Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01276/05
Data do Acordão:10/31/2006
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR.
ACUSAÇÃO.
DIREITO DE AUDIÊNCIA.
DIREITO DE DEFESA.
NULIDADE INSUPRÍVEL.
FORMALIDADE ESSENCIAL.
ACUSAÇÃO VAGA E GENÉRICA.
Sumário:I – Conforme estabelece o artigo 42, número 1 do Estatuto Disciplinar dos Agentes da Administração Pública, Central, Regional e Local, a acusação em processo disciplinar terá de ser elaborada de forma clara e precisa, habilitando o arguido a exercer, com eficácia, o seu direito de defesa.
II – Não respeita essa exigência legal, desrespeitando este direito de defesa, a acusação na qual se afirma de modo vago e genérico, que a arguida, professora do 1º ciclo do ensino básico, não desempenha adequadamente as respectivas funções docentes.
III - Nestas circunstâncias existe preterição de formalidade essencial, por falta de audiência do arguido, geradora de nulidade insuprível, nos termos do indicado preceito do Estatuto Disciplinar.
Nº Convencional:JSTA00063687
Nº do Documento:SA12006103101276
Data de Entrada:12/20/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DA EDUCAÇÃO E DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA DE 2005/07/07.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL / DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:ED84 ART42 N1 ART57 N2 ART59 N4.
CONST97 ART269 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC28566 DE 1997/11/06.; AC STAPLENO DE PROC18072 DE 1995/11/16.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO DO PODER DISCIPLINAR PAG181.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, professora do 1º ciclo do Ensino Básico, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso do acórdão, de …, do Tribunal Central Administrativo (TCA) que, por sua vez, negou provimento ao recurso contencioso de anulação, interposto do despacho, de …, do Secretário de Estado da Administração Educativa, que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva.
Apresentou alegação, com as seguintes conclusões:
1ª: Consignar, como o faz o sr Instrutor, que a arguida não conhece conteúdo do [do programa 1° ciclo] sem que ele o reproduza factos, se poder se concluir, concretos para os esses assuntos se compreendem nos conteúdos programáticos, ou se lhe são alheios, é emitir um mero juízo de valor.
2ª: É meramente conclusivo o narrado no item 3 - do artigo único da acusação, de que a arguida "não sabe planificar, nem adaptar a planificação genérica à realidade de uma turma ", por ser falho de qualquer facto concreto".
3ª: É igualmente meramente conclusivo O item n° 5 - que "imputa" à arguida não ter "a noção do programa a dado ou a dar" e qualifica de "evidentes as rotinas" e "as rotinas denotam falta de preparação".
4ª: É meramente conclusivo o narrado no item n° 8 - que a "distribuição dos alunos na sala de aulas é feita com total ausência de critérios pedagógicos".
5ª: É conclusivo o vertido no item 9 - que a arguida "não tem a noção de projecto educativo ou projecto de área-Escola"
6ª: É conclusivo, o narrado no item 11- que arguida "não proporciona aos "alunos aprendizagem activas, nem diversificadas".
7ª: É igualmente conclusivo o narrado na 2ª parte do item 11°, que a arguida "não varia as técnicas, nem os processos de desenvolvimento dos conteúdos".
8ª: É conclusivo o teor do item n° 12 - que "a gestão do tempo não se adequa aos ritmos dos alunos".
9ª: É conclusivo o constante do item 13 - onde é imputado à arguida o "não conseguir definir e/ou identificar os objectos e ou conteúdos, estratégias, actividades e mecanismos de avaliação para as aulas"
10ª: Os "factos" constantes da acusação são, na sua grande maioria, meras conclusões ou constituem imputações vagas, genéricas ou abstractas, a que falta a concretização das circunstâncias em que terão ocorrido.
11ª: Um destinatário normal, perante esta acusação não poderia compreendê-la e defender-se dela.
12ª: A decisão do senhor instrutor do processo fundamenta-se numa falsa ideia sobre os factos, que não narrou, ocorrendo erro sobre os pressupostos de facto do acto administrativo o que leva à anulação do acto impugnado.
13ª: A prova dos factos, nas circunstâncias narradas corresponde à falta de audiência da arguida.
14ª: No que concerne ao dever de imparcialidade [no exercício das suas funções como professora] e de lealdade, a acusação não contém qualquer facto que possa subsumir-se no n° 3 do art.º 3° do ED.
