Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0564/16
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
TAXA
INTERPRETAÇÃO
SENTENÇA
Sumário:I - A decisão judicial, constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do CC, as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1, daquele Código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação.
II - Assim, se foi impugnado o excesso na retenção de IRS na fonte, a título definitivo, sobre os dividendos distribuídos por sociedade nacional a um residente em Espanha, com o fundamento de que foi aplicada a taxa liberatória de 20%, prevista na alínea c) do n.º 3 do art. 71.º do CIRS (red. em vigor em 2008), quando deveria ter sido a taxa da 15%, prevista na alínea b) do n.º 2 do art. 10.º da CDT entre Portugal e Espanha, a procedência total da impugnação judicial tem como consequência a anulação daquele acto de retenção na parte em que se verificou o excesso.
III - Ainda que no segmento decisório da sentença se tenha dito «julgo totalmente procedente a presente impugnação, anulando-se liquidação efectuada», sem expressamente se referir que a anulação se restringe à parte do acto que vinha impugnada, do contexto de todo o processo, maxime da petição inicial e da fundamentação aduzida na sentença, resulta que um declaratário normal dela não pode retirar outro sentido senão o de que a liquidação foi anulada apenas na medida em que excedeu a taxa de retenção de 15%, ou seja, a anulação foi parcial e refere-se à parte da liquidação que vinha impugnada.
Nº Convencional:JSTA000P22573
Nº do Documento:SA2201711220564
Data de Entrada:05/05/2016
Recorrente:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1746/13.9BEBRG

1. RELATÓRIO
1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial que A………. (doravante Recorrido ou Impugnante) deduziu, após indeferimento sucessivo do pedido de revisão e do recurso hierárquico, contra o excesso de retenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que considera ter sido efectuado aquando lhe foram pagos os dividendos por uma sociedade residente em território português, por ter sido aplicada a taxa liberatória prevista no Código do IRS (CIRS), ao invés da taxa prevista na Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, que seria a aplicável, uma vez que o ora recorrido é residente neste último país.
1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e a Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«A) O presente recurso tem por objecto a douta sentença recorrida que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão do pedido de revisão da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [IRS] a título de retenção na fonte [RF] do ano de 2008;
B) Douta sentença que, a nosso ver, e salvo o devido e muito respeito que nos merece, padece de erro de julgamento em matéria de direito.
C) Na presente impugnação judicial está em causa a liquidação de IRS-RF, do ano de 2008, realizada em conformidade com a declaração Modelo 30 [pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes] na qual o Impugnante consta como beneficiário do rendimento [dividendos] no valor de € 203.581,91, sobre o qual incidiu a retenção na fonte de IRS, no montante de € 40.716,18, por aplicação da taxa liberatória de 20% prevista na alínea c) do n.º 3, do artigo 71.º, do Código do IRS, efectuada pelo substituto tributário [devedor dos rendimentos, cfr. artigo 101.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS].
D) Sob a epígrafe “Do excesso de retenção na fonte”, entendeu o tribunal «a quo» na douta sentença recorrida, em face do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha [CDT] e do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei [DL] n.º 42/91, de 22 de Janeiro, quanto à prova da residência, que «o Impugnante logrou fazer prova de que no ano em que ocorreu o facto tributário, ou seja, no ano de 2008, em que os lucros foram distribuídos, residia em Espanha, através da junção do modelo 23-RFI com a certificação pelo Estado espanhol da residência», concluindo «que assiste razão ao Impugnante e que a liquidação de IRS referente ao ano de 2008, efectuada com base na retenção na fonte pela distribuição dos lucros, padece de vício de violação da lei, que determinou um excesso de imposto retido».
E) Todavia, em vez de ter sido determinada a anulação parcial da liquidação, em consonância com a referida conclusão extraída dos factos apurados, na parte correspondente ao excesso do imposto retido, decidiu o Tribunal «a quo» julgar totalmente procedente a presente impugnação, anulando, na totalidade, a liquidação impugnada.
