Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01192/13
Data do Acordão:05/21/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:DIVIDENDOS
RETENÇÃO NA FONTE
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
DIREITO COMUNITÁRIO
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO
Sumário:O imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos no ano de 2002 por uma empresa com sede em Portugal a uma sua accionista não residente, com sede em Espanha, viola os princípios da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, consagrados nos artigos 12º, 43º, 46º, 56º e 58º, nº 3 do Tratado da CEE, bem como o artigo 5º, nº 1 da directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23/07/1990 se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento ao abrigo do artigo 20, da Ley 43/1995, de 27 de Dezembro (do Reino de Espanha), sobre o Imposto sobre Sociedades, não se permitindo a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago pela impugnante em Portugal.
Nº Convencional:JSTA00068725
Nº do Documento:SA22014052101192
Data de Entrada:07/01/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SOCIEDADE UNIPESSOAL, SL
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JIDICIAL.
Legislação Nacional:DL 123/92 DE 1992/06/02.
CIRC ART46 N1 ART80 N2 C ART83 N2 ART88 N3 B N4 ART90 N1 C ART96 N2 N3.
Legislação Comunitária:TJUE ART63 ART65.
DIRECTIVA 90/435/CEE DO CONSELHO 1990/07/23.
Legislação Estrangeira:CONVENCÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO E PREVENIR A EVASÃO FISCAL EM MATÉRIA DE IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO ENTRE PORTUGAL E A ESPANHA ART10 N1 N2 ART23 N1 A B.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0322/13 DE 2013/05/29.; AC STA PROC01319/13 DE 2014/05/14.; AC STA PROC01/09 DE 2011/06/01.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 16 de Abril de 2013 (complementada pelo esclarecimento/aclaração datado de 10 de Maio de 2003), que julgou procedente a impugnação judicial, para anulação de liquidações de IRC e ISDA, que contra si havia intentado A…………, Sociedade Unipessoal, SL, anulando as liquidações em causa e condenando-a ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data de emissão da respectiva nota de crédito.

Alegou, tendo concluído como se segue:

4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, anulando a decisão de indeferimento da reclamação graciosa conjuntamente com os actos de retenção na fonte de IRC e de ISDA objecto de impugnação, relativos às liquidações do ano de 2002, no montante global de 1.481.262,65 €, condenando a Fazenda Pública à restituição das quantias relativas àquelas retenções na fonte de IRC e ISDA e a pagar juros indemnizatórios sobre tais montantes.

4.2. Entendeu o Tribunal a quo que se verifica uma restrição não justificada à livre circulação de capitais que contende com o direito comunitário, não podendo manter-se na ordem jurídica os actos de retenção na fonte impugnados, devendo os mesmos ser anulados.

4.3. Um dos princípios comunitários com maior impacto na fiscalidade directa é o da não discriminação em razão da nacionalidade, com assento no artigo 12° do TCE.

4.4. Constitui facto assente na jurisprudência comunitária que a fiscalidade directa — onde se inclui a tributação dos lucros das sociedades — é da competência dos Estados Membros que a devem exercer no respeito pelo direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

4.5. Os artigos 14°, n°3 e 46°, n°1, ambos do CIRC, estabelecem o regime de tributação aplicável aos lucros que uma entidade residente em território nacional, nas condições estabelecidas no artigo 2° da Directiva n°90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, coloque à disposição de uma entidade (residente ou não residente) — Cfr. ponto 3.37 do presente recurso no que concerne à referência ao Acórdão do STA de 20-02-2013, proc. n° 01435/12.

4.6. Ora, no que toca à alegada existência de discriminação entre residentes e não residentes, defendemos que a sua situação não é idêntica, nem poderia ser, para efeitos de tributação, principalmente em sede de Impostos sobre o Rendimento, desde logo face ao disposto no artigo 4° do CIRC e depois porque multiplicaria exponencialmente as situações de dupla tributação internacional.

4.7. Neste sentido, o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63°, n°1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” (art. 65°, n° 1, alínea a), do TFUE).

4.8. A aferição da legalidade das liquidações não depende do alegado pela Impugnante e sufragado pela sentença a quo quanto ao facto daquela não poder recuperar o imposto suportado em Portugal através de dedução no imposto devido em Espanha.

4.9. Se o País de residência se move por outras opções de política fiscal, a eventual ausência de neutralidade não pode ser imputada ao País da fonte, que não pode ser prejudicado pela situação criada pelo País de residência, isto é, a legalidade da tributação efectivada em Portugal não pode ficar dependente de a mesma ser ou não obtida no Estado de residência (No mesmo sentido, em situação similar, cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28/11/2012, proc n° 694/12.), cujo condicionamento, em virtude de opções no domínio da política fiscal, nos transcendem.

4.10. Concluímos então que a legislação portuguesa invocada pela Impugnante não viola qualquer norma ou principio de Direito Comunitário e que não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes, o que é o corresponde ao caso em análise, não existindo qualquer restrição não justificada à livre circulação de capitais.

4.11. Relativamente à decisão ora impugnada, na parte em que julgou ilegal a liquidação do Imposto de Sucessões e Doações por Avença, relativamente aos dividendos auferidos pela Impugnante em 2002, e que também é objecto do presente recurso, a mesma, atendendo à sua fundamentação e à argumentação exposta pela recorrente nesta peça processual, não perfilhou a solução correcta, não se vislumbrando, pelo exposto, qualquer ilegalidade de que padeça a liquidação impugnada.

4.12. Deve, assim, ser a decisão ora recorrida ser revogada, na parte decisória que revogou o acto de liquidação de ISDA em questão.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exas. Decidindo, farão a devida e costumada JUSTIÇA.

Contra-alegou a recorrida, tendo concluído:

I. O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida relativamente aos actos de liquidação de IRC e ISDA, efetuados por retenção na fonte, referente à distribuição de dividendos realizada pela B……….. no exercício de 2002 e de a Recorrida foi beneficiária, num montante global de € 1.481.262,65;

II. A douta sentença recorrida fez uma correcta apreciação dos factos submetidos à apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, bem como uma corretíssima interpretação da legislação aplicável, nacional e europeia, não merecendo a mesma a mínima censura.

