Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01109/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Porque só pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, tal nulidade não se verifica se o juiz evoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada.
II - A nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada.
III - O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença, já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art. 664.º do CPC).
IV - Considerando como lícita a nova e oficiosa apreciação jurisdicional da questão da prescrição na instância judicial competente, bem andou a sentença recorrida ao decidir que perante este novo julgamento da questão ficava prejudicada a apreciação da validade formal da decisão que o órgão da execução fiscal proferira sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA00067915
Nº do Documento:SA22012110701109
Data de Entrada:10/23/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - PROC ESPECIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART278 ART175 ART125.
CPC ART668.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC011946 DE 1990/10/10; AC STA PROC011921 DE 1990/01/31; AC STA PROC024722 DE 1991/05/29; AC STA PROC018494 DE 1995/02/22; AC STA PROC021024 DE 1997/02/05; AC STA PROC025056 DE 2000/07/12; AC STA PROC0633/02 DE 2003/01/21; AC STA PROC0510/08 DE 2008/07/14; AC STA PROC0540/08 DE 2008/12/03; AC STA PROC0862/12 DE 2012/09/19
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CPC ANOTADO VOLV PAG140.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A…… (adiante Executado, Reclamante ou Recorrente), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Mangualde que lhe indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda.
Invocou como fundamentos do pedido de anulação da decisão administrativa que a dívida exequenda se encontra prescrita e que aquela decisão enferma de falta de fundamentação.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou a reclamação improcedente. Para tanto, considerou, em síntese, que

· o que o Executado pediu ao órgão da execução fiscal foi a declaração de prescrição da dívida exequenda e é da decisão que indeferiu esse pedido que reclamou judicialmente, pelo que, apesar de também invocar a falta de fundamentação dessa decisão, «a precedência das questões a conhecer, conjugada com o conhecimento oficioso da prescrição, veja-se o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, entendendo que os autos fornecem elementos suficientes para dela se conhecer é o que se passará a fazer, ficando a questão da alegada invalidade prejudicada»;

· não se verifica a prescrição da obrigação tributária, uma vez que o prazo prescricional se suspendeu antes de atingida a data em que ocorreria a prescrição, assim se mantendo.

1.3 O Reclamante não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. O ora recorrente deduziu reclamação da decisão do Exmo. Sr. Chefe do SF de Mangualde que não atendeu à prescrição invocada ao tributo em causa nos autos.

2. Foi agora proferida douta sentença que julgou totalmente improcedente a reclamação apresentada. Sucede que,

3. Não pode o recorrente conformar-se com a douta decisão proferida. Porquanto,

4. A douta sentença entrou, salvo o devido respeito, em insanável contradição e padece de omissão de pronúncia. Pois,

5. A douta decisão aqui em crise escusou-se a pronunciar-se sobre a invocada falta de fundamentação do despacho reclamado, invocando, para tanto, possuir os elementos necessários para conhecer da prescrição. Sendo certo que,

6. A douta decisão considerou não se verificar a dita prescrição. Ora,

7. Diferentemente do plasmado na douta decisão, quando o Tribunal conhece da prescrição é que pode deixar de se pronunciar sobre as demais questões invocadas por manifesta inutilidade. Assim,

8. O facto de ter sido analisada a invocada prescrição, sem que, contudo, tenha a mesma sido reconhecida, não invalida o conhecimento da falta de fundamentação. Aliás,

9. O seu não conhecimento implica uma irremediável omissão de pronúncia. Pois,

10. A douta decisão recorrida não se pronuncia quanto à ausência da fundamentação do despacho recorrido. Pelo que,

11. A douta decisão é nula por falta de pronúncia, de acordo com o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC e do art. 125.º do CPPT».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em face da invocação da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sustentou-a nos seguintes termos:

« Quanto à alegada omissão de pronúncia, é nosso entendimento, com o devido respeito por opinião em contrário, que tal não ocorre, porquanto o vício da falta de fundamentação apontado pelo recorrente ao despacho do OEF encontra-se sanado com a fundamentação da sentença quanto à não verificação da excepção de prescrição, cujo conhecimento é oficioso.
Aliás, no que a este ponto diz respeito, na sentença consta o seguinte (pág. 06):
“O que o Reclamante pretende com a Reclamação é que se declare a prescrição da dívida exequenda. Foi isso que pediu no requerimento que originou o despacho reclamado e também nesta reclamação.
No entanto, o Reclamante, previamente ao alegado “mérito” defendeu a invalidade da decisão reclamada por “absoluta falta de fundamentação”.
Analisando o que cumpre apreciar e a precedência das questões a conhecer, conjugada com o conhecimento oficioso da prescrição, veja-se artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, entendendo que os autos fornecem elementos suficientes para dela se conhecer é o que se passará a fazer, ficando a questão da alegada invalidade prejudicada”».

1.7 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e indicou como tribunal competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento do Recorrente.

1.8 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto remeteu para o parecer emitido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Norte, no sentido de que o recurso não merece provimento.
Em síntese, considerou, por um lado, que não se vislumbra qualquer contradição, enquanto vício assacado à sentença pelo Recorrente e, por outro lado, que não se verifica a omissão de pronúncia também invocada pelo Recorrente como vício da sentença, na medida em que «tendo o tribunal recorrido emitido directamente pronúncia sobre a alegada prescrição, obviamente que ficou prejudicada a apreciação da invocada falta de fundamentação do despacho de indeferimento proferido pelo chefe de finanças». Em todo o caso, e sem prejuízo do que deixou dito, considerou ainda que a referida decisão administrativa se encontra suficientemente fundamentada, designadamente por remissão expressa para a informação que a antecede e de que se apropriou.

1.9 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.10 A questão suscitada pelo Recorrente é a da nulidade da sentença em face do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil (CPC) e do art. 125.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

« Factos Provados

Em face dos elementos juntos aos autos, melhor pormenorizados em cada alínea que se segue, com interesse para a decisão a proferir considero assentes os seguintes factos:

A) No SF de Mangualde corre contra o Reclamante a execução fiscal com o n.º 2550200501008331, com vista à cobrança coerciva de IRS do ano de 2002, no valor de € 24.163,00;

B) O aqui Reclamante apresentou reclamação graciosa em 16/06/2005 da liquidação que originou a quantia aqui em execução;

C) Em 17/10/2005 o aqui reclamante apresentou Impugnação Judicial da liquidação referida na al. imediatamente anterior;

D) A citação do aqui oponente, na qualidade de devedor principal, no âmbito da execução mencionada em A. ocorreu em 07/07/2005;

E) Por ofício datado de 02/08/2005 foi o aqui reclamante notificado para prestar garantia, no prazo de 15 (quinze) dias, de forma a assegurar a dívida e acrescido, no montante de € 32.629,06;

F) No âmbito da execução identificada em A) o Reclamante requereu, em 2005-08-17, a suspensão da execução através da prestação de garantia bancária n.º 137-43.000022-4 da ……, SA, até ao montante máximo de € 32.629,06, datada de 12/08/2005;

G) A Garantia bancária referida na al. imediatamente anterior, datada de 12/08/2005, tinha o prazo de 2 (dois) anos;

H) Em 2006-03-14, foi proferido despacho, pelo Chefe do SF (competência delegada), a ordenar a suspensão dos autos, aludindo à apresentação, em 2005.10.17, da Impugnação mencionada em G.;

I) No despacho mencionado na alínea imediatamente anterior, mais consta:
“ Tendo presente:

2. A existência de garantia bancária existente nos autos, ainda que limitada em termos temporais, e sem prejuízo de serem desenvolvidas as diligências de renovação próximo da data do seu vencimento;
Nos termos do n.º 1 do art. 169.º do CPPT, ordeno a suspensão dos autos.”