F) É este o pomo da discórdia da Fazenda Pública relativamente à douta sentença recorrida, ou seja, a Fazenda Pública considera que o acto de liquidação impugnado apenas deveria ter sido anulado na medida do excesso que resulta aplicação da taxa de 20% prevista no Código do IRS [artigo 71.º, n.º 3, al. c), do CIRS], em detrimento da taxa de 15% prevista na CDT [artigo 10.º, n.º 2, al. b), da CDT], impondo-se, por isso, a anulação parcial do acto de liquidação, em vez da sua anulação total.
G) Aliás, parece-nos ser esse o objecto do processo a que o juiz está adstrito, atendendo à fundamentação expendida na petição de impugnação e ao pedido formulado a final [último parágrafo da petição], de que a retenção na fonte em causa [a decisão do recurso hierárquico] deverá ser anulada na medida em que excedeu a taxa de retenção de 15% – anulação parcial da liquidação.
H) No caso em apreço, o rendimento sujeito a tributação em sede de categoria E, do IRS, é constituído pelos dividendos colocados à disposição do respectivo beneficiário [sujeito passivo não residente], cujo valor se mantém inalterado, independentemente da taxa aplicável
I) Pelo que o vício de violação de lei que determinou o excesso de imposto retido restringe-se, em termos aritméticos, à operação matemática de subtracção à taxa de 20% [aplicada] da taxa de 15% [a aplicar], correspondendo o valor assim obtido ao excesso de tributação.
J) Com o devido respeito pela douta sentença recorrida, consideramos que, se a manutenção da liquidação na ordem jurídica consubstancia uma ilegalidade em face da lei vigente e da verificação dos pressupostos da sua aplicação [posteriormente demonstrados pelo Impugnante], sempre teremos de admitir que a sua anulação total estará ferida do mesmo vício, tanto mais quanto se verificam todos os requisitos da sua tributação nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da CDT, como resulta da douta sentença recorrida.
K) Uma vez que a ilegalidade da liquidação se restringe exclusivamente à divergência da taxa aplicável – mantendo-se inalterado o rendimento tributável, quanto à sua natureza e valor – a douta sentença proferida pelo tribunal «a quo» deveria ter decidido pela anulação parcial da liquidação, em vez da sua anulação total.
L) Constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que «o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial», da qual destacamos o acórdão proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário, em 2013-04-10, no processo n.º 0298/12, e o acórdão proferido em 2013-04-30, no processo n.º 01374/12.
M) De acordo com a referida jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal, «O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial» [cfr. respectivos sumários].
N) Na situação em causa nos presentes autos de impugnação, a ilegalidade do acto tributário apenas o afecta em parte, podendo a mesma ser corrigida mediante mera operação aritmética que expurgue a parte do acto afectada.
O) Pelo que deveria a liquidação impugnada ter sido anulada apenas parcialmente [artigo 100.º da LGT], com a possibilidade de a administração tributária expurgar do acto tributário o excesso de tributação resultante da aplicação da taxa de 20% [pelo substituto tributário, cfr. alínea c) do n.º 3 e n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS], em vez da taxa de 15% aplicável [por força da verificação posterior dos pressupostos previstos na alínea b), do n.º 2 do artigo 10.º da CDT].
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por acórdão que julgue a presente impugnação judicial parcialmente procedente, nos termos referidos, como é de inteira JUSTIÇA».
1.3 O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença, com motivação que rematou com conclusões do seguinte teor:
«1. A sentença recorrida não padece de erro de julgamento.
2. A AT invoca uma alegada anulação integral da liquidação impugnada.
3. O Tribunal a quo anulou, e bem, parcialmente o acto tributário contestado, apenas no valor de 10.179,05 €.
4. Tal montante resulta da diferença entre o imposto, inicialmente retido por aplicação da taxa de 20% prevista no Código de IRS, no valor de 40.716,18 €, com o imposto que deveria ter sido retido, por aplicação da taxa de 15% prevista na CDT, no valor de 30.537,14 €.
5. O Recorrido, quer na PI, quer nas alegações finais, apenas se insurge contra o excesso de retenção na fonte por não aplicação à retenção do limite previsto na al. b) do n.º 2 do art. 10.º da Convenção para Evitar a Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Espanha, sendo o mesmo no valor 10.179,05 €.
