Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0484/15.2BESNT
Data do Acordão:07/08/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
REVERSÃO
INSUFICIÊNCIA DE BENS
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - O conhecimento pelo órgão da execução fiscal da declaração de insolvência da sociedade originária devedora é fundamento bastante para que considere haver fundada insuficiência do património daquela, a justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda (art.23.º nºs 2 e 7 LGT).
II - A execução fiscal não prosseguirá contra o revertido enquanto não findar o processo de insolvência e se apurar se, e em que medida, os bens da sociedade originária devedora são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia (art. 23.º, n.ºs 2 e 3 LGT).
Nº Convencional:JSTA000P26199
Nº do Documento:SAP202007080484/15
Data de Entrada:01/09/2019
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo - Pleno da Secção do Contencioso Tributário, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 18 abril 2018 que, concedendo provimento a recurso, revogou a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 15 janeiro 2016, julgou procedente a oposição deduzida por A…………. no processo de execução fiscal nº 3654200501095285 (SFOeiras 2) instaurado contra Indústrias de Papel ……., Lda e anulou o despacho de reversão interposto contra responsável subsidiário.
Invoca oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul- Secção de Contencioso Tributário proferido em 6 abril 2017 (processo nº 456/13 BELLE)

1.2. Na sequência da admissão liminar do recurso no Tribunal Central Administrativo, a recorrente apresentou alegações de 1º grau e alegações de 2º grau (art. 284º nºs 3 e 5 CPPT)
A recorrente sintetizou as alegações de 2º grau (sobre o conflito de jurisprudência) com a formulação das seguintes conclusões:
A. Como já foi referido no recente despacho, entendeu-se como verificado uma efectiva contradição de julgados, entre a decisão por acórdão já produzido nos presentes autos e o aresto também proferido pelo T.C.A. Sul no processo 456/13.1BELLE datado de 06.04.2017, pois verifica-se existir uma identidade substancial das situações fácticas e da questão de direito, entendida como a sua subsunção às mesmas normas legais, sobre que recaíram os arestos em confronto.
B. Porque, em resumo, se considerou que, em ambos os casos, o órgão de execução fiscal fundamentou uma reversão em processo de execução fiscal dos créditos da sociedade devedora originária para os respectivos Oponentes com base na situação líquida negativa declarada pela sociedade na última declaração relativa à Informação Empresarial Simplificada (IES) e na sua insolvência declarada pelo Tribunal.
C. No acórdão recorrido, como se viu, e, por conveniência, se reproduz, concluiu-se que: “A asserção relativa à «situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal» não preenche o pressuposto em exame.”
D. Ao contrário, no acórdão fundamento, o entendimento foi o seguinte:
“In casu”, o órgão de execução fiscal fundamentou a reversão na situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e na insolvência da sociedade declarada pelo Tribunal. Tais elementos não são postos em causa pelo recorrente (nomeadamente, identificando bens propriedade da sociedade devedora originária suficientes para o pagamento da dívida exequenda), o qual apenas se limita a assacar ao despacho de reversão a sua alegada falta de fundamentação. Face ao exposto, lícita se torna a conclusão de que a mesma empresa não era detentora de património suficiente para pagar a dívida exequenda e acrescidos objecto do processo de execução fiscal nº.1... e apensos, assim estando legitimada a reversão da execução contra responsáveis subsidiários, com a ressalva supra mencionada de que a execução não pode avançar para a fase da penhora de bens do revertido, enquanto o devedor originário tiver (se tiver) património penhorável.
E. O problema aqui em causa, no nosso entendimento, é o de estabelecer qual será o conteúdo concreto do dever de fundamentação do órgão de execução fiscal em sede de reversão das dívidas societárias para o seu gerente, para que se considere como cumprido o previsto no artigo 23.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária.
F. Como se entendeu no acórdão fundamento, apoiado na jurisprudência e na doutrina:
“Nesta sede, à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/4/2005, rec.100/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/6/2011, rec.167/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2012, rec.123/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8792/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.65 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.223 e seg.).
G. Em termos abstractos, tem sido entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina que um acto se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível pelo seu destinatário conhecer o percurso cognitivo que o seu autor utilizou para chegar à decisão tomada, variando, portanto, o seu conteúdo, conforme o tipo de acto em causa.
H. E caso concreto, encontra-se perfeitamente estabelecido que o destinatário do acto é o gerente de facto sociedade devedora originária, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 da LGT, com o conhecimento e domínio da situação da empresa que essa qualidade naturalmente implica.
I. E do despacho de reversão, igualmente reproduzido no acórdão recorrido (II.3., fls. 3), consta, para o que aqui nos interessa, os seguintes elementos:
i) A identificação da sociedade devedora originária INDÚSTRIA DE PAPEL ………., LDA, EM LIQUIDAÇÃO, ou seja, já consta da firma a expressão “em liquidação”, averbada na sequência da sua insolvência judicialmente decretada, como é obrigação legal (artigo 38.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa) cujo gerente, aqui revertido e oponente, terá de ter um completo conhecimento;
ii) E que o processo executivo encontra-se “Suspenso por Declaração de Falência”;
iii) No ofício de citação (também reproduzido no acórdão recorrido, II.5., fls. 3 e 4 e a fls.8), como fundamento da reversão, o órgão de execução fiscal diz, para o que aqui nos traz, “Insuficiência de bens da devedor(a) originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente da situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal”
