Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0100/19.3BALSB
Data do Acordão:11/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IVA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objecto decisão arbitral e sendo dirigido ao S.T.A., pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr.artº.25, nº.2, do R.J.A.T.).
II - O TJUE emitiu pronúncia no sentido de que o artº.17, nº.5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo "pro rata" de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar (cfr.processo C-183/13, de 10/07/2014).
III - Nesta perspectiva, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artº.23, nº.2, do Código do I.V.A., o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo "pro rata" do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o seu cálculo apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
IV - "In casu", verifica-se uma situação de défice instrutório da decisão arbitral objecto do recurso, no que se refere à factualidade relativa à utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da sociedade recorrida, assim havendo que saber se foi, sobretudo, determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26697
Nº do Documento:SAP202011040100/19
Data de Entrada:12/31/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.456/2019-T, o qual julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pela sociedade recorrida, em consequência do que e além do mais, anulou parcialmente o acto de auto-liquidação de I.V.A., referente ao mês de Dezembro de 2016 e no montante de € 703.670,13.
O recorrente invoca oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., proferido em 15/11/2017, no âmbito do rec.485/17 (cfr.cópia junta a fls.54 a 74 do processo físico), transitado em julgado.
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.2 a 32 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
A-O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida;
B-Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas;
C-No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete;
D-Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete;
E-Assim, em síntese, em ambos os Acórdãos, Autora e Recorrida são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração) e têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA;
F-Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2016 e 2010, respetivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009;
G-Uma e outra apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório;
H-E, ambas imputam aos atos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA (correspondente ao artigo 174-º da Diretiva IVA), o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD;
I-Enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA) e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu, por oposição, que o referida norma da Sexta Diretiva (e Diretiva IVA) não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fração a totalidade da renda (juros e capital);
J-Fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto;
K-Há também identidade da questão de direito, pois em ambos os acórdãos a questão a decidir consiste em aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afetos tanto a operações tributadas como a operações isentas;
L-Mais concretamente, tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto, em ambos os arestos está em causa saber se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos;
M-Sendo que, fundamentalmente, no Acórdão recorrido foi decidido que:
«Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.
Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.
E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».
Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CJVA.
E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55° da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. […]
Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.»
o que desembocou na anulação dos atos tributários impugnados;
N-Por sua vez, no Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 do TJUE, e ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA), reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros
«podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos»;
O-Concluiu, nesse seguimento, o STA que
«a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos n.º 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17.º, n.º 5, 3.º parágrafo, al. c) da Sexta directiva 77/3888/CEE»;
P-O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009;
Q-O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito:
«Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»;
R-A tese entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: «O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade» – v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111;
S-Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Diretiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objetivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a atividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA;
T-A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de atividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui atividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução;
U-No caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a perceção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução;
V-Seguindo o método da afetação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível;
W-Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adoção de um critério mais objetivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afetação dos inputs aos dois tipos de operações;
X-No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são diretamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível;
Y-A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA;
Z-Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento
«há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um EstadoMembro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»;
AA-Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento;
BB-Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento;
CC-De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento;
DD-Mais se peticionando, nos termos legais e constitucionais supra expostos, dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
X
Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, por julgar verificada a alegada oposição entre o aresto arbitral e o acórdão fundamento, mais ordenando a notificação da sociedade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.157 do processo físico).
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.163 a 186 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-A Recorrente vem, nos presentes autos, requerer a revogação da Decisão Arbitral proferida no processo nº 456/2019-T em virtude de a mesma, alegadamente, se encontrar em oposição com “a jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), prolatado no processo n.º 0485/17 em 15-11-2017”, o Acórdão Fundamento;
B-Neste sentido, alega a Recorrente que, verificando-se uma identidade substancial da situação fáctica em causa em ambas as decisões, há contudo uma “contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, o que, naturalmente, leva à adopção de soluções opostas expressas”;
C-Contudo, não deve o presente recurso merecer provimento, não podendo proceder a pretensão da Recorrente;
D-Nos termos do regime legal aplicável (n.º 2 do artigo 25.° do RJAMT e artigo 152.º do CPTA), verifica-se uma efectiva oposição de acórdãos, passível de recurso, sempre que se encontrem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) as situações de facto sejam substancialmente id ii) haja identidade na questão fundamental de direito, iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta;
E-Contudo, ao contrário do quanto foi alegado pela Recorrente, não se verifica uma identidade substancial entre as situações de facto em causa nos arestos aqui convocados;
F-De facto, em ambas as decisões estão em causa sujeitos passivos (de IVA) que desenvolvem operações tributadas em IVA e operações isentas de imposto, vendo assim o seu direito à dedução limitado;
G-Porém, a natureza das operações desenvolvidas pelos sujeitos passivos em causa e, bem assim, os recursos utilizados (ou afectos) pelos mesmos ao desenvolvimento daquelas, são distintos e mereceram uma análise (e conclusões) distintas desse Digníssimo Tribunal;
H-No Acórdão Fundamento estava em causa (apenas) a determinação da percentagem do IVA dedutível relativo aos gastos suportados relativamente ao “financiamento” e “gestão dos contratos de locação financeira mobiliária - e não quanto aos gastos inerentes à “disponibilização” de veículos no âmbito dos contratos de locação financeira;