III. A delimitação do objecto do recurso está circunscrita a duas questões.

IV. Por um lado, e admitindo a Fazenda Pública a existência de um tratamento diferenciado que a lei portuguesa consagrava à data dos factos para accionistas residentes em Portugal e para accionistas residentes no estrangeiro, questiona a Fazenda Pública se a situação dos residentes e dos não residentes é ou não comparável para este efeito e, nessa medida, se não seria possível ao legislador português consagrar um regime fiscal mais gravoso para os não residentes por comparação com o regime previsto para os residentes.

V. Por outro lado, questiona a Fazenda Pública se a ilegalidade das liquidações depende do facto de a Recorrida não poder, em concreto, recuperar o imposto suportado em Portugal através da respetiva imputação do mesmo no imposto a pagar em Espanha;

VI. Duas questões fáceis de apreciar.

VII. No que diz respeito à primeira questão, o Tribunal de Justiça tem sistematicamente afirmado que os Estados-Membros não estão prejudicados de “aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência” (Caso Amurta, C-379/05 par. 30; Caso Secilpar, C-199/10, par. 33.). Acontece, porém, que “a partir do momento em que um Estado-Membro de modo unilateral ou por via convencional sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes” (Caso Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04 par. 68; Caso Denkavit II, C-170/05 par. 35; Caso Amurta, C-379/05 par. 38; Caso Secilpar, C-199/10 par. 37.)

VIII. Por outras palavras, “para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56º CE [actual artigo 63º do TFUE], o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes” (Caso Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04 par. 70; Caso Amurta, C-379/05 par. 39; Caso Secilpar, C-199/10 par. 38.)

IX. Logo, a comparação entre a tributação incidente sobre os dividendos recebidos por um accionista residente em Portugal e por um accionista residente em Espanha é mais do que apropriada e legítima,

X. Facto que não constitui, claro está, qualquer surpresa em face da ampla jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a matéria.

XI. Jurisprudência que o tribunal a quo conhece e cita, nomeadamente no caso Denkavit II, C-l70/05 (vide págs. 32-33 da decisão recorrida).

XII. Decisão que determina que “o mecanismo de retenção na fonte aplicável aos dividendos pagos por filiais residentes unicamente às sociedades-mãe não residentes que não disponham em França [leia-se, no caso em apreço, Portugal] de um estabelecimento estável não pode ser justificado pela necessidade de impedir estas sociedades escapem totalmente à tributação sobre estes dividendos, em França e nos Países Baixos [leia-se, no caso sub judice, Portugal e Espanha] uma vez que as sociedades-mãe residentes também não são sujeitas a uma tributação posterior que incida sobre estes dividendos.” (Caso Denkavit II, C-170/05 par. 38.)

XIII. Daí que “Ao recusar conceder às sociedades-mãe não residentes o tratamento fiscal nacional, mais vantajoso, que é concedido às sociedades-mãe residentes, a legislação nacional em causa no processo principal constitui uma medida discriminatória incompatível com o Tratado, porquanto prevê uma tributação dos dividendos pagos por filiais residentes a sociedades-mãe neerlandesas [o equivalente a accionistas com residência em Espanha, no caso dos autos] mais pesada do que a incidente sobre os mesmos dividendos quando pagos a sociedades-mãe francesas [o equivalente a accionistas residentes em Portugal, no caso sub judice].” (Caso Denkavit II, C-170/05 par. 39.)

XIV. Pelo que, nesses termos, as disposições nacionais em causa constituem, sem mais, medidas discriminatórias em razão da localização da sede dos accionistas,

XV. Facto que se releva contrário à liberdade de circulação de capitais.

XVI. O que leva o tribunal a quo a concluir que “No caso em apreço verifica-se o pressuposto da comparabilidade das situações” (Pág. 32 da decisão recorrida.)

XVII. É que “a situação de um residente noutro Estado-membro, sem estabelecimento estável em Portugal, que aufira rendimentos provenientes da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal, é comparável à de uma sociedade residente em Portugal que aufira esses mesmos rendimentos.” (Pág. 33 da decisão recorrida.)

XVIII, Cabe então, nesses termos, analisar a outra suscitada pela Fazenda Pública, a saber: será que a ilegalidade das liquidações depende do facto de a Recorrida não poder, em concreto, recuperar o imposto suportado em Portugal através da respetiva imputação do mesmo no imposto a pagar em Espanha?

XIX. Conforme foi exposto, a legislação portuguesa encerra uma discriminação não justificada à luz dos princípios do Direito da União Europeia, maxime, do principio da livre circulação de capitais,

XX. Facto que origina um tratamento diferenciado entre entidades residentes e não residentes que, no final, não é eliminado ou neutralizado pela aplicação dos mecanismos para evitar a dupla tributação em vigor à data dos factos;

XXI. Ou seja, o próprio ADT — Portugal / Espanha não eliminava ou neutralizava a discriminação resultante do regime jurídico doméstico de tributação dos dividendos que era, à data, mais gravoso para as entidades residentes em Espanha do que para as entidades residentes em Portugal;

XXII. E tal não sucedia uma vez que o ADT Portugal / Espanha não era sequer susceptível de aplicação, já que a lei espanhola isentava os dividendos em causa de tributação nesse país.

XXIII. Cumpre então seguir, para este efeito, as regras propostas pelo Tribunal de Justiça no que diz respeito à articulação entre acordos de dupla tributação e a legislação tributária doméstica dos respectivos Estados-Membros.

XXIV. A regra fundamental é, sem surpresa, a seguinte: para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição de dividendos deve certificar-se que as sociedades accionistas não residentes estão sujeitas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes.

XXV. Se tal não suceder, poderá a restrição à liberdade de circulação de capitais ser ainda assim prevenida através dos acordos de dupla tributação que tenham sido celebrados.