J. Na sua análise, logo a seguir, (fls. 8) considerou-se no acórdão recorrido: “Salvo o devido respeito, tal asserção não permite aceder às razões que determinaram o órgão de execução fiscal decidir no sentido do preenchimento do conceito de insuficiência referido. Nem existem dados objectivos, nem consta dos autos qualquer avaliação técnica do património que permitam o preenchimento do conceito e o eventual questionamento do mesmo por parte do revertido, tendo em vista o exercício cabal das garantias de defesa do revertido em que se insere a garantia de excussão prévia dos bens do devedor originário.” (sublinhado nosso).
K. Concluindo-se seguidamente que: “Em face do exposto, a sentença recorrida, ao julgar improcedente o vício referido da falta de fundamentação do despacho de reversão, incorreu em erro, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. A procedência do vício formal determina a anulação do despacho de reversão.”
L. Mas diz-nos o n.º 3 do artigo 23.º da LGT, que “Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei.”
M. E no recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo n.º 626/10.4BESNT de 19/09/2017), seguindo de perto o entendimento do S.T.A. (processo n.º 0257/12 de 12.04.2012) já longamente citado (cfr. artigo 21) entendeu-se que: “Portanto, no caso de impossibilidade de apuramento da suficiência dos bens penhorados, ou seja, quando ainda não é possível quantificar a responsabilidade do revertido, o despacho de reversão não produz o efeito de prosseguir a execução contra o revertido, salvaguardando-se desse modo o benefício da excussão.
N. Mas este não é o momento de funcionamento da excussão prévia dos bens do devedor originário. Aqui, através da reversão, apenas se está a accionar a responsabilidade subsidiária do gerente da sociedade em termos qualitativos, cujo efeito é que, o sujeito passa a ser parte no processo de execução fiscal originariamente instaurado contra a sociedade que dirigia, como Executado, com os respectivos direitos e obrigações, entre outros, o de reclamar ou impugnar a dívida ali em causa, nos termos do artigo 22.º, n.º 5 da LGT.
O. Resulta, portanto, claro que este não é o momento de funcionamento da excussão prévia dos bens do devedor originário. Só em momento posterior se desenvolverão as diligências de cobrança coerciva, apenas se e quando se revelarem eventualmente necessárias.
P. Acresce ainda que, neste caso concreto, uma vez que a sociedade devedora originária se encontra em liquidação no âmbito de um processo de insolvência, só após o final deste se saberá em que medida em que a responsabilidade subsidiária do aqui Revertido se concretizará, uma vez que apenas nesse momento se verificará a excussão dos bens da sociedade e se pode apurar o quantum da dívida sobre a qual o agora revertido será efectivamente chamado a cumprir.
Q. Pelo exposto, na nossa opinião, a preocupação manifestada no acórdão recorrido relativamente ao benefício da excussão a que o Revertido terá direito não se encontra de modo nenhum beliscada nesta altura, pelo que a motivação subjacente à presente decisão, salvo o devido respeito, não se verifica, o que, desde já, se alega.
R. Por isso, se atendermos ao momento anterior em que o processo efectivamente se encontra, como já foi desenvolvido, parece-nos que o duplo fundamento indicado, isto é, a verificação da situação líquida negativa através da declaração IES da sociedade e a sua própria insolvência declarada, são elementos perfeitamente suficientes para considerar como fundamentada e demonstrada a insuficiência patrimonial da sociedade para cumprir as suas obrigações.
S. Até porque, em ambos os casos, estamos perante duas situações perfeitamente definidas sem qualquer intervenção da AT, tendo sido a primeira uma declaração elaborada e entregue pela própria sociedade devedora originária com base em elementos da sua própria contabilidade que se presumem verdadeiros e, o decretamento da insolvência foi uma decisão judicial em processo próprio, onde se concluiu por uma insuficiência patrimonial grave e duradoura, provavelmente até definitiva, que a torna incapaz de responder às sua obrigações, nomeadamente aquelas que são objecto do presente processo executivo.
T. Por outro lado, em termos da medida da fundamentação, importa não esquecer que o destinatário do presente acto de reversão é o próprio gerente da sociedade, que, nessa medida, se encontra numa posição em que compreende o seu alcance e respectivos fundamentos de uma forma cabal, uma vez que domina completamente o quadro da situação por ter acesso completo a toda a situação patrimonial da sociedade que dirigia.
U. Por isso, parece-nos de seguir a posição do acórdão fundamento que adoptou o seguinte entendimento:
“In casu”, o órgão de execução fiscal fundamentou a reversão na situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e na insolvência da sociedade declarada pelo Tribunal. Tais elementos não são postos em causa pelo recorrente (nomeadamente, identificando bens propriedade da sociedade devedora originária suficientes para o pagamento da dívida exequenda), o qual apenas se limita a assacar ao despacho de reversão a sua alegada falta de fundamentação. Face ao exposto, lícita se torna a conclusão de que a mesma empresa não era detentora de património suficiente para pagar a dívida exequenda e acrescidos objecto do processo de execução fiscal nº.1... e apensos, assim estando legitimada a reversão da execução contra responsáveis subsidiários, com a ressalva supra mencionada de que a execução não pode avançar para a fase da penhora de bens do revertido, enquanto o devedor originário tiver (se tiver) património penhorável.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente fundamento do recurso e confirma-se a decisão recorrida, neste segmento.
V. Pelo que vimos pedir o reexame da posição anteriormente adoptada e, na nossa opinião, ser alterada no sentido de considerar devidamente fundamentado o acto de reversão e, por isso, não conceder provimento ao recurso.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser considerado que se verifica a requerida oposição de acórdãos, e, em consequência, ser reexaminada a decisão tendo em conta os fundamentos apresentados

