Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0281/19.6BEBRG-S1
Data do Acordão:11/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
CONTRA-ORDENAÇÃO
CPPT
Sumário:No processo de contra-ordenação não é possível lançar mão, quer do recurso de oposição a que se refere o art. 284.º do CPPT, quer do recurso de uniformização a que se refere o art. 437.º do CPP.
Nº Convencional:JSTA000P26699
Nº do Documento:SAP202011040281/19
Data de Entrada:07/30/2020
Recorrente:A......, LDA.
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nos autos com o n.º 281/19.6BEBRG pelo Tribunal Central Administrativo Norte por oposição com acórdão proferido pelo mesmo Tribunal

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor “recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência”, ao abrigo ao abrigo do art. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), ex vi do art. 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), e do art. 3.º do Regime Geral das Infracção Tributárias (RGIT), do acórdão proferido nestes autos em 19 de Junho de 2019 pelo Tribunal Central Administrativo Norte, invocando oposição com o acórdão do mesmo Tribunal, proferido em 10 de Agosto de 2008 no processo n.º 28/03 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/25fd21f7c01e9b52802573d000620616.), apresentando alegações com as seguintes conclusões:

«1. O recurso de uniformização de jurisprudência, previsto no Código de Processo Penal, visa grosso modo a assegurar a uniformidade da jurisprudência.

2. Os Supremos Tribunais têm, brevitatis causa, a função de promoção da unidade do Direito, da clareza do Direito e da certeza do Direito, as quais são alcançadas na justa medida em que aquele órgão jurisdicional mantiver uma jurisprudência escorreita e linear.

3. É esta linha de actuação unitária, linear, clara e certa que vai levar a que os órgãos jurisdicionais hierarquicamente inferiores, gradualmente, decidam tendo em conta a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal.

4. O recurso de uniformização de jurisprudência tem uma natureza excepcional, sendo por isso admissível quando a decisão recorrida tiver transitado em julgado, como impõe o artigo 438.º, número 1 do Código de Processo Penal.

5. O recurso ordinário da sentença para melhoria da aplicação do Direito ou promoção da uniformização da jurisprudência é um recurso com natureza ordinária (e não extraordinária), cujo conhecimento é da competência do tribunal de segunda instância (Tribunal da Relação ou Tribunal Central Administrativo, no caso da jurisdição administrativa).

6. Todavia, só o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo são vocacionados para, como órgãos jurisdicionais máximos na hierarquia judicial ou administrativa, promoverem a unidade do Direito, a clareza do Direito e a certeza do Direito, através de uma jurisprudência linear.

7. Só os Supremos Tribunais têm a força necessária para persuadir os tribunais hierarquicamente inferiores a decidirem nos termos uniformizados, uma vez que aquele tribunal superior, por se situar no mais alto grau da hierarquia judiciária, decidirá no mesmo sentido em último grau, ainda que as decisões recorridas se fundem numa interpretação contrária.

8. Ora, esta força persuasiva, natural dos Supremos Tribunais, não existe com aquela naturalidade nos Tribunais da Relação ou nos Tribunais Centrais Administrativos. Em duas palavras: os Supremos Tribunais têm uma função nomofilática que não existe com a mesma intensidade nos tribunais de segunda instância, tendo em conta a sua posição hierárquica no sistema judiciário.

9. Claro que a uniformização de jurisprudência pode ser alcançada pela actuação do Supremo Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Administrativo e pela actuação dos Tribunais da Relação e dos Tribunais Centrais Administrativos. Mas esta uniformização pelos tribunais inferiores não belisca a referida função nomofilática dos Supremos Tribunais, que se mantém.

10. Consciente desta situação, o legislador possibilita que o alcance da uniformização da jurisprudência possa servir de fundamento ao recurso ordinário de sentença de primeira instância para o tribunal da segunda instância, nos termos do artigo 410.º, número 1 do Código de Processo Penal e no artigo 437.º, número 2 do Código de Processo Penal.

11. Aliás, este recurso prévio é obrigatório, tendo em conta que o recurso de uniformização de jurisprudência para os Supremos Tribunais só é admissível após o trânsito em julgado da decisão recorrida e desde que a decisão recorrida tenha sido proferida por um tribunal de segunda instância, por força do artigo 437.º, número 4 do Código de Processo Penal.

12. A corrente jurisprudencial desconforme com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal, que serve de fundamento ao recurso de uniformização, nos termos do artigo 437.º, número 4 do Código de Processo Penal, é a corrente jurisprudencial de segunda instância. Consequentemente, o arguido que não recorreu ordinariamente de decisão contrária à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal, podendo, não pode interpor o recurso de uniformização de jurisprudência ora em causa.

