Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0610/15.1BELRA
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Sumário:I - O princípio constitucional da tributação do rendimento empresarial pelo lucro real, que está na base do princípio da dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, determina ou conduz a soluções diferentes conforme se trate de externalizar de forma padronizada (tendo em vista a comparabilidade) a situação financeira de uma entidade económica (a empresa) – sendo essa a finalidade a que se destinam as normas de contabilidade e relato; ou antes de apurar o rendimento líquido do exercício, ou seja, aquilo que expressa a efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo.

II - O princípio legal da especialização dos exercícios determina que a imputação das variações cambiais apenas pode ter lugar quando, e na medida em que, estas sejam efectivas, i. e., nos exercícios em que se produzam os respectivos efeitos económicos (ainda que os efeitos financeiros sejam diferidos para momento ulterior), e não anualmente, a título de meras variações cambiais potenciais, apuradas no balanço, o qual é elaborado com base nas regras da contabilidade;

III - O princípio da justiça deve ser interpretado e aplicado como elemento integrador da norma da periodização do lucro tributável, no sentido de garantir a sua efectividade, resultando daí, para a Administração Tributária, a obrigação de harmonização inter-exercícios do enquadramento temporal de um elemento integrante do facto tributário que tenha natureza comunicante (simétrica inter-exercícios).

IV - A AT deveria ter efetuado a correspectiva correcção quanto ao exercício de 2011, tanto mais que no momento a AT havia aberto ordem de serviço datada de 1/11/2013, de âmbito parcial em IRC e com incidência sobre o exercício de 2011, pelo que, ao não ter assim procedido a AT violou, com a sua conduta, o princípio da justiça, uma vez que poderia ter imputado essas imparidades na liquidação de IRC do exercício de 2011, para o qual até detinha ordem de serviço aberta, sendo que dessa imputação não adviria nenhum prejuízo para o Estado.
Nº Convencional:JSTA00071283
Nº do Documento:SA2202110270610/15
Data de Entrada:07/06/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IRC
Legislação Nacional:Princípio da Especialização dos Exercícios. Princípio da Justiça, Artigos 18º, 35º e 36º, todos do CIRC,
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 610/15.1BELRA (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 29-03-2021, que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida por “ A…………, LDA.”, determinando a anulação da liquidação adicional de IRC nº 2014 8310033282, na parte em que desconsiderou as imparidades reconhecidas pela Impugnante quanto aos clientes “ B………”, “ C………..” e “ D…………., S.A.”, no montante global de € 36.923,63 no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra os actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, nº 2014 8510033280, relativa ao exercício de 2011 e que apurou um montante a reembolsar de € 14.532,55 e nº 2014 8310033282, relativa ao exercício de 2012, que apurou imposto a pagar de € 20.349,88, ambas datadas de 18-08-2014.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) O presente recurso tem como objecto o segmento da sentença ora recorrida que contra a AT decidiu, ou seja, a secção em que se determinou a anulação parcial da liquidação de IRC do ano de 2012, mais concretamente, na parte em que foram desconsideradas as imparidades reconhecidas pela sociedade Impugnante quanto aos clientes “ B………….”, “ C……………..” e “ D………….., S.A.”, no montante global de € 36.923,63.

B) Pois que no ano de 2012, a Impugnante apenas justificou imparidades em dívidas a receber de clientes no valor de €39.809,07, nos termos do artigo 36º do CIRC.

C) Donde que nesse ano/exercício tenha indevidamente reconhecido gastos fiscais em valor superior ao devido, uma vez que só podia reconhecer o montante de €39.809,07.

D) As perdas por imparidade constituem uma provisão, ou seja, um passivo de montante incerto ou de ocorrência temporal incerta, conforme resulta dos artigos 35.º e 36.º, ambos do CIRC.

E) A consideração de uma provisão, enquanto gasto de um determinado exercício, obedece a dois princípios contabilísticos: (i) O princípio da prudência, ao abrigo do qual se tomam sem consideração no apuramento dos resultados do exercício os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido, e (ii) O princípio da especialização dos exercícios, ao abrigo do qual se imputa o custo ao exercício em que o facto ocorreu.