6. A AT não se insurge contra a sentença recorrida no respeitante à aplicação na situação vertente de uma taxa de retenção na fonte de 15%, entende apenas que a mesma não foi tida em consideração para anulação do acto tributário.
7. O Tribunal recorrido bem andou ao proferir a decisão ora objecto de recurso ao anular o valor de 10.179,05 € referente ao excesso de retenção obtido pela aplicação da taxa de 20% ao invés da taxa de 15%.
8. A AT com o seu raciocínio vertido no recurso interposto, pretende, implicitamente, retirar 5% ao montante de excesso de retenção, no valor de 10.179,05 €, correctamente anulado, defendendo uma segunda anulação parcial do acto tributário.
9. Tal entendimento não pode manifestamente ser aceite sob pena de violação frontal da lei e claro erro de julgamento.
10. Pelo que, pelo exposto a decisão recorrida deverá ser confirmada e julgado improcedente o recurso da AT».
1.4 O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:
«Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Braga de 31.01.2016 que julgou totalmente procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação do IRS, relativa ao ano de 2008.
Alega que na situação em causa nos autos a ilegalidade do acto tributário apenas o afecta em parte, podendo a mesma ser corrigida mediante mera operação aritmética que expurgue a parte do acto afectada. Que, por isso, deveria a liquidação impugnada ter sido anulada apenas parcialmente, com a possibilidade da AT expurgar do acto tributário o excesso resultante da aplicação da taxa de 20% prevista no CIRS, em vez da taxa de 15% previstos na CDT que era aplicável.
É inquestionável, a jurisprudência deste STA é pacífica a esse respeito, que o acto de liquidação é divisível por natureza pelo que, como se ponderou no douto acórdão de 30.04.2013, “o critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial”.
No caso vertente, como resulta do teor da sentença recorrida, apenas uma parte do acto de liquidação está afectado de ilegalidade, na medida do imposto indevidamente retido, resultante da aplicação da taxa de 20% em vez da taxa de 15% que era, no caso, a aplicável.
É certo a parte decisória da sentença, tal como está formulada, presta-se à “leitura” que dela faz o recorrente.
Todavia, o pedido de anulação formulado já se circunscrevia ao excesso da retenção e não ao todo da liquidação. Daí que o valor da acção indicado pelo impugnante e fixado pelo Tribunal a quo tenha sido o valor de € 10.179,04, corresponde ao excesso em causa, e não o valor da liquidação que era de € 40.716,18.
Assim, não pode deixar de se considerar que ao julgar a impugnação totalmente procedente, o Tribunal a quo apenas anula o segmento da liquidação relativo ao excesso que foi aquele que o Impugnante, ora Recorrido, contenciosamente sindicou e não a liquidação no seu todo».
1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«1. No ano de 2008, o impugnante residia em Espanha. (cfr. doc. n.º 6 junto com a Petição Inicial (PI)
2. O Impugnante é sócio da B………., desde 09.06.1989. (cfr. doc. n.º 7 junto com a PI)
3. Em 2008, a B………. distribuiu ao Impugnante € 203.580,91 a título de dividendos. (cfr. doc. n.º 1 junto com a PI)
4. A sociedade B……… apresentou a Nota de rendimentos devidos e do imposto retido, em 31.12.2008, da qual consta que efectuou retenção na fonte de IRS no valor de € 40.716,18 €. (cfr. doc. n.º 1 junto com a PI)
5. Em 28.12.2012, o Impugnante expediu, via correio registado, pedido de revisão oficiosa do acto de retenção na fonte relativo ao IRS de 2008, no qual requer o que se transcreve:
deverão os actos de retenção na fonte de IRS efectuados ao Requente no ano Fiscal de 2008 pela B……… ser revistos, restituindo-se ao mesmo Requerente o imposto a esse título entregue em excesso
(cfr. fls. 3 a 6 do Processo administrativo (PA) apenso - Parte II, e fls. 65 e seguintes do suporte electrónico)
6. Com o pedido de revisão oficiosa referido em 5. o Impugnante apresentou o modelo/formulário 23-RFI, designado de “Pedido de reembolso do imposto português sobre royalties, dividendos e juros (excepto dividendos de acções e juros de valores mobiliários representativos de dívida), efectuado ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e Espanha”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. (cfr. doc. n.º 6 junto com a PI e fls. 12 e 13 do PA apenso – Parte II).
