Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01073/14.4BEPRT
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:ISENÇÃO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
INTERESSE HISTÓRICO
PROTECÇÃO DO PATRIMÓNIO HISTÓRICO E CULTURAL
Sumário:A interpretação efetuada a respeito do art. 44.º n.º 1, n), do E.B.F., quanto a “imóveis inseridos nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO” “têm de classificar-se como de interesse nacional” e gozarem da isenção de I.M.I., nos termos do previsto no art. 44.º n.º 1, n), do E.B.F. quanto a “monumentos nacionais”, não é aplicável quanto a imóveis inseridos na sua zona especial de proteção, a qual não só tem uma delimitação topográfica que é autónoma da do Centro Histórico, como, funcionalmente, tem um regime que visa objetivos distintos, segundo resulta do art. 18.º da L.B.P.C. e do Dec.-Lei n.º 309/2009, de 23/10.
Nº Convencional:JSTA000P25534
Nº do Documento:SA22020020501073/14
Data de Entrada:11/13/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada em 26/05/2019, que julgou procedente a impugnação intentada por A…………, sinalizado nos autos, no âmbito de liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis de 2010, 2011 e 2012, cujos valores perfazem € 6.824,20 e relativos a prédio inserido no Centro Histórico do Porto.

I.2. Aduziu alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IMI dos anos de 2010, 2011 e 2012, das fracções autónomas A,B,C,D,E,F,G e H do prédio urbano inscrito na matriz na matriz predial urbana sob o artigo …… da União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitoria, concelho do Porto, liquidações no valor global de €6 824,20.

B. A impugnação foi deduzida contra o despacho de 03.02.2014 do Chefe do Serviço de Finanças Adjunto de Porto 2, de indeferimento do pedido de revisão da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis dos anos de 2010, 2011 e 2012.

C. Na fixação dos elementos de facto pertinentes para a decisão fixadas pelo Tribunal a quo, refere o ponto 3 e passamos a citar “No seguimento do requerimento identificado em 2., o Secretário de Estado da Cultura – Direcção Geral do Património Cultural, informou o ora impugnante do seguinte: “No caso vertente do Porto, através do Aviso n.º 15173/2010, (…) tornou-se público que o conjunto conhecido pelo Centro Histórico do Porto foi inscrito na lista de Património Mundial da Unesco, 1996. Todavia, no caso específico dos imóveis que se refere verifica-se o seguinte: O edifício (…) sito na Rua ………, n.º ….. a ….., encontra-se abrangido pela Zona Especial de Protecção (ZEP) do Centro Histórico do Porto classificado como Património Mundial. Integra, cumulativamente, a Zona Histórica do Porto, classificada como Imóvel de Interesse Público.

(….)

Mais se informa, que na presente data foi remetido oficio à Autoridade Tributária e Aduaneira (…) informando quais as servidões administrativas do Património Cultural pelas quais os imóveis em referência (…) se encontram abrangidos “cf. Ofício constante de fls. 60 dos autos, numeração referente ao processo físico, junto como documento 5 da Petição Inicial, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.(…)” (sublinhado nosso)

D. De acordo com o citado ofício, o imóvel a que respeitam as liquidações em crise, encontra-se abrangido pela Zona Especial de Protecção do Centro Histórico do Porto.

E. Quanto à relevância das zonas de protecção importa atentar no disposto nos artigos 39º e seguintes do Decreto – Lei 309/2009 de 23 de Outubro.

F. Dispõe o n.º 1 do artigo 41º do citado diploma que “O procedimento administrativo de definição de uma zona especial de protecção inicia-se oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado e pode decorrer em simultâneo com o procedimento de classificação de um bem imóvel.”