15ª: No que respeita ao dever de zelo a acusação não concre­tiza se em causa está o zelo do tipo intelectual, organizativo ou comportamental, nem refere os factos que lhe subjazem.
16ª: O despacho recorrido que puniu a recorrente com a pena de aposentação compulsiva, enferma de vício de violação da lei e erro nos pressupostos de facto, por isso a autoridade recorrida e com ela o acórdão recorrido violou o disposto nos nºs 6 e 7 do art.º 55°, nºs 3, 4, I. b), d) e n° 8 do art.º 3° e art.º 26°, do E.D. 226° nº2 e 269° nº l da CRP.
Termos em que, o presente recurso dever ser julgado procedente por provado, revogando-se o acórdão recorrido, por violação das normas referidas na conclusão 15ª e substituído por outro que ordene a anulação do despacho do Senhor Secretário de Estado de Educação e Administração Educativa, de …, que aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva à recorrente, por com os legais efeitos.
Não houve contra-alegação.
Neste Supremo Tribunal, a Exma Magistrada do Ministério Público emitiu, a fls. 134/135, dos autos, o seguinte parecer:
Na linha de orientação do parecer emitido pelo Ministério Público no tribunal recorrido, e concordando com a argumentação expendida pela recorrente, somos de parecer que o recurso deverá merecer provimento.
Efectivamente, em nosso entender, a acusação contém imputações feitas à arguida de carácter conclusivo e genérico, que por tal motivo obstaram à sua defesa.
Conforme se verifica pela Resposta da arguida à nota de culpa (cf. fls. 269 e seg.s), esta não se defendeu em relação às imputações contidas nos nºs 4, 5, 8, 12 e 13 da acusação.
Ocorre, assim, a nulidade insuprível a que alude o art. 42º, nº 1, do E.D.
Deverá o recurso merecer provimento, revogando-se o acórdão recorrido e anulando-se o acto contenciosamente impugnado.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência.
Cumpre decidir.
2. O acórdão recorrido baseou-se na seguinte matéria de facto:
a) - a recorrente é professora do 1º CEB, da carreira docente do quadro geral, a exercer funções na B…, desde … de …;
b) - por despacho datado de … do Delegado Regional do Centro da I.G.E foi instaurado à recorrente o processo de averiguações n.º …/…/… (fls.80 do pa);
c) - neste processo de averiguações foi proposta a instauração de processo disciplinar à recorrente (fls. 94 do pa);
d) - por despacho datado de …, da Inspectora-Geral da Educação, foi instaurado à recorrente o processo disciplinar n° …/… (fls. 97 e 100 do pa);
e) - no âmbito do processo disciplinar referido em d) foi, pelo respectivo instrutor, solicitada à Inspectora-Geral de Educação a indicação de um perito, com vista à produção da prova sobre a incompetência profissional da recorrente, tendo o mesmo sido indicado (fls. 190 do pa);
f) - a recorrente não indicou qualquer perito no processo disciplinar (fls. 201 do pa);
g) - no referido processo disciplinar foi nomeado um segundo perito, face à não indicação de perito por parte da recorrente (fls. 204 do pa);
h) - a fls. 212 a 218 do pa (processo disciplinar n° …/…) encontra-se o relatório elaborado pelo perito …, constando do mesmo, designadamente, que "I - Das diligências efectuadas - No âmbito da peritagem solicitada procedi à observação de aulas, à análise da planificação da professora, de trabalhos realizados pelos alunos e à apreciação dos resultados da correcção de um teste de avaliação elaborado por um hipotético aluno e a pequenas entrevistas durante os intervalos.(...).;
i) - a fls. 220 a 225 do pa (processo disciplinar n° …) encontra-se o relatório elaborado pela perita …, constando do mesmo, designadamente, que "Diligências efectuadas - Tendo em vista produzir prova necessária sobre a incompetência profissional de que é acusada a arguida, A…, professora da B…, foi delineado um programa de acção que consistiu em: 1 - (..) 2- (..) 3- (..) 4- (..) 5- (..) 6- (..) 7- (..) 8- (..)."