1.3. O recorrido apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
I. Atento o douto despacho que julgou verificado a existência de contradição de julgados importa aludir o seguinte, Insuficiência de bens da devedora (a) originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal. Gerência de direito (art. o 24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT); Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos arts. 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais).
II. Desde já o douto acórdão sob recurso julgou bem ao decidir que incorreu em erro a sentença proferida ao julgar improcedente o vício referido da falta de fundamentação do despacho de reversão e em consequência decretou a anulação do despacho de reversão.
III. Como dispõe o artigo 23a da LGT mais concretamente no seu n.º 2 a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário, no entanto o despacho de reversão é omisso, não referindo se foram realizadas todas as diligências que visassem apurar se o devedor principal dispunha ou não de bens penhoráveis, ou se a massa insolvência tinha bens suscetíveis de assegurar os créditos dos credores.
IV. Ora, a administração tributária não demonstrou, como lhe competia, a fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária para assegurar o pagamento da dívida exequenda, apenas remete para a o resultado liquido negativo e para a declaração de insolvência, o que por si só não se conclui pela fundada insuficiência dos bens penhoráveis.
V. Atento o carácter subsidiário da responsabilidade tributária (cf. art. 22°, nº 3 da LGT), o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e só no caso de se provar a inexistência ou insuficiência fundada de bens daqueles é que pode exigi-la aos devedores subsidiários.
VI. No caso, a reversão da execução contra o responsável subsidiário teve como fundamento a insuficiência do património societário da devedora originária, sendo que os únicos elementos em que o órgão de execução fiscal fez assentar essa conclusão se reconduziram à situação líquida negativa decorrente última da declaração referente à IES e à informação de que a sociedade havia sido declarada insolvente, sendo que tais elementos são insuficientes para que se possa concluir, sem maiores indagações, pela insuficiência patrimonial da devedora originária.
VII. Ou seja, para que se pudesse concluir pela insuficiência de bens da sociedade devedora originária, impõe-se que a mesma informe que diligências fez para chegar a essa conclusão,
VIII. Sem qualquer fundamentação e unicamente remetendo para a situação líquida negativa e para a declaração de insolvência, o que só por si impossibilita a formulação de qualquer juízo fundado acerca da insuficiência desses bens para assegurar o pagamento da dívida exequenda revertida.
IX. Nesse sentido faz-se referencia a acórdão proferidos sobre a mesma matéria: É à Autoridade Tributária que cabe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo cabendo por isso o ónus de demonstrar que não existiam à data do despacho de reversão bens penhoráveis do devedor originário ou existindo que eles eram fundadamente insuficientes cf. Acórdão do TCA Sul de 18 06 2013 in processo 06386/13.
Na verdade considerando que no despacho de reversão apenas se invoca, como fundamento da alegada fundada insuficiência do património societário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, a situação líquida negativa da sociedade decorrente da última declaração fiscal e a declaração de insolvência da sociedade, e sendo certo que é à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão [incumbindo-lhe designadamente a demonstração de que não existem bens penhoráveis do devedor originário (ou, no caso de existirem, que eles são fundadamente insuficientes para a satisfação da dívida exequenda)], não pode deixar de se concordar com a sentença recorrida quando afirma que esses elementos não permitem, sem mais, que se conclua pela insuficiência de património da devedora originária, uma vez que esse pressuposto de reversão não se basta com a mera afirmação da probabilidade da sua existência. cf. acórdão do STA de 24/2/2016, Processo 0700/15.
Se, no despacho de reversão, apenas se invoca, como fundamento da alegada fundada insuficiência do património societário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, a situação líquida negativa da sociedade decorrente da última declaração fiscal e a declaração de insolvência da sociedade, esses elementos não permitem, sem mais, que se conclua pela insuficiência de património do devedor originário, uma vez que esse pressuposto de reversão não se basta com a mera afirmação da probabilidade da sua existência. Cfr. Acórdão do TCA Norte, Processo 361814.4BEVIS.
Termos em que, Verificando-se a oposição de acórdãos deve ser mantido acórdão recorrido que julgou procedente a oposição, anulando o despacho de reversão, por vício de forma, com a consequente absolvição do ora Recorrido da instância executiva. Fazendo-se assim, a acostumada JUSTIÇA