G. À luz da legislação do património vigente, o “Centro Histórico do Porto” integra, por via da sua inclusão na lista do Património Mundial da UNESCO, a lista dos bens classificados como de interesse nacional, na sua respectiva categoria, que é a de “conjunto”,

H. o que decorre do Aviso nº 15173/10 publicado no DR, II série de 30.07.2010: “…torna-se público que, em 1996, foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecido por centro histórico do Porto, localizado nas freguesias da Sé, São Nicolau, da Vitória e de Miragaia, concelhos do Porto e Vila Nova de Gaia, distrito do Porto”. (sublinhado nosso)

I. Determinam o nº 2 do artigo 15º da LPC e o nº 1 do artigo 3º do DL nº 309/2009 de 23 de Outubro, que os bens imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

J. No que concerne ao enquadramento fiscal da questão, importa reter que, nos termos do disposto no artigo 1º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos, sendo que, em conformidade com o nº 1 do artigo 2º do mesmo diploma legal, é prédio (para efeitos de tributação) toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções ou qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

K. Portanto, se o IMI incide sobre os prédios, naturalmente que as isenções de IMI dirão respeito a prédios (isenções objectivas) ou aos seus titulares (isenções subjectivas), e não a “monumentos”, “conjuntos” ou “sítios”, uma vez que, obviamente não faz sentido isentar o que não está sujeito a imposto.

L. Neste sentido, o facto de ter ocorrido a classificação do conjunto de prédios não significa que estarão automaticamente classificados cada um dos prédios abrangidos nesse mesmo conjunto, beneficiando, consequentemente, da isenção de IMI.

M. Tal não resulta, quer da legislação do património (LPC e DL nº 309/2009, de 23 de Outubro), quer da legislação fiscal (CIMI e EBF).

N. Pelo contrário, estipula expressamente o nº 1 do artigo 56º do DL nº 309/2009 de 23 de Outubro que “Na área abrangida pela delimitação de um conjunto ou de um sítio podem coexistir bens imóveis individualmente classificados”.

O. Por interpretação “a contrario sensu” da legislação do património, na área abrangida pela delimitação de um conjunto, poderão coexistir prédios que não estão classificados individualmente.

P. Referindo o n.º 2 do artigo 56º do Decreto-lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro que “Os efeitos da zona de protecção de um bem imóvel individualmente classificado mantêm-se até à publicação da classificação do conjunto ou sítio conforme previsto no n.º 1 do artigo 32º.”

Q. Deste normativo apenas resulta a eliminação da zona de protecção do imóvel individualmente classificado, uma vez que,

R. Tal zona de protecção é abrangida pela área territorial do conjunto ou sítio classificado, ao qual por sua vez, no âmbito do procedimento de classificação, será atribuído uma zona de protecção.

S. A classificação de um conjunto ou sítio não extingue a classificação individualmente atribuída previamente a um imóvel, bem como não impede a posterior classificação individual de imóveis integrados em conjunto ou sítio, entendendo-se classificação para este efeito no sentido decorrente do artigo 18º n.º 1 da Lei de Bases do Património Cultural.

T. O Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda, em desenvolvimento do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.

U. Com a inclusão na Lista da UNESCO e a publicação do Aviso n.º 15 173/2010, o “Centro Histórico do Porto”, passou a constituir uma realidade jurídica, social e histórica autónoma, sujeita às regras do regime jurídico de protecção e valorização do património cultural; contudo, tal circunstância não eliminou a autonomia jurídica dos bens que o integram enquanto conjunto urbano, não passando aquele a constituir um prédio enquadrável no estabelecido no artigo 2º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

V. Assim, por maioria de razão, os prédios inscritos nas matrizes prediais das freguesias que integram o perímetro territorial do “Centro Histórico do Porto”, para beneficiarem da isenção prevista na alínea n), do n.º 1, do artigo 44º, do EBF, terão de ser individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.

W. Dos documentos juntos aos autos, resulta que o edifício, sito na Rua ……….. n.º ….. a ….., se encontra abrangido pela Zona Especial de Protecção do Centro Histórico do Porto, integrando cumulativamente a Zona Histórica do Porto, classificada como imóvel de Interesse Público.

X. O “Centro histórico do Porto” e “Zona Histórica do Porto”, são duas realidades culturais distintas.

Y. A “Zona Histórica do Porto”, está classificada como sendo um imóvel de interesse público, por via do Decreto–Lei n.º 67/97, de 31 de Dezembro e pela Portaria n.º 975/2006, de 12 de Junho.

Z. Ora, a classificação de “Imóvel de interesse público”, não pode confundir-se com a classificação de “Monumento Nacional”.