XXVI. Ou seja, se a legislação doméstica não acautelar o escrupuloso cumprimento das obrigações resultantes do direito primário da União Europeia, os acordos de dupla tributação pode ainda neutralizar, no final, os efeitos da diferença de tratamento decorrentes da legislação doméstica. Como? Permitindo ao sujeito passivo imputar no imposto devido no Estado da Residência [jurisdição onde reside o sujeito passivo] o imposto pago no Estado da Fonte [jurisdição onde foi pago o imposto em virtude da distribuição dos dividendos].

XXVII. Ora, uma vez que no caso da legislação portuguesa em vigor à data dos factos é óbvio existir uma discriminação entre accionistas residentes e não residentes — realidade que a própria Fazenda Pública não coloca em causa — a mesma acabaria por apenas poder ser neutralizada se o imposto retido aquando da distribuição pela B…………….. dos dividendos pudesse ser, no final, imputado no imposto devido em Espanha até ao montante dessa diferença de tratamento.

XXVIII. Só assim, na perspectiva do Tribunal de Justiça, a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas em Portugal e os dividendos distribuídos às sociedades residentes em outros Estados-Membros desapareceria totalmente.

XXIX. Logo, a existência à data dos factos de uma discriminação na lei doméstica portuguesa induz a conclusão, ainda que a título indiciário, de que Portugal terá violado, a priori, os comandos comunitários a que estava obrigado a dar cumprimento.

XXX. No entanto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça vem ainda permitir, em última ratio, que a ilegalidade venha a ser neutralizada por outra via, não obstante a incúria do legislador português aquando da aprovação do regime doméstico de tributação de dividendos distribuídos para sociedades residentes em outro Estado-Membro da União Europeia.

XXXI. Para isso suceder, é necessário que da aplicação conjugada do ADT Portugal / Espanha com a legislação espanhola se permita evitar a tributação em cadeia a que está sujeita uma accionista não residente, diversamente do que sucede numa accionista residente em Portugal,

XXXII. Não basta, por isso, uma análise formal ao ADT Portugal / Espanha para aquilatar se o mesmo admite, em abstracto, a imputação do imposto pago em Portugal no imposto pago em Espanha.

XXXIII. É preciso verificar se, em concreto, tal imputação é efectivamente possível.

XXXIV. Com isso, o Tribunal de Justiça está a dar uma outra oportunidade ao Estado da Fonte de eximir-se a uma flagrante violação das liberdades fundamentais europeias.

XXXV. No entanto, a jurisdição de residência do sujeito passivo não está naturalmente obrigada a admitir a imputação do imposto pago no outro país, em particular se isentar de imposto os dividendos em causa.

XXXVI. Na realidade, é mais do que natural que se o país de destino dos dividendos isentar os dividendos pagos a entidades residentes no seu território não seja então possível creditar o imposto pago no Estado da Fonte no imposto pago no Estado da Residência, mesmo que exista um acordo de dupla tributação que preveja a possibilidade de realizar essa imputação.

XXXVII. É que se os rendimentos em causa não são tributados no destino por força da lei doméstica, não faz sentido que se permita creditar aí — no país de residência do sujeito passivo o imposto pago no país onde os lucros tiveram origem.

XXXVIII. Ora, é exactamente isso que sucede, sem mais, no caso dos dividendos distribuídos pela B………….. à ora Recorrida no caso sub judice.

XXXIX. Na realidade, e tal como o Tribunal a quo concluiu, consta-se que em Espanha existe uma total e absoluta impossibilidade de proceder aí à imputação da retenção na fonte sofrida pela Recorrida em Portugal.

XL. Ou seja, a retenção na fonte suportada em Portugal sobre os dividendos distribuídos pela B…………. não podia ser recuperada pela entidade beneficiária dos mesmos — a ora Recorrida — em Espanha,

XLI. Uma consequência do regime doméstico de isenção previsto no artigo 20.bis da Ley n.° 43/1995, de 27 de Dezembro, do Imposto sobre Sociedades Espanhol.

XLII Tal implica, sem surpresa, que o imposto retido na fonte em Portugal não podia pura e simplesmente ser imputado no imposto devido em Espanha, isto na medida em que nenhum imposto é devido em Espanha em resultado da percepção dos dividendos com origem em Portugal

XLIII. Recorrendo às palavras do tribunal a quo: “resulta das normas aplicáveis à Impugnante em Espanha que estes dividendos não foram ali sujeitos a tributação por estarem isentos nos termos do disposto no art. 20. bis da Ley 43/1995, de 27 de Dezembro, relativa a imposto sobre as sociedades” (Pág. 26 da decisão recorrida.)

XLIV. Pelo que se conclui aí, de forma inequívoca, que “Reunidos os requisitos de aplicação ao caso do supracitado art. 20 bis da Ley 43/1995, os dividendos recebidos da B………….. pela impugnante estavam isentos de imposto sobre as sociedades espanhol, não fazendo parte da respectiva base tributável (…) não tendo sido tributados pelo que a retenção na fonte em causa não foi [nem podia ser recuperada em Espanha.” (Pág. 28 da decisão recorrida.)

XLV. Trata-se, bem vistas as coisas, de um caso exactamente igual àquele que deu origem ao Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Denkavit II, C- 170/05,

XLVI. Acórdão que a decisão recorrida amplamente cita.

XLVII. Na realidade, também aí existia uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre França e Holanda que previa, como é regra, um crédito de imposto na Holanda. Acontecia, no entanto, que os dividendos com origem em França e aí sujeitos a retenção na fonte — distribuídos à sócia residente para efeitos fiscais na Holanda estavam, para o efeito, isentos de imposto na Holanda ao abrigo da lei doméstica neerlandesa,

XLVIII. Facto que levou o Tribunal de Justiça a afirmar, sem margem para dúvidas, que: “a aplicação conjugada da convenção e da franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente não permite evitar a tributação em cadeia a que está sujeita, diversamente de uma sociedade-mãe residente uma - sociedade-mãe não residente nem, portanto, neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento” (Caso Denkavit II, C-170/05 par. 54.)