1.4 O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, com a consequente revogação do acórdão recorrido, e baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul para prosseguimento da tramitação (processo electrónico p.253).

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir no Supremo Tribunal Administrativo - Pleno da Secção de Contencioso Tributário

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO

O acórdão recorrido julgou provados os seguintes factos:
1. Em 12 de Novembro de 2005, o Serviço de Finanças de O..... instaurou o processo de execução fiscal n.º 3..., em nome de "I. P. … Lda.", para cobrança coerciva de uma dívida de IVA relativa ao período de tributação de 2005, na quantia exequenda de €42.127,99, acrescida de juros de mora e demais acréscimos legais (cfr. print informático, a fls. 25 dos autos, e fotocópia da autuação e da certidão de dívida, a fls. l do PEF, em apenso).
2. No dia 12 de Dezembro de 2013, o Chefe do Serviço de Finanças de P. proferiu um despacho de reversão contra o Oponente (cfr. print informático, a fls. 25 dos autos).
3. No despacho de reversão pode ler-se que:
Gestão da Reversão DADOS DO CONTRIBUINTE
Número Fiscal: 5...
Valor Total em Divida: 808.416,81
Valor QE em Dívida: 631.741, 25
Nome: I. P. …... LDA. EM LIQUIDAÇÃO Valor penhorado: 0,00
Valor Garantido: 0,00
IDENTIFICAÇÃO DO PROCESSO
Nº Processo 3... Fase: F102-Suspensão por Declaração de Falência
Data da instauração- 2005-11-12
Proveniência: 102-IVA-lmpostos sobre o Valor Acrescentado
Inclui Apensos: Não N- Proc. Apensados: 0
Valor em Dívida: 62.996,98 Valor Penhorado: 0,00
Valor QE em Dívida: 42. 127,99 Valor Garantido: 0,00
DADOS DA REVERSÃO
Código da Reversão: 3..
Data do Registo: 2012-11-27 Situação Activa
Data do Despacho: 2013-12-12
Tipo: Contra Responsáveis Subsidiários