AA. Atento o vindo de expor e considerando a comunicação da Direcção Geral do Património Cultural, quanto ao enquadramento cultural do imóvel em relação ao qual foram efectuadas as liquidações de IMI aqui em crise, entende a Fazenda Pública que o mesmo só poderia beneficiar da isenção prevista na 2ª parte da alínea n) do artigo 44º do EBF.

BB. Não obstante, para tal teria que preencher-se a condição ali prevista, ou seja, o prédio em questão teria de estar classificado como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos do artigo 18º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, o que não se verifica.

CC. Mais se diga, que ao contrário do referido no inciso decisório de que se recorre e com o devido respeito por diversa opinião, entendemos não estarmos perante uma identidade de situação a decidir como aquela sobre que versou o douto Acórdão que fundamenta a improcedência da presente Impugnação Judicial, isto porque,

DD. como referido na sua fundamentação e passamos a citar “(…)2.Pela Direcção Regional de Cultura do Norte, em 03.12.2013, foi emitida a certidão constante de fls. 20 e 2 dos autos, onde se certifica que os prédios sitos na Rua de Pelames … e Escadas do Codeçal, ….Porto estão classificados como Monumentos Nacionais, de acordo com a Lei 107/2001, de 08.09.2001. Mais se certificou que os imóveis fazem parte integrante do conjunto denominado “Centro Histórico do Porto(…)”

EE. Ora, nos autos em recurso de acordo com a comunicação da Direcção Geral do Património Cultural, o imóvel sito na Rua ……….. n.º ….. a ….., encontra-se abrangido pela Zona Especial de Protecção do Centro Histórico do Porto, integrando cumulativamente a Zona Histórica do Porto, classificada como imóvel de Interesse Público.

FF. Deste modo e em conclusão, entende a Fazenda Pública que as liquidações de IMI de 2010, 2011 e 2012 aqui controvertidas, encontram-se validamente firmadas na inexistência de classificação individual do prédio em questão como sendo de interesse público, de valor municipal ou integrante de património cultural, e, assim, porque legais, deverão manter-se no ordenamento jurídico-tributário.

GG. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO, por errada interpretação do disposto no art.º 44º n.º1 al. n), do EBF e ainda do artigo 15º da Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

I.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

I.4. O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, com a fundamentação que se segue:

“Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF do Porto de 26.05.2019 que, julgando a presente impugnação procedente, anulou a “liquidação impugnada”, condenando ainda a AT tributária ao pagamento de juros indemnizatórios.

Nas Conclusões da sua Alegação, que definem e delimitam o objecto do recurso, a Recorrente sustenta que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por errada interpretação do disposto no art. 44.º, n.º 1, al. n) do EBF e ainda art. 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Set..

A única questão que vem colocada no recurso consiste em saber se o prédio em causa, abrangido pela Zona Especial de Protecção (ZEP) do Centro Histórico do Porto, inscrito na “Lista do Património Mundial” da Unesco, e cumulativamente integrado na Zona Histórica do Porto, classificada como Imóvel de Interesse Público, beneficia da isenção do IMI, nos termos do art. 44.º, n.º 1, al. n) do EBF.

A sentença recorrida respondeu afirmativamente a essa questão, louvando-se na jurisprudência constante do douto Acórdão do TCAN de 07.12.2016, proferido no Rec n.º 00134/14.4BEPRT.

No entanto, no caso que nos ocupa a questão da isenção apresenta, se bem interpretamos a factualidade que resultou provada, contornos distintos daqueles que foram equacionados naquele referido aresto cuja doutrina foi, aliás, sufragada pelo douto Acórdão deste STA de 12.12.2018, proferido no Rec n.º 0134/14.4BEPRT.

Com efeito, ao invés do que ocorria na situação apreciada no citado Acórdão do TCAN, em que estava em causa um prédio inserido no Centro Histórico do Porto que integra a “Lista do Património Mundial da Unesco”, no caso dos autos trata-se, como acima se referiu, de um prédio abrangido pela Zona Especial de Protecção (ZEP) do Centro Histórico do Porto, cumulativamente integrado na Zona Histórica do Porto, classificada como imóvel de interesse público.

Ora, como se salienta no douto Acórdão deste STA de 12.12.2018, «(…) o legislador ao elaborar o Orçamento do Estado para 2007 quis introduzir uma alteração significativa no regime de acesso às isenções de IMI de que poderiam beneficiar os prédios classificados em razão do seu interesse e importância cultural e/ou valor patrimonial.