XLIX. O que conduziu à conclusão, inevitável, de que o Direito Comunitário se opõe:

a uma legislação nacional que prevê, unicamente para as sociedades-mãe não residentes, uma tributação através de retenção na fonte dos dividendos distribuídos por filiais residentes, mesmo no caso de uma convenção fiscal celebrada entre o Estado-Membro em causa e outro Estado-Membro, que autoriza essa retenção na fonte, prever a possibilidade de impugnar no imposto devido neste outro Estado o encargo suportado em aplicação da referida legislação nacional, quando uma sociedade-mãe está impossibilitada neste outro Estado-Membro, de proceder à imputação prevista na referiria convenção” (Caso Denkavit II, C-170/05 par. 57.)

L. Pelo que sempre que o Estado da Residência — como Espanha, no caso sub judice, ou a Holanda, no caso Denkavit II — isente os dividendos com origem num outro Estado-Membro, impossibilitando a aplicação de um crédito de imposto nesse país, torna-se impossível neutralizar a diferença de tratamento que exista ao nível do Estado da Fonte - como Portugal, no caso sub judice, ou Holanda, no caso Denkavit II.

LI. Logo, a diferença de tratamento entre entidades residentes e não residentes — contrária aos artigos 56° e 58° do então TCE, hoje artigos 63° e 65° do TFUE — não “desapareceu” nem foi neutralizada no caso dos autos,

LII. Facto que a Fazenda Pública não contestou.

LIII. Recorde-se, por sua vez, que também no processo n.° 322/13-30 o processo que dá origem à decisão do Tribunal de Justiça no caso Secilpar (C-199/10) — se decidiu, e bem, no mesmo sentido,

LIV. Decisão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Maio de 2013.

LV. Recorde-se que os factos subjacentes àquele processo eram idênticos aos da situação sub judice, com a única diferença de aí os dividendos recebidos pela Recorrida dizerem respeito ao ano fiscal de 2003 e não de 2002.

LVI. Aliás, o próprio Tribunal Central Administrativo do Sul já se havia pronunciado nos mesmos termos no âmbito do Processo 05650/12, de 9 de Outubro de 2012. Estava também aqui em causa a tributação de dividendos distribuídos por uma subsidiária em Portugal à sua accionista em Espanha.

LVII. Em suma, apenas na hipótese inversa - a de a retenção na fonte ser imputada no imposto devido em Espanha - seria possível neutralizar a diferença de tratamento que se reconheceu existir entre um sócio residente e um sócio não residente no que diz respeito aos dividendos distribuídos pela B…………..

LVIII. Algo que se revela insusceptível de suceder no presente caso, pelo que aquela posição do Tribunal de Justiça - sufragada pela jurisprudência nacional foi correctamente incorporada na sentença recorrida.

LIX. Aliás, e como muito bem avisa o tribunal a quo, “o TJ pronunciou-se já expressamente pela desconformidade face ao direito europeu do regime português para evitar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º do TCE, atenta a discriminação entre accionistas residentes em Portugal e noutros Estados Membros” (Pág. 40 da decisão recorrida)

LX. Razão pela qual se torna imperativo decidir o caso sub judice nos mesmos termos em que foi decidido o processo n.° 322/13-30, processo que conheceu uma decisão final do Supremo Tribunal Administrativo 31 de Maio de 2013 e no decorrer do qual foi suscitada a questão prejudicial que daria origem a uma decisão do Tribunal de Justiça sobre os factos aqui em discussão (Caso Secilpar, C-199/10).

LXI, Só assim ficará assegurada a interpretação e aplicação uniformes do Direito da União Europeia, até porque a decisão de um reenvio prejudicial tem vários efeitos jurídicos, sendo um dos mais importantes o de obrigar não só o juiz nacional que suscitou a questão à interpretação veiculada pelo Tribunal de Justiça, como também todos os outros juízes nacionais.

Nestes termos, e nos de mais de direito, e com o douto suprimento que se invoca, deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida.

O Ministério Público, na competente vista, pronunciou-se pela procedência parcial do recurso entendendo que relativamente ao IRC deve ser aplicada uma taxa superior a 15% a metade do valor bruto dos dividendos tributáveis. Relativamente ao ISD entendeu que deve ser confirmada a liquidação desse imposto, resultante da aplicação de uma taxa de 5% sobre o valor bruto dos dividendos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

1. A ora Impugnante tem sede e direcção efectiva em Espanha, não detendo qualquer estabelecimento estável em Portugal (cf. cópia de certidão do registo comercial de Madrid, a fls. 100 a 119 e respectiva tradução, a fls. 419 a 436, todas dos autos).

2. Em Dezembro de 2000 a ora Impugnante adquiriu 12.091.940 (doze milhões noventa e uma mil novecentas e quarenta) acções representativas do capital social da B………… pelo preço unitário de EUR 26,50 (vinte seis euros e cinquenta cêntimos) num total de EUR 320.436.410,00 (trezentos e vinte milhões, quatrocentos e trinta e seis mil, quatrocentos e dez euros) (cf. escritura de aumento de capital e anexos a fls. 142 a 204 e respectiva tradução, a fls. 455 a 472, e cópia de certidão do registo comercial de Madrid, a fls. 100 a 119 e respectiva tradução, a fls. 419 a 436, dos autos).

3. A Impugnante deteve uma participação social na B…………. entre Dezembro de 2000 e 20 de Abril de 2004, com a variação de composição que se descreve na tabela que se segue [cf. relatório de gestão do exercício de 2004, a fls. 207 a 225 e tradução a fls. 473 a 500, maxime ponto 6.1b) do relatório a fls. 218 e tradução a fls. 488 e cópia de certidão do registo comercial de Madrid, a fls. 100 a 119 e respectiva tradução, a fls. 419 a 436, todas dos autos]:
Data
Operação
Acções
detidas
29-12-2000
Contravalor de aumento CS
12.091.940
23-12-2002
Venda 500.000 acções
11.591.940
08-04-2003
Split 5 acções novas p/ cada antiga
57.959.700
23-12-2003
Venda 4.859.000 acções
53.100.700
20-04-2004
Venda da totalidade das acções
-
4. As 12.091.940 (doze milhões noventa e uma mil novecentas e quarenta) acções detidas pela Impugnante, referidas no ponto 2, representavam 9,00% do capital social da B………… (cf. relatório e contas consolidado do exercício de 2002 da B……….. a fls. 854 dos autos).