7. Em 28.02.2013 o Director de Serviços de Relações Internacionais emitiu o despacho com o seguinte teor:
Concordo e indefiro nos termos propostos
(cfr. fls. 27 do PA apenso – Parte II)
8. O despacho referido em 7. tem por base a informação emitida pela Divisão de Administração da DSR com o teor que em parte se transcreve:
II- DA ANÁLISE DO PEDIDO
6. O processo foi objecto de análise pelo no Parecer n.º 277/2013, de 31 de Janeiro do corrente ano, tendo-se concluído que:
i. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efectuada desde que seja pedida por este no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade.
ii. No presente caso, o pedido do requerente foi formulado para além do prazo de reclamação graciosa e mesmo do procedimento especial previsto no artigo 98.º do Código do IRC, uma vez que o prazo paro a apresentação do pedido de reclamação graciosa é de 2 anos a contar da data em que foi efectuada a entrega do imposto retido na fonte nos cofres do Estado, conforme o determinado no artigo 132.º do CPPT conjugado com a alínea c) do n.º 4 do artigo 140.º do CIRS.
iii. Ora, no presente caso, o imposto foi retido na fonte durante o ano de 2008, sem que no entanto se encontre especificada a respectiva data, pelo que o prazo começou a contar no dia 20 de Janeiro de 2009 e terminando a 20 de Janeiro de 2011, enquanto que o requerimento deu entrada nos serviços da Administração tributária a 4 de Janeiro de 2013, por isso já para além dos 2 anos previstos.
iv. Assim sendo, o presente pedido de revisão oficiosa não pode ser aceite com base na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
v. Nos termos da 2.ª parte do mesmo preceito legal constatamos que o revisão oficiosa pode se efectuada por iniciativa da administração no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o imposto ainda não estiver pago, mas desde que se constate que tenha havido erro imputável aos serviços.
vi. No presente caso, a retenção na fonte cuja revisão oficiosa é solicitada pela requerente, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de tributação de dividendos distribuídos ou postos à disposição de entidades não residentes por sociedades residentes em território português.
vii. É certo que o sujeito passivo invocou que poderia beneficiar do disposto no n.º 2 do artigo 10.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, cuja aprovação para ratificação foi efectuada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, publicada no Diário da República, I Série, de 28 de Janeiro de 1995, e o Aviso relativo à troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário da República, I Série, de 18 de Julho de 1995 (CDT Espanha) caso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação daquela norma convencional o que não aconteceu.
viii. Não existe, por isso, qualquer erro que possa ser imputável aos serviços.
ix. Assim, sendo, também não pode ser concedida a revisão oficiosa nos termos da segunda parte do disposto no n.º 1 do artigo 78.º.
x. O n.º 4 do mesmo preceito legal prevê a possibilidade de ser autorizada, pelo dirigente máximo do serviço nos três anos posteriores ao do acto tributário, a revisão da matéria colectável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória; desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
xi. Acrescenta, no entanto, o referido preceito que essa autorização é excepcional.
xii. No presente caso, levando em linha de conta que a norma invocada pela requerente para justificar o pedido de revisão oficiosa até nem se lhe aplicava, não se nos vislumbra a existência de qualquer injustiça, muito menos grave ou notória.
xiii. Razão pela qual se nos afigura que também não poderá ser concedida a revisão oficiosa pelo disposto no n.º 4 do art. 78.º da LGT.