Enquanto que na versão da norma anterior a este OE de 2007 o legislador não exigia, para efeitos fiscais, a classificação individual de cada um dos prédios, bastando-se, portanto, com a sua classificação nos termos da legislação aplicável, com esta alteração passou a exigir mais um requisito, o da classificação individual nos termos da legislação aplicável.

Contudo, apenas passou a exigir esta classificação individual para os imóveis que devam ser integrados nas categorias de interesse público, de valor municipal ou património cultural, não fazendo a mesma exigência para os imóveis que devam ser integrados na categoria de monumento nacional (no EBF o legislador faz referência a monumento nacional quando se pretende referir aos imóveis de interesse nacional porque é assim que nos termos do disposto no artigo 15º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro devem ser designados).

E esta distinção resulta claramente da vontade expressa do legislador ao editar a norma em questão, ou seja, o legislador não pretendeu exigir, para os imóveis que devam ser incluídos na categoria de monumento nacional (interesse nacional) e para efeitos desta isenção fiscal, que devam ser sujeitos a classificação individual, mantendo, portanto, quanto aos mesmos o regime que anteriormente se encontrava estabelecido. Aliás a “nova” redacção do preceito mantém inalterada a primeira parte do artigo em questão -Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais- que se refere aos monumentos nacionais.

No caso, o prédio em questão não integra o Centro Histórico do Porto, (encontra-se apenas abrangido pela respectiva Zona Especial de Protecção) e, por isso, não pode beneficiar da isenção prevista na 1.ª parte da al. n) do n.º 1 do art. 44.º do EBF. Mas também não pode beneficiar da isenção prevista na 2.ª parte do preceito porque, neste caso, a norma de isenção exige que o prédio esteja individualmente classificado como de embora integrando a Zona Histórica do Porto, classificada como imóvel de interesse de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação em vigor e tal não ocorre, tanto quanto resulta da factualidade levada ao probatório.

Procederá, assim, salvo melhor entendimento, o presente recurso, devendo, nessa conformidade, ser revogada a sentença recorrida e, consequentemente, ser julgada improcedente a impugnação.

É o meu parecer.”

II. Objeto do recurso.

Sendo de definir o mesmo de acordo com as conclusões apresentadas, sem prejuízo de outras de que cumpra conhecer oficiosamente, resulta para apreciação se há erro de julgamento na interpretação efetuada dos artigos 44.º, n.º 1, n), do E.B.F. e 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8/9.

III. Fundamentação.

III. 1. Na sentença recorrida consideraram-se globalmente provados os seguintes factos:

1. Em 30.12.2013 o Impugnante, A…………, instaurou junto do Serviço de Finanças do Porto 2, revisão oficiosa de acto tributário, com base na ilegalidade dos actos tributários, designadamente as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis dos anos de 2010, 2011 e 2012, referentes ao artigo da matriz predial urbana ……., fracções A, B, C, D, E, F, G e H, da União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória – cf. requerimento de revisão oficiosa de acto tributário, constante de fls. 103 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