F) Resulta da lei fiscal vigente que o sujeito passivo não tem nem a faculdade de reconhecer as perdas quando quiser, nem na proporção que bem entender, mas sim de acordo com os termos que a lei lhe impõe - artigos 35º e 36º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.

G) Pelo que o entendimento vertido na sentença sob recurso atenta contra o princípio da especialização dos exercícios.

H) Aos SIT não competia promover correcções de molde a reflectir que a Impugnante podia ter declarado no exercício de 2011 perdas por imparidades superiores àquelas que inseriu na sua contabilidade e que declarou na sua declaração de rendimentos.

I) Nem corrigir de modo a que a Impugnante pudesse ter reportado, no exercício de 2012, perdas por imparidade referentes ao exercício de 2011, mas que não inseriu na sua contabilidade e que não mencionou na sua declaração de rendimentos.

J) As perdas por imparidade podem fazer constituir provisões, as quais, no entanto, obedecem a algumas formalidades, nomeadamente temporais e documentais, com vista à sua comprovação - artigos 35º/1-a) e 36º/1 do CIRC, constituindo, igualmente, um gasto, o qual pode ser deduzido para efeitos fiscais.

K) Detendo a Impugnante tal faculdade, mas optando por não a exercer, não cabia aos SIT substituir-se-lhe em tal exercício.

L) Com a entrada em vigor do SNC (a partir de 2010), e as alterações introduzidas no CIRC, resulta claro que os SIT não podem repor nos períodos correctos, por via do art. 18.º do CIRC, provisões ou amortizações quando não sejam contabilizadas nos períodos a que respeitavam, estipulando-se que só são aceites perdas por imparidade, depreciações e provisões contabilizadas no período ou em períodos anteriores (n.º 1 do art. 28º-A CIRC), nunca posteriores, pelo que a reposição fiscal, mesmo em períodos não caducos, é vedada, por lei, à AT.

M) O legislador fiscal reflectiu a intenção de não permitir tal ajustamento, em primeiro lugar, devido à possibilidade de manipulação de resultados e depois, também, assente no imperativo contabilístico de que as demonstrações financeiras devem reflectir uma imagem real e verdadeira da situação da empresa, para que os seus utilizadores (instituições financeiras, credores, investidores, Estado, etc), não fossem confrontados com omissões que alterariam as suas tomadas de decisão, nomeadamente activos empolados, mas sem qualquer valor realizável.

N) Com a sua conduta, o princípio da justiça não se mostra violado, na configuração que a sentença sob recurso faz do mesmo, uma vez que parece impor uma análise das verdadeiras intenções do sujeito passivo, a qual se mostra incompatível com a análise técnica imposta aos SIT e extravasando a fundamentação formal e substancial imposta à AT.

O) Tendo decidido pela parcial procedência do pedido anulatório da liquidação de IRC do ano de 2012, neste segmento, a Mma Juiz a quo fez desacertada interpretação e aplicação dos artigos 18º, 35º e 36º, todos do CIRC e do artigo 55º da LGT.

Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao recurso, mediante a revogação da decisão, na parte recorrida, e a sua substituição por outra que julgue improcedente o pedido, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.

A Recorrida “A……….., LDA.” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 18º, 35º e 36º, todos do CIRC, e do artigo 55º da LGT, ao ter considerado que, ao desconsiderar as imparidades reconhecidas pelo sujeito passivo em 2012, quando o deviam ter sido no ano de 2011, a AT violou o princípio da justiça, por a AT não ter feito constar tais valores no exercício de 2011.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1) A Impugnante foi submetida a ação inspetiva interna a coberto da ordem de serviço nº OI201301871, datada de 1/11/2013, de âmbito parcial em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e com incidência sobre o exercício de 2011 (fls. 2 do volume 1 do processo administrativo (doravante p. a. vol. 1)).

2) A Impugnante foi submetida a ação inspetiva interna a coberto da ordem de serviço nº OI201301872, datada de 1/11/2013, de âmbito parcial em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e com incidência sobre o exercício de 2012 (fls. 3 do p. a. vol. 1).