I-De facto, na situação em causa naquele aresto - ao contrário da situação em causa na Decisão Arbitral recorrida, o sujeito passivo não demonstrou os custos (alegadamente) suportados com a “disponibilização” de veículos. Neste sentido, nos termos dos factos provados naquele Acórdão Fundamento, “a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações (...) respeitavam”; e ainda, nos termos dos factos não provados, foi considerado “não provado o seguinte facto: A) Os custos mencionados em 13) [relativos a operações que conferem ou não o direito à dedução respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação”;
J-E, neste contexto, foi negado provimento àquele Recurso, decidindo então esse Digníssimo Tribunal, em linha com o Acórdão Banco Mais, proferido pelo TJUE, no processo C-183/13, de 10 de Julho de 2014;
K-Jurisprudência comunitária esta que foi no sentido que “não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilizado desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo Financiamento e pela gestão desses contratos o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”;
L-Ademais, concluiu ainda aqui o TJUE que “embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratas de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”;
M-Esta solução jurídica - adoptada pelo TJUE no Acórdão Banco Mais e sufragada no Acórdão Fundamento - foi adoptada face a uma situação de facto em que estavam em causa (apenas) gastos relacionados com o “financiamento” e “gestão” dos contratos de locação financeira - o que não sucedeu, de todo, no processo arbitral cuja Decisão é aqui recorrida;
N-Acresce que, na situação de facto em causa neste Acórdão fundamento, a AT logrou demonstrar que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação (condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa — cf alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA). O que, conforme se demonstra infra, não sucedeu na situação de facto em causa;
O-Na situação em causa na Decisão Arbitral recorrida, foram alegados, demonstrados e provados, pela ora Recorrida, os custos suportados com a “disponibilização” de veículos, bem como os custos relativos ao financiamento e gestão dos contractos de locação;
P-De facto, conforme logrou demonstrar e provar no processo arbitral aqui em causa, a Recorrida, no desenvolvimento da sua actividade de locação financeira mobiliária, recorre a várias direcções e departamentos, utilizando, por conseguinte, diversos recursos (exclusivos e mistos);
Q-De referir, a título ilustrativo, que a actividade de locação financeira é coordenada por uma direcção específica, a qual assegura a gestão operacional de todo o processo, gestão essa que conta com a intervenção/contributo de várias direcções;
R-Existem, ainda, outras direcções da Recorrida que contribuem para a actividade de locação financeira, como a Direcção de Marketing, Direcção de Risco, Direcção de Recuperação de Crédito, Direcção Jurídica, entre outras;
S-A Recorrida incorre, efectivamente, num montante significativo de despesas para o apoio na disponibilização das viaturas, designadamente de call centres, disponibilização de software (aplicação) de apoio ao ciente, bem como através dos 327 balcões que possui em território nacional;
T-Pelo que, neste âmbito, a Decisão Arbitral revela (necessariamente) uma evidente identidade factual com o Acórdão Volkwagen proferido pelo TJUE, no processo C 153/17, de 18 de Outubro de 2018;
U-No Acórdão Recorrido (tal como sucede no Acórdão Volkswagen), a utilização dos recursos adquiridos pelo Recorrido é, igualmente, determinada pela disponibilização dos bens locados, e não somente pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira;
V-De notar que, no âmbito do Acórdão Volkswagen o TJUE traz à colação o processo Banco Mais, referindo que, neste Acórdão em concreto, se concluiu, a respeito das operações de locação financeira de automóveis, que «embora a realização de tais operações por um banco possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”;
W-O entendimento do TJUE, no Acórdão Volkswagen, afasta-se do anteriormente sustentado no âmbito do processo Banco Mais (processo C-183/13) porquanto a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais (e, de igual forma, no Acórdão Fundamento) era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, ao passo que a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services (bem como no Acórdão Recorrido) é, também, determinada pela disponibilização dos bens locados;
X-Também no Acórdão Recorrido, tal como sucede com a Volkswagen, a utilização dos recursos adquiridos pelo Recorrido é, igualmente, determinada pela disponibilização dos bens locados, e não tão-somente pelo financiamento e pela gestão dos correspondentes contratos de locação financeira;
Y-Na esteira das conclusões do TJUE no “Acórdão Volkswagen”, no que respeita à imposição de medidas passíveis de desconsiderar do critério de dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista o valor do bem locado no momento da sua entrega, os Estados-Membros não podem, de maneira geral aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega;
Z-Acresce que, na situação de facto em causa nesta Decisão arbitral recorrida, a AT não veio demonstrar que a aplicação do pro rata conduziria a distorções significativas na tributação (condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa — cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23º do Código do IVA), contrariamente ao que sucedeu no Acórdão Fundamento;
AA-Pelo que ficou exposto, resulta evidente que inexiste (a alegada) identidade factual entre o Acórdão Fundamento e a Decisão Arbitral aqui recorrida;
BB-De facto, no Acórdão Fundamento apenas foram demonstrados e provados - e, portanto, considerados na decisão - custos relativos ao “financiamento” e “gestão’ no âmbito dos contratos de locação financeira;
CC-Enquanto na Decisão Arbitral recorrida foram igualmente demonstrados e provados custos inerentes à “disponibilização das viaturas”, em concreto custos associados à prestação de serviços de apoio ao cliente e inerentes à actividade de locação financeira mobiliária;
DD-Resulta, assim, evidente que a factologia em apreço na Decisão Arbitral recorrida é distinta daquela que foi apreciada no Acórdão Fundamento (e no Acórdão Banco Mais do TJUE), onde não foi considerado (porque não demonstrado e não provado) o consumo de recursos para a prestação de serviços de “disponibilização” de viaturas, no âmbito de contratos de locação financeira, contrariamente ao que se verifica na Decisão Arbitral recorrida;
EE-Atenta a relevância assumida pela jurisprudência comunitária nos segmentos decisórios sub judice, cumpre reforçar que (naturalmente) também o entendimento do TJUE no Acórdão Volkswagen se afasta do anteriormente sustentado no Acórdão Banco Mais: a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais - e, de igual modo, pelo sujeito passivo em causa no Acórdão Fundamento - era sobretudo determinada pelo “financiamento” e pela “gestão” dos contratos de locação financeira, enquanto a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services - e, na mesma linha, pelo sujeito passivo em causa na Decisão Arbitral recorrida, aqui Recorrido - é determinada, também, pela “disponibilização dos bens locados” - conforme resultou demonstrado e provado no âmbito do processo arbitral;
FF-Esta falta de identidade entre as decisões judiciais controvertidas resulta ainda das conclusões alcançadas pela AT num e noutro processo: se, no processo que deu origem ao Acórdão fundamento, a AT logrou demonstrar que a aplicação do método do pra rata conduziria a distorções na tributação (e por isso impôs a aplicação do coeficiente de imputação directa - cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23º do Código do IVA), no processo que deu origem à Decisão Arbitral recorrida, a AT não logrou efectuar aquela demonstração, não sendo assim imposta a aplicação do coeficiente de imputação directa;
GG-Ora, uma vez que a factologia que esteve na génese da Decisão Arbitral recorrida é distinta da factologia em causa no Acórdão Fundamento, sempre se justificaria uma solução jurídica distinta - tal como sucedeu, em paralelo, na jurisprudência comunitária acima descrita (ie. Acórdão Volkswagen vs. Acórdão Banco Mais);
HH-O que não significa que, como pretendeu demonstrar a Recorrente, as decisões judiciais aqui em causa estejam efectivamente em situação de “conflito” - tais decisões são (necessariamente) distintas porque assentam em factos distintos;
II-De resto, não se compreende qual a solução jurídica pretendida pela AT, aqui Recorrente. De facto, como seria possível alcançar mesma solução jurídica para duas situações de facto (tão) distintas, como as que estão aqui em causa?