j) - de ambos os relatórios constam observação e análise das áreas curriculares de Língua portuguesa, Matemática e Estudo do Meio;
l) - de ambos os relatórios constam as conclusões e pareceres dos respectivos peritos sobre o desempenho profissional da recorrente (fls. 218 e 226 do pa);
m) - no processo disciplinar n° …/… foi deduzida contra a recorrente a seguinte acusação :
" Artigo único
A professora A… vem sendo sucessivamente acusada pelos Encarregados de Educação de incompetência profissional nas funções que lhe são exigidas como professora do 1º Ciclo do Ensino Básico, mormente durante o tempo que exerceu na …, tendo em …, sido retidos todos os alunos, por deliberação do Conselho Escolar. Também, em …, apesar do exíguo número de alunos matriculados - cinco, apenas dois transitaram e, mesmo assim, um deles, com currículo alternativo.
Durante a instrução do processo e especialmente nos dias 17, 18, 20, 21 e 25 de … de …, na Escola em que a arguida exerce funções, verificou-se que:
1- Não possui o livro do Programa do 1º Ciclo, nem conhece o seu conteúdo.
2 - Não corrige os trabalhos dos alunos.
3 - Não transmite correctamente aos alunos conceitos básicos ao nível da Língua Portuguesa e Matemática como, por exemplo, multiplicar ou somar; em vez disso ensina "vezes e mais" (aliás esta atitude remonta, pelo menos, a …) o de dezena e décima, o de peso e massa, área e superfície, o de século ...
4 - Não sabe planificar, nem adaptar a planificação genérica à realidade turma que lecciona.
5 - Não tem a noção do programa dado ou a dar, as rotinas são por demais evidentes e denotam a falta de preparação das aulas.
6 - As actividades lectivas desenvolvem-se com os alunos a realizarem "fichas de avaliação" priorizando a quantidade à qualidade, não as corrigindo no seu conteúdo científico, construção frásica nem ortográfica.
7 - Não escreve com correcção ortográfica (choveiro, chopeta), nem sabe consultar o dicionário (qual é o sinónimo de ovelha? E de sapato? - Perguntou a professora A…. E, para encontrar resposta, consultou o dicionário folheando-o, folha a folha, até encontrar a palavra ovelha...).
8 - A distribuição dos alunos na sala de aulas é feita com total ausência de critérios pe­dagógicos. ­
9 - Não tem a noção de Projecto Educativo ou Projecto de Área-Escola, confundindo o projecto com projecção de filmes.
10 - No início do ano lectivo de …, o Conselho Escolar detectou várias lacunas na escola de … como a falta de Fichas de Registo de Avaliação, de Registos Biográficos, de Actualização de Matrículas, de Livro de Registo da Assiduidade dos Alunos, de Livros de Correspondência, de Processos Individuais dos alunos.
11 - Não proporciona aos alunos aprendizagens activas nem diversificadas, uma vez que não varia os materiais, nem as técnicas e nem os processos de desenvolvimento dos conteúdos.
12 - A gestão do tempo lectivo não se adequa ao ritmo dos alunos.
13 - Não consegue definir e/ou identificar os objectivos, conteúdos, estratégias, actividades e mecanismos de avaliação para as aulas que dá.
14- Não existem práticas avaliativas e/ou registos sobre o progresso dos alunos para além das fichas de informação trimestral.
15 - Não gere convenientemente as verbas que são atribuídas à escola, por forma a satisfazer os compromissos a que está obrigada como, por exemplo, a liquidação atempada dos débitos resultantes de aquisições de bens não duradouros ou para aquecimento.
Os procedimentos, comportamentos, atitudes e conduta atrás descritos e adoptados pela professora A… não se apresentam concordantes com os referenciais que perspectivam o perfil do professor eficiente e, ao mesmo tempo, a arguida mostra não possuir qualidades e competências comunicacionais e relacionais que promovam o sucesso educativo dos alunos e consubstancia incompetência profissional.