3) Em 19/2/2014 foi elaborado o projeto de correções, notificado à Impugnante através do ofício datado de 19/2/2014 enviado sob registo RF006975411PT, da mesma data (fls. 4 a 17 do p. a. vol. 1).

4) Em 19/3/2014 foi elaborado o relatório de inspeção tributária que consta a fls. 21 a 32 do p. a. vol. 1, cuja fundamentação se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrata com relevo para os presentes autos:

“(…)

I.4 - Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

I.4.1- Correções meramente aritméticas

I.4.1.1 – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

Conforme descrito no capitulo III, propõe-se a correção do lucro tributável declarado em 2010, 2011 e 2012 conforme se demonstra a seguir:

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II. Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção

II.1. Credencial e período em que decorreu a ação

Ordem de Serviço: OI201301869, OI201301871 e OI201301872 de 2013-11-01

Início da ação: 2013-11-01

Fim da ação:

Foi emitido o despacho externo DI201303028, de 2013-11-25, para recolha de elementos, o qual foi encerrado e notificado ao sujeito passivo em 2014-02-18.

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

Motivo: Ação de controlo declarativo

Âmbito: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

Incidência temporal: 2010, 2011 e 2012

Esta ação teve como objetivo controlar os valores declarados nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal (IES) nos campos:

 A5011 – Provisões

(…)

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

III.1- Perdas por Imparidade

III.1.1 - Notificação do sujeito passivo para esclarecer valores declarados

Em 2013-07-31 o sujeito passivo foi notificado para justificar documentalmente o valor de € 31 032,84, € 38 638,89 e de € 114 220,03, inscrito no campo A5011- Provisões, do quadro 03-A, da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) de 2010, 2011 e 2012, respetivamente, fazendo prova de que reunia as condições para ser aceite como gasto nos termos das regras estabelecidas no Código do IRC.

III.2- Justificativos exibidos

O sujeito passivo entregou uma lista, por ano, com o título “ Provisões de Clientes Exercício de ….”, da qual constam colunas com: o nome do cliente; número do cliente, número e ano da fatura, valor da fatura; % e valor da “provisão”/ Imparidade considerada gasto de exercícios anteriores; e % e valor da “provisão”/ Imparidade considerada gasto do exercício. Entregou também uma lista, com duas folhas, em papel formato A4 (que disse ter-lhe sido entregue pelo advogado), da qual constam três colunas com o título:

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Da 1ª coluna constam nomes de clientes;
Da 2ª coluna constam valores, correspondendo apenas um valor a cada nome;
Da 3ª coluna constam números, correspondendo apenas um número a cada nome.
Em deslocação ao gabinete do TOC (técnico Oficial de Contas) este forneceu extratos de conta dos clientes constantes da lista de “Provisões de Clientes Exercício de ….”, onde é possível verificar a data das faturas nela registadas.
Dos extratos de conta dos clientes é possível validar as faturas que estão por receber, tendo em conta os registos neles efetuados.

O TOC informou que não possuía mais quaisquer elementos que provassem a imparidades das dívidas. Disse também que o sócio gerente da A………….. apenas o informava dos clientes cujas dívidas enviava para o advogado para cobrança, não tendo conhecimento de qualquer diligência efetuada para o recebimento das mesmas dívidas.

Para efeitos de cálculo de imparidades o TOC disse considerar que as faturas se vencem após 30 dias da sua emissão.

Os valores inscritos no campo A5011- Provisões, do quadro 03-A, da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) de 2010, 2011 e 2012, respetivamente de € 31 032,84, € 38 638,89 e de € 114 220,03, foram calculados de acordo com o disposto nos artigos 35º, nº1, a)1 e 36º, nº22 do CIRC, ou seja: Os créditos resultam da atividade da empresa (faturas de venda mercadorias e estão em mora há mais de 6 meses).

