das alegações de recurso.
E nem se diga que esta interpretação será incentivadora de comportamentos de omissão declarativa e de evasão fiscal (cfr. Conclusões XVIII a XXV) e que a interpretação contrária é a que melhor se coaduna com as exigências de combate à fraude e evasão fiscais subjacentes ao procedimento de tributação indirecta a partir das manifestações de fortuna (cfr. Conclusão XL). Com efeito, a própria permissão legal de se presumirem rendimentos a partir dos bens adquiridos não só no ano relativamente ao qual se verifica a discrepância, mas também nos 3 anos seguintes, obvia a tais comportamentos evasivos, dado que é necessário manter, pelo menos durante 3 anos, um nível de rendimentos declarados conforme com a detenção do bem.

4.3. É certo que, como a recorrente e a sentença recorrida referem, o Tribunal Constitucional se pronunciou (acórdão nº 43/2014, de 9/1/2014) pela não desconformidade constitucional do normativo aqui em apreço, quando interpretado no sentido de que a avaliação presuntiva de rendimentos tributáveis não declarados possa ter lugar nos três anos posteriores àqueles em que ocorre o facto consubstanciador da manifestação de fortuna, por tal interpretação não ofender os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva (arts. 13º, nº 1 e 104º, nº 1, da CRP).
Todavia, por um lado, a apontada jurisprudência do STA não contraria a posição assumida pelo Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional conclui que «estando em questão instrumento de combate à fraude e evasão fiscal, através da operação de presunção baseada em desconformidade de rendimentos evidenciada, presunção essa não absoluta, não ofende os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, decorrentes dos artigos 13º, nº 1 e 104º, nº 1, da Constituição, que, por razões de praticabilidade e eficácia, e também de contramotivação dos comportamentos evasivos a que se procura obstar, a avaliação presuntiva de rendimentos tributáveis não declarados possa ter lugar nos três anos posteriores àquele em que ocorre o facto consubstanciador de manifestação de fortuna (...)”.
Mas o que o STA aprecia é uma questão diferente: conclui que a alteração introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, no nº 4 do art. 89º-A da LGT, visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas al. a) e b) do nº 2 do mesmo artigo, no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes — nas als. a) e b) do nº 2 dizia-se que para efeitos do nº 1 eram considerados os bens adquiridos nesse ano e nos três anos anteriores, mas o nº 4, que tratava da determinação da matéria colectável, era omisso quanto ao ano em que podia operar a presunção, omissão que a nova redacção veio colmatar, limitando-se a explicitar quais os anos relativamente aos quais podia ocorrer a determinação da matéria tributável, admitindo-a no ano em que teve lugar a aquisição e em qualquer um dos três anos seguintes, mas apenas uma única vez.
Ou seja, não é apreciada qualquer questão de conformidade da norma em apreço com os princípios e preceitos constitucionais que foram analisados pelo Tribunal Constitucional, não se pondo em causa o julgamento anteriormente ali efectuado a propósito dos ditos princípios constitucionais.
Por outro lado, não se vê que na interpretação da decisão recorrida ocorra a alegada violação dos princípios da legalidade, tipicidade, proporcionalidade, igualdade e da capacidade contributiva, decorrentes dos arts, 13°, n° 1, 103° e 104°, n° 1, da CRP, nem do princípio da prossecução do interesse público, previsto nos arts. 266° e 269°, n° 1 da mesma CRP e nos arts. 55° e 58° da LGT, nomeadamente a justa e atempada arrecadação de receitas fiscais, o dever fundamental de pagar impostos, o princípio da capacidade contributiva e o princípio da igualdade fiscal, o combate ao ilícito e a identificação e punição dos seus agentes.
Improcedendo, portanto, também as Conclusões XLIII a XLV.

4.4. Em suma, em concordância com a supra enunciada e transcrita jurisprudência do STA nesta matéria, conclui-se pela interpretação do nº 4 do art. 9º-A da LGT, no sentido de que «o inciso “e no caso das alíneas a) e b) do n° 2, nos três anos seguintes” resultante da nova redacção dada ao n° 4 do art. 89°-A pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas alíneas a) e b) do n° 2 no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes».
Improcede, pois, o recurso.

DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.