Com os comportamentos atrás referidos foram violados os deveres gerais consignados nos números 3 (É dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito.) e 4 alínea h) (O dever de zelo consiste em conhecer as normas legais regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção.) e alínea d) (O dever de lealdade consiste em desempenhar as suas funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público.) do artigo 3° do Estatuto Disciplinar retro referido e deveres profissionais, alíneas a) (Contribuir para a formação e realização integral dos alunos, promovendo o desenvolvimento das suas capacidades, estimulando a sua autonomia e criatividade, incentivando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida da comunidade), c) (Colaborar com todos os intervenientes no processo educativo, favorecendo a criação e o desenvolvimento de relações de respeito mútuo, em especial entre docentes, alunos, encarregados de educação e pessoal não docente.), e) (Gerir o processo de ensino-aprendizagem, no âmbito dos programas definidos, procurando adoptar mecanismos de diferenciação pedagógica susceptíveis de responder às necessidades individuais dos alunos.), g) (Contribuir para a reflexão sobre o trabalho realizado individual e colectivamente), h) (Enriquecer e partilhar os recursos educativos, bem como utilizar novos meios de ensino que lhe sejam propostos, numa perspectiva de abertura à inovação e de reforço da qualidade da educação e ensino.) e j) (Actualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos, capacidades e competências, numa perspectiva de desenvolvimento pessoal e profissional.) do artigo 10° do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Dec. Lei n° 1/98, de 2 de Janeiro.
À incompetência profissional corresponde a pena de Aposentação compulsiva e demissão, conforme o disposto no n° 3 do Artigo 26° do EDF AACRL., aprovado pelo Dec. Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
Não são conhecidas circunstâncias atenuantes nem agravantes.
A competência do poder de punir, nos termos do n° 6, do Artigo 59°, do Estatuto Disciplinar, caberá ao Exmo Senhor Ministro da Educação.
Para apresentação da defesa escrita e de harmonia com o princípio definido no n° 1, do Art.º 59° do Estatuto Disciplinar, fixo o prazo de 15 dias, com início a 8 de Junho de 1999.
A arguida fica notificada e a quem foi entregue cópia da presente nota de culpa, tendo sido chamada à atenção para o disposto nos Artigos 61° e 63° do mesmo estatuto e esclarecida de que, por si ou por advogado constituído, poderá consultar o referido processo durante aquele prazo e nas horas de expediente, na Escola …, … de ….
…, 99. 06. 07
O Instrutor (...)." (fls. 253 a 256 do pa);
n) - a recorrente apresentou a sua defesa escrita, como consta de fls. 269 a 279 do pa;
o) - do relatório elaborado pelo instrutor do processo disciplinar instaurado à recorrente consta o teor da acusação referida em m), o teor da sua defesa escrita, e o seguinte: "ANÁLISE DOS FACTOS:
Da análise crítica da prova carreada ao processo, sobre os factos da acusação, considera-se provado que a arguida:
4.1. - Não possui o livro do Programa do 1º Ciclo, nem conhece o seu conteúdo, aliás na própria defesa chama-lhe "o livro da Escola", mostrando, inequivocamente desconhecer esse instrumento de trabalho. (cf. Art° 36° da defesa)
4.2. - Não corrige os trabalhos dos alunos (folhas 59 a 63).
4.3. - Não transmite correctamente aos alunos conceitos básicos ao nível da Língua portuguesa e Matemática (folhas 58 e 219 e seguintes).
4.4. - Não sabe planificar, nem adaptar a planificação genérica à realidade da turma que lecciona (folhas 68, 69,70, 223 e 223).
4.5. - Não tem a noção do tema dado ou a dar, as rotinas são por demais evidentes e dotam a falta de preparação das aulas (folhas 214 e seguintes).
4.6. - As actividades lectivas desenvolvem-se com os alunos a realizarem "fichas de avaliação" priorizando a quantidade à qualidade, não as corrigindo no seu conteúdo, construção frásica nem ortográfica (folhas 118 e seguintes).
4.7. - Não escreve com correcção ortográfica, nem sabe consultar o dicionário (folhas 224 e 213).
4.8. - A distribuição dos alunos na sala de aula é feita com total ausência de critérios pedagógicos (folha 89). ­
4.9. - Não tem a noção de Projecto Educativo ou Projecto de Área-Escola, confundindo o projecto com projecção de filmes (Folha 90).
4.10. - No início do ano lectivo de …, o Conselho Escolar detectou várias lacunas na Escola … como a falta de Fichas de Registo de Avaliação, de Registos Biográficos, de Actualização de Matrículas, de Livro de Registo de Assiduidade dos Alunos, de Livros de Correspondência, de Processos Individuais dos alunos (folhas 230 e 242).
