Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0116/15.9BEAVR
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRS
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
PERMUTA
PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL
Sumário:I – Aos titulares de participações sociais de diversas empresas que optassem por constituir uma SGPS o legislador concedia uma vantagem que consistia na possibilidade de beneficiarem do regime do n.º 8 do artigo 10.º do CIRC, o que significava que não tinham que pagar o imposto das mais-valias que se viessem a apurar nesse momento em relação ao valor atribuído às participações sociais que viessem a constituir a entrada na constituição da SGPS, mas tal vantagem era concedida sob a condição de continuarem a valorizar as partes sociais dadas como entrada, e só em caso de comprovado incumprimento dessa obrigação de valorização das partes sociais é que haveria lugar à perda do regime fiscal favorável e à tributação das mais-valias das participações sociais entregues a título de entradas de capital.
II - Estava assim garantida a política fiscal de incentivo à criação de SGPS e a simultânea neutralização da obtenção de vantagens fiscais abusivas.
Nº Convencional:JSTA000P28395
Nº do Documento:SA2202110270116/15
Data de Entrada:06/23/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.......... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - RELATÓRIO

1 – A……….. e mulher, B………….., ambos com os sinais dos autos, impugnaram no TAF de Aveiro a liquidação adicional de IRS n.º 2014 50052909858, de 15 de Setembro de 2014, referente ao exercício de 2011, no valor de € 612.693,77, e a respectiva Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios, identificada com o n.º 2014 00002176815, no valor de € 48.152,95.

2 – Por sentença de 3 de Maio de 2021, o TAF de Aveiro julgou procedente a impugnação e anulou as liquidações de IRS e respectivos juros compensatórios, ordenando ainda a restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde a data do pagamento indevido e até à emissão da competente nota de crédito.

3 - O Representante da Fazenda Pública, inconformado com sentença do TAF de Aveiro, vem dela interpor recurso, apresentando, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões:
«[…]
1) O Tribunal considerou que as mais valias obtidas com a venda das ações da C…….GEST - INVESTIMENTOS, SGPS, S.A., em 28/12/2011 não são tributadas porque beneficiam do regime de neutralidade fiscal previsto no art.º 71.º n.º 1 do CIRC.

2) Na medida em que defende que o contrato celebrado pelos Impugnantes para a constituição da C………..Gest SA SGPS em que o capital desta foi subscrito por estes mediante entradas em espécie, nomeadamente as participações sociais das sociedades já detidas, é subsumível no conceito de contrato de permuta de ações.

3) E que a C……….Gest SA SGPS pode ser considerada sociedade adquirente.

4) E neste sentido o Tribunal recorrido determinou que a operação de constituição da C…………..Gest SA em 13/10/2005 configura uma permuta de partes sociais prevista no artigo 67.º n.º 5 do CIRC (atual 73.º n.º 5 CIRC), beneficiando do regime de neutralidade fiscal do art.º 71.º n.º 1 CIRC (atual 77.º n.º 1 CIRC).

5) A douta sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, pois não fez uma correta aplicação do artigo 67.º n.º 5 do CIRC/ atual artigo 73.º n.º 5 e artigo 71.º n.º 1 do CIRC/atual artigo 77.º n.º 1 e da Diretiva n.º 90/434/CEE, de 23 de julho.

6) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo para aferir se estão reunidas as condições para o sujeito passivo beneficiar do regime de neutralidade fiscal começou desde logo por determinar o conceito de “permuta de partes sociais”.

7) E para tal socorre-se da definição legal de “permuta de ações” consagrada na Diretiva 90/434/CEE, cujo art.º 2.º alínea d) é idêntico à redação do número 5 do artigo 67.º do CIRC.

8) O Tribunal defende que o conceito de “permuta de ações” na Diretiva 90/434/CEE deve ser interpretado no sentido de abranger, operações em que uma sociedade passa a ser titular do capital social de sociedades por contrapartida de títulos representativos do seu próprio capital social, independentemente de a sociedade adquirente ter personalidade jurídica e de não ter celebrado um contrato de permuta com os impugnantes.