JJ-Resultando assim demonstrado que não existe identidade de situações de facto nos dois processos aqui em causa, não se encontram verificados in casu os requisitos legais aplicáveis e, como tal, não pode o presente Recurso proceder, devendo ser mantida, na íntegra, a Decisão Arbitral recorrida.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui pugnando pelo provimento do recurso, em consequência do que se deve anular a decisão arbitral recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, após ampliação da matéria de facto, aplique o regime jurídico ajustável ao caso em apreço (cfr.fls.191 a 200 do processo físico).
X
Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
O aresto arbitral recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.85 a 101 do processo físico):
A-A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;
B-No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento/concessão de crédito;
C-Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente operações de locação financeira mobiliária e custódia de títulos;
D-Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;
E-Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;
F-Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o que sucedeu, nomeadamente, quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático ("TPA's");
G-A Requerente não considerou viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real, nas aquisições de recursos de utilização mista;
H-Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de "utilização mista"), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA;
I-A referida percentagem de dedução foi determinada com cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2014, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;
J-A 09-02-2017, a Requerente apresentou a Declaração periódica de IVA respeitante ao período de dezembro de 2016 onde nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do CIVA procede à regularização do imposto dedutível relacionado com bens de utilização mista, declarando para o efeito no campo 40 o montante de € 917.940,43;
K-Nessa autoliquidação, a Requerente apurou, por lapso, um pro rata definitivo de 2% (dois por cento), tendo apresentado Reclamação Graciosa, com fundamento em erro na autoliquidação de IVA aquando do apuramento da percentagem de dedução de imposto nos termos do n.º 6 do art. 23.º do CTVA peticionando a consideração do pro rata definitivo de 4%;
L-A referida reclamação, que teve o n.º 3247201804010752, veio a ser deferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo a mesma aceite a alteração do pro rata definitivo para 4% (quatro por cento);
M-No Quadro 3 do Anexo 40, a título de “Regularizações abrangidas pelos art.ºs 23.º a 26”, tanto na primeira declaração apresentada como na de substituição, encontra-se cifrada em € 639.773,43, mas a regularização devida nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do CIVA no ano de 2016 foi apenas de € 327.753,50;
N-Em 14-02-2017, a Requerente apresentou uma declaração de substituição com a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016, com a declaração periódica n.º 112163834522 que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
O-Com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108, a Requerente não incluiu no cálculo da referida percentagem de dedução os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing;
P-Em 28-12-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do período de Dezembro de 2016, solicitando que o ato tributário de autoliquidação de IVA relativo ao último período de 2016 fosse anulado na parte referente ao IVA que resulta da divergência de aplicação daquelas percentagens aos bens e serviços com utilização mista;
Q-A reclamação graciosa referida foi indeferida por despacho de 08-04-2019, com os fundamentos de uma informação que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:
".1 Quesito Único: Erro na autoliquidação por desconsideração do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira no apuramento do pro rata definitivo de dedução: € 703.670,13
V.1.1 Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário
15. A Reclamante constitui-se como uma sociedade comercial que se enquadra para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal.
16. A questão em análise, nos presentes, autos consubstancia-se num alegado erro de autoliquidação de IVA, efetuada pelo sujeito passivo, relativa ao período de dezembro de 2016.
17. A Reclamante é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
18. No âmbito da sua atividade, a Reclamante realiza, por um lado, operações financeiras que se encontram enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, nomeadamente, financiamento/concessão de crédito, operações que configuram isenções simples ou incompletas pois não conferem direito à dedução do IVA suportado.
19. Por outro lado, pratica, simultaneamente, outro tipo de operações financeiras, como a celebração de contratos de locação financeira mobiliário, que conferem direito à dedução (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA).
20. Nestes termos, tendo em consideração a natureza das atividades praticadas, a Reclamante qualifica-se como um sujeito passivo "misto".
21. Relativamente às operações afetas à aquisição de bens e serviços de utilização mista, operações de locação financeira (Leasing e ALD), a CEMG recorreu ao método do coeficiente de imputação específico constante no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 (da Área de Gestão Tributaria do IVA) que determina que apenas deve ser considerado, no cálculo da percentagem de dedução, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo-se a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.
22. Nessa medida, afirma ter apurado uma percentagem de dedução definitiva de 4% que determinou um valor a deduzir de € 562.936,10 - ponto 16.º da petição de Reclamação Graciosa.
23. Sucede que, no entendimento da Reclamante, a solução preconizada pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 é ilegal, uma vez que, não só impõe a aplicação do método da afetação real quando não se encontram preenchidos os pressuposto legalmente previstos para tal "imposição autoritária" (cf. ponto 73.º da petição de Reclamação Graciosa), como, também, expurga do cálculo da referida percentagem o valor das amortizações financeiras, violando o disposto no n.º 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA, conjugado com o artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA (cf. pontos 74.º a 76.º da petição em análise).
24. Se assim não fosse a percentagem de dedução seria de 9% (contra os 4% referidos), o que determinaria um valor a deduzir de € 1.266.606,23, constatando a Reclamante uma diferença, em seu prejuízo, de € 703.670,13 (cf. ponto 17.º a 19.º da petição de Reclamação Graciosa).
25. Não se conformando, por entender que é ilegal a aplicação da restrição imposta pela AT, veio interpor a presente Reclamação Graciosa, pugnando pela anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA efetuada pelo sujeito passivo, relativamente ao período de dezembro de 2016, decorrente da existência, na sua perspetiva, de erro na determinação da percentagem de dedução do pro rata.
E em consequência, pugna pela (o)
a) Anulação parcial da autoliquidação de IVA que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 4% aos "custos" comuns e residuais, percentagem essa que foi determinada de acordo com as instruções (alegadamente ilegais) constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, quando a percentagem de dedução (no entender da Reclamante) deveria corresponder a 9%, por aplicação dos n.º 1 a 4 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º da Diretiva IVA e, consequentemente, defende ser devida a restituição à Reclamante do valor do IVA (alegadamente) pago em excesso, no montante de € 703.670,13,
b) Direito a juros indemnizatórios, por entender (no caso de deferimento da presente Reclamação Graciosa) estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.
v.1.2. Síntese das alegações da Reclamante
26. Após uma exposição sucinta sobre a tempestividade e adequação do meio deduzidos, a Reclamante apresenta a descrição da situação, bem como os fundamentos que a levam a pugnar pelo deferimento da sua pretensão.