2. Estão em causa as liquidações com os números 2010 361778903 de 23.02.2011 referente a imposto do ano de 2010, 2011338163103 de 02.03.2012 referente a imposto do ano de 2011, e 2012 425297903 de 15.03.2012, esta referente a imposto do ano de 2012 – cf. cópias das liquidações constantes de fls. 174, 175 e 176 do Processo Administrativo apenso aos autos, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3. Para efeito da decisão deste pedido de revisão oficiosa, a Direcção de Finanças do Porto, elaborou informação, onde consta:
(…)
Análise do pedido
Acerca da admissão
Análise do pedido
Acerca da admissão
Da análise dos requisitos de admissibilidade da revisão oficiosa de acto tributário, constata-se que e reclamante tem legitimidade para o acto, o procedimento é meio próprio contudo é intempestiva (artigos 78º da Lei Geral Tributária e 70º do Código de Procedimento e Processo Tributário)
Acerca do alegado
Face ao n.º1 do art. 78 da LGT, disposição evocada, a revisão por iniciativa do Sujeito Passivo, e com base em qualquer irregularidade, pode ser efectuada no prazo da reclamação, que, (…), será de 120 dias, nos termos do art. 70º do Código de Procedimento e Processo Tributário, mostrando-se assim manifestamente intempestivo o pedido de revisão oficiosa
A intempestividade do pedido e a caducidade do direito que se pretende exercer prejudicam o normal procedimento e impedem a tomada de decisão sobre o seu objecto.
Acresce que o benefício fiscal previsto na alínea n) do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, (…) já foi objecto de processo autónomo, que correu termos neste Serviço de Finanças, o qual não obteve decisão favorável por não estar demonstrado que a classificação do imóvel corresponde à exigível pela norma de isenção – art. 44º, n.º1 a) do EBF (prédio individualmente classificado como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável) (…)
A decisão foi devidamente notificada ao requerente não tendo interposto Recurso Hierárquico, previsto no art. 66 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Acresce, ainda que, face à norma de isenção acima citada, estão isentos de IMI “Os prédios classificados como Monumentos Nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público…” (…), incidindo o IMI, face à norma do art. 1º do respectivo código sobre “o valor patrimonial tributário dos prédios …”, incidindo o IMI, face à norma do art. 1º do respectivo código sobre “o valor patrimonial tributário dos prédios…” (sublinhado nosso)
Assim, não incidindo o IMI, em si, sobre conjuntos ou sítios, não se podendo retirar automaticamente da classificação de determinado conjunto como é o caso do “Centro Histórico do Porto” ou da “Zona Histórica do Porto” a classificação individual dos prédios como Monumentos Nacionais ou imóveis de interesse público, pelo que, faltando essa classificação individual, parece que não reúnem os prédios em causa os pressupostos para o averbamento da isenção pretendida.
Assim, julgo ser de indeferir a petição.
Conclusão
Face ao supra exposto, propõe-se o indeferimento da presente revisão oficiosa.
Não sem antes dar cumprimento ao disposto no art. 6º da Lei Geral Tributária, para efeitos do exercício do direito de audição” – cf. informação constante de fls.223 verso e 224 do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo integral teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

4. Por despacho de concordância de 10.01.2014, foi determinado se procedesse em conformidade – cf. despacho de fls. 223 do Processo Administrativo apenso aos autos;

5. Pelo ofício n.º 402.3182-10 de 13.01.2014 foi o Impugnante notificado em 15.01.2014 para efeito do exercício do direito de audição prévia, nos termos do art. 60º da Lei Geral Tributária – cf. notificação constante de fls. 225 a 227 do Processo Administrativo apenso aos autos, notificação que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;

6. Por requerimento de 29.01.2014, o aqui Impugnante exerceu o direito de audição, nos termos constantes de fls. 229 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, além do mais, relativamente à suscitada intempestividade do pedido de revisão oficiosa, refere:
está expressamente previsto que quando haja erro imputável aos serviços, o Sujeito Passivo pode requerer a revisão do acto tributário no prazo de 4 anos após a liquidação (art. 78º da Lei Geral Tributária)
(…)
Verifica-se que a AT incorreu em erro na qualificação dos factos, violando, assim, o art. 44º n.º1 al. n) e n.º5 do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
(…)
E ainda que não fosse imputável o erro aos serviços, o Requerente estaria sempre no prazo de 3 anos, previsto no art. 78º, n.º4 da LGT, por estar em causa uma injustiça grave ou notória”;

7. No Serviço de Finanças do Porto – 2 foi elaborado novo parecer, incidindo sobre o alegado em sede de direito de audição, onde, depois de serem identificados argumentos que lhe serviram de fundamento, se deixou consignado:
(…) face à ausência de novos elementos que levem a um alteração do projecto de decisão inicial, sou de opinião que se INDEFIRA a pretensão do contribuinte, nos termos e com os fundamentos constantes daquele projecto, oportunamente notificado, tornando-se definitiva a decisão ínsita no projecto de despacho” – cf. informação constante de fls. 234 verso do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

8. Sobre este parecer recaiu despacho de concordância, indeferindo o pedido – cf. despacho constante de fls. 234 do Processo Administrativo apenso aos autos;

9. Esta decisão, de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, foi notificada, pelo ofício n.º1382.3182-10 de 06.02.2014, em 11.02.2014 – cf. ofício de notificação constante de fls. 235 a 237 do Processo Administrativo apenso aos autos;
10. Em 09.05.2014 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a Petição Inicial de impugnação judicial – cf. marca do dia electrónica a fls. 1 dos autos, numeração referente ao processo físico.