9) E atendendo a que considera que C………..Gest SA através do contrato da sua constituição passou a ser a titular do capital social das sociedades “Irmãos C………… SA”, “D…………. Lda”, “E………… Lda.”, “F……………. Lda”, por contrapartida de títulos representativos do seu próprio capital social;

10) Decide que o contrato celebrado de constituição da C…………Gest SA é subsumível no conceito de “permuta de ações”.

11) E considera igualmente estar verificado o requisito de que a C……….Gest SA poder ser considerada adquirente.

12) Razão pela qual decidiu que o contrato de constituição da sociedade é suscetível de ser enquadrado numa operação de reestruturação neutra a nível de IRC, beneficiando, por conseguinte, os impugnantes de não tributação em sede de IRS. (art.º 8.º n.º 10 do CIRS).

13) Não se concorda com a interpretação e aplicação que foi dada pelo Tribunal a quo aos artigos 67.º n.º 5 e 71.º n.º 1 do CIRC e à Diretiva nº 90/434/CEE, de 23 de julho.

14) A douta sentença recorrida errou ao interpretar estes preceitos no sentido de considerar que estes abrangem o contrato de constituição da sociedade C………Gest SA.

15) A recorrente discorda da sentença recorrida, no que se refere á qualificação jurídica do contrato de “constituição de sociedade” a que se refere o ponto A) do probatório como tratando-se de um “contrato de permuta de partes sociais”.

16) O contrato de “permuta”, apesar de não estar definido quer no CSC, quer, de modo subsidiário, no Código Civil (CC), ao mesmo são aplicadas as normas do contrato de compra e venda nos termos do artigo 939.º do CC.

17) A lei comercial não apresenta qualquer definição de sociedade, assim para definir este conceito, vamos socorrer-nos do direito civil. (Art.º 2.º do CSC)

18) Efetivamente, o art.º 2.º do CSC, diz que nos casos em que o CSC não preveja, podemos recorrer às regras do direito comercial para casos análogos e na sua falta subsidiariamente ao C.C.

19) O art.º 980.º do CC dá-nos uma definição geral de contrato de sociedade, e define-o como “aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade” (António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 3.ª Edição, p. 187)

20) Na constituição de uma sociedade não se verificam os pressupostos de um contrato de compra e venda, mas sim, conforme estabelece o artigo 980.º do CC, a existência da contribuição dos sócios e o exercício em comum de certa atividade económica que não seja de mera fruição e a repartição dos lucros.

21) A contribuição dos sócios pode ser efetuada em bens ou serviços. Podem os sócios contribuir com a propriedade ou titularidade de bens, simplesmente com o seu uso e fruição (artigo 984.º CC) ou com a prestação de determinada atividade ou com os resultados desta.

22) No caso da C…………Gest SA, a contribuição foi efetuada com a titularidade das participações de 4 sociedades e com uma parte residual em dinheiro. (Veja-se ponto A) b) do probatório)

23) Da factualidade constante do probatório, resulta que o contrato em causa, não é um contrato de permuta de participações sociais, em virtude de a “contribuição dos sócios” não poder corresponder a figura de “permuta”, já que a constituição de uma sociedade não corresponde também a um “contrato de compra e venda”.

24) De realçar ainda que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo aceita que o contrato celebrado pelos Impugnantes para a constituição da C………Gest SA SGPS, encontra-se tipificado, inequivocamente, como um contrato de constituição de sociedade e não como um contrato de permuta.

25) Mais se considerou na sentença recorrida que o contrato de permuta pressupõe que as partes estejam em posições simétricas, num do ut des (dou, para que dês), isto é, que exista uma contraparte que transmita para a parte uma das res objeto de troca.

26) Concluindo-se na douta sentença, que a C……….Gest SA SGPS nada permutou com os impugnantes e que estes, mediante o contrato que celebraram se limitaram a constituir aquela sociedade essencialmente com entradas em espécie como refere a inspecção tributária.

27) O tribunal recorrido ponderou ainda que para se estar perante um contrato de permuta, seria necessário que a C………….Gest SA SGPS tivesse personalidade jurídica para que pudesse celebrar esse contrato com os Impugnantes, mediante o qual adquirisse as ações das sociedades “Irmãos C……….. SA”, “D……….. Lda”, “E…………. Lda.”, “F………. Lda” e por contrapartida da entrega de ações próprias.