(…)
4. No dia 10 de Janeiro de 2014, o Oponente foi citado da dívida (cópia do ofício da citação em reversão, e aviso de recepção, a fls. 17 e 27 dos autos).
5. No ofício da citação de reversão pode ler-se que "NIF: 5... Nome: I. P. ….. LDA, EM LIQUIDAÇÃO
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Insuficiência de bens da devedor (a) originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência de direito (art.º 24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos arts. 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais).
IDENTIFICAÇÃO DA DIVIDA EM COBRANÇA COERCIVA E FORMA DE PAGAMENTO
Total Quantia Exequenda: 42.127,99 EUR Total Acrescidos: 0,00 EUR
O pagamento poderá ser feito nos Serviços de Finanças (SF), CTT, rede Multibanco, instituições bancárias e home-banking na internet, mediante documento único de pagamento a solicitar em qualquer SF. (cfr. cópia do ofício da citação em reversão, a fls. 17 dos autos).
6. No dia 12 de Fevereiro de 2014, o Oponente entregou a presente oposição junto do Serviço de Finanças de S., através de carta registada com aviso de recepção (cfr. data do registo dos CTT aposto no envelope, a fls. 12 dos autos.
O acórdão fundamento julgou provados os seguintes factos:
1-Em 16 de Março de 2010, o processo de execução fiscal nº.1... e apensos foi instaurado no Serviço de Finanças de ... contra a sociedade “M..., Construções de Estradas e Obras Públicas, S.A.”, visando a cobrança coerciva de dívidas de I.R.S./retenção na fonte e Imposto de Selo, relativas ao ano de 2010 e no montante global de € 14.188,37 (cfr.documento junto a fls.12 do processo de execução apenso; informação exarada a fls.29 a 32 dos presentes autos);
2- No dia 9 de Novembro de 2012 foi proferido despacho para o exercício do direito de audição prévia de S... quanto ao projecto de reversão do processo de execução identificado no nº.1, o qual foi notificado à opoente em 28/11/2012 (cfr.documento junto a fls.11 do processo de execução apenso; informação exarada a fls.29 a 32 dos presentes autos);
3- Em 26/3/2013, no processo de execução identificado no nº.1, foi proferido despacho de reversão contra S..., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor (cfr. documentos juntos a fls.80 a 82 dos presentes autos):
“(…)
Fundamentos da reversão
Insuficiência de bens da devedora originária (artº.23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e /ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (artº.24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255 e/ou 399 do Código das Sociedades Comerciais).
Identificação da dívida em cobrança coerciva
(…)
Total da quantia exequenda - € 14.188,37
Conforme anexo
(…).
4- A oponente/recorrente, S..., era vogal do Conselho de Administração da sociedade executada originária, “M..., Construções de Estradas e Obras Públicas, S.A.”, sendo que a empresa se obrigava pela assinatura conjunta do Presidente do Conselho de Administração e de um dos dois Vogais (cfr. certidão permanente junta a fls.54 a 56 dos presentes autos);
5- A opoente/recorrente exerceu funções de representação e de gestão da sociedade executada originária, enquanto administradora da mesma (cfr. factualidade admitida pela opoente nos artºs.28 e 39 do articulado inicial do presente processo);
6- Em 13/06/2011 foi declarada a insolvência da sociedade executada originária (cfr. certidão permanente junta a fls.54 a 56 dos presentes autos).

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Requisitos formais e substantivos para o conhecimento do recurso
2.2.1.1. Requisitos formais
No recurso sob análise estão verificados os respectivos requisitos formais:
a) legitimidade da recorrente, na medida em é parte vencida nos termos do dispositivo do acórdão recorrido (art.681º nº CPC; art.280º nº3 CPPT na redacção vigente na data do proferimento do acórdão recorrido, aplicável nos termos do art.13º nº1 al.c) Lei nº 118/2019,17 setembro)
b) tempestividade da interposição do recurso (arts 280º nº1 e 284º CPPT)
c) trânsito em julgado do acórdão fundamento, presumido e não contestado pelo recorrido (art. 688º nº2 CPC; art.2º al.e) CPPT)
2.2.1.2. Requisitos substantivos
São requisitos substantivos cumulativos do conhecimento do recurso por oposição de acórdãos:
- oposição entre acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo e acórdão proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo relativamente à mesma questão fundamental de direito;
- inexistência de consonância da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (art.280º nº2 CPPT redacção vigente na data do proferimento do acórdão recorrido, aplicável nos termos do art.13º nº 1 al.c) Lei nº 118/2019,17 setembro; art.152º nºs 1 al.a) e 3 CPTA)

