Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0426/18.3BEVIS
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - Constitui requisito da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no artigo 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações que a intervenção do tribunal superior seja manifestamente necessária à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência;
II - O recurso não é manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito se o recorrente, além do mais, não invoca melhor aplicação do direito evidenciada em entendimento jurisprudencial amplamente adotado e que tenha sido desconsiderado pelo tribunal de primeira instância.
III - O recurso não é manifestamente necessário à promoção da uniformidade da jurisprudência se o recorrente não demonstra, desde logo, a identidade das situações tratadas na decisão recorrida e nas decisões que, na sua alegação, dela divergem.
Nº Convencional:JSTA000P26329
Nº do Documento:SA2202009160426/18
Data de Entrada:12/26/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A…………….., contribuinte fiscal n.º …………… recorreu da decisão final proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou totalmente improcedente o recurso das decisões de impugnação das coimas aplicadas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Mangualde nos processos de contraordenação n.ºs 25502017060000010687, 25502017060000010679, 25502017060000010660, 25502017060000010652, 25502017060000010636, 25502017060000010628 e 25502017060000010610, nos montantes respetivos de € 25,00, € 50,00, € 25,00, € 25,00, € 25,00, € 25,00 e € 25,00, e custas processuais no montante de Eur 76,50 em cada um dos processos, pela prática de contraordenações tipificadas no artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06, por infração ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, da mesma Lei, por falta de pagamento de taxas de portagem.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões: «(…)

1. VEM O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO DA SENTENÇA QUE DECIDIU DA MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DA ORA RECORRENTE NAS COIMAS QUE LHE FORAM APLICADAS NAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS IMPUGNADAS, FIXANDO-SE A COIMA ÚNICA DE €200,00 E NAS CUSTAS DA FASE ADMINISTRATIVA DOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO, NO VALOR FIXADO DE €76,50 EM CADA UM DOS 7 PROCESSOS, O QUAL SE CIRCUNSCREVE À QUESTÃO DE DIREITO QUANTO À IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO APRECIADO PELO DOUTRO TRIBUNAL A QUO;

2. QUANTO À ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO, O MESMO JUSTIFICA-SE COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 73.º, N.º 2 DO RGCO, APLICÁVEL EX VI DA ALÍNEA B) DO ARTIGO 3.º RGIT PORQUANTO AFIGURA-SE NECESSÁRIO À MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO OU À PROMOÇÃO DA UNIFORMIDADE DA JURISPRUDÊNCIA;

3. QUANTO AO SEU EFEITO, DEVE O MESMO SER SUSPENSIVO, NOS TERMOS DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 83.º E 84.º DO RGIT, COMPLEMENTADO PELOS ARTIGOS 70.º, 73.º, 74.º, 75.º, 79.º, 88.º E 89.º DO RGCO, DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA, NÃO SENDO NECESSÁRIA A PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA QUE O RECURSO GOZE DE EFEITO SUSPENSIVO DA DECISÃO RECORRIDA - CFR. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, DE 15.11.2011, PROCESSO N.º 04847/11 E NA ESTEIRA DO ENTENDIMENTO DOS CONSELHEIROS JORGE LOPES DE SOUSA E SIMAS SANTOS EM “REGIME GERAL DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO”, 4.ª EDIÇÃO, 2010, EM ANOTAÇÃO AO ARTIGO 84.º, PÁGINA 582 E SEGUINTES;