28) Contudo afasta tal qualificação, porque segundo o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, tais conceitos inserem-se no domínio do direito civil, regime que entende não se aplicar ao caso dos autos, porque defende que será de aplicar o regime do direito tributário, nomeadamente a Diretiva n.º 90/434/CEE, de 23 de julho.

29) Na opinião da recorrente tal justificação não pode ser determinante para a qualificação jurídica de que o contrato de constituição da C……….Gest SA SGPS SA é um contrato de permuta de ações, porque o que resulta de forma objetiva é que a C…………Gest SA SGPS SA nada permutou com os impugnantes e que estes, mediante o contrato que celebraram se limitaram a constituir aquela sociedade essencialmente com entradas em espécie tal como reconhece o Tribunal a quo.

30) À luz do contrato celebrado, a que se reporta o ponto A) do probatório, a natureza jurídica do mesmo é um contrato de constituição da sociedade.

31) E desde logo, porque resulta expressamente do seu título, que contém a denominação expressa de “contrato de constituição de sociedade”, e não a denominação de contrato de permuta de participações sociais.

32) A permuta de partes sociais ocorre quando uma sociedade (adquirente) adquire uma participação no capital de outra (adquirida), mediante a atribuição aos sócios desta última de partes representativas do capital da primeira.

33) Os requisitos previstos no artigo 67.º n.º 5 do CIRC não se encontram cumpridos, já que a sociedade eventualmente designada por “adquirente” (C………..Gest SA) não poderia adquirir as participações das outras porque simplesmente não existia antes de ser constituída exatamente com essas mesmas participações.

34) Só com a realização prévia dessas entradas é que foi possível constituir a nova sociedade e efetuar o seu registo definitivo, de forma a adquirir personalidade jurídica.

35) E não tendo a sociedade personalidade jurídica antes de ser constituída, não poderia efetuar qualquer permuta de partes sociais.

36) Nos presentes autos não estamos perante uma constituição de sociedade por transformação em que a sociedade adquirente adquire participações sociais da sociedade adquirida como entende o Meritíssimo Juiz na douta apreciação que fez, mas perante a constituição de uma sociedade originária.

37) Quanto á questão de saber se a sociedade C…………Gest SA SGPS SA poder ser considerada sociedade adquirente, para efeitos da aplicação do artigo 67.º n.º 5 do CIRC, não podemos concordar com o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que C………….Gest SA adquiriu as participações sociais das outras sociedades.

38) O que resulta da letra da lei (art.º 67.º n.º 5 do CIRC) é que para que exista permuta de partes sociais, têm que existir duas sociedades intervenientes (adquirente e adquirida), o que no caso não se verifica.

39) As participações entregues pelos elementos da família C……….. tratam-se de contribuições para a realização do capital social e não de uma aquisição dessas partes de capital pela C…………Gest SA.

40) A C………Gest SA (identificada como adquirente) ainda não havia sido constituída, não tendo por isso personalidade jurídica para efetuar a aquisição.

41) A sociedade comercial C……….Gest SA só passou a existir como pessoa jurídica após o contrato a que alude o ponto A) do probatório.

42) Sendo a sociedade uma pessoa distinta dos sócios, há que distinguir as relações internas entre a sociedade e os sócios.

43) Dado que a sociedade C…………Gest SA como pessoa jurídica é uma realidade independente da pessoa dos sócios, não é concebível que esta tenha adquirido as participações sociais das outras sociedades, antes da sua constituição, como defende o Tribunal a quo.

44) A operação que aqui está em causa consiste na realização do capital social com a entrada de ações.

45) Foram cedidos valores mobiliários como entrada numa sociedade anónima, através da emissão de novas partes sociais.

46) Entende a recorrente que a apreciação do Tribunal a quo assentou numa errada fixação dos respetivos pressupostos de direito, em particular do alcance ao conceito de “contrato de permuta de partes sociais”, para efeitos de subsunção do contrato aqui em causa em norma de isenção de imposto prevista no artigo 67.º n.º 5 do CIRC conjugada com o artigo 71.º n.º 1 do CIRC.