A expressão questão fundamental de direito inculca a primordial importância da sua análise, exigindo ponderação pelo tribunal dos argumentários contrastantes produzidos pelas partes; só deve ser considerada questão fundamental de direito aquela de cuja solução dependa, directa ou indirectamente, a decisão da causa
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica»
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais
A oposição de soluções jurídicas exige ainda pronúncia expressa sobre a questão, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Jurisprudência: acórdão Plenário STA 12.11.2009 processo nº 429/03; acórdãos STA-Pleno SCT 19.06.96 processo nº 19 532; 18.05.2005 processo nº 276/05; 2.01.2010 processo nº 1042/08; 5.06.2013 processo nº 180/12; 3.07.2013 processo nº 700/12; 22.01.2014 processo nº 1106/13; 26.03.2014 processo nº 865/13; 15.10.2014 processo nº 1868/13; 26.03.2014 processo nº 865/13; 22.01.2014 processo nº 1106/13; 5.06.2013 processo nº 191/13; 5.06.2013 processo nº 180/12; acórdão Pleno SCA 21.04.2016 processo nº 62/16
Doutrina: Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV pp.475/478)

A recorrente enunciou como questão fundamental de direito, com alegada solução antagónica nas decisões em confronto, a subsunção da declaração de insolvência da devedora originária ao requisito de reversão da execução contra o responsável subsidiário consistente na fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (art.23º nº2 LGT; art.153º nº2 al.b) CPPT).

Sobre a questão condensou o acórdão recorrido a sua apreciação nos seguintes segmentos do respectivo sumário:
(…)
2) A fundamentação da insuficiência dos bens penhoráveis é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros elementos de que a Administração tributária disponha, em relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido.
3) Para a insuficiência se poder considerar demonstrada, é necessário que os elementos em causa sustentem um juízo concludente sobre a mesma.
4) A asserção relativa à «situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal» não preenche o pressuposto em exame.

Com relevância para a sua compreensão transcrevem-se os seguintes excertos da fundamentação do aresto:
Ao lançar mão do conceito indeterminado “insuficiência” de bens, exigindo até que tal insuficiência seja “fundada”, a lei obriga a que o órgão da execução fiscal faça uma investigação aturada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos responsáveis solidários
(…)
No entanto, para a insuficiência se poder considerar demonstrada, é necessário que os elementos em que assenta o juízo permitam, em termos lógicos, retirar essa conclusão, o que, normalmente, exigirá que seja feita uma averiguação (por exemplo, não bastará para concluir pela insuficiência o simples facto de o devedor originário não ser encontrado ou estar encerrado o seu estabelecimento, no momento em que se procura realizar a penhora).
(…)
Neste quadro, o dever de fundamentação do despacho de reversão assume um sentido específico no que respeita ao preenchimento do conceito de «fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário». Esse sentido implica a explicitação das diligências realizadas, bem como a indicação dos bens detectados e a sua avaliação técnica e objectiva, de forma a justificar o chamamento de terceiro, o responsável subsidiário, ao cumprimento da dívida exequenda, sem que haja lugar à excussão prévia do património do devedor originário, sem prejuízo da suspensão da execução quanto ao revertido, até à completa excussão do património do devedor originário, nos termos do preceito do artigo 23.º/3, da LGT.
A esta luz, cumpre aferir se o despacho de reversão dos autos se encontra fundamentado.
No mesmo invoca-se, como forma de preenchimento do conceito de “insuficiência de bens da devedora(a) originária”, a «situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal"». Salvo o devido respeito, tal asserção não permite aceder às razões que determinaram o órgão de execução fiscal decidir no sentido do preenchimento do conceito de insuficiência referido. Não existem dados objectivos, nem consta dos autos qualquer avaliação técnica do património da devedora originária que permitam o preenchimento do conceito e o eventual questionamento do mesmo por parte do revertido, tendo em vista o exercício cabal das garantias de defesa do revertido, em que se insere a garantia da excussão prévia dos bens do devedor originário.
Em face do exposto, a sentença recorrida, ao julgar improcedente o vício referido da falta de fundamentação do despacho de reversão, incorreu em erro, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. A procedência do vício formal determina a anulação do despacho de reversão