4.11. - Não proporciona aos alunos aprendizagens activas nem diversificadas, uma vez que não varia os materiais, nem as técnicas e nem os processos de desenvolvimento dos conteúdos (folhas 212 e seguintes).
4.12. - A gestão do tempo lectivo não se adequa ao ritmo dos alunos (folhas 223 e seguintes).
4.13. - Não consegue definir e/ou identificar os objectivos, conteúdos, estratégias, actividades e mecanismos de avaliação para as aulas que dá (folhas 212 e seguintes).
4.14. -Não existem práticas avaliativas e/ou registos sobre o progresso dos alunos para além das fichas de informação trimestral (folhas 223 e seguintes)
4.15.- Não gere convenientemente as verbas que são atribuídas à escola, por forma a satisfazer os compromissos a que está obrigada como, por exemplo, a liquidação atempada dos débitos resultantes de aquisições de bens não duradouros ou para aquecimento (folha 251).
5. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DAS CONDUTAS DA ARGUIDA
Estabelecida a matéria de facto, cumpre agora analisar juridicamente as situações verificadas e qualificar do ponto de vista disciplinar o comportamento da arguida:
5.1- A acusação é totalmente procedente
5.2.- A arguida praticou várias infracções em concurso material.
5. 2.1, -. Com os comportamentos atrás referidos foram violados os deveres gerais consignados nos números 3 (É dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito.) e 4 alínea h) (O dever de zelo consiste em conhecer as normas legais regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção.) e alínea d) (O dever de lealdade consiste em desempenhar as suas funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público.) do artigo 3° do Estatuto Disciplinar retro referido e deveres profissionais, alíneas a) (Contribuir para a formação e realização integral dos alunos, promovendo o desenvolvimento das suas capacidades, estimulando a sua autonomia e criatividade, incentivando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida da comunidade), c) (Colaborar com todos os intervenientes no processo educativo, favorecendo a criação e o desenvolvimento de relações de respeito mútuo, em especial entre docentes, alunos, encarregados de educação e pessoal não docente.), e) (Gerir o processo de ensino-aprendizagem, no âmbito dos programas definidos, procurando adoptar mecanismos de diferenciação pedagógica susceptíveis de responder às necessidades individuais dos alunos.), g) (Contribuir para a reflexão sobre o trabalho realizado individual e colectivamente), h) (Enriquecer e partilhar os recursos educativos, bem como utilizar novos meios de ensino que lhe sejam propostos, numa perspectiva de abertura à inovação e de reforço da qualidade da educação e ensino.) e j) (Actualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos, capacidades e competências, numa perspectiva de desenvolvimento pessoal e profissional.) do artigo 10° do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Dec. Lei n° 1/98, de 2 de Janeiro.
5.2.1.1- Trata-se de uma série de procedimentos, comportamentos, atitudes e conduta que a arguida adoptou que não se coadunam com os referenciais que perspectivam o perfil do professor eficiente e, ao mesmo tempo, mostra não possuir as qualidades e competências comunicacionais e relacionais que promovam o sucesso educativo dos alunos, tudo isto consubstanciando incompetência profissional a que corresponde a pena de Aposentação compulsiva, conforme o disposto no nº 3 do artigo 26° do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto - Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
6. GRAVIDADE DAS INFRACÇÕES COMETIDAS
Dos autos resultou que toda a conduta da arguida se tem vindo a reflectir negativamente no processo de ensino-aprendizagem, com graves prejuízos para os alunos e Encarregados de Educação que aspiram a um cada vez melhor ensino de qualidade.
Milita contra a arguida a circunstância agravante especial prevista na alínea g) do n° 1 e 4 do artigo 31º do ED..
7. CONCLUSÕES
a) A arguida praticou as infracções referidas no artigo único da acusação.
b) A arguida agiu com culpa, livre e conscientemente.
8. Proposta
Em face das conclusões que antecedem e em tudo o anteriormente referido, nos termos do disposto no artigo 65° n° 1 do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo D.L. 24/84 de 18.01, propõe-se:
- tendo em conta o disposto no artigo 14° do E.D., que seja aplicada a pena de Aposentação compulsiva prevista no art.º 26° do D.L. n° 24/84, de 16 de Janeiro. (...).";
p) - por despacho do Secretário de Estado de Educação e Administração Educativa, datado de 14.09.99, foi aplicada à recorrente a pena disciplinar de aposentação compulsiva (fls. do pa).
