Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0294/07.0BEVIS 01042/17
Data do Acordão:09/26/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
AVALIAÇÃO
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Haverá nulidade por excesso de pronúncia quando o juiz conheça de excepções na exclusiva disponibilidade das partes, ou quando seja violado o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, nomeadamente quando a sentença não observe os limites impostos pelo art. 609º, nº 1 do Código de Processo Civil, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido.
II - Invocando a impugnante errónea quantificação do facto tributário e errada aplicação de critérios legais na avaliação feita, nomeadamente porque a Administração Fiscal se baseou «em critérios e fundamentos que não são os aplicáveis à avaliação feita», não incorre em excesso de pronúncia a sentença que passou a conhecer de tal fundamento de impugnação, concluindo que na operação de cálculo do valor patrimonial tributário a Administração Tributária terá considerado dois coeficientes, de afetação (expressamente identificado: “habitação”) e de qualidade e conforto, os quais em sua tese, não decorrem do regime previsto no artigo 45.º do CIMI, aplicável aos terrenos para construção.
III - Não estando em causa vício de forma ou procedimental, mas sim a revogação de acto (avaliação) que a sentença entendeu padecer de vício de violação de lei, por considerar que, nos seus pressupostos, contraria as normas legais que devia respeitar, não é de ponderar a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P23646
Nº do Documento:SA2201809260294/07
Data de Entrada:09/26/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A Fazenda Pública vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida A…………, melhor identificada nos autos, contra a segunda avaliação ao prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo nº 5690, da freguesia 011503, Esmoriz, a qual fixou o valor patrimonial no montante de € 270.950,00.

Contra o assim decidido vem apresentar as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que considerou procedente a impugnação judicial deduzida por B…………, S.A (Verifica-se aqui manifesto lapso da Fazenda Pública na identificação da parte recorrida, a qual, como decorre dos autos e correctamente se refere no requerimento de interposição do recurso (fls. 320) é a A…………, CRL..) contra a decisão final da segunda avaliação realizada ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 5.690 da freguesia de Esmoriz. –
1. Objecto do recurso
II. O objecto do recurso centra-se em saber se a sentença padece de vício formal de excesso de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade, por ter conhecido e se ter fundado em questão não suscitada pelas partes, não sendo a mesma de conhecimento oficioso.
III. E, caso assim não se entenda, se tal decisão padece de erro de julgamento de direito, por não ter aplicado o princípio do aproveitamento do acto administrativo
IV. O acto que fixou o VPT foi anulado porque, tratando-se de terreno para construção, foram incluídos na operação de cálculo coeficientes de afectação e de qualidade e conforto que não decorrem do regime previsto no artigo 45.º do CIMI.
2. Pressupostos para a análise da sentença
V. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas por aquelas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
VI. As partes é que circunscrevem o thema decidendum através do pedido e da defesa, não bastando que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado, sendo igualmente necessário que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi).
VII. Importa distinguir entre «questões» e «razões» ou «argumentos», sendo que apenas a apreciação de «questões» não suscitadas pelas partes configura o aludido excesso de pronúncia, mas já não a consideração das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões.
VIII. Apesar de o princípio do aproveitamento do acto administrativo não ter “expressão legal própria no nosso Direito”, importa “reconhecer ao tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido”.
3. A questão submetida a juízo
IX. A impugnante imputa ao acto de fixação do VPT os vícios de aplicação de um coeficiente de localização exagerado, inconstitucionalidade orgânica do artigo 42.º do CIMI, inaplicabilidade do artigo 45.º do CIMI, por não ser possível, à data da avaliação, determinar qual a área de implantação, falta de fundamentação da decisão e do acto de avaliação e violação dos princípios da livre concorrência, da igualdade fiscal e da confiança.
X. O Tribunal a quo enunciou correctamente os concretos vícios invocados pela Autora, elencando na pág. 5 as “QUESTÕES QUE CUMPRE AO TRIBUNAL DECIDIR”, as quais coincidem com o efectivamente alegado na petição inicial.
4. A questão decidida em juízo
XI. No entanto, acabou por anular a avaliação do VPT fixado ao prédio tendo por base um vício não alegado e sem qualquer sustentação (ainda que implícita) no texto impugnatório: a aplicação, na avaliação de terrenos para construção, dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq).
XII. Deste modo, incorreu-se na douta sentença em excesso de pronúncia, conducente à declaração da sua nulidade nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por violação do n.º 2 do artigo 608.º do CPC.
Sem prescindir,
5. O princípio do aproveitamento do acto administrativo
XIII. Na avaliação do prédio em causa foi aplicada a fórmula constante do ponto 6. da fundamentação de facto.
XIV. Quanto ao coeficiente de afectação (Ca) foi aplicado o valor de 1,00 e quanto ao coeficiente de qualidade e conforto (Cq) foi aplicado o valor de 1,000.
XV. Logo, a aplicação daqueles coeficientes na operação de avaliação não teve qualquer influência no valor tributável que veio a ser atribuído ao prédio, dado que o “valor 1” surge necessariamente como elemento neutro da multiplicação.
XVI. Ainda que fosse ordenada a “repetição” da avaliação, mesmo que fossem expurgados aqueles coeficientes, o valor tributável do prédio seria exactamente o mesmo.
XVIII. Concluindo-se de forma sólida e fundamentada que a reconstrução do procedimento para efeitos de nova avaliação sem a aplicação daqueles coeficientes não vai ditar um acto de conteúdo diferente do impugnado ou que, mesmo com conteúdo idêntico, possa haver qualquer vantagem resultante da anulação do acto, tem aqui plena aplicabilidade o princípio do aproveitamento do acto administrativo, o qual conduzirá a que a avaliação ora impugnada seja mantida na ordem jurídica.
6. O pedido de dispensa do remanescente
XVIII. Nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do então Código das Custas Judiciais (CCJ), nas causas de valor superior a € 250.000,00, se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.
XIX. Atenta a complexidade da causa e a conduta processual das partes, que não pode considerar-se num nível reprovável, tendo-se limitado à discussão da questão jurídica e fornecendo os elementos necessários à boa decisão da causa, afigura-se justo que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, quer porque a especificidade da situação o justifica, quer por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e de promoção e garantia de acesso à justiça previstos nos artigos 16.º e 20.º da CRP.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, decretando-se a nulidade da douta decisão judicial, por excesso de pronúncia ou, caso assim se não entenda, seja a mesma revogada por inaplicabilidade do princípio do aproveitamento do acto administrativo, assim se fazendo justiça.»