(…)
V - DA PROPOSTA DE DECISÃO FINAL
Assim, atento a fundamentação expressa no nosso Parecer n.º 277/2013, de 31 de Janeiro último, complementada com as conclusões do presente parecer, afigura-se-nos ser de concluir que não existe fundamento legal para se proceder à revisão oficiosa apresentado pela requerente, pelo que deve ser o mesmo indeferido nos termos propostos
(cfr. fls. 28 a 32 do PA apenso Parte II, que se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos)
9. O Impugnante foi notificado da decisão referida em 7. em 01.04.2013. (cfr. fls. 36 do PA apenso – Parte II)
10. Em 02.05.2013, o Impugnante interpôs Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão. (cfr. fls. 5 a 12 e 48 do PA apenso – Parte III)
11. Em 21.06.2013, a Subdirectora Geral da Direcção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), proferiu o seguinte despacho:
Indefiro o recurso hierárquico, com os fundamentos invocados
(cfr. fls. 58 do PA apenso – Parte III)
12. A decisão referida em 11. fundamentou-se na informação prestada pela Divisão de Administração do DSRI, com o teor que se transcreve:
III – DA ANÁLISE DO RECURSO
18. O recurso hierárquico foi objecto de análise pelo nosso Parecer n.º 1105/2013, de 9 de Maio último.
19. Da análise então efectuada concluímos que:
19.1. A 2.ª parte do artigo 78.º da LGT prevê que a revisão oficiosa pode ser efectuada por iniciativa da administração no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o imposto ainda não estiver pago, mas desde que se constate que tenha havido erro imputável aos serviços.
19.2. A jurisprudência tem vindo a considerar que a iniciativa de proceder à revisão oficiosa com base nesta disposição legal pode ter origem em interpelação apresentada pelo sujeito passivo interessado na mesma, no entanto, exige que estejam verificados os pressupostos para que possa haver lugar à revisão oficiosa, não basta que o sujeito passivo interpele a Administração, é necessário que ainda não tenha decorrido prazo superior a quatro anos, ou então que o imposto ainda não tenha sido pago e, em qualquer dos casos, que na origem da liquidação do imposto esteja um erro imputável à própria Administração.
19.3. Ora, no presente caso, a retenção na fonte cuja revisão oficiosa é solicitada pelo requerente, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de dividendos pagos por entidades residentes em território português. É certo que o sujeito passivo invoca que poderia beneficiar do disposto no referido regime caso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, cuja aprovação para ratificação foi efectuada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, publicada no Diário da República, I Série, de 28 de Janeiro de 1995, e o Aviso relativo à troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário da República, I Série, de 18 de Julho de 1995 (CDT Espanha) nomeadamente a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, o que não aconteceu.
19.4. Acresce ainda que, pese embora a invocação do recorrente de que estamos perante uma situação de autoliquidação, ou mesmo que a retenção na fonte tem um regime similar ao da autoliquidação, tal não acorre no presente caso.
19.5. De facto, não estamos perante uma situação em que o apuramento do imposto seja efectuado pelo sujeito passivo ou por alguém em representação deste. O que se passa é que uma terceira entidade, o substituto tributário, que não o sujeito passivo ou o seu representante, procede à retenção do imposto devido, agindo em nome e por conta da Administração Fiscal, sendo, inclusive, co-responsável por esse imposto na qualidade de devedor originário do mesmo.
19.6. Assim sendo, nunca se poderia aplicar no presente caso o disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
19.7. Para além disso, não poderemos esquecer que a actuação do substituto tributário, no presente caso, não sofre qualquer censura, uma vez que se limitou, a aplicar a legislação em vigor.
19.8 Perante isto concluímos que não existia qualquer erro que pudesse ser imputável aos serviços. Se existiu erro no momento em que se processou a retenção na fonte, o mesmo ficou a dever-se à falta de prova apresentada pelo recorrente e não pelo substituto tributário.
19.9. Assim sendo, não pode ser concedida a revisão oficiosa nos termos da segunda parte do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
20. Assim, propusemos ser de negar provimento ao presente recurso hierárquico e, em consequência, ser mantido válido o despacho de 28 de Fevereiro do Sr. Director de Serviços das Relações Internacionais, com a fundamentação então expressa.
21. Mais propusemos ser de notificar os recorrentes para efeitos do exercício do direito de participação na decisão, conforme o disposto no artigo 60.º da LGT, concedendo-lhe um prazo de 15 dias para o efeito.