3. Alega a recorrente que o acórdão julgou erradamente, ao decidir pela inexistência da invocada nulidade do processo disciplinar, por violação do respectivo direito de audiência e defesa. Pois que a acusação contra ela deduzida no processo disciplinar consiste, no que respeita à imputação de incompetência profissional, na formulação de juízos meramente conclusivos, sem indicação de factos concretos em que pudesse basear-se. E o mesmo sucede, defende ainda recorrente, quanto à violação dos deveres de imparcialidade e de zelo, que também lhe é imputada, sem indicação de quaisquer factos demonstrativos de que infringiu tais deveres funcionais.
Vejamos, pois, do fundamento dessa alegação.
Para concluir pela inexistência da apontada nulidade insuprível, o acórdão recorrido começou por considerar que o processo disciplinar em causa tem «características especiais», por ter como fundamento a incapacidade profissional da arguida recorrente, manifestada numa prática continuada no tempo. «Não sendo censurável – afirma o acórdão - que não tenha evitado um acerta generalidade nos termos da acusação». Na qual, embora reconhecendo que «pudesse ter sido elaborada através de artigos, com maior precisão e rigor quanto aos factos nela contidos», o acórdão considera que «foram concretizados … com suficiência, os comportamentos da recorrente reveladores da sua incompetência profissional», respeitando o preceituado no nº 1 do art. 42 ED, e satisfazendo o objectivo visado nesse preceito, de possibilitar ao arguido um efectivo exercício do direito de defesa pela explicitação clara dos factos que lhe são imputados. O que, segundo o acórdão, teria ficado demonstrado, no caso da ora recorrente, pela «defesa apresentada pela arguida aos artigos da acusação», em que «mostrou ter compreendido perfeitamente o sentido e alcance de toda a matéria acusatória, nomeadamente os factos que lhe foram imputados e a integração de tais factos nas normas sancionatórias correspondentes».
Mas, não é aceitável este entendimento.
Desde logo, e ao invés do que conclui o acórdão impugnado, não é licito afirmar que o arguido, na defesa que apresentou, tenha mostrado perfeito conhecimento do sentido e alcance da acusação e dos factos que nela lhe foram imputados.
Com efeito, na resposta à acusação formulada no processo disciplinar, a arguida, ora recorrente, logo afirmou «liminarmente (dir-se-á) que a grande maioria da matéria vertida na acusação, ou são meras conclusões, ou constituem imputações vagas, genéricas ou abstractas, a que falta, portanto, a concretização das circunstâncias em que terão ocorrido os factos dados como provado, o que corresponde à falta de audiência da arguida, o que implica, a final, a sua absolvição; outros factos não correspondem à verdade» (nº 24).
Em conformidade, alega a ora recorrente que estava impossibilitada de se defender no processo disciplinar, persistindo em que não se concretiza, na acusação, a indicação das circunstâncias em que terão ocorrido os “factos” dados como provados. O que, conclui a recorrente, corresponde a falta de audiência, consubstanciadora da referenciada nulidade insuprível.
Esta alegação é procedente.
Conforme prevê o art. 57 ED, uma vez concluída a instrução, se entender que os factos constantes dos autos constituem infracção, o instrutor do processo disciplinar «deduzirá… acusação, articulando, com a necessária discriminação, as faltas que reputar averiguadas, com referência aos correspondentes preceitos legais e às penas aplicáveis» (nº 2).
E estabelece o nº 1 do art. 42 do ED que é «insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais …».
Por sua vez, dispõe o nº 4 do art. 59, do ED, que «a acusação deverá conter a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da infracção».
Finalmente, o art. 269 da Constituição da República estabelece que «3. Em processo disciplinar são garantidos ao arguido a sua audiência e defesa».
Conforme o entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal, existirá preterição da formalidade essencial, por falta de audiência do arguido, geradora de nulidade insuprível, nos termos dos indicados arts 42, nº 1 e 59, nº 4 do ED, quando não se verificar «uma formulação clara e precisa de artigos da acusação» – Ac. de 9.7.92, citado no ac. de 6.11.97 (Rº 28566).