5. Em 2001 ocorreu a quarta e última fase do processo de privatização da B………., tendo o Estado Português vendido a totalidade da sua participação de 10,05% à C…………., S.A. (cf. comunicado do CM de 30/07/2001 a fls. 120 a 121, RCM 70-R/2001 e RCM 102/2001, a fls. 122 a 125 dos autos).

6. Em 25 de Maio de 2001 a B…………… distribuiu um dividendo unitário de EUR 0,68 (sessenta e oito cêntimos) por acção (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 205 dos autos).

7. Em 25 de Maio de 2001 a Impugnante recebeu a título de dividendos o montante total de EUR 8.222.519,20 (oito milhões duzentos e vinte e dois mil quinhentos e dezanove euros e vinte cêntimos) (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 205 dos autos).

8. Sobre metade do valor bruto de EUR 8.222.519,20 dos dividendos, referido no ponto anterior, recaiu tributação em sede de IRC por retenção na fonte à taxa de 20%, no montante de EUR 822.251,92 (oitocentos e vinte e dois mil duzentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos) (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 205 dos autos).

9. Sobre o valor bruto de EUR 8.222.519,20 dos dividendos, referido no ponto 7, recaiu tributação em sede de ISDA à taxa de 5%, no montante de EUR 411.125,96 (quatrocentos e onze mil, cento e vinte e cinco euros e noventa e seis cêntimos) (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 205 dos autos).

10. Em 12 de Junho de 2002 a B………… distribuiu um dividendo bruto de EUR 0,72 (setenta e dois cêntimos) por acção (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 206 dos autos).

11. Em 12 de Junho de 2002 a ora Impugnante recebeu a título de dividendos, um montante total de EUR 8.464.358,00 (oito milhões quatrocentos e sessenta e quatro mil trezentos e cinquenta e oito euros), (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 206 dos autos).

12. Sobre metade do valor bruto de EUR 8.464.358,00 dos dividendos, referido no ponto anterior, recaiu tributação em sede de IRC por retenção na fonte à taxa de 25% no montante de EUR 1.058.044,75 (um milhão cinquenta e oito mil quarenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 206 dos autos).

13. Sobre o valor bruto de EUR 8.464.358,00 dos dividendos, referido no ponto 11, recaiu tributação em sede de ISDA à taxa de 5%, no montante de EUR 423.217,90 (quatrocentos e vinte e três mil, duzentos e dezassete euros e noventa cêntimos) (cf. aviso de crédito de dividendos, a fls. 206 dos autos).

14. Em 2002 a B…………. era uma entidade comercial que operava a nível internacional no sector cimenteiro, dedicando-se fundamentalmente ao fabrico e comercialização de cimento (cf. relatório e contas e relatório e contas consolidados da B…………., a fls. 835 a 1054 dos autos).

15. Em 2002 o volume de negócios da B……….. em Espanha era de 13% (cf. relatório e contas e relatório e contas consolidados da B…………, a fls. 835 a 1054, maxime 884 dos autos).

16. Em 30 de Dezembro de 2004 a Impugnante apresentou junto do Director Distrital de Finanças de Lisboa uma reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte de IRC e de ISDA a que foram sujeitos os dividendos que recebeu em 2002 da B…………., aqui se dando por integralmente reproduzido o teor do respectivo requerimento inicial (cf. RI a fls. 4 a 90 do PATRG e 226 a 320 dos autos).

17. Em 23 de Junho de 2005 foi emitida informação pelos serviços da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal (DJT/DFS), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, propondo o indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior (cf. informação a fls. 195 a 201 do PATRG).

18. Em 28 de Junho de 2005 foi exarado despacho pelo Chefe de Divisão da DJT/DFS por delegação de competências sobre a informação referida no ponto anterior, considerando a mesma como projecto de decisão de indeferimento do processo de reclamação e determinando a notificação do reclamante para em 10 dias se pronunciar em sede de audiência prévia (cf. despacho a fls. 195 do PATRG).

19. Em 30 de Junho de 2005 o mandatário da Impugnante tomou conhecimento através de ofício n.º 18700 datado 29/06/2005 da DJT/DFS do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de que dispunha do prazo de 10 dias para se pronunciar em sede de audiência prévia (cf. ofício e A/R assinado, a fls. 202 e 203 do PATRG).

20. Em 15 de Julho de 2005 foi emitida informação complementar pelos serviços da DJT/DFS propondo o indeferimento da reclamação graciosa da Impugnante referida no ponto 16, conforme proposto na informação referida no ponto 17 (cf. fls. 205 do PATRG).

21. Em 15 de Julho de 2005 foi exarado despacho pelo Chefe de Divisão da DJT/DFS por delegação de competências tornando definitivo o projecto de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto 18 (cf. despacho a fls. 204 do PATRG).

22. Em 22 de Agosto de 2005 o mandatário da Impugnante tomou conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa através do ofício n.º 11531 da DJT/DFS datado 11/08/2005 (cf. ofício e A/R assinado, a fls. 207 e 208 do PATRG).

23. Em 8 de Setembro de 2005 a PI da presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal administrativo e fiscal de Lisboa, para onde foi remetida através de correio postal registado no dia 6 de Setembro de 2005 (cf. carimbo aposto a fls. 3 e vinheta de registo postal dos CTT a fls. 334, ambas dos autos).

Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

E, desde já, podemos afirmar que as questões aqui colocadas não são novas sendo que este Supremo Tribunal se pronunciou recentemente em sentido contrário àquele que é propugnado pela Fazenda Pública, em especial, relativamente à situação concreta da ora recorrida, mas relativamente a imposto do exercício fiscal de 2003, e por referência às mesmas participações sociais que deram origem aos ganhos agora tributados.