2 – Foram apresentadas contra-alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1. A fórmula de determinação do valor patrimonial tributário, contemplando uma série de requisitos legais objetivos, vincula a AF à utilização desses critérios de quantificação fixados na lei na avaliação do VPT dos bens imóveis.
2. O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45° do CIMI.
3. O valor patrimonial tributário do terreno em apreço resultará, sempre e somente, do valor do somatório entre o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
4. Seguindo a interpretação da norma em equação, para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, da Direção Geral das Avaliações:
Vt = Vc x { [ — Ab) + (Ab x 0,3) ] x % ai - (Ac x 0,025) + (Ad x 0,005) } x Ca x Cl x Cq
Em que:
Vc - Valor base dos prédios edificados;
Abc - Área bruta de construção autorizada ou prevista;
Ab - Área bruta dependente;
% ai - Percentagem da área de implantação (variando entre 15 e 45 % do valor das edificações previstas ou autorizadas);
Vc - Valor base dos prédios edificados;
Ac - Área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação;
Ad - Área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação;
Ca - Coeficiente de afectação;
Cl - Coeficiente de localização;
Cq - Coeficiente de moradia unifamiliar (só se aplica quando o terreno se destina a moradia unifamiliar).
5. No caso concreto, não existe nenhum valor para as edificações ainda não autorizadas e também ainda não previstas, pois a previsão das edificações só ocorre a partir do momento em que o titular do prédio inicia o pedido de construção do edifício. Isto significa que a AF deveria aplicar o critério do número 2 em conjugação com o do número 5 do artigo 45° do CIMI, ou seja,
6. Os peritos avaliadores, na impossibilidade de atribuir uma percentagem do valor das edificações previstas, deveriam estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração as áreas médias de construção da zona envolvente.
7. O artigo 45º, número 3 do CIMI determina que “na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no número 3 do artigo 42°” do CIMI relativas ao coeficiente de localização.
8. A lei, ao utilizar a expressão “nomeadamente”, deixa nas mãos do intérprete a utilização de outros critérios não enunciados no artigo 42°, número 3 do CIMI de modo a aproximar o resultado da avaliação do terreno para construção ao seu valor de mercado.
9. Os Serviços Fiscais (AF), no caso concreto vertido neste processo, fizeram a aplicação de um coeficiente de localização do prédio — 1,10— que não leva em consideração o artigo 42° do CI e que não pode ser aceite pelas razões seguintes:
• A falta de acesso a qualquer arruamento público;
• A inexistência de qualquer alvará de loteamento;
• A necessidade de loteamento que terá que ser alargado a prédios contíguos.
Disto, resultou como consequência direta e automática a desvalorização notória do preço do terreno face aos preços normais do mercado. Pois que, neste caso, deveria ser utilizado o coeficiente de localização correspondente ao valor mínimo da Portaria n° 982/2004, de 4 de agosto — o valor de 0,60 — e nunca o utilizado.
10. Bem entendeu o douto Tribunal a quo que não é de considerar o coeficiente de afectação e de qualidade e conforto na determinação do VPT dos terrenos para construção e, “nem se diga, que se poderão aplicar tais coeficiente atendendo ao destino do prédio, desde logo, porque no caso em apreço resulta do probatório que o prédio em causa era um terreno em bruto, desprovido de infra-estruturas e sem acesso directo à estrada, sem qualquer alvará de loteamento aprovado pela entidade competente”.
11. Na determinação do valor patrimonial tributário do terreno para construção em causa não foram tidos em conta exclusivamente as regras próprias de determinação do VPT dos terrenos para construção, constantes do artigo 45° do CIMI, mas também, as aplicáveis à determinação do VPT dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, constantes no artigo 38° e seguintes do CIMI.
12. No entanto, estes coeficientes constituem, quer diretamente quer por remissão do número 3 do artigo 45° do CIMI, elementos estranhos ao cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
13. Há motivo suficiente para invalidar o acto de fixação de valor patrimonial do prédio, por vício de violação de lei na fixação do valor em causa (violação do artigo 45° do Código do IMI), pelo que, por esta razão, não pode o acto de fixação do valor patrimonial manter-se na ordem jurídica, impondo-se a sua repetição” (Neste sentido, vide os Ac. do STA de 20/04/2016 (processo n° 0824/15), Ac. do STA de 15/03/2017 (processo n° 0127/15), Ac. do Pleno da Secção do CT do STA, de 21/09/2016 (processo n° 01083/13)).
14. O artigo 6°, número 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projeto de construção. Por outro lado, nos casos em que existe esse projeto a qualidade e o conforto têm de ser efetivos, o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais.
15. O disposto no artigo 42° do CIMI aplicável ao caso concreto da presente impugnação por força do artigo 45° do CIMI é inconstitucional porque a norma nele constante não respeitou a norma prevista no artigo 10º, número 11 da Lei n°. 26/2003, ao omitir a exigência de que a variação dos limites do coeficiente de localização a que se referem os números 10 e 11 do artigo 10° da Lei n°. 26/2003 será fixada em cada município tendo por referência os valores correntes de mercado.
16. As disposições normativas e as cobranças fiscais não podem violar princípios constitucionalmente consagrados, nomeadamente, o Princípio da Livre Concorrência; o Princípio da Igualdade Fiscal; e o Princípio da Confiança.»