4. A ARGUIDA/RECORRENTE APRESENTOU RECURSO DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES DE APLICAÇÃO DE COIMAS PROFERIDAS PELO CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE MANGUALDE NOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO N.ºS 25502017060000010687, 25502017060000010679, 25502017060000010660, 25502017060000010652, 25502017060000010636, 25502017060000010628 E 25502017060000010610, ATRAVÉS DAS QUAIS LHE FORAM APLICADAS COIMAS NO MONTANTE DE €25,00, € 50,00, €25,00, €25,00, €25,00, €25,00 E €25,00, RESPETIVAMENTE, E CUSTAS PROCESSUAIS NO MONTANTE DE €76,50 EM CADA UM DOS PROCESSOS, PELA PRÁTICA DE CONTRAORDENAÇÕES TIPIFICADAS NO ARTIGO 7.º DA LEI N.º 25/06, DE 30/06, POR INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 5.º, N.º 2, DA MESMA LEI, POR FALTA DE PAGAMENTO DE TAXAS DE PORTAGEM;

5. ALEGOU, EM SÍNTESE, E SUBSIDIARIAMENTE, A OCORRÊNCIA DE NULIDADE INSUPRÍVEL NOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO, A DÚVIDA FUNDADA SOBRE O FACTO CONSTITUTIVO DA EFETIVA PRÁTICA DAS CONTRAORDENAÇÕES POR TER DEMONSTRADO QUE EM UM DOS PROCESSOS FOI EFETUADO ATEMPADAMENTE O PAGAMENTO DA TAXA DE PORTAGEM E AUTUADO O PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO, PUGNANDO AINDA A FINAL PELA APLICAÇÃO DE UMA COIMA ÚNICA, NOS TERMOS DO ARTIGO 25.º DO RGIT; TODAVIA, NA FASE ADMINISTRATIVA JUNTO DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE MANGUALDE, A ARGUIDA HAVIA IGUALMENTE PUGNADO PELA APENSAÇÃO DE TODOS OS PROCESSOS CONTRA SI INSTAURADOS – CFR. DOCUMENTO N.º 3 E ARTIGOS 9.º A 30.º E 33.º DO RECURSO DA CONTRAORDENAÇÃO;

6. Requerimento do qual foi feito tábua rasa pois a autoridade administrativa não se pronunciou sobre tal questão, tendo os processos de contraordenação sido tramitados de forma autónoma e aplicadas coimas e custos administrativos em cada um deles;

7. ISTO APESAR DE A LEI PREVER, AGORA, EXPRESSAMENTE, A POSSIBILIDADE DE ORGANIZAÇÃO DE UM ÚNICO PROCESSO PARA INFRACÇÕES COMETIDAS PELO MESMO SUJEITO E NO MESMO PERCURSO;

8. NOS TERMOS DO ARTIGO 18.º, DA LEI N.º 25/2006, DE 30 DE JUNHO, ÀS CONTRAORDENAÇÕES PREVISTAS NA PRESENTE LEI E EM TUDO O QUE NÃO SE ENCONTRE EXPRESSAMENTE REGULADO, É APLICÁVEL O REGIME GERAL DA INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS;

9. DISPÕE O ARTIGO 3º, ALÍNEA B) DE TAL REGIME QUE "SÃO APLICÁVEIS SUBSIDIARIAMENTE (...) QUANTO ÀS CONTRAORDENAÇÕES E RESPECTIVO PROCESSAMENTO, O REGIME GERAL DO ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL." PORÉM, "NO QUE CONCERNE AO QUE NÃO ESTIVER REGULAMENTADO EM MATÉRIA DE CONTRAORDENAÇÕES, DEVERÁ APLICAR-SE NÃO SÓ O R.G.C.O. COMO SE INDICA NA ALÍNEA B) DESTE ARTIGO 3.º, MAS TAMBÉM, DEVIDAMENTE ADAPTADOS, OS PRECEITOS REGULADORES DO PROCESSO CRIMINAL (CPP, LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR E SUBSIDIÁRIA)" – CFR. JORGE LOPES DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS IN REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, ANOTADO, 2003, PÁG. 69.