13. O recurso de uniformização de jurisprudência depende, por isso, do esgotamento dos recursos ordinários.

14. Em suma, tendo em conta aquela função nomofilática essencial e única do Supremo Tribunal, cumulada com a necessidade de esgotamento dos recursos ordinários para a interposição do recurso de uniformização de jurisprudência para o órgão jurisdicional hierarquicamente mais elevado, deve entender-se que não é adequado o entendimento que o recurso ordinário com fundamento em uniformização de jurisprudência previsto no artigo 73.º, número 2 do Regime Geral das Contra-ordenações exclui o recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal Administrativo.

15. Por outro lado, importa reforçar que o recurso no artigo 73.º, número 2 do Regime Geral das Contra-ordenações não é um recurso extraordinário mas, pelo contrário, ordinário, motivo pelo qual não se confunde com o recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para os Supremos Tribunais.

16. O recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para os Supremos Tribunais é, assim, admissível, desde que devidamente adaptado ao Direito contra-ordenacional, por via do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações.

17. Serve de acórdão fundamento ao presente recurso o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10-01-2008, processo n.º 00028/03, cuja relatora foi a Veneranda Desembargadora Fernanda Brandão, acessível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/25fd21f7c01e9b52802573d000620616?OpenDocument.

18. No acórdão recorrido entendeu-se que a decisão contra-ordenacional foi notificada no terceiro dia útil posterior ao envio da mesma, por força do artigo 39.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ainda que no respectivo registo de recepção da missiva, disponível no sítio em linha dos correios, disponha que a mesma foi recebida por um terceiro, «B………..», que não faz parte do leque de funcionários da arguida, uma vez que a recorrente juntei aquela listagem e o Tribunal recorrido nunca a colocou em causa.

19. O Tribunal recorrido aceita que a dita «B………..» não faz parte da lista de trabalhadores da arguida; porém, recusa que tal facto seja fundamento de afastamento da presunção de notificação porque não aceita que um estranho estivesse nas instalações da arguida.

20. No acórdão fundamento discute-se se um terceiro à entidade notificada que não faz parte do quadro da empresa, um técnico oficial de contas – se enquadra no leque de pessoas que podem ser notificadas, nos termos do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

21. No acórdão fundamento entende-se que o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário é taxativo, e que no leque de empregados da empresa notificada não se inclui profissionais liberais como o técnico oficial de contas.

22. O acórdão recorrido é contrário ao acórdão fundamento porque entende que um terceiro que não seja empregado da empresa a notificar vincula a dita empresa, não afastando a presunção de notificação, ao contrário do que se entende no acórdão fundamento, em que se impõe que se o receptador da notificação for alguém que não seja empregado da pessoa colectiva, não se pode entender que a pessoa colectiva foi notificada.

23. Como foi dito no recurso entretanto improcedente, a arguida não conhece a dita «B……….» e nunca disse que a mesma se encontrava nas suas instalações.

24. Bem pelo contrário, a arguida disse que as notificações apareceram na sua caixa de correio.

25. Não é, aliás, incomum que os carteiros entreguem cartas a vizinhos ou em locais que não são os devidos e que, posteriormente, as ditas cartas sejam devolvidas ou deixadas nas caixas de correio dos correctos destinatários, pelas próprias pessoas que, erradamente, receberam as mesmas.

26. A sugestão que o Tribunal recorrido dá, de que a arguida não prova o afastamento da presunção de notificação porque nem demonstra ter agido criminalmente contra a dita «B……….» não deve colher – a lei não impõe a apresentação de queixa criminal para que a presunção seja afastada. E mesmo que apresentasse a dita queixa, quais os seus efeitos? Teria de haver uma decisão de condenação transitada em julgado?

27. Pelo contrário, no caso de notificação postal de pessoas colectivas, por força do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o legislador acaba por sugerir que aquela presunção pode ser afastada se se provar que o representante legal não recebeu a dita notificação nem um trabalhador com poderes para recepcionar notificações a recebeu. Dito de outra forma, ficando provado que quem recebeu a notificação foi um trabalhador sem poderes para receber notificações ou, como é o caso, um terceiro que não trabalhador, então a presunção legal de notificação é afastada.

28. Só este entendimento pode ser sufragado, sob pena de se transformar a presunção legal numa presunção inilidível, violando-se dessa forma o princípio constitucional da proibição da indefesa.