J) Através de ofício, datado de 2006-02-20, referindo-se ao PEF identificado em A., foi notificado, pelo Serviço de Finanças, o mandatário (com conhecimento ao executado) para, no prazo de 10 dias contados a partir da notificação, proceder à substituição da garantia apresentada ou apresentar com uma antecedência mínima de 90 dias antes do termo da garantia junta (até 2007/05/13), nova garantia sob pena da AF proceder às diligências consideradas necessárias à garantia do processo;

K) Na notificação mencionada em J. é feita a alusão à garantia descrita na al F., a qual é considerada não preencher todos os requisitos exigidos para efectiva suspensão do PEF.;

L) Por ofício de 2007-10-17, referindo-se ao PEF identificado em A., foi notificado, pelo Serviço de Finanças, o mandatário (com conhecimento ao executado) para, no prazo de 15 dias contados a partir da assinatura aviso de recepção, prestar garantia idónea, a qual poderá consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar a dívida e acrescido, no montante de € 35.372,66, sob pena da AF proceder de imediato à penhora de bens suficientes para pagamento da dívida exequenda e do acrescido;

M) No ofício mencionado na al. imediatamente anterior mais fez constar a AF que:
“…atento ao preceituado no art. 183.º do CPPT e sob pena da mesma ser recusada, a garantia a apresentar não deve ser limitada no tempo.”

N) Através do ofício 1345, de 2011-05-24, o SF notificou o ora reclamante para substituir no prazo de 15 dias a garantia bancária, então apresentada, por uma nova garantia, invocando a caducidade da garantia bancária mencionada na al. F., datada de 12/08/2005 e apresentada em 17/08/2005;

O) A notificação mencionada em N. foi, também efectuada, na mesma data, a coberto do ofício n.º 1344 ao mandatário do reclamante;

P) Na notificação mencionada em N., o SF solicitou uma nova garantia susceptível de assegurar a dívida e acrescido, no montante de € 32.953,46, sob pena de proceder de imediato à penhora de bens suficientes para pagamento da dívida exequenda e do acrescido;

Q) Na sequência vinda de referir, o Executado solicitou ao Exm.º Chefe do Serviço de Finanças de Mangualde, “…que declare a prescrição da dívida exequenda…”;

R) Na sequência do requerimento mencionado em Q., foi proferido despacho em 04/07/2011, não reconhecendo a verificação da prescrição e reiterando a obrigação de prestação idónea. Destacando-se o seguinte teor:
“Presente a informação supra e os factos constantes dos autos corroboro a não verificação da prescrição da dívida e ordeno a notificação do presente despacho reiterando a obrigatoriedade de prestar garantia idónea, sob pena de se remover a suspensão dos autos e o desencadeamento de todas as diligências legalmente definidas conducentes à constituição de garantia idónea para reposição da suspensão dos autos.”;

S) O despacho mencionado em R. foi notificado ao executado a coberto do ofício n.º 1900 de 2011-07-04, aí constando a indicação do meio de reacção correspondente;

T) O AR da notificação mencionada na al. imediatamente anterior foi assinado em 2011-07-06;

U) A reclamação que deu origem aos presentes autos, visa o despacho descrito em N., tendo sido enviada por correio em 2011/07/18 (Segunda feira).

Factos não provados:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O Executado pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Mangualde (órgão da execução fiscal) que declarasse prescrita a obrigação tributária subjacente à dívida exequenda.
Esse pedido foi indeferido e o Executado reclamou judicialmente dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pedindo a anulação da mesma e a declaração da prescrição da obrigação tributária. Como fundamentos desse pedido invocou que a decisão administrativa reclamada padece de insuficiência de fundamentação e de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo que a obrigação tributária está prescrita.
A Juíza daquele Tribunal julgou a reclamação improcedente.
Para tanto, começou por referir que apreciaria, em primeiro lugar, a questão da prescrição da dívida exequenda, ao abrigo do disposto no art. 175.º do CPPT, e expressou o entendimento de que assim ficava prejudicada a apreciação do vício de falta de fundamentação imputado ao acto reclamado.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, é deste entendimento que discorda o Executado. Sustenta que só a procedência da questão da prescrição prejudicaria o conhecimento da questão da falta de fundamentação da decisão administrativa por ele suscitada em sede de reclamação judicial. Por esse motivo, assaca à sentença a nulidade por «contradição» e por «omissão de pronúncia», decorrente da violação das alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC e do art. 125.º do CPPT.
Daí que tenhamos enunciado a questão a apreciar e decidir nos termos que ficaram expostos em 1.10.