3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«1. Como expressão do princípio do dispositivo, o tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (art. 608º n° 2 CPC vigente)
Cada questão corresponde a um binómio «causa de pedir - pedido» o qual exprime os fundamentos fácticos e jurídicos que justificam a concessão da tutela jurídica pretendida (art.581° nºs 3 e 4 CPC).
Com a enunciação das questões não devem confundir-se os argumentos invocados pelas partes ou aduzidos pelo tribunal na apreciação daquelas.
2. No caso concreto o tribunal incorreu em omissão de pronúncia ao ignorar a apreciação de questão suscitada pela impugnante: ilegalidade do acto de avaliação por errónea fixação do coeficiente de localização do terreno para construção (petição de impugnação judicial arts.2°/11°)
Esta causa de nulidade da sentença não produz efeito jurídico porque não foi arguida pelas partes (125° n° 1 CPPT; art.615.º n° 1 al. d) primeira parte CPC)
3. A sentença enferma igualmente de excesso de pronúncia, determinante da sua nulidade, ao apreciar questão não suscitada pela impugnante: ilegalidade do acto de avaliação, com fundamento em errónea consideração dos coeficientes de afectação e de qualidade e conforto na avaliação efectuada (art. 125° n° 1 CPPT;art.615° n° 1 al. d) segunda parte)
4. Actuando como tribunal de revista, na sequência da declaração de nulidade o STA não pode conhecer de outros fundamentos do recurso, porquanto o excesso de pronúncia foi o único fundamento indicado pela recorrente (arts. 615° n° 1 al. d) segunda parte e 684° n° 1 CPC).
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser declarada nula e ordenada a devolução do processo ao tribunal recorrido para proferimento de nova sentença que não enferme de omissão de pronúncia e de excesso de pronúncia (nos termos enunciados na fundamentação).»