29. Não se aplicando as normas da citação pessoal à notificação não pessoal, as normas aplicáveis são as do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, para o que interessa a estes autos, as regras do artigo 99.º do Decreto de 14-06-1902, acessível em
http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/87/136/p348.

30. As regras relativas à identificação do destinatário e aos poderes para receber notificações têm de ser interpretadas nos termos do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 99.º, §1 do Decreto de 14-06-1902.

31. Ora, a entrega de correspondência no domicílio do destinatário tem de ser efectuada, mediante prévia identificação, na pessoa do destinatário «ou por indivíduo especialmente autorizado por escrito», de acordo com o disposto no artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.

32. Aquele artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário há-de ser interpretado à luz do artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.

33. Este artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário possibilita que a notificação de pessoas colectivas seja efectuada no representante legal em primeira linha.

34. Só nos casos em que o representante legal não seja encontrado, na sede ou no seu próprio domicílio, é que a administração tributária deve notificar a pessoa colectiva na pessoa de (1) qualquer empregado (2) capaz de transmitir o acto, como impõe o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

35. Assim, o legislador impõe que, em primeiro lugar, se tente encontrar o representante legal e só se este não for encontrado, é que se parte para a notificação através do respectivo empregado;

36. Em segundo lugar, a administração tributária está obrigada a certificar-se que a pessoa em causa é trabalhadora da pessoa colectiva;

37. E, terceiro, sendo trabalhadora, tal pessoa tem de ter poderes para receber notificações da pessoa colectiva – tem de se aferir se pode representar a pessoa colectiva.

38. É por isso que o legislador impõe que o trabalhador «seja capaz de transmitir os termos do acto».

39. Esta capacidade de transmitir os termos do acto tem de ser aferida pelos poderes que a pessoa colectiva lhe dá, previamente – daí a imposição de estar especial[mente] autorizado por escrito, a que se refere o legislador no artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.

40. E tanto é assim que, se a carta tiver de ser levantada na estação de correios, o indivíduo que se propõe recebê-la tem de provar perante o funcionário que é o representante legal ou, não o sendo, tem de demonstrar tais poderes, através do transporte do próprio cartão de cidadão do destinatário ou representante legal.

41. Tendo-se verificado que quem foi notificado não é empregado da arguida e que a arguida descobriu a decisão contra-ordenacional na sua caixa de correio posteriormente, verifica-se que a impugnação judicial contra-ordenacional foi apresentada em tempo, motivo pelo qual a mesma não devia ter sido liminarmente indeferida.

42. Nestes termos, deve fixar-se jurisprudência no seguinte sentido:

Tendo a pessoa colectiva destinatária da notificação invocado que conheceu a notificações em data posterior à efectivação da presunção prevista no artigo 39.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e verificando-se que quem assinou a notificação não é representante legal nem empregado da mesma, nos termos do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve entender-se que a referida presunção foi afastada, assumindo-se como data de conhecimento da notificação a data indicada pela pessoa colectiva».

1.2 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.3 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral adjunto emitiu parecer no sentido da inadmissibilidade, com a seguinte fundamentação: «[…]

Com o, sempre, devido respeito por opinião contrária, em nosso entendimento o recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 437.º do CPPT não tem aplicação em sede contra-ordenacional.
Vejamos.
Os recursos jurisdicionais em sede de processo de contra-ordenação tributária estão regulados nos artigos 83.º a 86.º do RGIT, com aplicação subsidiária do RGCO e CPP (artigos 3.º/b) do RGIT e 41.º do RGCO).
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência previsto no artigo 437.º do CPP não ter aqui aplicação, uma vez que existe uma regulamentação específica no artigo 75.º/1, que regulamenta a matéria em termos gerais.
De facto, nos termos do citado normativo das decisões do tribunal de 2.ª instância não cabe recurso.
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, previsto no artigo 437.º do CPP, visa assegurar, a uniformidade da jurisprudência na interpretação da lei, de modo a alcançar, no caso concreto, decisões aplicadoras de interpretações idênticas a situações concretas, igualmente, idênticas.
Ora, o artigo 73.º/2 do RGCO prevê, excepcionalmente, a admissão do recurso, pelo tribunal superior, sempre que se afigure necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformização da jurisprudência, portanto com idêntica finalidade do recurso previsto no artigo 437.º do CPP.
Portanto, existindo essa regulamentação específica em sede do regime das contra-ordenações, parece não haver lugar à aplicação subsidiária do normativo do artigo 437.º do CPP.
É certo que o recurso regulado no artigo 73.º/2 do RCGO tem um âmbito mais limitado do que o recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 437.º do CPP.
Todavia, salvo melhor juízo, tal constatação não basta para derrogar o regime concretamente previsto no RGCO.
Na verdade, não se pode deixar de ter em conta a diversa natureza e relevância dos interesses ou valores que estão em causa no ilícito de mera ordenação social e no ilícito criminal.
No sentido propugnado vai a jurisprudência consolidada da SCT do STA, plasmada nos acórdãos do PLENO de 22/11/2017-P. 0723/16 e de 21/02/2018-P. 01406/16 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)».