27. Tratando-se o IVA de um imposto harmonizado pelo sistema comunitário, a Reclamante começa por enquadrar as operações de Leasing e ALD na designada Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006), mais precisamente no artigo 73.º, que define o valor das operações como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas (cf. pontos 43.º a 45.º da petição em análise).
28. No caso de locação financeira a contraprestação consubstancia-se na renda, assumindo esta uma natureza unitária, face à inutilidade de se cindir as suas diversas componentes para efeitos de determinação do valor tributável, sobre o qual recai a incidência de IVA, devendo esse valor corresponder a "renda recebida ou a receber do locatário", nos termos dispostos na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA.
29. No entender da Reclamante, desde que não esteja em causa qualquer isenção legalmente prevista, as rendas de contratos de locação financeira são integralmente sujeitas a IVA - tributação unitária - quer na parte que respeita à amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e a remuneração de outros encargos?
30. Todavia, no que concerne à aplicação do regime de dedução parcial, a Reclamante alega que a posição preconizada pela AT não é concordante com as normas comunitárias transpostas para o normativo nacional aplicável (CIVA)6.
31. Isto porque, o método da percentagem de dedução - pró rata - respeitante ao IVA dos bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito a dedução, como operações sem direito a dedução, ou seja, com utilização mista, se encontra formulado nos artigos 173.º a 175.º da Diretiva IVA, e tem caráter imperativo para efeitos de determinação do IVA, proporcionalmente dedutível, traduzindo-se no cálculo que resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:
- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução; e
- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e as operações que não confiram direito à dedução.
32. De seguida, o sujeito passivo defende o afastamento da aplicabilidade do único método estabelecido no normativo nacional como alternativo ao pró rata, e que encontra acolhimento expresso no artigo 23.º do CIVA, o da dedução parcial do IVA com base na afetação real dos bens ou serviços adquiridos.
33. E fá-lo por inobservância (segundo a Reclamante) dos respetivos pressupostos de aplicação, definidos nos termos dos n.ºs 2 e 3 da mesma norma, uma vez que a Reclamante não só não optou pelo método da afetação real, como apenas exerce uma única atividade. Ainda que se verificasse esta última condição, era necessário que, cumulativamente, a aplicação do método pro rata conduzisse a distorções significativas na tributação".
34. Pelo que, não se verificando os pressupostos preceituados no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, referentes ao exercício de atividades económicas distintas, bem como à ocorrência de distorções na tributação, a Reclamante defende que a AT não pode impor a adoção do método da afetação real.
35. Ainda assim, ressalva a Reclamante, a aplicação do método alternativo à aplicação do pro rata, se enquadrável no caso em apreço, consistiria na afetação (utilização efetiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações ativas, em função da utilização efetiva dos mesmos e não na utilização de quaisquer fórmulas de cálculo da percentagem de dedução "à medida" das Autoridades Tributárias e divergente das instituídas, quer no normativo comunitário?
36. E, deste modo, entende que as normas regulamentares do Ofício Circulado n.º 30108 são inválidas, por padecerem de ilegalidade sustentada na imposição do método da afetação real quando não se verificam os pressupostos legalmente determinados e que legitimam tal imposição."
37. A Reclamante considera, ainda, ilegal a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor das operações de locação financeira (a componente de amortização do capital) para efeitos de IVA (leia-se, para cálculo do pró rata), divergindo da fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Diretiva IVA e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA.
38. Entende o sujeito passivo estar perante uma posição desprovida de qualquer base legal, por colidir e ser incompatível com as normas constantes do artigo 23.º do CIVA, conjugado com os artigos 173.º e 174.º da Diretiva comunitária, ao caso aplicável".
39. Concluindo no sentido de que o procedimento adoptado pela Reclamante, "(...) em estrito cumprimento da obrigação imposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira (...)" se apresenta em desconformidade com o sistema comum do IVA."
40. A fim de sustentar a sua posição, a CEMG invoca diversas decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nomeadamente, nos pontos 85.º a 147.º da sua exposição.
41. Face ao exposto, e por entender que é ilegal a aplicação da restrição, imposta pela AT. no critério utilizado na determinação da percentagem de dedução do imposto, veio a Reclamante interpor a presente Reclamação Graciosa, pugnando pela anulação parcial da autoliquidação de IVA por si efetuada, relativamente ao período de 2016, e que, em seu entender, originou uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de € 703.670,13.
V. 1.3. Apreciação do mérito
42. Após análise do requerimento de Reclamação Graciosa, cumpre tecer as seguintes considerações quanto aos fundamentos invocados pelo sujeito passivo para sustentar a sua posição.
43. De facto, tendo em consideração o invocado, conclui-se que a questão em causa se reconduz em aferir a eventual ocorrência de erro no apuramento da percentagem de dedução definitiva do IVA referente aos bens e serviços de utilização mista, relativos ao período de 2016, nomeadamente, com a consideração do valor referente ao capital das rendas apuradas no âmbito dos contratos de locação financeira para determinação do pro rata do respectivo período de tributação.
44. A pretensão da Reclamante traduz-se na anulação parcial da autoliquidação de IVA, subjacente à declaração periódica n.º 11216383-4522, correspondente ao período de dezembro de 2016 (1612), alegando a entrega em excesso da importância de € 703.670,13, a acrescer juros indemnizatórios por considerar tratar-se de um erro na autoliquidação decorrente do cumprimento de instruções administrativas emitidas pela AT e, consequentemente, imputável a esta.
45. No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliário, pretendendo-se aferir a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos apurados.
46. Antes de procedermos à apreciação do mérito da presente Reclamação Graciosa, importa aludir ao facto da Reclamante se enquadrar, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal, assumindo a natureza de sujeito passivo "misto".
47. Assume a natureza de sujeito passivo misto devido ao facto de realizar operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA. por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.
48. A Reclamante realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito a dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA.
49. No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Reclamante assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.
50. Em contrapartida, a Reclamante apura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.
51. No que se refere às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afetas às diversas operações desenvolvidas pela Reclamante, para efeitos do exercício à dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução - também designado por pro rata - nos termos estatuídos na alínea b) do n.º 1 e do n.º 4, ambos do artigo 23.º do CIVA.