10. QUANTO À CONEXÃO DE PROCESSOS, DISPÕE O ARTIGO 24.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:
"1 - HÁ CONEXÃO DE PROCESSOS QUANDO:
A) O MESMO AGENTE TIVER COMETIDO VÁRIOS CRIMES ATRAVÉS DA MESMA ACÇÃO OU OMISSÃO;
B) O MESMO AGENTE TIVER COMETIDO VÁRIOS CRIMES, NA MESMA OCASIÃO OU LUGAR, SENDO UNS CAUSA OU EFEITO DOS OUTROS, OU DESTINANDO-SE UNS A CONTINUAR OU A OCULTAR OS OUTROS;
C) O MESMO CRIME TIVER SIDO COMETIDO POR VÁRIOS AGENTES EM COMPARTICIPAÇÃO;
D) VÁRIOS AGENTES TIVEREM COMETIDO DIVERSOS CRIMES EM COMPARTICIPAÇÃO, NA MESMA OCASIÃO OU LUGAR, SENDO UNS CAUSA OU EFEITO DOS OUTROS, OU DESTINANDO-SE UNS A CONTINUAR OU A OCULTAR OS OUTROS; OU
E) VÁRIOS AGENTES TIVEREM COMETIDO DIVERSOS CRIMES RECIPROCAMENTE NA MESMA OCASIÃO OU LUGAR.
2 - A CONEXÃO SÓ ÓPERA RELATIVAMENTE AOS PROCESSOS QUE SE ENCONTRAREM SIMULTANEAMENTE NA FASE DE INQUÉRITO, DE INSTRUÇÃO OU DE JULGAMENTO."

11. E ACRESCENTA O ARTIGO 25.º DO MESMO DIPLOMA: “PARA ALÉM DOS CASOS PREVISTOS NO ARTIGO ANTERIOR, HÁ AINDA CONEXÃO DE PROCESSOS QUANDO O MESMO AGENTE TIVER COMETIDO VÁRIOS CRIMES CUJO CONHECIMENTO SEJA DA COMPETÊNCIA DE TRIBUNAIS COM SEDE NA MESMA COMARCA, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 19.º E SEGUINTES."

12. FINALMENTE, DISPÕE O ARTIGO 29.º:

"1 - PARA TODOS OS CRIMES DETERMINANTES DE UMA CONEXÃO, NOS TERMOS DAS DISPOSIÇÕES ANTERIORES, ORGANIZA-SE UM SÓ PROCESSO.
2 - SE TIVEREM JÁ SIDO INSTAURADOS PROCESSOS DISTINTOS, LOGO QUE A CONEXÃO FOR RECONHECIDA PROCEDE-SE À APENSAÇÃO DE TODOS ÀQUELE QUE RESPEITAR AO CRIME DETERMINANTE DA COMPETÊNCIA POR CONEXÃO;

13. ACRESCE QUE, O DISPOSTO NO ARTIGO 25.º DO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS DISPÕE QUE "AS SANÇÕES APLICADAS ÀS CONTRAORDENAÇÕES EM CONCURSO SÃO SEMPRE OBJECTO DE CÚMULO MATERIAL.";

14. CONSEQUENTEMENTE, O SERVIÇO DE FINANÇAS DE MANGUALDE AO TOMAR CONHECIMENTO DA PRÁTICA DE INFRACÇÕES CONTRAORDENACIONAIS PELA ARGUIDA, ORA RECORRENTE, DEVERIA TER PROCEDIDO À APENSAÇÃO DE TODOS OS PROCESSOS ÀQUELE A QUE RESPEITAVA A CONTRAORDENAÇÃO DETERMINANTE DA CONEXÃO OU INSTAURAR UM ÚNICO PROCESSO QUE ENGLOBASSE TODOS OS COMPORTAMENTOS CONTRAORDENACIONAIS.