1.4 Notificada do teor do parecer do Ministério Público, a Recorrente veio pronunciar-se no sentido da admissibilidade do recurso, concluindo essa pronúncia nos seguintes termos: «O recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para os Supremos Tribunais é, assim, admissível, desde que devidamente adaptado ao Direito contra-ordenacional, por via do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações, na medida em que o recurso previsto no artigo 73.º, número 2 do Regime Geral das Contra-ordenações é um recurso ordinário».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que examinar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 03/05/2017, foi levantado pela Direcção de Serviços de Cobrança do IVA auto de notícia contra a arguida pela prática da infracção de falta de pagamento de imposto, prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do RGIT, autuado pelo Serviço de Finanças de Vila Verde sob o n.º 04692017060000024203 – cfr. auto de notícia e autuação de fls. 2 e 3 dos autos;

2. Em 27/11/2018 foi proferida decisão de fixação de coima – cfr. decisão de fls. 18 e 19 dos autos;

3. Por ofício datado de 27/11/2018, remetido, na mesma data, por carta registada sob o nº RF366337661PT, foi a arguida notificada da decisão de fixação de coima – cfr. ofício e talão de registo de fls. 20 e 21 dos autos;

4. Em 08/01/2019 foi apresentada no Serviço de Finanças de Braga-1 a petição dos presentes autos - cfr. documentos de fls. 23 a 45 dos autos.

Ao abrigo do disposto no artigo 83.º do RGIT, 74.º, n.º 4 do RGCO ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT e 410.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Penal (CPP), decide-se aditar ao probatório o seguinte:

5. O ofício referido em 2., remetido por carta registada sob o n.º RF366337661PT, foi aceite em 27-11-2018 e entregue em 28-11-2018, sendo identificado como Local “………Esposende” e como Receptor “B…………”
(http://www.ctt.pt/feapl_2/app/open/objectSearch/objectSearch.jspx).

6. Por ofício datado de 23/11/2018, remetido, na mesma data, por carta registada sob o nº RF366337511PT, foi a arguida notificada do despacho proferido em 22-11-2018 no processo de contra-ordenação identificado nos autos - cfr. ofício e talão de registo de fls. 15 e 16 dos autos.

7. O ofício referido em 6., remetido por carta registada sob o nº RF366337542PT, foi aceite em 23-11-2018 e entregue em 26-11-2018, sendo identificado como Local 4740 Esposende e como Receptor “C…………..”
(http://www.ctt.pt/feapl_2/app/open/objectSearch/objectSearch.jspx)».

2.1.2 O acórdão fundamento considerou como provada a seguinte factualidade:

«1- Em 30/5/1999, a impugnante procedeu à entrega da declaração mod. 130, a qual veio a ser objecto de análise por parte da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais (DSBF);

2- No âmbito da referida verificação, a DSBF apresentou proposta no sentido de serem efectuadas correcções àquela declaração, por ter considerado indevidamente aplicadas as normas previstas na Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital celebrada entre Portugal e o Reino Unido, por inexistência de documentos comprovativos no montante de imposto a corrigir de € 6.964,46;

3- Conforme resulta do relatório constante do P.A anexo, foi proposta a correcção às retenções na fonte de imposto relativamente a rendimentos pagos a não residentes – D…………. Ltd. – efectuadas e entregues “atendendo à aplicação indevida das normas previstas na(s) CDT(s) celebradas com o Reino Unido por inexistência dos respectivos documentos de prova”;

4- Na sequência do despacho concordante com tal proposta do Subdirector-Geral, a impugnante foi notificada nos termos do art. 60.º da LGT, para exercer o direito de audição relativamente ao Projecto de conclusões elaborado pela DSBF – cfr. fls. 30/31 do P.A. anexo;

5- Em 18/10/2002, a impugnante foi notificada, mediante mandado, na pessoa do seu técnico de contas, E……………, da liquidação de IRC referente ao exercício de 1998, no montante de € 9.647,2 cuja data limite de pagamento ocorria em 31/12/2002 – cfr. fls.12 dos autos;

6- A presente impugnação foi deduzida em 10/3/2003 – cfr. fls. 2 dos autos;

7- No ano de 1998, a beneficiária dos rendimentos – D……………, Ltd. – era residente fiscal no Reino Unido – cfr. certificado de residência fiscal junto a fls. 38 dos autos;

8- O técnico de contas E…………… não está inscrito na Segurança Social como trabalhador da impugnante – cfr. doc. de fls. 46/47.