Tal formulação terá de obedecer aos apontados requisitos de clareza e precisão, por forma a não tentar contra as garantias de defesa do arguido.
Como nota o citado acórdão de 6.11.97, já Marcelo Caetano salientava que «a acusação deve ser tal que o acusado inocente a possa cabalmente destruir, sem imputações vagas, sem factores imprecisos, sem arguições genéricas» – Cf. Do Poder Disciplinar, pp. 181 e seguintes.
Com efeito, tal como se entendeu no acórdão do Pleno de 16.11.95, «só perante factos clara e precisamente individualizados de molde a poder facilmente representá-los, o arguido se pode defender cabalmente, negando-os ou justificando-os».
Ora, no caso sujeito, a acusação, formulada no processo disciplinar contra a arguida, ora recorrente, consta de um «artigo único», em cujo corpo, embora se aluda às funções docentes daquela, não se descreve qualquer conduta que, por acção ou omissão, a própria arguida tivesse assumido («A professora A… vem sendo sucessivamente acusada pelos Encarregados de Educação de incompetência profissional nas funções que lhe são exigidas como professora do 1º Ciclo do Ensino Básico, mormente durante o tempo que exerceu na Escola …, tendo em …, sido retidos todos os alunos, por deliberação do Conselho Escolar. Também, em …, apesar do exíguo número de alunos matriculados - cinco, apenas dois transitaram e, mesmo assim, um deles, com currículo alternativo»).
Depois, nos 15 números igualmente contidos nesse «artigo único», referentes ao que se verificou «durante a instrução do processo e especialmente nos dias 17, 18, 20, 21 e 25 de … de …, na Escola em que a arguida exerce funções», correspondem, na maior parte, a imputações genéricas, feitas à arguida, de modo conclusivo, genérico e vago, tais como: «2 - Não corrige os trabalhos dos alunos»; «3 - Não transmite correctamente aos alunos conceitos básicos ao nível da Língua portuguesa e Matemática ...»; «4 - Não sabe planificar, nem adaptar a planificação genérica à realidade turma que lecciona»; «5 - Não tem a noção do programa dado ou a dar, as rotinas são por demais evidentes e denotam a falta de preparação das aulas»; «8 - A distribuição dos alunos na sala de aulas é feita com total ausência de critérios pe­dagógicos»; «9 - Não tem a noção de Projecto Educativo ou Projecto de Área-Escola, confundindo o projecto com projecção de filmes»; «11 - Não proporciona aos alunos aprendizagens activas nem diversificadas, uma vez que não varia os materiais, nem as técnicas e nem os processos de desenvolvimento dos conteúdos»; «12 - A gestão do tempo lectivo não se adequa ao ritmo dos alunos»; «13 - Não consegue definir e/ou identificar os objectivos, conteúdos, estratégias, actividades e mecanismos de avaliação para as aulas que dá»; «14- Não existem práticas avaliativas e/ou registos sobre o progresso dos alunos para além das fichas de informação trimestral»; «15 - Não gere convenientemente as verbas que são atribuídas à escola, por forma a satisfazer os compromissos a que está obrigada como, por exemplo, a liquidação atempada dos débitos resultantes de aquisições de bens não duradouros ou para aquecimento».
Perante o que há que reconhecer que a acusação, ao contrário do que exige o citado art. 59 ED, não explicita, com precisão e clareza, os factos disciplinarmente ilícitos que imputa à arguida, bem como as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática de tais factos, integradores da infracção disciplinar que lhe foi atribuída e pela qual veio a ser punida.
Assim sendo, ficou a arguida sem conhecimento perfeito dos factos de que era acusada, e, por isso, impossibilitada de se defender da respectiva imputação, contraditando ou justificando esses factos. O que vale dizer que não foi respeitado o direito de audiência da arguida.
Daí que, ao invés do que decidiu o acórdão em apreço, se deva concluir que o acto contenciosamente impugnado enferma do vício de nulidade, por falta de audiência, que lhe imputou a ora recorrente. Com o procede a respectiva alegação, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões nesta suscitadas.
4. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido e julgando procedente o recurso contencioso.
Sem custas.
Lisboa, 31 de Outubro de 2006. Adérito Santos (relator) – Madeira dos Santos - Santos Botelho (vencido teria confirmado o Acórdão.)