III. 2. Especificamente quanto à questão da violação do art. 44.º n.º1 n) do E.B.F., fixaram-se ainda na sentença recorrida os seguintes factos:

1. Em nome do Impugnante A…………., foram emitidas as notas de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis respeitantes, além dos demais, ao prédio inscrito sob o artigo U-…… (antigos ….. e …..) da extinta freguesia de Miragaia, referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012 no valor de €6 824. 20 – cf. liquidações juntas como doc. 2, 3 e 4 da Petição Inicial constantes de fls.50 a 59 dos autos, numeração referente ao processo físico, para as quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

2. O ora Impugnante dirigiu requerimento à Direcção Geral do Património Cultural nos termos constantes de fls. 62 a 34 dos autos, numeração referente ao processo físico, documento n.º6 da Petição Inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3. No seguimento do requerimento identificado em 2., o Secretário de Estado da Cultura – Direcção Geral do Património Cultural, informou o ora impugnante do seguinte: “ No caso vertente do Porto, através do Aviso nº 15173/2010, (…) tornou-se público que o conjunto conhecido pelo Centro Histórico do Porto foi inscrito na lista de Património Mundial da Unesco, em 1996. Todavia, no caso específico dos imóveis que se refere verifica-se o seguinte: O edifício (…) sito na Rua ………., n.º ….. a …., encontra-se abrangido pela Zona Especial de Protecção (ZEP) do Centro Histórico do Porto classificado como Património Mundial. Integra, cumulativamente, a Zona Histórica do Porto, classificada como Imóvel de Interesse Público.

(…)

Mais se informa, que na presente data foi remetido ofício à Autoridade Tributária e Aduaneira (…) informando quais as servidões administrativas do Património Cultural pelas quais os imóveis em referência (…) se encontram abrangidos ” cf. ofício constante de fls. 60 dos autos, numeração referente ao processo físico, junto como documento 5 da Petição Inicial, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4. As liquidações identificadas em 1., foram pagas, na sua globalidade, incluindo o Imposto Municipal sobre Imóveis referente aos imóveis em causa – cf. doc. n.º22, 3 e 4 juntos com a Petição Inicial, constantes de fls. 50 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico.

III. 3. De direito: se há erro de julgamento na interpretação efetuada dos artigos o art. 44.º n.º 1, n), do E.B.F e 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8/9.

No recurso em apreciação invoca-se a matéria de facto provada no ponto 3 acima transcrito, especificamente a respeito da questão ora em apreciação, em que consta que através do Aviso n.º 15173/2010 tornou-se público que o conjunto conhecido como Centro Histórico do Porto foi inscrito na lista do Património Mundial, encontrando-se inserido zona especial de proteção e na Zona Histórica do Porto, classificada como de interesse público, tendo sido informado que se encontra abrangido por servidões administrativas, conforme comunicado pela Direção-Geral do Património Cultural à A.T..
É considerando tal que se defende ter ocorrido erro no decidido, na interpretação efetuada a respeito do art. 44.º n.º 1, n), do E.B.F., de acordo com a jurisprudência constante de acórdão do T.C.A. Norte e decisões do C.A.A.D..
E é certo que nesta jurisprudência - aliás, de acordo também a do S.T.A., de que se podem referir os acórdãos de 12-12-2018 e 22-5-2019, proferidos respetivamente nos processos n.ºs 0134/14.4BEPRT e 0485/14.8BEPRT, acessíveis em www.dgsi.pt - se tem vindo a decidir que relativamente a “ imóveis inseridos nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO” “têm de classificar-se como de interesse nacional”, gozando de isenção de I.M.I., nos termos do previsto no art. 44.º n.º 1, n), do E.B.F. quanto a “monumentos nacionais.
É possível adiantar que a mesma não é aplicável quanto a imóveis inseridos na Z.E.P., a qual não só tem uma delimitação topográfica que é autónoma da do Centro Histórico do Porto, como, funcionalmente, tem um regime que visa objetivos distintos, segundo resulta do art. 18.º da L.B.P.C. e do Dec.-Lei n.º 309/2009, de 23/10.
Com efeito, da primeira referida disposição resulta que o regime de classificação se destina a determinar que “o bem tem inestimável valor cultural”, com correspondência em vários “deveres” previstos no art. 21.º da L.B.P.C. quanto a proprietários e outros detentores, e do segundo que as Z.E.P.´s “são agora configuradas tendencialmente como unidades de planeamento autónomas que permitem antecipar as virtualidades do plano de pormenor de salvaguarda dos municípios cuja iniciativa e elaboração compete aos municípios”.
Ou seja, relativamente a imóveis localizados dentro da área classificada verifica-se um interesse na preservação ou valorização da sua qualidade cultural - no domínio arquitetónico, por representativo de certa técnica construtiva ou outro valor histórico-cultural - que justifica o benefício fiscal previsto no artigo 44.º, n.º 1, n), do C.I.M.I., tendo em vista permitir que seja efetuada despesa, pelos respetivos proprietários, com aqueles fins.