Por estar documentalmente demonstrada nos autos adita-se a seguinte factualidade nos termos do art. 712.º, n.º 1, al. a), do CPC:

9- A ora recorrida foi notificada, após o decurso do prazo para o exercício do direito de audição previsto no art. 60.º da LGT, dos fundamentos do processo de retenção na fonte para efeitos de liquidação do imposto, através do ofício da Direcção de Finanças do Porto n.º 38769 de 2/12/2002, no qual se informava, além do mais, que a liquidação seria notificada oportunamente».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito alegadamente decidida em sentido divergente nos acórdãos em confronto, que, se bem interpretamos as alegações de recurso, é a de saber se pode considerar-se afastada a presunção do art. 39.º, n.º 1, do CPPT, nos casos em que a pessoa colectiva destinatária da notificação por carta registada com aviso de recepção alega que teve conhecimento do conteúdo da notificação em data ulterior à da assinatura aposta no aviso de recepção e se verifica que essa assinatura não é de representante legal nem de empregado da mesma.
Alega que «[o] acórdão recorrido é contrário ao acórdão fundamento porque entende que um terceiro que não seja empregado da empresa a notificar vincula a dita empresa, não afastando a presunção de notificação, ao contrário do que se entende no acórdão fundamento, em que se impõe que se o receptador da notificação for alguém que não seja empregado da pessoa colectiva, não se pode entender que a pessoa colectiva foi notificada».
Antes do mais, cumpre apreciar a admissibilidade do recurso, tanto mais que o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal suscitou a inadmissibilidade do mesmo.