Tendo em conta o disposto nos artigos 23º3, 35º nº1, a) e 36º, do CIRC, considera-se que os valores registados na contabilidade em 2010, 2011 e 2012, a título de “perdas por imparidade em créditos de clientes” e evidenciados na IES no campo A5011-Provisões, no valor de € 31 032,84, € 38 638,89 e de € 114 220,03, respetivamente, não reúnem as condições para a sua aceitação como gasto do exercício pelos seguintes motivos:
 Não foram exibidas provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;
 Tendo em conta a data das faturas nem sempre foi cumprido o critério da mora conforme previsto no artigo 36º nº2 do CIRC, conforme se exemplifica:
i) Cliente nº306- E………….

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Fatura: 2101, de 2008-12-31:
Data de vencimento: 2009-01-31
1 CIRC, Arigo 35º, nº1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
aa) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
2 CIRC, artigo 36º, 1 – Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; (Redacção da Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro)
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
2 – O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses.
3 CIRC, artigo 23º, nº1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:…. h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;…
Mora em 2009-12-31: mais de 6 meses
Mora em 2010-12-31: mais 18 meses
Em 2009-12-31, o crédito correspondente ao valor desta fatura já está em mora há mais de 6 meses pelo que, atendendo ao disposto no artigo 18º4 do CIRC, já deveria ter sido calculada uma perda por imparidade de valor correspondente a 25% do mesmo, valor que poderia considerar custo do exercício de 2009, se cumprisse as demais condições. Em 2010-12-31 o crédito correspondente ao valor desta fatura já está em mora há mais de 18 meses pelo que, atendendo ao disposto no artigo 18º do CIRC, o sujeito passivo estava em condições de calcular uma perda por imparidade de valor correspondente a 75% do mesmo, valor que poderia considerar gasto do exercício de 2010, se cumprisse as demais condições.
Em 2011-12-31, atendendo ao disposto no artigo 18º do CIRC, o sujeito passivo já não está em condições de considerar gasto do exercício o valor de € 399,00, correspondente a 50% do valor da fatura nº 2101, de 2008-12-31, uma vez que à data de encerramento das contas de 2009 e 2010 não era imprevisível nem manifestamente desconhecido o risco de incobrabilidade do valor da fatura.
ii) Cliente nº340 – F…………..

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4 Artigo 18.º Periodização do lucro tributável

1 – Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
Atendendo ao princípio de que as faturas do sujeito passivo se vencem a 30 dias e que nos temos do artigo 36º, nº1 c) e nº2 do CIRC, para que se verifique o risco de incobrabilidade, os créditos têm que estar em mora há mais de 6 meses desde a data do seu vencimento algumas das faturas não cumpriam com as condições para as percentagens utilizadas no cálculo das perdas por imparidade:
Faturas 586, 622, 682 e 694, de 2010-05-31:
Data de vencimento: 2010-06-30
Mora em 2010-12-31: igual a 6 meses
Estas faturas só estão em mora há mais de 6 meses em 2011, pelo que as perdas por imparidade calculadas em 2010-12-31 não são consideradas gasto do exercício por não cumprirem a condição estabelecida no artigo 36º, nº2 do CIRC.
III.3- Conclusão
O sujeito passivo considerou gasto do exercício, a título de perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, o valor de:

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não tendo cumprido com o estabelecido no código do IRC, nomeadamente:
 Artigo 36º, nº1 c) – Não foram exibidas provas objetivas da imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;
 Artigo 18º, nº2 – Considerou componente negativa do período de tributação (2010, 2011 e 2012) valores que à data de encerramento das contas dos períodos anteriores a que diziam respeito não eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas
Assim, o resultado fiscal declarado em 2010, 2011 e 2012, vai ser corrigido do valor correspondente às perdas por imparidade consideradas gasto do exercício, conforme se demonstra a seguir:

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O sujeito passivo infringiu o artigo 23º do CIRC infração punível nos termos do artigo 119º do RGIT.
IX - Direito de audição – fundamentação
IX. 1 – Notificação
Em cumprimento do estipulado no artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT) a empresa G…………., Lda foi notificada do projecto de relatório através de carta registada enviada em 2014-02-19 para, no prazo de 15 (quinze), dias exercer, querendo, o direito de audição prévia. Até à presente data o sujeito passivo não exerceu o direito de audição pelo que se mantêm as correções constantes do projeto de relatório.
(…)”
5) A Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária mencionado no ponto precedente, através do ofício datado de 26/3/2014, enviado sob registo RF024595750PT, cujo aviso de receção se mostra assinado em 27/3/2014 (fls. 18 a 20 do p. a. vol. 1).
6) Em 16/4/2014 deu entrada no Serviço de Finanças de Leiria 2 requerimento da aqui Impugnante no qual expõe entre o mais que se dá por reproduzido, o que se extrata por relevante para os presentes autos: “A requerente dentro do prazo da audiência prévia enviou para estes serviços o e-mail de que junta fotocópia com toda a informação prometida e documentos anexos (…)” e requer: “Que sejam dados sem efeito as liquidações referidas e que se proceda à análise dos documentos referentes ao referido e-mail que agora aqui também se juntam.” (fls. 33 e 34 do p. a. vol. 1).
7) Em 30/6/2014, foi elaborada pelos serviços de inspeção tributária a informação relativa à exposição apresentada pela Impugnante quanto ao exercício do seu direito de audição, com os fundamentos que se dão por reproduzidos e na qual se concluiu, após análise do direito de audição exercido pela Impugnante, o que se extrata por relevante para os presentes autos:
“(…)


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(…)

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(fls. 17 a 27 do processo físico).
8) A informação mencionada no ponto antecedente foi sancionada por despacho da Chefe de Divisão da Divisão de Inspeção Tributária II datado de 9/7/2014 (fls. 16 do processo físico).

9) A Impugnante foi notificada da informação mencionada no ponto 7) e do respetivo despacho de sancionamento, através do ofício n.º 3223 de 14/7/2014, enviado sob registo RF006960292PT, cujo aviso de receção se mostra assinado em 16/7/2014 (fls. 35 a 37 do p. a. vol. 1).

10) Em decorrência das correções propostas na informação mencionada no ponto 7) a Autoridade Tributária emitiu a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, n.º 2014 8310033282, de 18/8/2014, relativa ao exercício de 2012 e que apurou imposto a pagar de € 20.349,88 (fls. 14 do processo físico).

11) Em 17/7/2014 a Impugnante submeteu a declaração Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativa ao exercício de 2012 (fls. 33 a 37 do processo físico).

12) A Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada em 10), que remeteu para o Serviço de Finanças de Leiria 1, sob registo RD349897079PT datado de 7/10/2014, com os fundamentos que constam a fls. 3 a 5 do p. a. volume II (doravante p. a. vol. II) e que se dão por reproduzidos (fls. 23 do p. a. vol. II).

13) Por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária - Contencioso da Direção de Finanças de Leiria, datado de 30/12/2014 a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante foi indeferida quanto à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2012, com os fundamentos que se dão por reproduzidos (fls. 74 a 76 do p. a. vol. II).

14) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Impugnante na pessoa do seu mandatário, através do ofício n.º 20 datado de 6/1/2015, enviado sob registo RF082316865T, cujo aviso de receção se mostra assinado em 9/1/2015 (fls. 77 a 79 do p. a. vol. II).

15) A presente impugnação judicial foi remetida a Tribunal, por correio eletrónico em 8/4/2015 (fls. 1 do processo físico).

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir e o pedido.


*

Os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente das informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório, sendo indicado expressamente em cada número o(s) documento(s) que contribuíram para a extração de tal facto, através da indicação das folhas do processo físico ou do processo administrativo em que o mesmo se encontra.

A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais, sendo de salientar que as informações oficiais, fazem fé, quando devidamente fundamentadas, como sucede nos presentes autos (cfr. artigos 76º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 115º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário).”


«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar o invocado erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 18º, 35º e 36º, todos do CIRC, e do artigo 55º da LGT, ao ter considerado que, ao desconsiderar as imparidades reconhecidas pelo sujeito passivo em 2012, quando o deviam ter sido no ano de 2011, a AT violou o princípio da justiça, por a AT não ter feito constar tais valores no exercício de 2011.