15. AO NÃO FAZÊ-LO, A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA ONERA OS CONTRIBUINTES, QUE SE VÊM OBRIGADOS A APRESENTAR VÁRIOS RECURSOS DE CONTRAORDENAÇÃO (E SE VÊM NA POSSIBILIDADE DE TER DE PAGAR VÁRIAS TAXAS DE JUSTIÇA), CRIA ENTRAVES À CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL POIS CONDUZ À INSTAURAÇÃO DE VÁRIOS RECURSOS DE CONTRAORDENAÇÃO E COLOCA EM CAUSA A COERÊNCIA E UNIFORMIDADE DE JULGAMENTO UMA VEZ QUE EXISTE O RISCO DAS CAUSAS EM QUESTÃO SEREM OBJECTO DE DECISÕES DISPARES.

16. ALÉM DO DESRESPEITO PELOS PRINCÍPIO DE DIREITO PENAL, DE ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DAS PENAS APLICÁVEIS, RAZÕES ECONÓMICAS MOTIVARAM A REQUERIDA APENSAÇÃO PORQUANTO IMPLICARIA QUE OS CUSTOS ADMINISTRATIVOS, MULTIPLICADOS POR 7 PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO, FOSSEM REDUZIDOS APENAS A UM ÚNICO PROCESSO, BEM COMO O PAGAMENTO DE UMA ÚNICA TAXA DE JUSTIÇA, NO EVENTUAL RECURSO A APRESENTAR DAS DECISÕES DE APLICAÇÃO DE COIMA.

17. FACE À NÃO APENSAÇÃO, PELO SERVIÇO DE FINANÇAS DE MANGUALDE, DOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO CONTRA SI INSTAURADOS, A RECORRENTE APRESENTOU RECURSO DAS DECISÕES DE APLICAÇÃO DE COIMA, REQUERENDO, NOVAMENTE, A SUA APENSAÇÃO, INVOCANDO, ALÉM DO MAIS, QUE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA HAVIA VIOLADO PRINCÍPIOS E NORMAS LEGAIS DE CARÁCTER OBRIGATÓRIO E VINCULATIVO POIS DECORRE DO ARTIGO 41.º, N.º 2 DO RGCO QUE “OS PROCESSOS DE APLICAÇÃO DE COIMA E DAS SANÇÕES ACESSÓRIAS, AS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS GOZAM DOS MESMOS DIREITOS E ESTÃO SUBMETIDAS AOS MESMOS DEVERES DAS ENTIDADES COMPETENTES PARA O PROCESSO CRIMINAL”;

18. O TRIBUNAL A QUO DETERMINOU A APENSAÇÃO DE TODOS OS PROCESSOS DE RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO APRESENTADOS PELA RECORRENTE, E APÓS, JULGOU TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO NAS COIMAS QUE CONCRETAMENTE LHE FORAM APLICADAS NAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS IMPUGNADAS, FIXANDO UMA COIMA ÚNICA DE DUZENTOS EUROS E, ALÉM DAS CUSTAS DO PRESENTE RECURSO, NAS CUSTAS DA FASE ADMINISTRATIVA DOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO, NO VALOR FIXADO DE €76,50 EM CADA UM DOS SETE PROCESSOS;

19. ENTENDE A RECORRENTE QUE, FACE AO QUADRO LEGAL SUPRA, A DECISÃO RECORRIDA FAZ, UMA INCORRECTA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI, ISTO PORQUE O TRIBUNAL A QUO DEVERIA TER LAVRADO UM DESPACHO, EM QUE -CONSIDERANDO, DEPOIS DA APENSAÇÃO OPERADA, COMO EXISTINDO UM ÚNICO PROCESSO DE RECURSO JUDICIAL DE IMPUGNAÇÃO DE COIMA- SE PASSASSE AO CONHECIMENTO DOS EFEITOS JURÍDICOS DA NÃO APENSAÇÃO DE PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO, REQUERIDA MAS NÃO ACEITE NEM EFETUADA PELA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E DAS SUAS IMPLICAÇÕES NA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA CONSTANTE DOS AUTOS;