47) Quanto à decisão do Tribunal a quo, que o contrato de constituição da sociedade é suscetível de ser enquadrado numa operação de reestruturação neutra a nível de IRC (art.º 67.º n.º 5 do CIRC), tal não pode ser aceite porquanto tal dispositivo aplica-se, tal como decorre da letra da lei, a permuta de partes sociais.

48) Ora, como o Tribunal a quo expressamente reconhece na douta sentença – página 24, o contrato celebrado pelos Impugnantes para a constituição da C…………Gest SA SGPS, encontra-se tipificado, inequivocamente, como um contrato de constituição de sociedade e não como um contrato de permuta.

49) A operação que aqui está em causa consiste na realização do capital social com a entrada de ações, razão pela qual, a operação em causa, não pode ser considerada uma permuta de partes sociais.

50) Na verdade, a permuta de partes sociais é uma operação onerosa: os sócios da sociedade adquirida, além de uma eventual quantia em dinheiro, recebem, pela alienação dos títulos dessa sociedade, títulos representativos do capital da sociedade adquirente, que passou a controlar a sociedade adquirida.

51) In casu, os sócios da sociedade dão uma entrada em espécie, através da qual contribuem com as suas participações sociais nessa sociedade para a realização do capital da nova sociedade, que emite ações novas. (art.º 28.º CSC).

52) O Tribunal a quo ao defender que o contrato em causa deve ser subsumível no contrato de permuta de ações para efeitos da aplicação do artigo 67.º n.º 5 do CIRC, está a fazer uma interpretação extensiva da lei, isto é, está a estender o significado do conceito utilizado para além do sentido literal do mesmo.

53) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao interpretar o 67.º n.º 5 do CIRC, com o sentido de abranger, operações em que uma sociedade passa a ser titular do capital social de sociedades por contrapartida de títulos representativos do seu próprio capital social, independentemente de a sociedade adquirente ter personalidade jurídica e de não ter celebrado um contrato de permuta com os impugnantes, está a fazer uma aplicação analógica, pois está a estender o conceito utilizado a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.

54) À semelhança do que se verifica nas fusões, cisões e entradas de ativos, a realização de uma permuta de partes sociais também não implica qualquer tributação para os sócios da sociedade adquirida, pelo que o artigo 67.º n.º 5 do CIRC trata-se de uma norma de isenção.

55) Tal interpretação e aplicação da lei viola o princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 8.º da LGT, dado que os elementos essenciais dos impostos (nos quais se incluiu a incidência e isenção) são definidos por lei, limitando os poderes de apreciação do Tribunal, e viola o art.º 11.º n.º 4 da LGT que proíbe a analogia nas normas que estabelecem isenções, que são normas tributárias com natureza de benefícios fiscais.

56) Pois, considerando-se que a norma da isenção é excecional, deve proceder-se a uma interpretação restritiva do conceito de “contrato de permuta de partes sociais”, e, por conseguinte, abster-se que incluir o “contrato de constituição de uma sociedade” pois este não é subsumível num contrato de permuta de partes sociais.

57) Ao decidir em sentido contrário, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errada aplicação das normas constantes nos artigos 67.º n.º 5 e 71.º n.º 1 do CIRC, pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada por manifesta violação da referida norma de isenção.

58) Resulta claramente do artigo 1.º da Diretiva 90/434/CEE que os Estados-Membros aplicarão esta diretiva às «operações de fusão, de cisão, de entrada de ativos e de permuta de ações que digam respeito a sociedades de dois ou mais Estados-Membros».

59) Ora, sendo contestado que a operação em causa é uma permuta de participações sociais está afastada a aplicação da referida Diretiva.

60) A douta sentença recorrida violou os artigos 67.º n.º 5 e 73.º n.º 1 do CIRC e artigos 8.º e 11.º n.º 4 da LGT e a Diretiva 90/434/CEE.

TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de
LEI E JUSTIÇA!.
[…]».


3 – Os A. e aqui Recorridos apresentaram contra-alegações que concluíram da seguinte forma:
«[…]
1. A douta decisão do Tribunal a quo não merece censura.