*

2.2.2 DA NULIDADE DA SENTENÇA

A questão que o Recorrente coloca à apreciação do Tribunal de recurso foi já apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo, através do acórdão proferido em 19 de Setembro de 2012 no processo n.º 862/12 (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e46947495061fff580257a85005669e9?OpenDocument.), em recurso em tudo idêntico ao presente, sendo que o Recorrente é o mesmo em ambos os processos, como é a mesma a questão suscitada e são absolutamente idênticas as conclusões das alegações de recurso.
Assim, e tendo presente o disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, vamos limitar-nos a reproduzir o que aí ficou dito (Por facilidade de exposição, as notas de rodapé no original serão transcritas, entre parêntesis, no próprio texto.):

«Tendo em atenção que a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º dispõe que é nula a sentença quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», e que a alínea d) dispõe que é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento», há que olhar para o teor da sentença recorrida, proferida na reclamação que o executado deduziu com vista à anulação da decisão do órgão de execução fiscal de indeferimento do pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda com fundamento em falta de fundamentação e violação de lei por verificação de todos os pressupostos de facto e de direito para a ocorrência da prescrição.
Segundo a sentença, «O que o Reclamante pretende com a Reclamação é que se declare a prescrição da dívida exequenda. Foi isso que pediu no requerimento que originou o despacho reclamado e também nesta reclamação. No entanto, o Reclamante, previamente ao alegado “mérito” defendeu a invalidade da decisão reclamada por “absoluta falta de fundamentação”.
Analisando o que cumpre apreciar e a precedência das questões a conhecer, conjugada com o conhecimento oficioso da prescrição, veja-se artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, entendendo que os autos fornecem elementos suficientes para dela se conhecer, é o que se passará a fazer, ficando a questão da alegada invalidade prejudicada
», razão porque se passou, de imediato, ao conhecimento da questão da prescrição da dívida exequenda e, tendo-se concluído que ela ainda não ocorrera, julgou-se improcedente a reclamação sem entrar na análise do vício de falta de fundamentação imputado ao acto reclamado.
Na perspectiva do Recorrente, o Mmº Juiz terá incorrido em omissão de pronúncia ao ter-se escusado a conhecer o vício de falta de fundamentação do acto impugnado e terá entrado em insanável contradição para justificar essa escusa, na medida em que tendo conhecido da prescrição, julgando-a não verificada, não podia deixar de conhecer daquela outra questão, já que ela não terá ficado prejudicada nos termos do disposto no art.º 660.º n.º 2 do CPC.
Como se sabe, a nulidade por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art. 660º do CPC – segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras» – servindo de cominação ao desrespeito desse preceito legal, razão por que na sentença devem ser conhecidas todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal, com excepção daquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Por conseguinte, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
Não se verifica, assim, nulidade por omissão de pronúncia se o juiz evoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questões que lhe foram colocadas, mesmo que, segundo a sua tese (jurídica ou não jurídica), tivesse cabimento ou fosse justificado o conhecimento dessas questões.
Na verdade, como tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência, quando o tribunal, consciente e fundamentadamente, não toma conhecimento de qualquer questão, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. Esta só ocorrerá nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre questão de que devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cfr., entre outros, os acórdãos do STA proferidos em 1/09/2004, em 10/03/2005 e em 11/09/2007, nos processos n.º 0868/04, n.º 046862, e n.º 0898/06, respectivamente.
No caso em apreço, o Mmº Juiz deixou explicado que começaria pela apreciação da matéria de conhecimento oficioso relativa à prescrição da dívida exequenda, e expressou o entendimento de que esse conhecimento tornaria inútil, por prejudicialidade, a apreciação do vício de falta de fundamentação imputado ao acto reclamado. Ou seja, o Mmº Juiz emitiu um julgamento quanto ao vício de falta de fundamentação, ainda que recusando a sua apreciação com base em certa fundamentação jurídica que aduziu.
Tal julgamento pode, é certo, como qualquer decisão de um tribunal, mostrar-se errado – e daí a existência no sistema legal de recursos com vista à correcção de tais erros – mas o que não pode é dizer-se que a sentença padece de omissão de pronúncia.