Nas suas alegações, a Recorrente refere que as perdas por imparidade constituem uma provisão, ou seja, um passivo de montante incerto ou de ocorrência temporal incerta, conforme resulta dos artigos 35.º e 36.º, ambos do CIRC e a consideração de uma provisão, enquanto gasto de um determinado exercício, obedece a dois princípios contabilísticos: (i) O princípio da prudência, ao abrigo do qual se tomam sem consideração no apuramento dos resultados do exercício os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido, e (ii) O princípio da especialização dos exercícios, ao abrigo do qual se imputa o custo ao exercício em que o facto ocorreu, sendo que resulta da lei fiscal vigente que o sujeito passivo não tem nem a faculdade de reconhecer as perdas quando quiser, nem na proporção que bem entender, mas sim de acordo com os termos que a lei lhe impõe - artigos 35º e 36º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.
Por outro lado, não competia à AT promover correcções de molde a reflectir que a impugnante podia ter declarado no exercício de 2011 perdas por imparidades superiores àquelas que inseriu na sua contabilidade e que declarou na sua declaração de rendimentos, além de que com a entrada em vigor do SNC (a partir de 2010), e as alterações introduzidas no CIRC, resulta claro que os SIT não podem repor nos períodos correctos, por via do art. 18º do CIRC, provisões ou amortizações quando não sejam contabilizadas nos períodos a que respeitavam, estipulando-se que só são aceites perdas por imparidade, depreciações e provisões contabilizadas no período ou em períodos anteriores (n.º 1 do art. 28º-A CIRC), nunca posteriores, pelo que a reposição fiscal, mesmo em períodos não caducos, é vedada, por lei, à AT.

Que dizer?
Desde logo, cabe notar que os autos evidenciam que no âmbito de acção inspectiva, tendo por objecto o exercício de 2012, a AT desconsiderou, para além do mais, custos relativos a imparidades que na sua apreciação embora justificadas documentalmente deveriam ter sido inscritas no exercício de 2011, mostrando-se violado o princípio da especialização de exercícios previsto no artigo 18º do CIRC.
Nesta sequência, o Tribunal “a quo” tomou posição no sentido de que a AT devia ter imputado tais imparidades no exercício de 2011, já que também tinha uma acção de fiscalização aberta relativa a esse período, e, nessa medida, considerou ter sido violado o princípio da justiça, o que no seu entender afectou a validade das correcções realizadas no exercício de 2012, sendo que estando assente que as imparidades em causa - no valor de € 39.809,07 euros - deviam ter sido reconhecidas pelo sujeito passivo no exercício de 2011, a questão que se coloca é a de saber se neste caso o princípio da especialização de exercícios deve ceder perante outros princípios, designadamente perante o princípio da justiça.