2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

A questão tem vindo a ser apreciada e decidida uniforme e unanimemente pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Cfr., por mais recentes, os seguintes acórdãos:
- de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 1046/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0534b3a45ff85be6802582410055908c;
- de 27 de Junho de 2018, proferido no processo n.º1494/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a836b1acb783b961802582c00053cac3;
- de 8 de Julho de 2020, proferido no processo n.º 22/14.4BELRS (199/16), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bd8a6c23ef3f688c802585a40051d01e.).
Assim, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida no mais recente dos acórdãos, de 8 de Julho de 2020, proferido no processo n.º 22/14.4BELRS (199/16):
O acórdão recorrido foi proferido no âmbito de um recurso de contra-ordenação fiscal, tendo sido tramitado ao abrigo do disposto no RGIT e «[…] como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, o recurso por oposição de acórdãos não tem aplicação no domínio das contra-ordenações – v., neste sentido, por todos, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, exarado no processo n.º 1494/17, de 27 de Junho de 2018, bem como a jurisprudência nele referida, para o qual remetemos e onde, a este propósito, se escreveu o seguinte:
«[…] Ora, o recurso por oposição de acórdãos não tem aplicação ao caso em análise já que, como vem sublinhando a jurisprudência desta Secção, no processo de contra-ordenação não é possível lançar mão, quer do recurso de oposição a que se refere o artigo 284.º do CPPT, quer do recurso de uniformização a que se refere o artigo 437.º do CPP (cfr., neste sentido Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 21.11.2017, recurso 723/16 e de 21.02.2018, recurso 1406/16, e, quanto à impossibilidade de aplicação subsidiária do art. 437.º do CPP, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2015, recurso 44/14.5TBORQ.E1-A.S1).
De facto, os recursos jurisdicionais em sede de processo de contra-ordenação tributária estão regulados nos artigos 83.º a 86.º do RGIT, com aplicação subsidiária do RGIMOS (Decreto-Lei 433/82) e CPP (artigos 3.º/b) do RGIT e 41.º do RGIMOS).
E, como se afirmou no primeiro dos supracitados Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário (723/16), «as disposições aplicáveis ao processo penal em sede de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, art. 437.º do Código de Processo Penal, não são aqui aplicáveis em face de uma regulamentação específica constante do DL 433/82, no art. 75.º, n.º 1, que regulamenta a matéria em termos gerais, aplicável a estes autos, subsidiariamente, por força do disposto no art. 3.º, b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
O DL 433/82 estabelece que das decisões do tribunal de 2.ª instância «não cabe recurso», no art. 75.º, n.º 1. (…) Os recursos das decisões proferidas pelas entidades administrativas, em sede de contra-ordenações fiscais, são interpostos para o tribunal de 1.ª instância. Tal significa que a fase judicial de impugnação de tais decisões é já uma fase de recurso.
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, regulado nos arts. 437.º e ss. do CPP, destina-se a assegurar, tanto quanto possível, a uniformidade da jurisprudência na interpretação da lei, de modo a que se alcancem, no caso concreto, decisões aplicadoras de interpretações similares da lei a situações concretas idênticas.
O DL 433/82 no seu art. 73.º, n.º 1 indica as situações em que é possível o recurso «normal» da decisão de 1.ª instância, reservando o seu número 2 para uma situação em que excepcionalmente admite que «poderá a relação (...) aceitar o recurso (...) quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», tendo esta norma a mesma finalidade do art. 437.º do Código de Processo Penal.
Por a lei geral das contra-ordenações estar dotada de um regime de recursos especiais e extraordinários, deve entender-se ser essa a opção do legislador quanto à admissibilidade de tais recursos não havendo lugar a qualquer aplicação subsidiária do art. 437.º do CPP. Ainda que se verifique que o recurso especial para a melhoria da aplicação do direito ou para a uniformidade da jurisprudência a que se refere o n.º 2 daquele art. 73.º tem um âmbito muito mais limitado do que o recurso extraordinário previsto nos arts. 437.º e ss. do CPP, tal não basta para derrogar o regime concretamente previsto no DL 433/82 sobretudo por não poder olvidar-se a diversa natureza e relevância dos interesses ou valores que estão em causa no ilícito criminal e no ilícito de mera ordenação social».
Concluiu-se assim que o presente recurso não é admissível porque não está legalmente previsto que o CPPT constitua legislação subsidiária nesta fase processual e o recurso para uniformização de jurisprudência do CPP não é admissível pelas razões anteriormente apontadas […]».
Os fundamentos mobilizados no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo antes citado permanecem válidos e actuais, devendo aduzir-se, em reforço da tese da inadmissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, não só a inaplicabilidade do artigo 284.º do CPPT, como aí é referido, mas também a inaplicabilidade do 437.º do CPP ao domínio das contra-ordenações tributárias, uma vez que o próprio n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, na remissão para o Código do Processo Penal, sublinha que a aplicação no domínio das contra-ordenações dos preceitos daquele código depende das necessárias adaptações.
Ora, cabe não esquecer que no domínio das contra-ordenações tributárias, por força das disposições conjugadas dos artigos 73.º do RGCO e do 280.º do CPPT, os recursos das sentenças ou dos despachos judiciais que respeitem exclusivamente a matéria de direito são da competência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o que significa que por via do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, é maioritariamente o Supremo Tribunal Administrativo que promove já a uniformidade da jurisprudência através do recurso que especificamente para o efeito se encontra previsto no RGCO, constituindo isso mais um fundamento para a inadmissibilidade da aplicação do disposto no artigo 437.º do CPP».
É este entendimento que aqui reiteramos.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal dos referidos acórdãos:

No processo de contra-ordenação não é possível lançar mão, quer do recurso de oposição a que se refere o art. 284.º do CPPT, quer do recurso de uniformização a que se refere o art. 437.º do CPP.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em rejeitar o recurso.


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Custas pela Recorrente (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

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Lisboa, 4 de Novembro de 2020. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes (com declaração de voto) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.


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Declaração de voto do Ex.mo Senhor Conselheiro Paulo Antunes



«Voto favoravelmente o acórdão, pelo respeito devido à jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário (S.C.T.) do S.T.A., sem prejuízo de assinalar o seguinte:
A jurisprudência da Secção Criminal do S.T.J. que é citada no acórdão quanto a não ser admissível tal o recurso de uniformização de jurisprudência em processo por contra-ordenação parece-me mostrar-se actualmente abandonada, nomeadamente, após o acórdão de 4-7-2019, proferido no proc. 941/16.6T8GMR.G1-A.SI, acessível em www.dgsi.pt.
Ainda assim, subsistem as razões relacionadas com o previsto no R.G.I.T., em que se regula com autonomia o processo de contra-ordenação tributária.».