Não se verifica, portanto, tal nulidade.
Como não se verifica, igualmente, a nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, já que, como vem entendendo uniformemente a doutrina 1 (1 Cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140.) e a jurisprudência 2 (2 Cfr., entre muitos outros, os acórdãos proferidos pelo STA em 10-10-90, no proc. nº 11946, em 31-1-90, no proc. nº 11921, em 29-5-91, no proc. nº 24722, em 22-2-1995, no proc. n.º 18494, em 5-2-1997, no proc. n.º 21024, em 12-7-2000, no proc. n.º 25056, em 21-1-2003, no proc. n.º 633/02, em 14-7-2008, no proc. n.º 510/08, e em 3-12-2008, no proc. n.º 540/08.), tal nulidade só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada.
Como ensina ALBERTO DOS REIS, na obra citada, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto
Ora, como se viu, a sentença contém a motivação que levou o julgador a abster-se de conhecer do referido vício, pelo que não existe falta de fundamentação. Se, eventualmente, essa motivação é contraditória e/ou desacertada, estar-se-á perante erro de julgamento e não de nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Razão por que também não se verifica esta nulidade.
Não estando, porém, este tribunal de recurso impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença – já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art. 664º do CPC) 3 (3 Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de CA, proferido em 24/05/2005, no proc. n.º 046592.) – e visto que se deve considerar como implicitamente invocado o erro de julgamento – pois o recorrente alegou que, ao contrário do decidido, só a procedência da questão da prescrição seria susceptível de levar à inutilidade do conhecimento do vício de falta de fundamentação, e não já a improcedência dessa questão, assim sustentando a “insanável contradição” de que padeceria a sentença e o “manifesto erro” em que se teria incorrido – cumpre examinar a matéria alegada na apontada perspectiva.
Como se viu, o acto reclamado era constituído pela decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda com base em falta de fundamentação dessa decisão e violação de lei por verificação de todos os pressupostos de facto e de direito para a ocorrência desse facto jurídico extintivo da dívida.
O Mmº Juiz do tribunal “a quo”, em vez de apreciar os vícios imputados ao acto reclamado, considerou que podia e devia julgar de novo e oficiosamente a questão da prescrição, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso à luz do artigo 175.º do CPPT.
Ora, considerando que o tribunal pode, efectivamente, conhecer oficiosamente a questão da prescrição da dívida tributária, mesmo em sede de reclamação deduzida ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e segs. do CPPT e ainda que o objecto da reclamação nada tenha a ver com a prescrição nem a questão tenha sido previamente colocada ao órgão da execução fiscal; e visto que, no caso vertente, o Mmº Juiz entendeu, e bem, que face a esse poder de conhecimento oficioso não estava limitado à apreciação da legalidade da decisão reclamada, podendo, antes, proceder a um novo julgamento, sobrepondo-se, assim, ao órgão da execução na apreciação e decisão da matéria, é manifesto que o conhecimento dos vícios imputados à decisão do órgão da execução fiscal ficaram prejudicados pelo novo julgamento efectuado pelo Juiz do tribunal tributário.
Em suma, considerando como lícita esta nova e oficiosa apreciação jurisdicional da questão da prescrição na instância judicial competente, bem andou a sentença recorrida ao decidir que perante este novo julgamento da questão ficava prejudicada a apreciação da validade formal da decisão que o órgão da execução fiscal proferira sobre a matéria.
Nesta conformidade, a douta sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida, improcedendo todas as conclusões do recurso».

Face ao exposto, o recurso não merece provimento.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, fazendo ainda apelo ao sumário doutrinal do citado acórdão:
I - Porque só pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, tal nulidade não se verifica se o juiz evoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada.
II - A nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada.
III - O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença, já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art. 664.º do CPC).
IV - Considerando como lícita a nova e oficiosa apreciação jurisdicional da questão da prescrição na instância judicial competente, bem andou a sentença recorrida ao decidir que perante este novo julgamento da questão ficava prejudicada a apreciação da validade formal da decisão que o órgão da execução fiscal proferira sobre a matéria.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 7 de Novembro de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maças – Casimiro Gonçalves.