52. No exercício de 2016, acompanhando o entendimento preconizado pela AT, a Reclamante afirma não ter considerado quer no numerador, quer no denominador, da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando uma percentagem de dedução definitiva de 2%, a que correspondeu uma regularização de € 639.773,43.
53. De facto, não obstante a Reclamante insistir no apuramento dum quociente de imputação de 4%, a verdade é que na declaração periódica de dezembro de 2016 (n.º 112163834522), a regularização de € 639.773,43 que consta do quadro 3 do Anexo 40, por aplicação do disposto no art.º 23.º do CIVA, foi supostamente efetuada com o quociente de 2%.
54. A revisão do quociente de imputação de 2% para 4% é uma pretensão sua, efetuada através do expediente de reclamação graciosa, conforme descrito no parágrafo 16 da petição, e como tal não traduz a actualidade e a situação jurídico-tributária vigente.
55. Igualmente desconcertante é o montante que a Reclamante afirma ter regularizado, supostamente de € 562.936.10, que, conforme já referimos, não corresponde ao montante inscrito na declaração periódica.
56. Porém, a questão central da sua pretensão é a não inclusão da componente de amortização de capital relacionada com as operações de Leasing e ALD o que conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 9%, contra os 4% refletidos na declaração periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2016, o que significaria uma dedução equivalente ao montante de € 1.266.606,23.
57. Efetuado o necessário enquadramento factual, procede-se à análise, propriamente dita, dos argumentos aduzidos pela Reclamante, com vista a apreciação do mérito da Reclamação Graciosa.
58. Face à questão em análise nos presentes autos, importa ressalvar que não se considera existir qualquer erro no preenchimento da declaração, consubstanciado em erro no apuramento do pro rata de dedução, e bem assim, não se vislumbra a existência de qualquer ilegalidade quanto ao entendimento defendido na mencionada instrução administrativa.
59. Com efeito, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão à Reclamante quanto à pretensão formulada no seu requerimento inicial.
60. O Ofício-Circulado n.º 30108 de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-Geral - Área de Gestão Tributária do IVA, veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou (...) divulgar a correta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD (...)"
61. Da leitura do mesmo, conclui-se que o apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida, 4%, foi efetuado, pela Reclamante, em perfeita concordância com os termos aí previstos, que se transcrevem:
"(...) 7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a "distorções significativas na tributação", os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação especifico, tendo em conta os valores envolvidos devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.
(...)".
62. Isto é, a percentagem de dedução inicialmente apurada não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, mas antes assenta na aplicação do método de afetação real, através da utilização de um critério de imputação objetivo, tendo em conta os valores envolvidos nas operações desenvolvidas no âmbito das atividades de Leasing ou de ALD.
63. A título prévio importa efetuar o enquadramento jurídico-tributário do contrato aqui em análise, que está subjacente à prestação de serviços de Leasing, o contrato de locação financeira.
64. A base jurídica de qualquer modalidade de contratos de locação encontra-se plasmada, em termos gerais, nos artigos 1022.º a 1114.º do Código Civil. Não obstante, e porque se trata de um tipo particular de locação, importa atender ao previsto no regime jurídico especialmente criado para este tipo de contratos, que vem consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as subsequentes alterações.
65. De acordo com o artigo 1.º do referido D.L., a locação financeira é o "(...) contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados."
66. Nesse sentido, António Menezes Cordeiro afirma que a "(...) locação financeira é o contrato pelo qual - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio tocador, a um terceiro, por indicação do locatário (...)"
67. Trata-se, portanto, de um contrato comummente utilizado como forma de proporcionar crédito bancário, pelo qual, a instituição financeira, perante solicitação do interessado, adquire o bem em causa e cede-o a este em locação, ficando o mesmo, obrigado a pagar uma "(...) retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nada fazer."
68. Daqui decorre que o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra no anal do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes.
69. Atenta esta qualificação jurídica e transpondo-a para a perspetiva tributária, conclui-se que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e efetuada pelo sujeito passivo no âmbito de uma atividade económica.
70. Efetivamente, no caso das operações de locação, dúvidas não restam de que, a respetiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas pela entidade que assume a posição contratual de locadora.
71. No entanto, não podemos abstrair-nos do facto de essas operações de locação (Leasing e ALD) consubstanciarem uma modalidade de crédito, pelo que a atividade da entidade locadora é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.
72. Refere a Reclamante, invocando o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, que a contraprestação decorrente deste tipo de contratos (rendas) goza de uma natureza unitária na medida em que o valor tributável em sede de IVA corresponde ao valor da renda recebida ou a receber (cf. ponto 47.º da petição de Reclamação Graciosa).
73. Razão pela qual as rendas decorrentes de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção) são, de facto, integralmente sujeitas a IVA.
74. A esse propósito, deve ter-se presente que, um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.
75. Ora, o facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente a amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.
76. Desde logo, porque a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia "emprestada" e juros, acrescidos de eventuais encargos que constituem a remuneração do locador.
77. Note-se que, na perspetiva da operação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.
78. Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.
79. Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.
80. Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.
81. Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.
82. Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado face à realidade das operações tributáveis.
83. A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens. Mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade, e dessa atividade obter, fundamentalmente, juros.
84. Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise e, em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.
85. E, é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.
86. Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.
87. O entendimento da AT pugna, assim, pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Reclamante colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente à mecânica do IVA.
88. Acresce que o método do pró rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, e que a Reclamante pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alocados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.
89. São dois os métodos de dedução previstos no artigo 23.º do CIVA.
90. Por um lado, o denominado método da afetação real, que "(...) consiste na aplicação de critérios objectivos, reais, sobre o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. É de acordo com esse grau ou intensidade da utilização dos bens, medidos por critérios objectivos, que o sujeito passivo determinará a parte do imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (...) ao escrutínio da Direcção-Geral dos Impostos, que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afectação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou se podem provocar distorções significativas de tributação. (...)".
91. Por outro lado, o método da percentagem de dedução ou pró rata, definido na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.ºs 4 a 8 do mesmo preceito legal.
92. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.
93. Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pró rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização do pro rata definitivo.
94. Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23.º do CIVA pela Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela Administração Tributária, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em análise.
95. O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA. De facto, de um ano para o outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.
96. É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva que se enquadra o Ofício-Circulado n.º 30108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permita afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.