22. A nossa proposta mereceu a concordância do Sr. Chefe da Divisão de Administração da Direcção de Serviços de Relações Internacionais em substituição do Sr. Director de Serviços por impedimento deste conforme despacho de 10 de Maio último.
23. A notificação para efeitos do exercício do direito de participação na decisão foi efectuada através do nosso oficio n.º 8973, de 13 de Maio último.
24. O recorrente não exerceu o seu direito de participação na decisão, uma vez que, até à presente data não foi recebida qualquer resposta nesta direcção de serviços, apesar do recorrente se considerar notificado desde o dia 15 de Maio último.
IV – DA PROPOSTA DE DECISÃO
20. Nestes termos, atendendo à fundamentação expressa no nosso Parecer n.º 1105/2013, de 9 de Maio último, afigura-se-nos ser de negar provimento ao presente recurso hierárquico, sendo de se manter o despacho recorrido de 28 de Fevereiro do Sr. Director de Serviços das Relações Internacionais
(cfr. fls. 59 a 63 do PA apenso – Parte III)
13. O Impugnante foi notificado da decisão de indeferimento do recuso hierárquico em 30.07.2013 (cfr. fls. 67 do PA apenso – Parte III)
14. A presente Impugnação foi apresentada neste Tribunal via SITAF em 25.10.2013. (fls. 3 do suporte físico)».
*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Na situação dos autos, a sociedade nacional que em 2008 pagou dividendos (do montante de € 203.580,91) ao ora Recorrido, residente em Espanha, reteve e entregou ao Estado IRS à taxa de 20% (num total de € 40.716,18), mediante aplicação do disposto no art. 71.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), do CIRS, na redacção em vigor à data.
Em 2013, o ora Recorrido, considerando que a taxa aplicável deveria ter sido a de 15% (de que resultaria imposto a pagar no montante de € 30.537,14), prevista na alínea b) do n.º 2 do art. 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação e a Evasão Fiscal celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha (doravante CDT) ( Convenção aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95 e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 14/95, ambos publicados no Diário da República, I Série, de 28 de Janeiro de 1995, sendo que o Aviso relativo à troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário da República, I Série, de 18 de Julho de 1995, e disponível em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/A204CC95-B796-4903-A972-7E66127DA5AF/0/espanha.pdf.), pediu a revisão do acto, nos termos do art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), requerendo a restituição do IRS que entende ter sido retido em excesso, do montante de € 10.179,04 (€ 40.716,18 - € 30.537,14).
Após o indeferimento do pedido de revisão, interpôs recurso hierárquico, o qual foi também indeferido e, na sequência desse indeferimento, deduziu a presente impugnação judicial, que tem como objecto imediato a decisão do recurso hierárquico e como objecto mediato o invocado excesso na retenção de IRS com referência ao aludido pagamento dos dividendos.
A sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial procedente. Considerou, em síntese, que nada obstava a que fosse deferido o pedido de revisão, designadamente o prazo em que o pedido foi formulado – e que tinha sido o fundamento do seu indeferimento –, motivo por que entendeu ser de anular o acto que indeferiu e recurso hierárquico e a liquidação de IRS na parte em foi efectuada retenção em excesso.
No entanto, na parte final da sentença, lavrou a decisão nos seguintes termos: «Pelo exposto, e nos termos das disposições legais supra mencionadas, julgo totalmente procedente a presente impugnação, anulando-se a liquidação efectuada».
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas alegações, a Fazenda Pública não discorda da sentença quanto aos seus fundamentos, aceitando que ocorreu excesso na retenção de IRS relativamente ao rendimento em causa (Como salienta RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 3.ª edição, Almedina, «[a] tributação da generalidade dos rendimentos obtidos em território português por não-residentes é feita por aplicação de taxas liberatórias (o imposto é, exclusivamente, cobrado por retenção na fonte)», o que não constitui «um qualquer problema de coerência do sistema, uma vez que nestes casos estamos, assumidamente, perante uma tributação de tipo real (a tributação pessoal é apanágio do país da residência)» (págs. 166/167) e que estas situações são de substituição tributária total, «pois o cumprimento da obrigação de imposto (incluindo o das inerentes obrigações acessórias) cabe, em exclusivo, ao substituto, que é o sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, a título originário» (pág. 192).