2. A sentença recorrida, dando razão ao contribuinte e julgando procedente a impugnação, repôs a justiça no presente caso, pois afastou fundamentadamente o entendimento que a Recorrente/Autoridade Tributária (AT) mobilizou para proceder à liquidação adicional de IRS impugnada nos presentes autos

3. No recurso jurisdicional apresentado, a Recorrente/AT apresenta o mesmo e principal argumento por si aduzido em sede de contestação (e sobre o qual o Tribunal a quo já se pronunciou fundadamente), continuando a sustentar um entendimento que vai manifestamente contra a lei fiscal nacional e europeia, quer quanto à sua letra quer quanto ao seu espírito, e vai contra a doutrina e a consolidada jurisprudência especifica nesta matéria.

4. No caso em apreço, verificou-se, em 2005, uma operação de permuta de partes sociais através da escritura pública de constituição da C…………gest – Investimentos, SGPS SA datada de 13/10/2005, pela qual a C………..gest adquiriu as participações nos capitais sociais da Irmãos C…………, SA, da F……………….., Lda, da D…………., Lda e da E……….., Lda, conferindo-lhe a maioria dos direitos de votos destas últimas, mediante a atribuição aos sócios destas (onde se incluía o aqui Impugnante/Recorrido), em troca dos seus títulos, de partes representativas do capital social da primeira sociedade (no caso do Impugnante/Recorrido recebeu em troca das suas participações sociais naquelas sociedades adquiridas 48,05% do capital social da C…………gest).

5. Em 2005, essa operação de permuta beneficiou do regime da neutralidade fiscal previsto nos artigos 67.º, n.º 5 e 71.º, n.º 1 do CIRC, na redação em vigor àquela data.

6. Este regime especial da neutralidade fiscal resulta da preocupação comunitária (constante da Diretiva n.º 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990) em eliminar obstáculos fiscais à concretização de operações económicas de reestruturação, pela importância que as mesmas têm para o reforço e dimensão do tecido empresarial, assegurando que tais operações não originam qualquer tributação e que o apuramento de mais valias seja feito em momento subsequente de acordo com a realidade que existiria como se as mesmas nunca tivessem ocorrido.

7. Em 2011, por escritura pública de compra e venda de ações e hipoteca datada de 28/12/2011, o Impugnante/Recorrido vendeu as suas referidas partes sociais da C……….gest – Investimentos, SGPS SA, as quais tiveram origem na operação de permuta de partes sociais concretizada seis anos antes (em 2005) e que, por força do regime de neutralidade fiscal aplicável, teriam de ser tributadas nos termos em que seriam as partes sociais que lhe deram origem, ou seja, as entregues em troca pelo Impugnante/Recorrido no ano de 2005.

8. Por isso, em 2012, o Impugnante/Recorrido apresentou a declaração de rendimentos referente ao ano de 2011, na qual foram apuradas mais valias respeitantes à alienação das partes sociais da C…………gest – Investimentos, SGPS SA ocorrida em 28/12/2011 (alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS), no total de €102.912,33, a que correspondeu uma tributação à taxa especial de 20% (n.º 4 do artigo 72.º do CIRS), no montante de €20.582,47, que o Impugnante/Recorrido pagou.

9. Sendo que, e como não podia deixar de ser, da declaração de rendimentos do ano de 2011 apenas foram excluídas de tributação as mais-valias mobiliárias referentes às participações sociais originariamente adquiridas na Irmãos C………., Lda. nos anos de 1981 e 1987, por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do DL 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o CIRS, ou seja, por aquelas participações sociais terem sido adquiridas antes da entrada em vigor do CIRS em 01 de janeiro de 1989.

10. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao decidir que o ato impugnado na medida em que tal ato assenta no entendimento que a operação realizada por escritura pública de 13/10/2005 não configura uma permuta de partes sociais padece de vício de violação de lei por violação do disposto nos artigos 67.º e seguintes do CIRC, com a redação à data dos factos (atuais artigos 73.º e seguintes do CIRC), bem como por violação da Diretiva n.º 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, ou seja, por violação da neutralidade fiscal nas operações de permuta de partes sociais previstas no CIRC e na referida Diretiva.