97. Assim, o Ofício-Circulado no seu ponto 9 prescreve que "Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA".
98. Ou seja, a AT veio estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.
99. Importa ressalvar que a adoção do critério referido é demonstrativo que a AT admite a existência de algum grau de afetação dos recursos integrantes do conceito de despesas gerais incorridas pelos bancos no âmbito da celebração deste tipo de contratos, muito embora, seja um facto notório que, por norma, as operações desta natureza exigem uma utilização de recursos técnicos e administrativos bastante menos relevante que aqueles que se encontram afetos às atividades principais desenvolvidas pelas instituições bancárias como a Reclamante.
100. Por outro lado tal não significa que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no Ofício-circulado, aplicando o critério nele definido, com efeito, como decorre do mesmo, a AT aceita que as instituições financeiras recorram a outros critérios de afetação real, desde que, os mesmos se mostrem idóneos ao fim pretendido.
101. Posto isto, a questão que se coloca é saber se o procedimento adotado pela Administração está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial o artigo 16.º e 23.º do CIVA, bem como com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva.
102. Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou "(...) divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23.º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD (...)", procurando afastar algumas dificuldades interpretativas suscitadas pela redacção do artigo 23.º do CIVA, harmonizando-o com a doutrina e jurisprudência comunitárias.
103. Não obstante, grande parte da doutrina nele preconizada, já vinha sendo aplicada pela Administração Tributária antes mesmo da sua publicação."
104. A questão principal que se dirime, nesta sede, foi já objeto de apreciação por parte do TJUE, sendo que, o entendimento nele preconizado confirma a posição que tem vindo a ser assumida pela AT relativamente a esta matéria.
105. Conforme refere Tânia Meireles da Cunha" "Neste contexto, o TJUE entendeu que o direito interno (concretamente o ar. 23º nºs 2 e 3, do CIVA, na redacção vigente) legitima a actuação da AT, no sentido de derrogar a regra de cálculo do pró rata prevista na Sexta Diretiva. O entendimento do TJUE foi no sentido de que o acervo normativo em causa, considerando os princípios que conformam o IVA (designadamente os da neutralidade e da proporcionalidade) e considerando que o cálculo de um quociente de dedução deverá ser o mais possível aproximado da realidade (apesar de alguma margem de erro que o caracteriza, por definição), não se opõe a que os EM apliquem um método ou um critério diferente do volume de negócios, se este método for o mais preciso. No caso em concreto, o TJUE entendeu que o método que a AT portuguesa definiu é, em princípio, mais preciso do que o previsto na Sexta Diretiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador."
106. Sendo que este entendimento veio necessariamente, a ter acolhimento pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente no âmbito dos processos onde havia sido solicitado o reenvio prejudicial para o referido tribunal.
107. Na verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que não constitui rendimento da atividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, sendo que, a sua consideração, provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método do pró rata e todo o sistema de dedução do IVA, ao reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações tributadas.
108. Só assim é alcançada a neutralidade do imposto.
109. Não são todas as operações tributadas e/ou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma atividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objeto do contrato, através da qual o locador obter rendimentos, sob a forma de juros).
110. Ora, consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização. Se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.
111. Face a tudo o que ficou dito, não subsistem dúvidas que o procedimento adoptado pela Administração Fiscal está de acordo com as normas internas e comunitárias e nenhuma ilegalidade se lhe pode assacar.
112. De facto, o n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva (que corresponde ao atual artigo 174.º da Diretiva IVA) consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos "inputs promíscuos", autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos especificas de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem."
113. Em consonância com essa permissão está o disposto no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3, ambos do artigo 23.º CIVA.
114. Estas regras que regem o direito à dedução constam das diretivas que disciplinam o sistema comum de IVA, estando também em consonância com as normas contidas no CIVA.
115. Face ao exposto, fica inequivocamente demonstrado que o método adotado pela Reclamante, e que agora pretende alterar, é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, afastar as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas, conforme amplamente se demonstrou e se encontra referido na norma em causa.
116. Sendo este facto, por si só, justificativo para a imposição da obrigatoriedade da sua utilização, já que dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA não resulta que este poder, conferido à AT, esteja dependente da verificação cumulativo das duas alíneas do último número indicado, ou seja, além das distorções na tributação, a prática, pelo sujeito passivo, de atividades económicas distintas.
117. Reforçando o exposto, acresce que importa atentar ainda na forma de contabilização das duas componentes que integram a renda paga.
118. Por um lado, o locador deverá refletir o valor do bem, como um crédito que é reembolsado através das amortizações financeiras deve ser registada como crédito, e a restante parte (os juros e demais encargos), devem ser relevados como proveitos. Logo resulta daqui, que a amortização financeira visa tão só a redução de um crédito, enquanto os juros, irão influenciar o resultado do exercício.
119. Razão pela qual, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, o conceito de volume de negócios, estatuído na alínea a) do n.º 3 do artigo 5º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho de 20 de Janeiro, não contempla a parte correspondente à amortização financeira.
120. Pese embora, a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, regra que, nas operações de locação financeira, o valor tributável corresponde à renda recebida no seu todo, a verdade é que a parcela correspondente à amortização financeira, não assume a natureza de proveito, e como tal, não integra o conceito de volume de negócios nas instituições de crédito, e daí que não possa influenciar o cálculo da percentagem de dedução."
121. A posição da AT encontra perfeito acolhimento quer nos princípios constitucionais, quer no espírito e princípios disciplinadores do mecanismo do exercício do direito à dedução, constante quer da jurisdição comunitária, quer do quadro normativo nacional, que não é mais do que uma transposição das normas jurídicas comunitárias.
122. A este respeito, cumpre esclarecer que, as orientações plasmadas no ponto 9 do Ofício-Circulado n. 30108 mais não fazem do que contribuir para a praticabilidade dos desígnios constitucionais plasmados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo um fator decisivo para garantir e tutelar a confiança dos contribuintes.
123. De facto, as orientações administrativas constantes de circulares ou ofício-circulados são relevantes para a adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes - artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT.
124. A importância das referidas orientações resulta, desde logo, do facto da "actividade tributária [ser] hoje uma actividade massiva, que envolve o tratamento de milhares de casos, geralmente traduzidos em declarações fiscais dos contribuintes e nesse contexto é elemento imponente da segurança jurídica o conhecimento prévio da organização implementada para tratar desses casos, dos critérios e dos procedimentos que adora, dado que, designadamente, permite aos particulares perante um problema ou uma dúvida saber, caso exista regulamento interno sobre essa matéria, como, em princípio, vai ser resolvido esse caso pelos funcionários a quem cabe aplicar a lei".