Efectivamente escreveu-se no sumário do acórdão deste Tribunal, datado de 29/05/2013, proc. n.º 0322/13, em dgsi.pt:

O imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos no ano de 2003 por uma empresa com sede em Portugal a uma sua accionista não residente, com sede em Espanha, viola os princípios da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, consagrados nos artigos 12º, 43º, 46º, 56º e 58º, nº 3 do Tratado da CEE, bem como o artigo 5º, nº 1 da directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23/07/1990 se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento ao abrigo do artigo 20, da Ley 43/1995, de 27 de Dezembro (do Reino de Espanha), sobre o Imposto sobre Sociedades, não se permitindo a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago pela impugnante em Portugal”.

No essencial, esta foi a solução encontrada pela sentença recorrida (com o respectivo esclarecimento complementar) que determinou que a presente impugnação judicial fosse julgada totalmente procedente.

A recorrente AT, identifica a questão a solucionar nos seguintes termos:

a questão suscitada cinge-se à situação da retenção na fonte sobre dividendos auferidos pela impugnante ser ilegal, por violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade, e o princípio da liberdade de circulação de capitais.

Por sua vez, a recorrida sociedade identifica a mesma questão, mas subdivide-a em duas:

(i)admitindo a Fazenda Pública a existência de um tratamento diferenciado que a lei portuguesa consagrava à data dos factos para accionistas residentes em Portugal e para accionistas residentes no estrangeiro, importa saber se a situação dos residentes e dos não residentes é ou não comparável para este efeito e, nessa medida, se não seria possível ao legislador português consagrar um regime fiscal mais gravoso para os não residentes por comparação com o regime previsto para os residentes.

(ii)questiona a Fazenda Pública se a ilegalidade das liquidações depende do facto de a Recorrida não poder, em concreto, recuperar o imposto suportado em Portugal através da respetiva imputação do mesmo no imposto a pagar em Espanha.

Na sentença recorrida, e de forma muito simples, mas muito esclarecedora, identificou-se a questão nos seguintes termos:

da aplicação do regime descrito resulta efectivamente uma diferença de tratamento entre entidades detentoras de participações sociais residentes e não residentes em Portugal, sendo o tratamento dispensado às entidades residentes mais favorável. Por outro lado, é igualmente de concluir que objectivamente o único motivo do tratamento diferenciado reside no facto de uma das entidades (a que goza do regime menos favorável) não ter residência nem estabelecimento estável em Portugal.

De facto, por força do disposto no art. 46.º, n.º 7 do CIRC uma entidade residente em Portugal, nas mesmas condições da Impugnante, teria direito à dedução de 50% dos rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva em Portugal (como é o caso).

Por outro lado, porque a retenção na fonte às entidades residentes não é definitiva, podia ainda haver lugar ao reembolso integral da mesma, caso se encontrasse nas condições previstas no art. 96.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CIRC.

Já a Impugnante viu os seus dividendos tributados em IRC de forma definitiva a uma taxa efectiva de 12,5% (= 25% aplicados a metade dos dividendos auferidos), sem possibilidade de recuperar em Espanha qualquer parte do imposto retido definitivamente em Portugal…

(…)

Donde se conclui que as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º TCE (renumerado 63.º TFUE) e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do CPA, pelo que devem ser anuladas…”.

Como bem se percebe da argumentação expendida no recurso, e das contra-alegações, a matéria de facto relevante para a prolação da sentença recorrida não vem posta em crise, havendo só que saber se o direito foi correctamente aplicado à concreta situação de facto que originou a tributação [os tribunais não discutem, em abstracto, questões jurídicas, antes elegem e aplicam o direito a situações concretas da vida real, cfr. segundo acórdão proferido no recurso n.º 10/09].

Tal como no acórdão deste Supremo Tribunal [0322/13], em que estavam em causa impostos sobre o rendimento respeitantes ao mesmo sujeito passivo e mesmas participações sociais originadoras do rendimento, apenas diverge o ano fiscal relativamente ao qual se referem os impostos postos em crise, também na sentença agora recorrida se teve como pressuposto que:

“…resulta das normas aplicáveis à Impugnante em Espanha que estes dividendos não foram ali sujeitos a tributação, por estarem isentos nos termos do disposto no art. 20.bis da Ley 43/1995, de 27 de Dezembro, relativa a Imposto sobre as Sociedades (junta aos autos pela Impugnante a fls. 749 a 751 e disponível para consulta em http:/ /www.minhap.gob.es / Documentacion / Publico / NormativaDoctrina / Tributaria / Impuesto%20sobre % 20Sociedades /Ley%2043-1995%20actualizada % 20al % 2001-12-03 % 20.pdf) nos termos do qual eram isentos de tributação os dividendos ou participações em lucros de entidades não residentes em território espanhol quando:

 A percentagem de participação no capital da entidade não residente fosse pelo menos de 5% e a participação correspondente detida de forma ininterrupta durante o ano anterior ao dia em que fosse exigível o lucro distribuído ou, na falta desta condição, fosse mantida posteriormente durante o tempo necessário para completar esse prazo;

 A entidade participada tivesse estado sujeita a um imposto estrangeiro de natureza idêntica ou análogo ao imposto sobre as sociedades (espanhol) no exercício em que foram obtidos os lucros que se distribuem ou nos quais se participa, sendo este requisito considerado cumprido quando a participada fosse residente num país com o qual a Espanha tivesse assinado uma convenção para assinar a dupla tributação internacional, que fosse de aplicação e contivesse uma cláusula de intercâmbio de informação.

 Que os lucros distribuídos ou nos quais se participasse fossem provenientes da realização de actividades empresariais no estrangeiro, só se considerando cumprido este requisitos quando pelo menos 85% das receitas do exercício correspondessem, entre outros, a rendimentos provenientes de comércio grossista, quando os bens forem colocados à disposição dos adquirentes no país ou em território onde residir a participada, ou em qualquer outro país ou território diferente do espanhol, sempre que as operações sejam efectuadas através da organização dos meios pessoais e materiais de que disponha a entidade participada.

Com efeito, resulta provado nos autos que a Impugnante detinha desde Dezembro de 2000 uma participação de 9,00% no capital social da B………., que os lucros de que provinham os dividendos eram provenientes em mais de 85% de actividades realizadas no estrangeiro, que a B…………. era uma entidade comercial que em 2002 operava a nível internacional no sector cimenteiro, dedicando-se fundamentalmente ao fabrico em comercialização de cimento, sendo o seu volume de negócios em Espanha de 13%, que Portugal tem um imposto equivalente ao imposto sobre as sociedades espanhol, e que entre Portugal e Espanha foi celebrada uma convenção para evitar a dupla tributação de cujo respectivo art. 26.º resulta uma cláusula de intercâmbio de informação.