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

4 – Com relevância para a decisão, foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 05/02/2005, pelo Serviço de Finanças de Ovar, 2, foi efetuada a 1.ª avaliação ao prédio inscrito na matriz sob o n.º 5690, cfr. fls. 45 e 46 do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual constam os seguintes elementos:
“ (...)
Elementos de terreno para construção, (...)
Área Total: 9.800,0000 m2
Área Implantação do edifício:1.300,0000 m2
Área Bruta de Construção. 2.500,0000m2
Área Bruta Dependente: 0,0010m2
Coordenadas X; Y 159.468,00; 442.764,00 zonamento
Percentagem para cálculo da área de implantação: 20,00
Tipo de coeficiente de localização: Habitação
Coeficiente de localização: 1,10 (...)
Data de passagem a urbano: 2004-06-23 (...)”
2. Em 18.02.2005 o Serviço de Finanças de Ovar-2 emitiu a notificação da avaliação do imóvel descrito no ponto anterior, constante a fls. 44 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual consta o seguinte:
«(...) Terreno para construção inscrito na matriz predial urbana 5690 da freguesia 011503
Área Total: 9800,0000 m2
Área Implantação do prédio: 1300,0000 m2
Área Bruta de Construção: 2500,0000 m2
Área Bruta Dependente: 0,0010 m2
Data de passagem a urbano: 2004-06-23
Valor Patrimonial Tributário
Vt (392.370,00) = Vc (600,00)x (2500,0000)x% (20,00) + Ac(65,00) + Ad(29.5000)] x Cl(1,10) x Ca(1,00) x Cq(1,00) (...)»;
3. Em 29/03/2005, a Impugnante solicitou ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Ovar-2 segunda avaliação do prédio descrito em 1., nos termos e para os efeitos descritos no artigo 76.º do CIMI, conforme requerimento constante a fls. 43 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Em 28/04/2006 reuniu no Serviço de Finanças de Ovar-2 a comissão de avaliação composta por dois peritos regionais da Administração Tributária e um perito das partes conforme termo de avaliação constante de fls. 36 a 38 do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte: “(…) Esta avaliação foi realizada cumprindo o preceituado no CIMI. Os peritos por unanimidade alteraram as áreas consideradas na 1.ª avaliação, tendo em conta que o terreno em causa não é servido de infraestruturas necessitando por isso ser sujeito a operação de loteamento. (...) nesta conformidade a comissão definiu potenciar metade da área do prédio ou seja 4.900m2 atribuindo os índices do PDM— CAS 30%, COS 30% e 10% da área sobrante para anexo. (...) No entanto o perito da parte reclama que os coeficientes atribuídos para o local estão exagerados, nomeadamente a percentagem sobre os terrenos e o coeficiente de localização. (...)”.
5. Em 28.04.2006 foi elaborada a ficha respeitante à segunda avaliação nos termos constantes de fls. 37 e 38 do PA e que aqui se dão por reproduzidas, constando agora os seguintes elementos:” (...)
Elementos de terreno para construção, (...)
Área Total: 9.800,0000 m2
Área Implantação do edifício: 1.175,0000 m2
Área Bruta de Construção: 2.910,0000 m2
Área Bruta Dependente: 440,000 m2
Coordenadas X; Y 159.468,00; 442.764,00 zonamento
Percentagem para cálculo da área de implantação: 20,00
Tipo de coeficiente de localização: Habitação
Coeficiente de localização: 1,10 (...)
Data de passagem a urbano: 2004-06-23 (…)”
6. Por carta datada de 22.11.2006, foi a ora impugnante notificada do resultado da 2ª avaliação nos termos constantes de fls. 1 a 3 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
7. O prédio urbano inscrito na matriz sob artigo n.º 5690 da freguesia Esmoriz, à data da avaliação, era um terreno em bruto, desprovido de infra-estruturas, de alvará de loteamento e sem acesso direto à estrada, sendo que para que efeitos de loteamento teria de ser analisado em conjunto com os prédios contíguos, [cfr. depoimento das testemunhas];
8. Em 26.02.2007, a Impugnante intentou a presente impugnação. [fls. 2 dos autos (p.f.)].