125. Acrescentando Casalta Nabais, que, no recorte dogmático do princípio da legalidade fiscal, entende "chamar aqui à colação, enquanto limite à determinabilidade requerida pelo princípio da tipicidade fiscal, (...) o princípio da praticabilidade, o qual implica que o legislador não vá tão longe na determinação das soluções legais quanto seria de exigir, permitindo à administração uma dada margem de livre decisão, sob pena de nos depararmos com soluções impraticáveis no sentido de economicamente insuportáveis (...). Dai que, em face à realidade das situações cujo grau de diferenciação e individualização não é possível de acompanhar por razões de ordem prática, nomeadamente pelos custos insuportáveis ou inadequados que implicam, se apele à edição de normas de simplificação, seja em sede legislativa, seja em sede administrativa, através das quais se proceda à tipificação (ou tipi(ci)zação), globalização ou estandardização, assumindo como regra o que é típico, normal, provável (...) sendo que, para o Autor, «o princípio da praticabilidade ainda pode contribuir para uma atenuação das exigências da determinabilidade do princípio da legalidade pascal (...), constituindo-se em suporte para o legislador utilizar conceitos indeterminados (...) ou conceder mesmo faculdades discricionárias, o que de resto se verifica em toda a parte e que, entre nós, tem diversas manifestações.
126. A posição da Administração Tributária, em momento algum, põe em causa, quer as normas internas, quer comunitárias relativas ao direito à dedução, conforme já ficou amplamente elucidado, jamais procurando alterar ou violar as regras jurídicas que lhe deram origem.
127. O facto de no Ofício-Circulado n.º 30108 se esclarecer o método a utilizar, para além de contribuir para promover a segurança jurídica, permite ainda, a realização efetiva das finalidades do direito à dedução, garantindo deste modo o princípio da neutralidade e da justiça fiscal em relação a todos os sujeitos passivos.
128. Face ao exposto, ressalvado o devido respeito pelo decidido pelo CAAD, no âmbito dos processos indicados pela Reclamante na petição, não podemos concordar com o entendimento ali sufragado, acompanhando, na íntegra a jurisprudência do TJUE e necessariamente, acolhida pelo STA.
129. Importa realçar que a decisão do TJUE tem valor de caso julgado, sendo vinculativa, não apenas para o tribunal que solicitou a sua pronúncia a título prejudicial, como para os restantes tribunais e instâncias equiparadas que julgam a causa em sede de recurso, vinculando ainda, por uma questão de uniformidade, todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros.
130. Tratando-se de um acórdão interpretativo relativo ao n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva (atual artigo 173.º n.º 2 da Diretiva IVA), o qual foi transposto para o nosso direito interno através do artigo 23.º do CIVA, a interpretação nele preconizada deve ser aplicada pelos tribunais nacionais com o sentido e o alcance ali definido, neles se incluindo o CAAD.
131. Nestes termos, conclui-se que o entendimento que consta do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, não viola quaisquer normativos internos ou comunitários em matéria de IVA, não padecendo, nessa medida, de quaisquer dos vícios invocados pela Reclamante.
V.1.4- Conclusão e Proposta de Decisão
132. Face ao exposto, conclui-se pela improcedência dos argumentos invocados pela Reclamante no que respeita a esta questão, devendo ser indeferida a sua pretensão.";

R-Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/ instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.;

S-Em 09-07-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
X
O acórdão fundamento julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.62 a 65 do processo físico):
1-Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA - gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA”
(cfr. fls. 165 a 167);
2-A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176);
3-A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283);
4-No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283);
5-Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286);
6-A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22;
7-A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito;
8-No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285);
9-Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284);
10-Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289);
11-Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163);
12-Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163);
13-Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam;
14-Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) supra (cfr. fls. 163);
15-Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219);
16-O pro rata provisório mencionado em 15) incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9);
17-A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em 1), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163);
18-Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).
X
Quanto a factualidade não provada exarou-se o seguinte no acórdão fundamento:
"Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).
Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos)., o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (R.J.A.T.), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.456/2019-T (datada do pretérito dia 14/11/2019), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do rec.485/17 e datado de 15/11/2017. Para tanto, alega existir uma manifesta identidade de situações de facto subjacente aos dois acórdãos, igualmente se verificando a identidade da questão de direito, pois em ambos os arestos a questão a decidir consiste em aferir da determinação da percentagem do I.V.A. dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista que são afectos, tanto a operações tributadas como a operações isentas. Que em ambos os arestos está em causa saber se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13, de 10/07/2014, podia ou não o Estado Português (o que se verificou através do Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009) obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo "pro rata" de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Por último, conclui que os citados arestos consagraram soluções opostas para a mesma questão jurídica fundamental, pois que no acórdão arbitral recorrido se decidiu que não tem suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado nº.30108, de 30/01/2009, pelo que é ilegal a imposição da sua utilização à requerente e, por sua vez, no acórdão fundamento se decidiu de acordo com tese contrária, na senda do identificado processo C-183/13, de 10/07/2014, do TJUE.
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Examinemos, antes de mais, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub judice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nº.2, do R.J.A.T., norma que remete, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para o S.T.A. da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que exista contradição entre essa decisão arbitral e outra decisão arbitral, um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo S.T.A., relativamente à mesma questão fundamental de direito;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec. 8/19.2BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.1177 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
Vejamos se tais pressupostos substanciais se verificam no caso concreto.
Examinado o probatório fixado nos presentes autos e no acórdão fundamento, ambos supra exarados, verifica-se que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas.
Com efeito, tanto no caso subjacente à decisão arbitral recorrida como no caso sob exame no acórdão fundamento estamos perante sujeitos passivos que são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo dec.lei 298/92, de 31/12 (RGICSF) e que exercem, entre outras, actividades de leasing (locação financeira) e de concessão de crédito ao consumo.
Nos exercícios fiscais sob análise em cada um dos processos, ambos os sujeitos passivos estavam enquadrados no regime normal mensal de I.V.A., enquanto sujeitos passivos mistos, ou seja, enquanto contribuintes que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras do mesmo tributo isentas.
Nos dois casos, ambos os sujeitos passivos corrigiram os valores deduzidos a título provisório ao longo do exercício fiscal por força da aplicação de um "pro rata" definitivo, que foi determinado para o respectivo ano ao abrigo das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009. Com esta operação, ambos os sujeitos passivos apuraram um montante efectivo de imposto a deduzir diferente do que foi apurado por recurso ao "pro rata" provisório.