20. DETERMINANDO A ANULAÇÃO DO PROCESSADO E A BAIXA DOS AUTOS AO SERVIÇO DE FINANÇAS DE MANGUALDE PARA A ORGANIZAÇÃO DE UM ÚNICO PROCESSO, PARA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA (ÚNICA) E RESPECTIVOS CUSTOS ADMINISTRATIVOS, CASO SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS DA INFRACÇÃO CONTINUADA, ATENDENDO AO DISPOSTO NO ARTIGO 79.º DO CP, OU, CASO TAL NÃO ACONTEÇA, AO REGIME CONSAGRADO NO ARTIGO 25.º DO RGIT – CFR. ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE 24 DE OUTUBRO DE 2015, PROFERIDO NO PROCESSO 766/15 E JORGE LOPES DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS IN “CONTRA-ORDENAÇÕES: ANOTAÇÕES AO REGIME GERAL”, ED. 2011, PÁG. 307;

21. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, O QUE NÃO SE CONCEDE, QUESTIONA-SE A CONDENAÇÃO DA ORA RECORRENTE NAS CUSTAS DA FASE ADMINISTRATIVA DOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO, NO VALOR FIXADO DE €76,50 EM CADA UM DOS SETE PROCESSOS;

22. SE A APENSAÇÃO OU A ORGANIZAÇÃO DE UM ÚNICO PROCESSO COM UMA ÚNICA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA, CONTEMPLADA À LUZ DO ARTIGO 25.º DO RGIT, TIVESSE OCORRIDO NO SERVIÇO DE FINANÇAS DE MANGUALDE, COMO ACTO DE COMPETÊNCIA PRÓPRIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, OS CUSTOS ADMINISTRATIVOS SERIAM €76,50 OU €535,50 (€76,50 X 7)?

23. NO HUMILDE ENTENDIMENTO DA ORA RECORRENTE, SE AS INFRAÇÕES QUE LHE FORAM IMPUTADAS DEVERIAM TER SIDO TRATADAS COMO UMA SÓ E/OU NUM SÓ PROCESSO, NA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, E NÃO O TENDO SIDO NESSA FASE, SÃO-NO PELO TRIBUNAL A QUO, OS CUSTOS ADMINISTRATIVOS EM CAUSA DEVERÃO SER OS RESPEITANTES A APENAS UM PROCESSO PORQUE A TAL ESTAVA OBRIGADA A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.

24. ALIÁS, SE A APENSAÇÃO DOS RECURSOS DAS CONTRAORDENAÇÕES CONDUZIU A QUE SE LIQUIDASSE APENAS UMA TAXA DE JUSTIÇA, NO VALOR DE €102,00, O MESMO CÁLCULO DEVERIA TER SIDO UTILIZADO PARA OS CUSTOS ADMINISTRATIVOS DOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO!

25. CASO CONTRÁRIO, DE QUE ADIANTA AOS CONTRIBUINTES RECORREREM DAS VÁRIAS DECISÕES DE APLICAÇÃO DE COIMA, REQUERENDO A SUA APENSAÇÃO EM FASE JUDICIAL SE, NO FINAL DAS CONTAS, MANTEM-SE O VALOR EM QUE SÃO CONDENADOS –SOMA DAS COIMAS CONCRETAMENTE APLICADAS E DOS CUSTOS ADMINISTRATIVOS DOS PROCESSOS DE CONTRAORDENAÇÃO- E AINDA TÊM DE PAGAR TAXA DE JUSTIÇA PARA QUE OCORRA A APENSAÇÃO?!

26. ENTENDE A RECORRENTE QUE, A MANTER-SE A SUA CONDENAÇÃO NUMA COIMA ÚNICA, FACE À APENSAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 25.º DO RGIT, OS CUSTOS ADMINISTRATIVOS DEVERÃO SER FIXADOS EM €76,50.