5. Do objecto do recurso
Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso se reconduz a saber se o tribunal recorrido incorreu em vício de excesso de pronúncia por ter conhecido questão não suscitada pelas partes, em violação do disposto no nº 1 do art.º 125º CPPT e na alínea d) do art.º 615º Código de Processo Civil e nº 2 do art.º 608º do CPC.
Subsidiariamente, e para a hipótese de não proceder tal fundamento do recurso, a recorrente alega ainda que a sentença padece de erro de julgamento de direito por não ter aplicado o princípio do aproveitamento do acto administrativo.

6. Apreciando

6.1 Da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Alega a recorrente que Tribunal a quo enunciou correctamente os concretos vícios invocados pela Autora, elencando na pág. 5 as “QUESTÕES QUE CUMPRE AO TRIBUNAL DECIDIR”, as quais coincidem com o efectivamente alegado na petição inicial.
E que esses vícios, imputados pela impugnante ao acto sindicado de fixação do valor patrimonial tributário, consubstanciavam-se na aplicação de um coeficiente de localização exagerado, inconstitucionalidade orgânica do artigo 42.º do CIMI, inaplicabilidade do artigo 45.º do CIMI, por não ser possível, à data da avaliação, determinar qual a área de implantação, falta de fundamentação da decisão e do acto de avaliação e violação dos princípios da livre concorrência, da igualdade fiscal e da confiança.
Porém o tribunal acabou por anular a avaliação do valor patrimonial tributário fixado ao prédio tendo por base um vício não alegado e sem qualquer sustentação (ainda que implícita) no texto impugnatório: a aplicação, na avaliação de terrenos para construção, dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq).
Deste modo, concluiu a recorrente que a sentença recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia.
Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no sentido do provimento do recurso por considerar que a sentença enferma de excesso de pronúncia, determinante da sua nulidade, ao apreciar questão não suscitada pela impugnante.
Por sua vez a Mª juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pronunciando-se sobre a arguida nulidade considerou que a mesma não se verificava porquanto «tendo a impugnante invocado que a “a Administração Fiscal se baseou em critérios e fundamentos que não são aplicáveis à avaliação feita” (artº 135º, al. d) da petição inicial), invocando errónea quantificação do facto tributário» se deverá entender que a apreciação feita na decisão recorrida ainda aí se contém.