11. Com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo aplicou bem e de forma exímia o direito aplicável à quaestio decidendi, não padecendo a sentença recorrida de qualquer violação dos artigos 67.º, n.º 5 e 73.º, n.º 1 do CIRC, nem dos artigos 8.º e 11.º da LGT nem muito menos da Diretiva n.º 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, normas estas que foram por si devidamente aplicadas.

12. A douta decisão recorrida é clara, congruente, suficientemente fundamentada e não padece de qualquer vício ou erro de julgamento.

13. Devendo, por conseguinte, ser mantida nos seus exatos termos.


TERMOS EM QUE,

mantendo-se a douta decisão do Tribunal a quo, se fará

JUSTIÇA!

[…]».



4 - A Excelentíssima Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
A. Em 13 de Outubro de 2005 foi outorgado contrato em que G……….. e outros declararam:
a. Celebrar contrato de sociedade comercial sob o tipo de sociedade anónima, com a denominação C………......GEST - INVESTIMENTOS, SGPS, S.A., com sede na Estrada …………. freguesia …….. do concelho de Aveiro, com o capital social de dez milhões de euros, representado por dez milhões de ações nominativas, do valor nominal de um euro cada uma;
b. Que o capital subscrito pelo referido G………… [EUR 4.805.000,00] foi realizado da seguinte forma:
1. Com a quantia em dinheiro de EUR 1.667,00;
2. Com a sua participação no capital da sociedade comercial anónima com a denominação “Irmãos C…………. SA” equivalente a quarenta e oito por cento do capital da mesma, correspondente a quatrocentas e oitenta mil ações no valor atribuído de quatro milhões seiscentos e oitenta mil euros;
3. Com a participação no capital da sociedade comercial por quotas, com a denominação “D……….., LIMITADA”, equivalente a uma quota do valor nominal de três mil euros - no valor atribuído de trinta e cinco mil euros;
4. Com a participação no capital da sociedade comercial por quotas, com a denominação “E…………., LDA” equivalente a uma quota do valor nominal de cinquenta mil euros - no valor atribuído de oitenta e três mil trezentos e trinta e três euros;
5. Com a participação que possui no capital da sociedade comercial por quotas, com a denominação “F……………., LIMITADA” equivalente a uma quota do valor nominal de vinte e nove mil novecentos e vinte e sete euros e oitenta e sete cêntimos - no valor atribuído de cinco mil euros
[cfr. escritura que integra a peça n.º 004348736 do SITAF]
B. Em 28 de Dezembro de 2011 os Impugnantes alienaram as ações detidas da C…………Gest SGPS SA pelo valor de EUR 7.205.000,00€
[cfr. escritura que constitui o anexo I ao RIT integrante do procedimento administrativo apenso]
C. Os Impugnantes foram alvo de ação inspetiva a coberto da OI201400707 de onde resultaram correções aos valores por estes declarados em sede de IRS do ano de 2011 e com a seguinte fundamentação:
[Cfr. documento no original, cujo teor aqui se dá por transcrito]
D. O sancionamento hierárquico da correção proposta deu origem à emissão da liquidação de IRS n.º 2014 5005290985 de 2014/09/15, onde foi apurado o montante a pagar de EUR 612.693,77 (incluindo juros compensatórios no montante de EUR 48.152,95)
[cfr. liquidação de IRS que integra a peça n.º 004348727 do SITAF]
E. A liquidação referida no facto precedente foi levada à conta corrente do contribuinte gerando a emissão de nota de cobrança no valor de EUR 588.438,55
[cfr. nota de cobrança que integra a peça n.º 004348727 do SITAF]
F. Em 29 de outubro de 2014 os Impugnantes procederam ao pagamento da nota de cobrança
[cfr. cheque que integra a peça n.º 004348728 do SITAF]
G. Com a declaração de rendimentos de 2005 os Impugnantes não apresentaram a declaração prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 57.º do CIRS
[facto incontrovertido]
H. O recibo emitido pelo ROC em 28 de novembro de 2012 no montante de EUR 25.522,50 diz exclusivamente respeito a honorários respeitantes ao acompanhamento do processo de venda das participações sociais da C…………Gest SGPS SA
[cfr. prova testemunhal, nota de honorários e recibo constante da peça n.º 004348739]

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão
[…]».