27. DECIDINDO COMO DECIDIU, O TRIBUNAL A QUO VIOLOU OS ARTIGOS 311.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, APLICÁVEL POR REMISSÕES SUCESSIVAS DOS ARTIGOS 18.º DA LEI 25/06, DE 30 DE JUNHO E ARTIGO 3.º, ALÍNEA B) E 25.º, DO RGIT E ARTIGO 41.º DO RGCO, PADECENDO A DECISÃO DE NULIDADE COM FUNDAMENTO NA OMISSÃO DE PRONÚNCIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 379.º, N.º 1, ALÍNEA C) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

Pediu fosse o presente recurso julgado procedente, fosse revogado o despacho recorrido e fosse o mesmo substituído por outro que anule as decisões de aplicação das coimas ou, assim não se entendendo, que condene a Recorrente na coima única de € 200,00.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A M.ma Juiz lavrou despacho de sustentação.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Questão prévia: dos requisitos da admissibilidade do recurso

O presente recurso tem por fundamento o disposto no artigo 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações.

Ou seja, a Recorrente reconhece que não tem alçada e que nos autos não foi aplicada nenhuma sanção acessória, pelo que não estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso ordinário previstos no artigo 83.º do Regime Geral das Infrações Tributárias. Mas pretende que o recurso deve ser admitido por se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

Há, assim, que apreciar esta questão prévia, ou seja, a questão de saber se estão, in casu, reunidos os requisitos da admissibilidade deste recurso ao abrigo daquele dispositivo legal.

Tem-se entendido que a expressão «melhoria da aplicação do direito» deve ser interpretada com abrangendo todas as situações em que há «erros claros da decisão judicial», por contraposição ao «entendimento jurisprudencial amplamente adotado, em termos que repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito» (cit. acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de março de 2009, no processo n.º 106/09).

Ou seja, a clareza do erro afere-se por contraposição a um entendimento jurisprudencial consolidado sobre a questão decidida e que a decisão recorrida desconsidera.

Ora, a Recorrente não invoca nenhum entendimento consolidado na ordem jurídica sobre as questões de direito suscitadas no recurso e que tenha sido desconsiderado pelo tribunal de primeira instância. E o acórdão deste Supremo Tribunal que indica nas doutas alegações de recurso (acórdão de 24 de outubro de 2015, tirado no processo n.º 766/15) tratou de questão diversa que não importa aqui analisar.

Pelo que o recurso não pode ser admitido ao abrigo da primeira parte do artigo 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações.

Quanto à expressão «promoção da uniformidade da jurisprudência», é mais ampla que a anterior, porque inclui também as situações em que a intervenção do tribunal superior se justifica para dirimir uma controvérsia jurisprudencial estabelecida sobre uma questão que tem vocação para se replicar em decisões posteriores.

Nesta parte, a alegação da Recorrente é mais cuidada, porque indica (embora sem especificar nenhum processo em que tal tenha ocorrido) que sobre a matéria tratada na decisão recorrida e discutida no recurso existem dois tribunais a decidir de modo diverso: o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel decide (de acordo com a sua alegação) declarar a nulidade dos procedimentos de contraordenação; o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decide (também e acordo com a sua alegação) anular as decisões administrativas.

Em boa verdade, porém, não é nesta controvérsia que a Recorrente pretende que o tribunal de recurso intervenha. Porque a decisão recorrida, não enveredou por uma destas posições. Parece até que a Recorrente pretende apenas dizer que existe um entendimento mais ou menos consolidado em primeira instância em, de uma forma ou de outra, anular as decisões administrativas. E que a decisão recorrida acaba por afrontar este entendimento.

Não interessa, porém, abordar a questão de saber se se pode falar de um «entendimento jurisprudencial consolidado» nestas circunstâncias, para os efeitos do artigo 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações. Porque a Recorrente omite aqui uma referência importantíssima para que se pudesse reconhecer uma verdadeira divergência de entendimentos jurisprudenciais: a referência à identidade das situações tratadas nas diversas decisões.