Também assim entendemos.
Vejamos.
Nos termos do artigo 615º, nº 1, als. c) e d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a sentença ininteligível ou o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento
Resulta também do artº 608º nº 2 do Código de Processo Civil que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e que não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim haverá nulidade por excesso de pronúncia quando o juiz conheça de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (….), ou quando seja violado o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, nomeadamente quando a sentença não observe os limites impostos pelo art. 661-1 (Actual artº 609º, nº 1 do Código de Processo Civil vigente.) , condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido (Neste sentido Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, vol. II, pag.670.) .
Como salienta o Cons. Jorge de Sousa no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, anotação 5 ao art. 123º, pp. 318 e 319; e anotação 12 ao art. 125º, p. 366, as «partes é que circunscrevem o thema decidendum, através do pedido e da defesa» e em «processos anulatórios, cada um dos vícios imputados ao acto impugnado constitui uma causa de pedir, como se conclui do preceituado na parte final do nº 4 do art. 498º do CPC, em que se estabelece nas acções de anulação a causa de pedir é “a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”», não bastando que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi). «Por isso, se for pedida a anulação de um acto de liquidação com base em determinado vício gerador de mera anulabilidade (causa de pedir no processo de impugnação judicial), não pode o tribunal anular o acto impugnado com fundamento em vício diferente, não invocado»; ou seja, haverá também excesso de pronúncia «se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vício não invocado» (.)
Como vem sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo o que se proíbe, no referido art. 608 nº 2, do CPC é que se conheça de «questões» não suscitadas. Mas não se deve confundir «questões» com «argumentos».
Quanto a argumentos o tribunal não está limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar questões que tenham sido suscitadas.
No caso vertente constata-se da petição inicial que a impugnante imputava ao acto de fixação do valor patrimonial tributário resultante da segunda avaliação do prédio em causa, toda uma série de vícios que elencava de uma forma muito abrangente, entre os quais a aplicação de um coeficiente de localização exagerado, inconstitucionalidade orgânica do artigo 42.º do CIMI, inaplicabilidade do artigo 45.º do CIMI, por não ser possível, à data da avaliação, determinar qual a área de implantação, falta de fundamentação da decisão e do acto de avaliação e violação dos princípios da livre concorrência, da igualdade fiscal e da confiança.
E alegava também (cf. artº 135º da petição inicial, a fls. 32), sem prescindir, que o processo de avaliação e procedimentos respectivos e todas as decisões e despachos a eles referentes e o resultado da avaliação constituíam actos, processos e procedimentos totalmente nulos por padecerem de vícios de violação de lei ali elencados, nomeadamente porque a Administração Fiscal se baseou «em critérios e fundamentos que não são os aplicáveis à avaliação feita».
Ora no caso sub judice o Tribunal recorrido, após enunciar, entre as questões que cumpre apreciar e decidir, o vício de violação de lei por errónea quantificação do facto tributário, passou a conhecer de tal fundamento de impugnação, concluindo que na operação de cálculo do valor patrimonial tributário a Administração Tributária terá considerado dois coeficientes, de afetação (expressamente identificado: “habitação”) e de qualidade e conforto, os quais em sua tese, não decorrem do regime previsto no artigo 45.º do CIMI, aplicável aos terrenos para construção.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu o tribunal recorrido que este procedimento constituía motivo suficiente para invalidar o acto de fixação de valor patrimonial do prédio, por vício de violação de lei na fixação do valor em causa (violação do artigo 45.° do Código do IMI).
Ora independentemente da posição que se tome sobre tal questão de saber se os coeficientes de afectação e de qualidade e conforto são aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção, o certo é que, tendo em conta o teor da petição inicial e nomeadamente os fundamentos de impugnação invocados no artº 135º e sua al. d), não se poderá concluir que, ao tecer tais considerações, o tribunal tenha excedido os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir.
Com efeito, como bem se sublinha no despacho de sustentação, invocando a impugnante errónea quantificação do facto tributário e errada aplicação de critérios legais na avaliação feita, nomeadamente porque a Administração Fiscal se baseou «em critérios e fundamentos que não são os aplicáveis à avaliação feita», haverá de se entender que a apreciação efectuada pela sentença se contém no “thema decidendum” e não violou o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância.
Não procede pois a alegação da Fazenda Pública de que o tribunal recorrido anulou a avaliação do valor patrimonial tributário fixado ao prédio tendo por base em fundamento não alegado e sem qualquer sustentação, ainda que implícita, no texto impugnatório.

Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

6.2 Do alegado erro de julgamento

Neste segmento do recurso a Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que ainda que fosse ordenada a “repetição” da avaliação, mesmo que fossem expurgados aqueles coeficientes de afectação e de qualidade e conforto, o valor tributável do prédio seria exactamente o mesmo.
Concluindo que da reconstrução do procedimento para efeitos de nova avaliação sem a aplicação daqueles coeficientes não resultará um acto de conteúdo diferente do impugnado ou que, mesmo com conteúdo idêntico, possa haver qualquer vantagem resultante da anulação do acto, pelo que terá aqui plena aplicabilidade o princípio do aproveitamento do acto administrativo.