O mesmo Autor logo adverte que nestas situações «é preciso ter sempre presente a possibilidade da existência de uma Convenção entre Portugal e o país da residência da pessoa em causa, caso em que só haverá lugar a imposto no nosso país se a Convenção o permitir e, tendo lugar, deverá ser praticada uma retenção na fonte até aos limites aí fixados» (pág. 193).) e aceitando também que o ora Recorrido podia fazer valer o seu direito à anulação desse excesso mediante o pedido de revisão previsto no art. 78.º da LGT e, em face do indeferimento desse pedido, mediante impugnação judicial; a discordância da Fazenda Pública é apenas quanto ao segmento decisório, na medida em que considera que foi decretada a anulação total da liquidação, ao invés da anulação parcial, que era o que se impunha. Defende, em consequência, que a sentença deve ser revogada e substituída por acórdão que «julgue a impugnação judicial parcialmente procedente».
Por seu turno, o Impugnante sustenta que a sentença deve ser mantida, pois «[o] Tribunal recorrido bem andou ao proferir a decisão ora objecto de recurso ao anular a o valor de 10.179,05 € referente ao excesso de retenção obtido pela aplicação da taxa de 20% ao invés da taxa de 15%».
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é, antes do mais, a de saber se a sentença anulou o acto de liquidação na totalidade ou se anulou o acto apenas na parte impugnada, ou seja, na parte correspondente ao excesso de tributação sobre os limites fixados na CDT, isto é, na diferença de imposto resultante da aplicação de uma taxa de 20% ao invés da aplicação de uma taxa de 15%.

2.2.2 DA INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA
A tese da Recorrente assenta num pressuposto que, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar, qual seja o de que a sentença anulou a liquidação de IRS na sua totalidade.
Concedemos que a redacção do dispositivo não terá sido a mais feliz, designadamente no segmento em que diz “anulando-se a liquidação efectuada”, donde se poderia inferir, como o fez a Recorrente, que a anulação abrange o acto na sua totalidade.
Mas não é essa a melhor interpretação da sentença e do que nela se decidiu, como procuraremos demonstrar.
Há que ter presente que, como este Supremo Tribunal tem dito várias vezes, a decisão judicial, constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do Código Civil (CC), as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1, daquele Código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto.
Daí que na interpretação da sentença haja de observar-se esses cânones, tendo em conta não só a parte decisória da mesma como toda a sua fundamentação e o âmbito do processo (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo n.º 1053/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f730a5f7bcf14c3c8025784800549ad6;
- de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 1153/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e6650fe4e5f8cf99802579bf003aa1f1;
- de 14 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 946/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b395d330930e5e4d80258030004c15cb;
- de 8 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 933/15, brevemente disponível em www.dgsi.pt.).
Ora, são vários os elementos que apontam no sentido de que a sentença não anulou a liquidação senão na parte respeitante ao excesso de retenção, que deveria ter sido feita à taxa liberatória de 15% e não de 20%, que foi a utilizada pelo substituto (a entidade pagadora dos dividendos). Vejamos:
Desde logo, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal e a Recorrente também reconhece [cfr. conclusão G)], o pedido de anulação formulado circunscrevia-se ao excesso da retenção e não ao todo da liquidação. É o que decorre de toda a petição inicial, ao longo da qual é manifesto que o Impugnante se insurge contra a liquidação apenas na parte em que considera ter havido excesso de retenção, explicitando que esse excesso equivale ao resultado da subtracção da retenção que deveria ter sido feita à taxa de 15% (€ 203.580,91 x 15% = € 30,537,14) à retenção que foi efectivamente feita à taxa de 20% (€ 203.580,91 x 20% = € 40,716,18) e, assim, quantificando-o em € 10.179,04 (cfr. arts. 23.º a 26.º da petição inicial). Aliás, por mais do que uma vez, afirma expressamente que a ilegalidade da liquidação se restringe a esse excesso e que é apenas quanto a ele que ataca a liquidação; vejamos alguns exemplos, com sublinhados da nossa autoria: «foi retido em excesso o valor de 10.179,04 € = 40,716,18 € -30,537,14 €, sendo, nessa medida, a retenção manifesta e ostensivamente legal» (cfr. art. 26.º); «Ao contrário do que é advogado pelo Fisco, o Impugnante poderia lançar mão do pedido de revisão oficiosa, para requerer a anulação do excesso de retenção na fonte» (cfr. art. 27.º); «quer a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico como a retenção supra realizada ao Impugnante, na medida em que excedeu a taxa de retenção de 15%, deverão ser anuladas» (cfr. art. 35.º). E mesmo em sede de recurso, considera que a sentença apenas anulou a liquidação nessa parte (cfr. conclusões 3. a 7. da contra-alegação). Acresce que o próprio valor indicado pelo Impugnação à acção é apenas o correspondente ao excesso de retenção que considera (e a sentença reconheceu) ter-lhe sido liquidado em excesso.