Sobre idêntica questão sintetizou o acórdão fundamento a sua apreciação no seguinte segmento do respectivo sumário:
(…)
7. Nesta sede, à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão
Com relevância para a sua compreensão transcrevem-se os seguintes excertos da fundamentação do aresto:
Ainda, nos termos dos artºs.23, nº.2, da L.G.T., e 153, nº.2, do C.P.P.T., a reversão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário depende de verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor originário e seus sucessores/responsáveis solidários ou da fundada insuficiência, para pagamento da dívida exequenda e acrescido, dos bens penhoráveis, integrantes do património destes, sendo que esta última circunstância se pode ter como preenchida com base em elementos constantes de auto de penhora e outros elementos disponíveis na execução fiscal(…) nos casos em que os bens penhorados ao devedor originário têm um valor pré-determinado e esse valor é inferior ao da dívida exequenda revertida é possível concluir no sentido da fundada insuficiência dos mesmos bens, em momento anterior ao da venda, visando o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
(…)
Nesta sede à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão

(…)
In casu”, o órgão de execução fiscal fundamentou a reversão na situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e na insolvência da sociedade declarada pelo Tribunal. Tais elementos não são postos em causa pelo recorrente (nomeadamente, identificando bens propriedade da sociedade devedora originária suficientes para o pagamento da dívida exequenda), o qual apenas se limita a assacar ao despacho de reversão a sua alegada falta de fundamentação. Face ao exposto, lícita se torna a conclusão de que a mesma empresa não era detentora de património suficiente para pagar a dívida exequenda e acrescidos objecto do processo de execução fiscal nº.1... e apensos, assim estando legitimada a reversão da execução contra responsáveis subsidiários, com a ressalva supra mencionada de que a execução não pode avançar para a fase da penhora de bens do revertido, enquanto o devedor originário tiver (se tiver) património penhorável

Neste contexto é patente a resposta divergente dos arestos em confronto à questão fundamental de direito enunciada, consistindo na subsunção da declaração de insolvência a um juízo de fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade originária devedora:
- no quadro de factualidade substancialmente idêntica entendeu o acórdão recorrido que a declaração de situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à informação empresarial simplificada e a declaração judicial de insolvência não constituíam suficiente fundamentação para a verificação do requisito legal para a reversão da execução; expressando o acórdão fundamento entendimento antagónico
Finalmente, a solução jurídica da questão fundamental de direito adoptada no acórdão recorrido diverge da jurisprudência destilada pelo Supremo Tribunal Administrativo – Secção de Contencioso Tributário sobre a questão (conforme infra indicado)

Verificados os pressupostos formais e substantivos para o conhecimento do recurso importa prosseguir com a apreciação do seu mérito.

2.2.2. Apreciação do mérito do recurso
2.2.2.1.A questão fundamental de direito supra enunciada foi apreciada e decidida em jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo-Secção de Contencioso Tributário, destilada nos acórdãos proferidos em 8 novembro 2017 (processo 0420/17), 12 julho 2018 (processo 0783/17), 12 fevereiro 2020 (processo 0105/15.3BESNT), 20. abril 2020 (processo 362/14.2BEVIS), 1 julho 2020 (processo 361/14.2BEVIS) no sentido da pronúncia emitida pelo acórdão fundamento, embora com fundamentação jurídica não coincidente.

O conflito de jurisprudência deve ser resolvido por adesão à doutrina do acórdão fundamento, convocando-se o seguinte
Argumentário
A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (art.23º nº1 LGT).
Sendo um acto administrativo tributário, o despacho de reversão está sujeito a fundamentação, como corolário do princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (art.268º nº3 CRP; arts.23º nº4 e 77º nº1 LGT).

São pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts.23º nº4 e 24 nº1 LGT):
- a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores, sem prejuízo do benefício da excussão (art.23º nº2 LGT; art.153º nº2 CPPT);
-o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega, associado a culpa presumida ou provada do responsável subsidiário (art.24º nº1 LGT).