Entendemos, porém, que também nesta parte improcederá a alegação da entidade recorrente.
O Princípio do Aproveitamento do Acto Administrativo, também designado «da relevância limitada dos vícios de forma (Vide Acórdão da SCA do Supremo Tribunal Administrativo de 04.07.2006, recurso 418/03.)» é um princípio geral do Direito Administrativo, que tem sido aplicado pela nossa jurisprudência, apesar de não se encontrar expressamente previsto no ordenamento jurídico português.
Decorre do princípio de aproveitamento dos actos administrativos, que a anulação de um acto viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado.
Tem-se entendido que a aplicação deste princípio de aproveitamento do acto envolve a violação das prescrições relativas ao procedimento e à forma, mas não de um vício de violação de lei (vício em que incorrem os actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objecto e ao conteúdo – cf. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, (Direito Administrativo Geral, edição D. Quixote, Tomo III, pag. 158),
Como ensinam aqueles autores (Ob. citada, Tomo III, pag. 49), «por vezes, a ordem jurídica comina, primafacie, a invalidade (nulidade ou anulabilidade) para um acto jurídico da administração que padece de determinado vício, mas permite que, reunidas determinadas circunstâncias, o acto em causa passe a ser considerado como simplesmente irregular.
Este fenómeno é exclusivo dos vícios formais. Situações típicas são as de degradação da forma legal e de degradação de formalidades essenciais em não essenciais (supra, 18-24): quando as finalidades que a prescrição da forma ou das formalidades exigidas para um determinado acto foram plenamente atingidos por outro meio, torna-se inútil o cumprimento daqueles requisitos formais
Também a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem acolhido a aplicação eventual deste princípio nos casos de actos administrativos feridos por vício de forma e de procedimento (preterição de formalidades essenciais), mas não por vício de violação de lei.
Neste sentido a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a sublinhar que a inoperacionalidade dos vícios se reporta «a irregularidades procedimentais (v.g. falta de audiência) que dada sua natureza instrumental se degradam perante o resultado final, ou vícios que se desvalorizam totalmente perante a natureza vinculada de actos praticados conforme à lei (apesar das irregularidades cometidas), ou porque subsistem fundamentos exactos bastantes para suportar a validade do acto» – cfr. Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2010, recurso 855/09, e por todos o acórdão deste Supremo Tribunal de 18-11-2009, proferido no processo 0434/09, onde é feita uma sistematização dos casos admitidos pela jurisprudência e uma referência às posições doutrinárias no direito comparado.

No caso concreto, porém, não está em causa vício de forma ou procedimental, mas sim a revogação de acto (avaliação) que a sentença entendeu padecer de vício de violação de lei, por considerar que, nos seus pressupostos, contraria as normas legais que devia respeitar.
Daí que se entenda não ser aplicável, no caso sub judice, o princípio do aproveitamento do acto administrativo.

Pelo que fica dito, e sendo estes os únicos fundamentos do recurso, forçoso é concluir que o mesmo não pode obter provimento.

7. Do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da Taxa de Justiça

Pede também a Fazenda Pública a dispensa do pagamento do remanescente da Taxa de Justiça invocando «a complexidade da causa e a conduta processual das partes, que não pode considerar- se num nível reprovável, tendo-se limitado à discussão da questão jurídica e fornecendo os elementos necessários à boa decisão da causa».
Conclui que se afigura «justo que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, quer porque a especificidade da situação o justifica, quer por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e de promoção e garantia de acesso à justiça previstos nos artigos 16.º e 20.º da CRP».

De harmonia com o disposto no nº 7 do art. 6° do RCP nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se de uma dispensa excepcional que, podendo ser oficiosamente concedida (à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no n.º 7 do art.º 7.º), depende sempre de avaliação pelo juiz, pelo que haverá de ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de ser omissa, mediante requerimento de reforma dessa decisão.
Ora, no caso sub judice esses requisitos manifestamente não se verificam, e desde logo pela simples razão de que o valor da causa foi fixado em 270.950.00 € (cf. fls. 210), pelo que não há a considerar qualquer remanescente nos termos e para os efeitos do disposto no nº 7 do art. 6° do Regulamento das Custas Processuais.
Improcede, pois, a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

8. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 26 de Setembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – António Pimpão.