Pois bem, enquadrando a realidade em apreço, e começando pelo princípio da especialização dos exercícios, o Ac. deste Tribunal de 09-10-2020, Proc. nº 01278-12.2BELRS 0574/18, www.dgsi.pt, refere que “…
O princípio da especialização dos exercícios, consagrado hoje no artigo 18.º, n.º 1 do CIRC e baseado no critério da imputação económica e não da imputação financeira dos proveitos e dos custos, diz-nos, como tem sido reiterado pela jurisprudência do STA, que “só podem ser imputados a cada ano os proveitos e custos nele verificados, independentemente dos respectivos recebimentos e pagamentos” (cf., por todos, acórdão de 25 de Junho de 2008, processo 291/08), e ainda que o seu propósito é “tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que os respectivos recebimentos ou pagamentos ocorram” (cf., por todos, acórdão de 2 de Abril de 2008, processo 807/07).
Este princípio é o “informador material”, i. e., o pressuposto legitimador das opções normativas e das operações administrativas - baseadas no pressuposto rígido da necessidade de efectuar um corte temporal (anual) na sequência dinâmica que é o fluxo económico empresarial, tendo em vista o apuramento da situação económica do sujeito passivo para efeitos de liquidação do imposto sobre o rendimento – que hão-de permitir a imputação dos elementos positivos e negativos a quantificar no contexto da determinação do lucro tributável em IRC. A rigidez da regra – proveitos e custos cujos efeitos económicos se produziram naquele período, independentemente de serem ou não acompanhados dos correspectivos fluxos financeiros (por exemplo, contabilizam-se, como proveitos, vendas cujos pagamentos ainda não foram recebidos e, como custos, despesas que ainda não foram pagas) – é a única forma praticável de, com a segurança jurídica necessária, imprimir um tratamento igualitário a todos os sujeitos passivos, cumprindo, igualmente, o princípio da tributação objectiva pelo rendimento real.
E o legislador complementa depois esta regra com uma regra especial adicional - apta a imprimir a flexibilidade necessária para neutralizar injustiças flagrantes -, segundo a qual se admite que possam ainda ser imputados a um exercício componentes positivas ou negativas respeitantes a exercícios anteriores, desde que, na data de encerramento das contas dos exercícios a que deveriam ser imputadas, as mesmas sejam imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (actual n.º 2 do artigo 18.º do CIRC). Esta regra adicional confirma uma das imensões essenciais do princípio da especialização dos exercícios: a de que só podem ser imputados a um exercício proveitos e gastos efectivos ou previsíveis, excluindo-se os hipotéticos, incertos e imprevisíveis, que, a ocorrerem, hão-de ser imputados nesse respectivo exercício.
Veja-se que o legislador tem consagrado também outras regras legais que, substancialmente, constituem matizes ao princípio da especialização dos exercícios, tendo em vista, de acordo com a margem de livre conformação legislativa que a Constituição lhe reconhece, procurar harmonizar, em abstracto, a segurança jurídica necessária à fixação dos critérios que presidem à determinação da base tributável do IRC (o lucro tributável), à luz das práticas comparáveis no plano internacional, com o princípio constitucional da tributação das empresas segundo o rendimento real (cf. artigo 104.º/2 da CRP).
Esta ponderação em abstracto, que subjaz ao regime jurídico legal positivo e que vincula a AT na gestão e administração do imposto, assim como os tribunais no momento da fiscalização da legalidade dos actos por ela praticados, não impede que estes – os tribunais – possam ainda intervir, em concreto, anulando decisões da AT, sempre que as mesmas não interpretem correctamente aqueles preceitos, e, com isso, pratiquem actos feridos de ilegalidade em sentido amplo - que a jurisprudência do STA tem qualificado como violadores dos princípios que limitam a actividade da Administração em geral e da AT em particular, mormente, do princípio da justiça, consagrado, respectivamente, no n.º 2 do artigo 266.º da CRP e no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT). É o que sucede quando, por exemplo, a AT invoca as regras do princípio da especialização dos exercícios para impedir a dedução de um prejuízo em que o sujeito passivo efectivamente incorreu, mas que não poderia ter contabilizado no exercício respectivo - v. por todos, o já mencionado acórdão de 25 de Junho de 2008, processo n.º 291/08 e o acórdão de 19 de Novembro de 2008, processo n.º 325/08. …”.