Enquanto acto administrativo tributário o despacho de reversão deve incluir igualmente a indicação das normais legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (art. 77 nº1 LGT).

A legalidade do despacho de reversão exige a declaração fundamentada os seus pressupostos e extensão temporal da responsabilidade subsidiária, a incluir na citação, embora com autonomia jurídica em relação a esta (art.23º nº4 LGT).

5º Verifica-se uma fundada insuficiência de bens do devedor principal quando ela radica na declaração judicial da sua insolvência, baseada em passivo manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (art.3º nº2 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

O requisito da fundada insuficiência não exprime a exigência de uma prova definitiva e irrefutável, ou uma presunção inilidível, como demonstrado pelo facto de o benefício da excussão prévia não permitir o prosseguimento da execução contra o executado revertido sem completa excussão do património do devedor principal, por forma a determinar-se com precisão o montante da quantia exequenda a pagar pelo responsável subsidiário (art.23º nº2 último segmento LGT); antes uma presumível insuficiência do património do devedor originário, simétrica de uma dúvida residual sobre a sua capacidade para assegurar o pagamento da dívida (neste sentido Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária Anotada e comentada 4ª edição 2012 p.223).

No mesmo sentido aponta a solução legal do dever de reversão nas situações em que seja solicitada a avocação dos processos de execução fiscal para apensação ao processo de insolvência, procedendo-se ao seu envio após despacho do órgão da execução fiscal; claramente inculcando que a declaração judicial de insolvência preenche o requisito legal da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (art.23º nº7 LGT; art.181º nº2 CPPT).

2.2.2.2. A análise crítica da fundamentação do acórdão recorrido permite identificar um erro de julgamento, ao imputar ao despacho de reversão controvertido a patologia do vício de forma, resultante de confusão conceptual entre fundamentação formal e fundamentação substancial do acto administrativo, exigindo comprovação de factos quando seria exigível apenas enunciação de motivos (no domínio restrito do vício de forma imputado)
A fundamentação formal cumpre-se com a enunciação expressa, clara, suficiente e congruente dos motivos determinantes da prática do acto administrativo, com o seu concreto conteúdo; a fundamentação material exige a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto, traduzida na real verificação dos pressupostos de facto invocados e na correcta interpretação e aplicação das normas invocadas como fundamento jurídico)
O conteúdo concreto do despacho de reversão sob apreciação, dotado das citadas características de clareza, suficiência e congruência, cumpre a dupla função endógena e exógena da fundamentação formal do acto administrativo:
- endógena, na medida em que exigiu ao decisor a expressão dos motivos determinantes da decisão, contribuindo para sua ponderação e transparência (no caso concreto demonstrada pela sua inequívoca compreensão pelo destinatário do acto, manifestada na discordância expressa na petição de oposição à execução);
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (no caso concreto demonstrada pela dedução de oposição à execução com fundamento na falta de verificação dos requisitos legais do despacho de reversão, subjacente à imputação de responsabilidade subsidiária).
A errada qualificação do vício de forma imputado ao despacho de reversão não prejudica a sua qualificação pelo tribunal de recurso como vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto (inexistente pelos motivos convocados para o antecedente argumentário), na exacta medida em que aquela errónea qualificação é irrelevante para a formulação da questão fundamental de direito que mereceu pronúncia antagónica nos acórdãos em confronto.
Uma referência final para salientar (contrariando o entendimento expresso no acórdão recorrido) que uma eventual ilegalidade do despacho de reversão (no caso concreto inexistente) não impediria o exercício da garantia da excussão prévia do património da devedora originária, na medida em que o responsável subsidiário revertido poderia opôr-se a qualquer acto de penhora incidente sobre o património pessoal, não precedido daquela excussão previa, mediante reclamação para o órgão da execução fiscal (arts.276º e 278º nº 3 al.b) CPPT).

3.DECISÃO
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo-Pleno da Secção de Contencioso Tributário em conceder provimento ao recurso; em conformidade:
- revogar o acórdão recorrido e confirmar a decisão constante da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no sentido da legalidade do despacho de reversão.
Custas pelo recorrido (art.527º nºs 1/2 CPC/ art.2º al.e) CPPT)

Lisboa, 8 julho 2020. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.