Refere a sociedade recorrida que as situações fácticas subjacentes aos dois arestos em confronto não são idênticas na medida em que no acórdão fundamento apenas se analisam os custos relativos ao financiamento e gestão no âmbito dos contratos de locação financeira mobiliária, enquanto no acórdão recorrido estão em causa, também, custos inerentes à disponibilização dos veículos incorridos pela mesma empresa no âmbito dos citados contratos de locação financeira.
Porém, para efeitos de análise da comparabilidade das situações fácticas subjacentes a cada uma das decisões, este Tribunal não pode senão focar-se na matéria de facto fixada em cada um dos arestos. E na matéria de facto que serviu de base à decisão arbitral recorrida não se encontra qualquer fixação concreta dos custos tidos pela sociedade recorrida, designadamente, no sentido de perceber se os mesmos são relativos ao financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou, também, relativos à disponibilização de veículos no âmbito dos mesmos contratos de locação financeira.
Nestes termos, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma: a de saber se a A. Fiscal pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de I.V.A. que, na determinação do "pro rata" dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros incluídos nas rendas, excluindo da fracção a parte referente à amortização das próprias rendas dos contratos de locação financeira.
No Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13, decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artº.17, nº.5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977, "não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista" apenas "a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos", mais incumbindo "ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso". Em consequência, o mesmo aresto considerou legal o acto tributário objecto do processo, o qual foi estruturado ao abrigo das instruções veiculadas pelo citado Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009.
Pelo contrário, pode ler-se na decisão arbitral recorrida, em suma, que "embora o artº.173, nº.2, da Directiva nº.2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no nº.4 do artº.23, do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artºs.266, nº.2, da CRP e 55, da LGT) e explicitado no artº.3, nº.1, do Código do Procedimento Administrativo.". Em consequência, o acórdão arbitral, além do mais, anulou o acto tributário objecto do processo, o qual foi estruturado ao abrigo das instruções veiculadas pelo dito Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009.
É, pois, manifesto que em face de quadros factuais substancialmente idênticos e envolvidos no mesmo panorama jurídico, os arestos em confronto ditaram soluções divergentes sobre a mesma questão fundamental de direito.
Por último, importa sublinhar que a orientação perfilhada na decisão arbitral não está de acordo com jurisprudência mais recente e consolidada do S.T.A.
Em conclusão, mostram-se reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., e no artº.152, do C.P.T.A., pelo se passará ao conhecimento do mérito do recurso.
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A questão objecto do presente recurso, conforme já se deixou expresso supra, consiste em examinar se a decisão arbitral recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de I.V.A. (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do "pro rata" dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira.
Ora, esta questão foi já objecto de decisão em três arestos recentes do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., em sentido que aqui se reitera e cujos textos estão integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, orientação jurisprudencial essa que se pode, actualmente, ter por consolidada (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.7/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.52/19.0BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 30/09/2020, rec.95/19.3BALSB).
Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, respigamos parcelas da fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido no pretérito dia 4 de Março de 2020, no processo nº.7/19.4BALSB:
"(…)
A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).
Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.
Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.
A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.
E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
(…)
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA - artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).
Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos - aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta”. Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), incisivamente referido pela Recorrida, “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega”.
Aquilo que importa é, portanto, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.
Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista. Assim, e porque este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional - uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto - verifica-se um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.
(…)".
"In casu", tal como nos acórdãos do Pleno desta Secção do S.T.A. supra identificados, igualmente se verifica uma situação de défice instrutório no que se refere à factualidade relativa à utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da sociedade recorrida, assim havendo que saber se foi sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.
Rematando, a decisão arbitral não poderá manter-se no segmento objecto do presente recurso, dado enfermar de défice instrutório/erro de julgamento, determinante da sua anulação, ao que se provirá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO E, CONCEDENDO-LHE PROVIMENTO, ANULAR A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA que deverá ser substituída por outra, após ampliação da base factual necessária, visando a aplicação do direito nos termos acima apontados.
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Condena-se a sociedade recorrida em custas, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no âmbito da instância de recurso (cfr.artº.6, nº.7, do R.C.Processuais), atendendo ao carácter parcialmente remissivo do presente acórdão, o que o torna de "complexidade inferior à comum".
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 4 de Novembro de 2020. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (com voto de vencido que infra segue) - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (vencida, aderindo ao teor do voto do Exº. Sr. Conselheiro Aníbal Ferraz) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.
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Vencido.

Entendo que entre a decisão (arbitral) recorrida e o acórdão fundamento, as situações de facto subjacentes não são idênticas, sem prejuízo dos pontos de contacto identificados neste aresto.

Na verdade, diferentemente, sem paralelo na primeira, o acórdão (fundamento) do STA laborou, além do mais, sobre a seguinte factualidade, que considero relevante: «

(…).

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

(…).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

(…).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).»

Assim, com relevância, na minha perspetiva, no acórdão fundamento, a mais, em sede factual, foi considerado que, no ano de 2010, a impugnante, além do método de afetação real (que na decisão arbitral não é referenciado), utilizou um pro rata específico, onde incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros, os valores pagos, pelos locatários, correspondentes ao capital em dívida, nos contratos resolvidos por perda total do bem, bem como, nos resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, em que a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, emitindo a correspondente fatura.

Por fim, de forma que julgo determinante, a solução inscrita, no acórdão fundamento, segundo a formulação deste aresto (« (…) entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”).»), decorre, objetiva e consequentemente, da circunstância de, na sentença visada por ele, ter sido julgado não provado que os custos, suportados pela, aí, impugnante, em relação aos quais esta não conseguiu determinar a que operações respeitavam, dissessem respeito à disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação. E para melhor se perceber este apontamento, não podemos olvidar que a sentença confirmada pelo acórdão fundamento, foi proferida em cumprimento do determinado em anterior acórdão do STA (datado de 3 de junho de 2015 - proc. 970/13-30): «…, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos. »

Nesta conformidade, porque os pressupostos de facto, versados nas duas decisões em apreço, não incorporam a substancial semelhança exigida para se afirmar verificada a oposição entre elas, decidiria não tomar conhecimento do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência.


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[Redigi em meio informático e revi]

Lisboa, 4 de novembro de 2020

Aníbal Augusto Ruivo Ferraz