Nesta sequência, importa ainda ter presente, ainda com apoio no descrito Ac. deste Tribunal de 09-10-2020, Proc. nº 01278-12.2BELRS 0574/18, www.dgsi.pt, que “… É entendimento reiterado deste Supremo Tribunal Administrativo que “no caso do referido artigo 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes; mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição” - v., neste sentido, por todos, o acórdão de 19 de Maio de 2010, no proc. 4/07, reproduzido no acórdão de 14 de Março de 2018, no proc. 716/13.
Nos arestos acabados de referir, este Tribunal deu prevalência ao princípio da justiça, no contexto da interpretação normativa da regra legal da anualidade do exercício, não por considerar que ela era, em si, contrária ao princípio da justiça - ou seja, não por ter formulado um juízo de desvalor da norma legal da periodização do lucro tributável face ao princípio constitucional da justiça, o que redundaria na desaplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade; caso em que, o Ministério Público teria tido o dever legal de recorrer dessa questão para o Tribunal Constitucional nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 280.º da CRP e da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º e n.º 3 do artigo 71.º da Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actualizada) -, mas por ter considerado que estava em causa um elemento determinante do facto tributário de natureza comunicante, ou seja, um elemento integrante da completude normativa do facto tributário que era comunicável inter-exercícios por ser enquadrável, simetricamente, como custo de um exercício e proveito de outro, o que justifica que o efeito da anulação de uma liquidação tenha directa e imediatamente consequências para a outra liquidação.
No caso do acórdão de 19 de Maio de 2010 estavam em causa provisões para cobrança duvidosa, que eram qualificadas como custo enquanto se demonstrasse que existia efectiva dificuldade na cobrança do crédito que se destinavam a acautelar e que passariam a proveito assim que o crédito fosse satisfeito, considerando-se proibido que a AT as desconsiderasse como custo num exercício e depois mantivesse o mesmo valor qualificado como proveito em outro exercício. No mesmo sentido, considerou o STA censurável, no acórdão de 14 de Março de 2018, que nos casos em que um custo é desconsiderado, em sede de inspecção tributária, por dever ter sido considerado em exercício anterior, não seja, nesse outro exercício, simetricamente, reportado como custo.
É, pois, neste sentido, que se deve interpretar o disposto no acórdão de 14 de Março de 2018, quando aí se refere, a propósito do princípio da justiça, que “serão de considerar anuláveis (…) situações injustas deste tipo”, ou seja, situações em que a Administração Tributária tem de analisar e decidir o enquadramento temporal de um elemento integrante do facto tributário, sabendo que o que decida sobre aquele concreto aspecto tem de ser harmonizado inter-exercícios. Em outras palavras, o que se proíbe por efeito da mobilização jurisprudencial do princípio da justiça, e que aqui opera ainda como elemento integrante da interpretação normativa da regra legal da anualidade do exercício aplicável ao caso e não como elemento de avaliação da própria norma legal (daí não redundar numa desaplicação do preceito legal com fundamento na sua inconstitucionalidade), é que a AT, ao corrigir a quantificação do facto tributário por errada qualificação de um elemento com eficácia comunicante inter-exercícios, o faça apenas em um dos exercícios e não proceda à correcção simétrica no outro exercício, uma vez que os efeitos dessa correcção se produzem de forma imediata e equivalente no outro exercício. …”.

Com este pano de fundo, tendo presente o discurso assertivo do aresto supra apontado, que aponta para uma aceitação dos custos em determinadas situações, desde que não se vislumbre qualquer prática abusiva do sujeito passivo, invocando o princípio da justiça, ou seja, desde que o sujeito passivo não esteja em tempo para regularizar a situação, admite-se a contabilização desses custos fora do período em que deviam ter sido inscritos, em ordem ao respeito pelo princípio da tributação do lucro real, a decisão recorrida ponderou que “… efetuada a correção ao exercício de 2012, deveria a Autoridade Tributária ter efetuado a correspetiva correção quanto ao exercício de 2011, tanto mais que no momento a Autoridade Tributária havia aberto ordem de serviço datada de 1/11/2013, de âmbito parcial em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e com incidência sobre o exercício de 2011 (cfr. factualidade vertida em 1)).
Ora, ao não ter assim procedido a Autoridade Tributária violou, com a sua conduta, o princípio da justiça, uma vez que poderia ter imputado essas imparidades na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2011, para o qual até detinha ordem de serviço aberta, sendo que dessa imputação não adviria nenhum prejuízo para o Estado. Tanto mais que ao assim proceder ficou a Impugnante prejudicada na medida em que as ditas imparidades não foram consideradas nem na liquidação de 2011 nem na de 2012, não vindo alegada pela Autoridade Tributária qualquer intenção de práticas de manipulação do cálculo do lucro tributável, nomeadamente o adiamento da tributação ou a sua concentração em exercícios onde a tributação resultasse mais favorável.”.
Tal equivale a dizer que o decidido acompanhou o entendimento jurisprudencial descrito, que aqui se reitera, sendo que as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.