Reunidos os requisitos de aplicação ao caso do supracitado art. 20.bis da Ley 43/1995, os dividendos recebidos da B…………. pela Impugnante estavam isentos de imposto sobre as sociedades espanhol, não fazendo parte da respectiva base tributável (veja-se a propósito a declaração do imposto sobre sociedades relativa ao exercício de 2003 apresentada pela Impugnante e junta a fls. 753 a 771, maxime 768 a 769, dos autos, exercício no qual recebeu dividendos nas mesmas condições e da qual não consta qualquer dedução por dupla tributação internacional nos pontos 717, 718 e 719), não tendo sido tributados, pelo que a retenção na fonte em causa não foi recuperada em Espanha…”.

Relembrando a génese do acórdão proferido no dito recuso n.º 0322/13, começou este Supremo Tribunal por questionar, no primeiro acórdão proferido no recurso n.º 10/09, o Tribunal de Justiça, se “A retenção na fonte de imposto sobre o rendimento, relativo ao exercício de 2003, com que foi tributada uma sociedade não residente no território nacional, efectuada à taxa de 15%, face ao conteúdo da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação, em consequência de dividendos líquidos que foram colocados à sua disposição, na sua qualidade de accionista de sociedade residente em Estado-Membro, de harmonia com os artºs 80º, nº 2, al. c) e 88º, nºs 3, al. b), 4 e 5 do CIRC, 71º, al. a) e d) do CIRS e 59º do EBF, na redacção de então, viola os princípios da não descriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, consagrados nos artºs 12º, 43º, 46º, 56º e 58º, nº 3 do Tratado da CEE, bem como o artº 5º, nº 1 da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23/7/90?”.

Ao que aquela Alta Instância Comunitária, respondeu de forma cristalina “…é de responder à questão submetida que os artigos 56.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da convenção para evitar a dupla tributação…”, cfr. os acórdãos proferidos no recurso n.º 01/09, em dgsi.pt…

E relativamente à obrigatoriedade do respeito das orientações jurisprudenciais interpretativas resultantes das decisões do Tribunal de Justiça, já este Supremo tribunal esclareceu que, “…atento o primado do direito comunitário, é vedado ao tribunal português aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, e no caso de existir acórdão do TJUE sobre interpretação de norma comunitária e sua compatibilidade com uma norma nacional, essa interpretação pode e deve ser aplicada mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão, devendo a decisão interpretativa retroagir à data da entrada em vigor da norma nacional, excepto se o acórdão dispuser de forma diferente…”, cfr. acórdão datado de 18/12/2013, recurso n.º 0568/13.

Como já vimos, os diversos acórdãos proferidos no âmbito daquele processo de impugnação que a “A……………” moveu contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, foram, de forma parcelar, resolvendo as diversas questões jurídicas de que este Supremo Tribunal poderia conhecer, face aos factos que em cada um dos momentos foram levados ao segmento probatório da respectiva sentença recorrida.

Assim, no segundo acórdão proferido naquele recurso n.º 01/09, e já na posse da resposta do Tribunal de Justiça, que anteriormente havia sido formulada, escreveu-se:

Desta decisão ressalta, assim, que são violados os referidos preceitos legais do Tratado se a uma sociedade não residente em Portugal praticar uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade portuguesa, de acordo com o previsto na Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para Evitar a Dupla Tributação, quando uma entidade residente em Portugal, com a mesma percentagem de participação ou com uma participação com o mesmo valor de aquisição, tendo a participação a mesma antiguidade (de, pelo menos, um ano no momento da distribuição do dividendo), não fosse tributada por esse dividendo.

Só assim não será se o imposto retido na fonte no primeiro Estado (Portugal) puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro (Espanha) até ao montante da diferença de tratamento, cabendo ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da referida Convenção.

Sendo assim, a regulamentação interna posta em discussão é a Convenção para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento assinada entre Portugal e Espanha em 1993, que constitui parte integrante da nossa ordem jurídica interna e que permite que os dividendos possam ser submetidos a tributação no Estado em que a Sociedade que paga os dividendos resida, de acordo com a sua legislação (cfr. artº 10º, nºs 1 e 2 da referida Convenção).

Assim, o artº 23º, nº 1, als. a) e b) da referida Convenção estabelece que “no caso de um residente em Espanha, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação espanhola (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo: … quando um residente de Espanha obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Portugal, a Espanha deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efectivamente pago em Portugal.

A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal…

No caso de dividendos pagos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade residente de Espanha, que detenha directamente pelo menos 25% do capital da sociedade que paga os dividendos, na determinação da dedução será tomado em consideração, além da importância dedutível de acordo com a alínea a) deste número, o imposto efectivamente pago pela sociedade mencionada em primeiro lugar relativamente aos lucros de que os dividendos são pagos, na importância correspondente a tais dividendos, desde que a referida importância esteja incluída, para este efeito, na base tributável da sociedade que recebe os dividendos.

Essa dedução, juntamente com a dedução aplicável relativamente aos dividendos de acordo com a alínea a) deste número, não poderá exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributados em Portugal.

Para fins de aplicação do disposto nesta alínea, será necessário que a participação na sociedade pagadora dos dividendos seja de, pelo menos 25% e se mantenha de forma ininterrupta durante os dois anos anteriores ao dia em que os dividendos são pagos”.

Sendo assim, a retenção suportada pelos dividendos em Portugal é dedutível no Imposto sobre o Rendimento espanhol, com o limite que corresponder a esses dividendos antes de deduzir o imposto português.

Importa, também, acrescentar o que estabelece o artº 90º, nº 1, al. c) do CIRC/2003, então em vigor.