Da fundamentação da sentença resulta igualmente que nela se considerou que quer no pedido de revisão quer na impugnação judicial apenas vinha questionada a legalidade da liquidação na medida em que a taxa aplicada foi de 20%, ao invés de 15%. Daí que também o valor da acção fixado pelo Tribunal a quo tenha sido de € 10.179,04, corresponde ao excesso em causa, e não o valor da liquidação, que era de € 40.716,18.
Note-se, ainda, que nas situações de aplicação de taxa liberatória a rendimentos auferidos por não residentes, em que não se colocam questões de eventual englobamento de rendimentos ou de progressividade na aplicação das taxas, aproximando-se de uma tributação de tipo real, não existe obstáculo à anulação parcial da liquidação, que a jurisprudência há muito vem admitindo (Vide, por todos e com amplas referências doutrinais e jurisprudenciais, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 298/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/23388de46c670e8f80257b59004a34b1.).
Assim, não pode deixar de se considerar que ao julgar a impugnação totalmente procedente, o Tribunal a quo apenas anulou o segmento da liquidação relativo ao excesso, que foi aquele que o Impugnante, ora Recorrido, contenciosamente sindicou e não a liquidação no seu todo. Por outro lado, nunca poderia satisfazer-se a pretensão da Recorrente – de que a sentença fosse revogada e «substituída por acórdão que julgue a presente impugnação judicial parcialmente procedente» – sob pena de o excesso de retenção não ser anulado, como foi e tem de ser, na sua totalidade.
Entendimento contrário implicaria, aliás, que tivesse de se considerar que a sentença enfermava de nulidade decorrente de ter condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido: sendo pedida a anulação parcial de um acto o tribunal não pode anulá-lo na totalidade [cfr. alínea do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil].
Em conclusão, a sentença deve ser interpretada com o sentido acima indicado e não enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A decisão judicial, constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do CC, as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1, daquele Código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação
II - Assim, se foi impugnado o excesso na retenção de IRS na fonte, a título definitivo, sobre os dividendos distribuídos por sociedade nacional a um residente em Espanha, com o fundamento de que foi aplicada a taxa liberatória de 20%, prevista na alínea c) do n.º 3 do art. 71.º do CIRS (red. em vigor em 2008), quando deveria ter sido a taxa da 15%, prevista na alínea b) do n.º 2 do art. 10.º da CDT entre Portugal e Espanha, a procedência total da impugnação judicial tem como consequência a anulação daquele acto de retenção na parte em que se verificou o excesso.
III - Ainda que no segmento decisório da sentença se tenha dito «julgo totalmente procedente a presente impugnação, anulando-se liquidação efectuada», sem expressamente se referir que a anulação se restringe à parte do acto que vinha impugnada, do contexto de todo o processo, maxime da petição inicial e da fundamentação aduzida na sentença, resulta que um declaratário normal dela não pode retirar outro sentido senão o de que a liquidação foi anulada apenas na medida em que excedeu a taxa de retenção de 15%, ou seja, a anulação foi parcial e refere-se à parte da liquidação que vinha impugnada.
* * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 22 de Novembro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.