Já quanto aos imóveis localizados na Z.E.P., visa-se “restringir” de modo adequado usos ou aproveitamentos, nomeadamente, no que respeita a “operações urbanísticas”, sujeitas a parecer prévio favorável por parte do IGESPAR e, após a extinção deste, por parte da Direção-Geral do Património Cultural, nos termos dos artigos 43.º da L.B.P.C. e 36.º e segs. do referido Dec.-Lei n.º 309/2009, e Dec.-Lei n.º 126-a/2011, de 29/12.
E aos proprietários e detentores destes imóveis garante-se uma indemnização/compensação, nos termos do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 309/2009.
Assim sendo, a classificação individual é aos mesmos, aplicável, para efeitos do art. 44.º n.º 1, n), do E.B.F., em conformidade, aliás, com o previsto no art. 56.º do referido Decreto-Lei n.º 309/2009, quanto à “coexistência de imóveis individualmente classificados com a delimitação de um conjunto ou sítio”.

A tal não impede o art.15.º da L.B.P.C., ainda que seja discutível se é possível proceder à mesma em graduação inferior à que pode resultar da zona em que se insere.

Aliás, exemplo da classificação individualizada de um imóvel como de interesse público, o qual tinha sido inserido em zona classificada já como de interesse público, ocorreu quanto ao “Bloco da Carvalhosa”, conforme Portaria n.º 316/2017, publicada no D.R., 2.ª Série, de 3/10/17.

No entanto, no caso dos autos, cumpre ainda conhecer dos vícios de forma – preterição do direito de audição e falta de fundamentação que foram invocados pelo impugnante -, bem como da violação de vários princípios - de que o Tribunal recorrido não conheceu, considerando as mesmas prejudicadas pela aplicação efetuada da referida jurisprudência.
Acresce que o Aviso n.º 15173/2010, relativo à inscrição do referido centro na lista do Património Mundial da UNESCO, consta ter sido anulado pelo Aviso n.º 19137/2018, da Exm.ª Secretária de Estado da Cultura, conforme publicação efetuada no Diário da República, 2.ª série, de 20-12-2018, a págs. 34217 e segs., pelo qual procedeu à publicação de nova planta relativa ao mesmo, bem como da respetiva zona de proteção.
E importa que resulte, sem margem para dúvidas, que o imóvel dos autos se inseria na Z.E.P. do dito Centro Histórico, conforme informado pela Direção-Geral do Património Cultural.
Para tal, consideramos que os autos devem baixar ao Tribunal recorrido, a fim de que este conheça destas questões, uma vez ampliada a matéria de facto, nos termos previstos nos artigos 679.º e 682.º n.º2 do C.P.C., subsidiariamente aplicável.
IV. Decisão:

Os Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o decidido e mandar baixar os autos ao Tribunal recorrido, a fim de que se conheça das referidas questões consideradas prejudicadas, uma vez ampliada a matéria de facto nos termos acima indicados.

Custas pela recorrida, levando-se em conta que não contra-alegou.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020. – Paulo Antunes (relator) – Aragão Seia – Joaquim Condesso.