Aqui se determina que “não existe a obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos: … lucros obtidos por entidades a que seja aplicável o regime estabelecido no n.º 1 do artigo 46.º, desde que a participação financeira tenha permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e essa permanência constitua condição de aplicação do referido regime”.

Cabe, agora, analisar que imposto espanhol corresponde a esses dividendos.

A este propósito, estabelece o artº 20.bis, nº 1 da Lei nº 43/1999, de 27 de Dezembro, sobre o Imposto sobre Sociedades, então em vigor, que “estarão isentos os dividendos ou participações em lucros de entidades não residentes no território espanhol, quando forem cumpridos os seguintes requisitos: … que a percentagem de participação, directa ou indirecta, no capital ou nos fundos próprios da entidade não residente seja, pelo menos, de 5 por 100 (al. a))...

…que a entidade participada tenha estado sujeita a um imposto estrangeiro de natureza idêntica ou análoga a este imposto, no exercício em que foram obtidos os lucros que se distribuem ou nos quais se participa.

Para estes efeitos, serão tidos em conta aqueles impostos estrangeiros que tenham tido por finalidade a tributação dos rendimentos obtidos pela entidade participada, pelo menos de forma parcial, independentemente de o objecto do imposto constituir o próprio rendimento, as receitas ou qualquer outro indicador do mesmo.

Será considerado cumprido este requisito, salvo prova em contrário, quando a entidade participada for residente num país com o qual a Espanha tenha subscrito uma convenção para evitar a dupla tributação internacional, que lhe seja de aplicação e que contenha uma cláusula de intercâmbio de informação.

Em caso algum se aplicará o disposto neste artigo quando a entidade participada for residente num país ou território classificado legalmente como paraíso fiscal (al. b))...

…que os lucros que se distribuem ou nos quais se participa sejam provenientes da realização de actividades empresariais no estrangeiro (al. c))…”.

Por outro lado e como se refere no aresto citado,”É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro…

Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece…”.

Por último, no acórdão proferido no recurso n.º 0322/13, que se configura como a terceira decisão deste Supremo Tribunal, no referido processo que inicialmente tomou a designação de 01/09, e depois de ter sido aditada ao probatório a matéria de facto relevante, escreveu-se:

“…face à prova carreada para os autos pela ora Recorrida, o Tribunal de 1ª Instância entendeu que “a lei espanhola não permite a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago pela impugnante [a ora Recorrida] em Portugal aquando da distribuição de dividendos da ‘B……..’ à ‘A……..’, uma vez que os dividendos em causa beneficiam de isenção”.

E, mais entendeu que por isso, a legislação portuguesa em causa encerrava, de forma evidente, uma restrição às liberdades fundamentais — de estabelecimento e de circulação de capitais — previstas nos artigos 56º e 58º do então Tratado da Comunidade Europeia (actualmente artigos 63º e 65º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).

Reitera-se pois, que a decisão é de confirmar sendo que este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre a questão compatibilidade da retenção em causa com o disposto nos artigos 63º e 65º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como se pronunciou sobre a compatibilidade do regime resultante do ADT com Espanha.

Com efeito, o TJUE considerou que o regime resultante da lei interna só não seria incompatível com os artigos 56.º CE e 58.º CE (então em vigor) se o imposto retido na fonte pudesse ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Mas, como vimos o imposto retido em Portugal não pode ser imputado no imposto devido pela impugnante em Espanha em qualquer percentagem uma vez que se apurou que a lei Espanhola não permite a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago pela impugnante [a ora Recorrida] em Portugal…“.

E à mesma conclusão chegou este Supremo Tribunal no recente acórdão datado de 14/05/2014, proferido no recurso n.º 1319/13:

“…o imposto pago em Portugal pela recorrida … não foi, nem era, susceptível de ser recuperado em Espanha, já que os rendimentos provenientes de dividendos que lhe foram distribuídos não foram tributados naquele Estado-Membro, não sendo, por conseguinte, possível, deduzir à colecta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal, sendo portanto, claro que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais e não sendo, sequer, tal efeito discriminatório neutralizado pela aplicação da CDT com Espanha.

Com efeito, ali se diz, que decorre da matéria de facto julgada provada, que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha. ….sendo que decorre do disposto nos artigos 21º, 116°, 117º da Ley del Impuesto sobre Sociedades, na redacção do Real Decreto Legislativo n° 4/2004, de 5/3, a isenção destes rendimentos das sociedades detentoras de participações estrangeiras (entidades de tenencia de valores extranjeros), para evitar a dupla tributação económica internacional sobre dividendos e rendas de fonte estrangeira derivadas da transmissão de valores representativos de fundos próprios de entidades não residentes em território espanhol..…não estando controvertido que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, nem que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto ali devido, sempre haveria de se concluir que os actos de retenção na fonte objecto de impugnação configuram uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário.

E assim é, na realidade, visto que, como bem refere a recorrida, as normas convencionais previstas na CDT com Espanha não são susceptíveis de garantir, em todas as situações, a neutralização do efeito produzido pelas normas previstas no CIRC, já que o mecanismo previsto na mesma CDT (possibilidade de dedução do imposto retido na fonte ao imposto a pagar em Espanha, ficando essa dedução limitada à “fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal” (cfr. art. 23º da Convenção), o que significa que a neutralização da tributação ocorrida em Portugal - construída convencionalmente como dedução à colecta de imposto – está dependente de vários factores cumulativos: (i) que o rendimento em causa seja tributado em Espanha, ou seja, que seja incluído na base tributável, (ii) que a sociedade beneficiária tenha uma base tributável positiva (ou seja, que exista matéria tributável), e que (iii) a taxa de imposto em Espanha seja, pelo menos, igual, à da retenção na fonte sofrida em Portugal….”.

Bem se decidiu, assim, na sentença recorrida, serem ilegais as liquidações dos impostos em questão, IRC e ISDA, por manifestamente afrontarem o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56º TCE (renumerado 63º TFUE) e, consequentemente, o disposto no artigo 8º, n.º 4 da CRP.

Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar “in totum” a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

D.N.

Lisboa, 21 de Maio de 2014. – Aragão Seia (relator) – Pedro DelgadoCasimiro Gonçalves.