Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0109/18
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:Não se justifica admitir o recurso excepcional de revista de acórdão que entendeu que o art. 17ºE-1, do CIRE é aplicável apenas quando, como ali se prevê, estejam em causa acções declarativas ou executivas para cobrança de dívida e não quanto esteja em causa a prática de actos administrativos.
Nº Convencional:JSTA000P22950
Nº do Documento:SA1201802220109
Data de Entrada:02/01/2018
Recorrente:A............, CRL
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)


1. Relatório

1.1. A………… CRL recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte proferido em 4 de Outubro de 2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF do Porto, que na ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si intentada contra o MUNICÍPIO DO PORTO julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade do despacho que determinou a desocupação das instalações que ocupava (prédio urbano denominado ………), cuja propriedade pertence ao referido Município.

1.2. Justifica a admissão da revista pela relevância jurídica e social da questão relativa à possibilidade de recuperação de empresas e ainda porque a recorrente é a mais antiga e prestigiada instituição cultural/teatral da cidade do Porto.

1.3. O Município do Porto pugna pela não admissão do recurso.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Com a presente acção o recorrente pretende a declaração de nulidade de um acto administrativo que ordenou a desocupação coerciva das instalações por si ocupadas.

O despacho foi proferido pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto, em 11-10-2013.

Em 1-9-2013, tinha dado entrada no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia um processo especial de revitalização requerida pela ora recorrente, “com decisão de encerramento do processo e sentença transitada em julgado em 18-2-2015”.

Sustentou a autora (ora recorrente) que o despacho proferido em 11-10-2013, ordenando a desocupação, era nulo por violação do art. 17º -E, n.º 1, do CIRE, com a seguinte redacção:

1 - A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”

O art. 17-C,n.ºs 3 e 4, por seu turno, diz o seguinte:

3 - A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:

a) A declaração escrita referida nos números anteriores;

b) Cópia dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo;

c) Proposta de plano de recuperação acompanhada, pelo menos, da descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa.

4 - Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações.

Tanto a 1ª instância como o TCA Norte entenderam que o regime previsto nos aludidos e transcritos preceitos legais não obstava à prática de actos administrativos, uma vez que como decorre do teor dos mesmos esse regime é aplicável às acções judiciais, declarativas e executivas.

A recorrente sustentou e continua a sustentar, neste recurso, que poderá considerar-se uma acção para cobrança de dívida, uma acção que contenda com o património do devedor e portanto o regime do referido art. 17-E, 1, do CIRE também seria aplicável.

A nosso ver a questão colocada não justifica a admissão da revista, pois tudo aponta para o acerto da decisão recorrida.

Com efeito ambas as instâncias interpretaram o referido art. 17-E, 1, do CIRE fundamentadamente através de um discurso jurídico claramente plausível. A lei refere-se apenas a acções declarativas ou executivas, sem qualquer referência a actos de autoridade. O único argumento da recorrente é o de que pode considerar-se “acção para cobrança de dívida” todo e qualquer acto que afecte o seu património, mas sem invocar razões bastantes para justificar uma nova pronúncia sobre a questão por este STA.

Assim e perante uma interpretação claramente plausível da lei, assente no seu teor literal, não deve admitir-se o recurso excepcional de revista.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.