Na verdade, a Recorrente nunca esclarece se, nos outros processos, os arguidos respetivos também atravessaram um requerimento onde requeressem, já em fase judicial, a apensação de todos os processos de contraordenação tendo em vista a realização de um só julgamento. E se tal foi deferido nos respetivos processos. E se, por conseguinte, as respetivas decisões também tiveram que considerar aquela decisão interlocutória e as suas consequências para o que foi posteriormente decidido.

E sem este esclarecimento fundamental nunca poderia falar-se nem de controvérsia jurisprudencial nem de algum entendimento consolidado que a decisão recorrida tivesse afrontado.

E, assim, sendo, não nos encontramos no âmbito do artigo 73.º, n.º 2, citado. E o recurso não pode ser admitido por aqui.

Adiante, a Recorrente pretende que o tribunal de recurso intervenha para dirimir a questão de saber como é que devem ser calculados os custos administrativos no processo de contraordenação em caso de apensação.

Mas, nesta parte, prescindiu da alegação de qualquer facto que permitisse concluir-se estamos perante um recurso para melhoria da aplicação do direito ou de promoção da uniformidade da jurisprudência. Omitindo assim, qualquer justificação para a intervenção do tribunal superior ao abrigo daquele dispositivo legal.

Parece, assim, que, nesta parte, a Recorrente não pretende mais do que a sindicância normal da decisão recorrida, isto é, a intervenção do tribunal superior para analisar o acerto da decisão de primeira instância. E já vimos que não estão reunidos os requisitos gerais para a admissibilidade desse recurso.

Uma palavra final para um argumento também utilizado pela Recorrente quando pretendeu justificar a admissibilidade do recurso: lê-se no ponto “I.” das doutas alegações que «caso não fosse admissível o recurso, ficariam sem controlo jurisdicional decisões proferidas com duvidosas soluções jurídicas, com (…) claro prejuízo do direito fundamental do cidadão ao recurso judicial das decisões administrativas».

Importa observar que não está em causa o direito fundamental do cidadão ao recurso judicial das decisões administrativas, mas o direito ao recurso jurisdicional de uma decisão judicial. E, nos processos de contraordenação, a garantia constitucional de defesa não inclui o direito de recurso de decisões judiciais. Inclui apenas o direito de recurso a um tribunal da decisão administrativa (cfr. o artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.

E bem se compreende que assim seja, porque há entre o direito criminal e o direito de mera ordenação social diferenças de monta, quer de natureza qualitativa, quer de natureza quantitativa, que se projetam também na natureza e na gravidade das respetivas sanções. A irrestrita admissibilidade de recurso obrigaria, neste último caso, os tribunais superiores a «resolver inúmeros casos de pouca importância, com prejuízo da sua disponibilidade para resolver outros casos de maior relevo» (cit. MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, in «Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral», 2001, pág. 386).

A exigência constitucional do Estado de Direito em matéria de contraordenações não vai além da necessidade do controlo jurisdicional das decisões administrativas, assegurando que sobre as matérias respetivas possa ser atribuída a última palavra a um tribunal (ver Figueiredo Dias, in «O Movimento de Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social» - Jornadas de Direito Criminal, pág. 335).

De todo o exposto deriva que o recurso não deve ser recebido, por não estarem verificados os requisitos que a lei impõe como indispensáveis para a sua aceitação.



3. Conclusões

3.1. Constitui requisito da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no artigo 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações que a intervenção do tribunal superior seja manifestamente necessária à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência;

3.2. O recurso não é manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito se o recorrente, além do mais, não invoca melhor aplicação do direito evidenciada em entendimento jurisprudencial amplamente adotado e que tenha sido desconsiderado pelo tribunal de primeira instância.

3.3. O recurso não é manifestamente necessário à promoção da uniformidade da jurisprudência se o recorrente não demonstra, desde logo, a identidade das situações tratadas na decisão recorrida e nas decisões que, na sua alegação, dela divergem.

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, não receber o recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Gustavo Lopes Courinha – Anabela Russo.