2. Questões a decidir
No recurso aqui em apreço, cujo âmbito é balizado pelas conclusões formuladas pelo Recorrente (artigo 635.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 281.º do CPPT), impõe-se conhecer apenas do alegado erro de julgamento imputado à sentença recorrida por ter subsumido a factualidade assente no probatório da sentença ao conceito jurídico de “permuta de partes sociais” (conceito que à data dos factos se encontrava regulado no n.º 5 do artigo 67.º do CIRC), bem como ao respectivo regime jurídico de neutralidade fiscal (que à data dos factos se encontrava regulado no n.º 1 do artigo 71.º do CIRC).

3. De direito
3.1. A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do TAF de Aveiro que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pelos aqui Recorridos do acto de liquidação adicional de IRS (e de liquidação dos correspondentes juros compensatórios).

3.2. Lembre-se que aquela liquidação adicional, praticada na sequência de uma inspecção tributária, tinha por objecto a “desconsideração do regime de neutralidade fiscal” que os Impugnantes haviam atribuído à operação realizada em 2005 de celebração do contrato de sociedade comercial sob o tipo de sociedade anónima, com a denominação C…………gest - Investimentos, SGPS, S.A., em que o capital subscrito pelo aqui Recorrido provinha da entrega das participações sociais que o mesmo detinha em outras sociedades comerciais devidamente identificadas no ponto 1 da matéria de facto assente.

No relatório de inspecção tributária realizada em 2014, que deu origem ao acto de liquidação adicional do IRS aqui em apreço, pode ler-se que o problema resulta do enquadramento fiscal da operação realizada em 2005 por efeito da constituição daquela sociedade comercial.

A AT considerou, no já mencionado relatório da inspecção tributária, que: i) a operação não se podia qualificar como “permuta de partes sociais” (definida no artigo 67.º, n.º 5 do CIRC na redacção vigente àquela data) para efeitos de beneficiar do regime de “neutralidade fiscal” previsto no n.º 1 do artigo 71.º do CIRC (na redacção vigente à data dos factos) e n.º 8 do artigo 10.º do CIRS (na redacção vigente à data); e que, ii) ainda que assim não se entendesse, os sujeitos passivos (agora Recorridos) também nunca poderiam beneficiar do regime de neutralidade fiscal daquela operação realizada em 2005, pois para isso era necessário que tivessem dado cumprimento às condições impostas nos artigos (no n.º 8 do artigo 10.º e no n.º 1 do artigo 57 do CIRS), ou seja, que tivessem provado que tinham “continuado a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor a que as antigas se encontravam registadas”; prova que não havia sido realizada. É que, para efeito da referida prova, era necessário que os mencionados sujeitos passivos (e aqui Recorridos) tivessem dado cumprimento às obrigações acessórias previstas no n.º 3 do artigo 72.º do CIRC (que passou a ser o n.º 6 do artigo 78.º do CIRC até à republicação de 2014), como exigia expressamente o artigo 57.º, n.º 1, al. b) do CIRS, na redacção em vigor em 2011), e eles não cumpriram aquelas obrigações acessórias.

3.3. O Tribunal a quo decidiu:

i) primeiro, que a operação de constituição da C………….gest - Investimentos, SGPS, S.A. se subsumia ao conceito de “permuta de partes sociais”, previsto no n.º 5 do artigo 67.º do CIRC, ao qual era aplicável o regime de neutralidade fiscal do n.º 1 do artigo 71.º do mesmo CIRC e do n.º 8 do artigo 10.º do CIRS; e

ii) segundo, que em caso de incumprimento das obrigações acessórias por parte dos sujeitos passivos, a consequência daí decorrente não era, como dizia a AT, de desaplicação imediata do regime do n.º 8 do artigo 10.º do CIRS, sendo esse incumprimento apenas sancionado qua tale, ou seja, sem perturbar o benefício fiscal consagrado naquele artigo.

3.4. As alegações recursivas limitam-se à questão da subsunção jurídica da operação realizada em 2005 ao conceito de “permuta de partes sociais” e nada dizem sobre o cumprimento ou incumprimento das obrigações acessórias e as consequências daí decorrentes, pelo que também a nossa apreciação se tem de ater à primeira das questões decididas na sentença.

3.4.1. E quanto a essa questão – da subsunção do contrato de constituição da C………..gest - Investimentos, SGPS, S.A. ao regime da neutralidade fiscal do artigo 71.º, n.º 1 do CIRC, por efeito da sua qualificação como “permuta de partes sociais” – a sentença recorrida não merece a censura que a Recorrente Fazenda Pública lhe pretende assacar, essencialmente pelas razões que se expendem na sua fundamentação e que aqui também subscrevemos e reiteramos.

A lei tributária define “permuta de partes sociais” como “a operação pela qual uma sociedade (sociedade adquirente) adquire uma participação no capital social de outra (sociedade adquirida), que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última, ou pela qual uma sociedade, já detentora de tal participação maioritária, adquire nova participação na sociedade adquirida, mediante a atribuição aos sócios desta, em troca dos seus títulos, de partes representativas do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal dos títulos entregues em troca.”

Este conceito fiscal de permuta subjacente àquela disposição legal, e que releva para efeitos de aplicação do regime de neutralidade fiscal, tem um âmbito alargado, não exige que a “permuta” seja directa, podendo a mesma resultar, como sucede neste caso, da realização de “entradas em espécie no capital social da sociedade a constituir”, ou seja, como depois veio clarificar o artigo 77.º do CIRC (ver a redacção actual), de operações do tipo daquelas em que se materializa a factualidade dos autos, e que se consideram também abrangidas pelo regime da neutralidade fiscal.

Estas operações sempre estiveram abrangidas pelo referido regime de neutralidade fiscal, quer se configure a explicação no plano do direito societário, i. e. a partir de uma operação de permuta perspectivada na óptica da sociedade e de uma operação por ela realizada ainda que na fase em que não estava regularmente constituída, quer se impute essa operação de permuta ao titular das participações sociais.

3.4.2. A razão de ser deste resultado interpretativo, que na decisão recorrida é sustentado por remissão para a doutrina, pode ser explicado de forma simples por referência aos objectivos do legislador com a criação do regime legal das SGPS pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e da neutralidade fiscal nas operações de reestruturação empresarial (Directiva 90/434/CEE e respectiva transposição/recepção no direito nacional). A finalidade do legislador foi “proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permitisse reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada” e, para o efeito, instituiu-se um regime de “vantagem fiscal”. Na verdade, não é uma vantagem, é simplesmente a aplicação da regra da não tributação das mais valias potenciais, pois trata-se de não considerar fiscalmente uma operação que tem relevância puramente contabilística (a atribuição do valor das participações sociais que são dadas como entrada de capital da SGPS), e que não expressa um acréscimo patrimonial real na esfera do sujeito passivo. De resto, o legislador teve o cuidado de prever também uma condição para garantir que estas operações se realizavam com um “propósito económico válido” (continuar a valorizar as “novas participações sociais”), impondo a sua tributação sempre que essa condição se não verificasse.

Assim, no caso dos titulares de participações sociais de diversas empresas que optassem por constituir uma SGPS:

- a vantagem consistia na possibilidade de beneficiar do regime do n.º 8 do artigo 10.º do CIRC, o que significava que não tinham que pagar o imposto das mais-valias que se viesse a apurar nesse momento em relação ao valor atribuído a essas participações sociais (essa era uma operação isenta), mas poderiam ter de pagar posteriormente ao alienar as participações sociais da SGPS ex vi do disposto no artigo 43.º, n.ºs 5 e 6 do CIRS;

- a condição consistia na obrigação de continuar a valorizar as partes sociais, cujo incumprimento daria lugar à perda do regime fiscal favorável e à tributação das mais-valias das participações sociais entregues a título de entradas de capital.

Estava assim garantida a política fiscal de incentivo à criação de SGPS e a simultânea neutralização da obtenção de vantagens fiscais abusivas.

Por tudo quanto se disse concluímos que a tese que a Fazenda Pública defende nas alegações recursivas, limitada à não recondução da factualidade ao conceito e ao regime jurídico da permuta de participações sociais, tem, pois, que improceder.

E também não é possível julgar aqui da perda ou não daquele benefício por incumprimento da condição, uma vez que essa questão não vem suscitada no recurso.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.