Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:037/19.6BALSB
Data do Acordão:11/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito.
II - Quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou …) não fica demonstrado que tenha sido exigido, ao sujeito passivo, o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas, apenas, que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.
Nº Convencional:JSTA000P26687
Nº do Documento:SAP20201104037/19
Data de Entrada:04/11/2019
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

A autoridade tributária e aduaneira (AT), representada pela Exma. Diretora-geral, com apoio no disposto pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei (DL.) n.º 10/2011 de 20 de janeiro, que estabeleceu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, recurso, para uniformização de jurisprudência, da decisão (colegial) proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral formulado pela sociedade A……………, S.A., processo nº 225/2018-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou integralmente procedente o pedido, anulou atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2012, condenando, ainda, a AT, no pagamento de juros indemnizatórios, “desde a data do pagamento indevido, até ao seu reembolso…”.

A recorrente (rte), apontando, à decisão arbitral, contradição/oposição com o decidido no acórdão, do STA, de 30 de maio de 2012 (processo n.º 0410/12), apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

a) O presente recurso por oposição de acórdãos vem interposto do acórdão arbitral de 04/03/2019, proferido nos autos supra referenciados, na parte em que o mesmo julgou procedente o pedido para condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43° da LGT.

b) A decisão arbitral pronunciou-se sobre as liquidações controvertidas anulando-as com fundamento, único e exclusivo, no vício de caducidade do direito à liquidação.

c) O segmento decisório de que ora se recorre respeita apenas à condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios por se entender que nessa parte o acórdão arbitral se encontra em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, referente à aplicação do n° 1 do art. 43° da LGT, com o acórdão do STA de 30/05/2012, no processo nº 0410/12.

d) Justamente, nas decisões ora em apreço está em causa a constituição do direito a juros indemnizatórios previsto no n° 1 do art. 43° da LGT quando as liquidações são anuladas com exclusivo fundamento no vício de caducidade do direito à liquidação.

e) O acórdão arbitral, na parte sob recurso, decidiu o seguinte que se transcreve:

“Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43°, n.° 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os actos de liquidação objecto da presente acção arbitral para lá do prazo que legalmente dispunha para exercer tal direito. Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.° da LGT e 24.°, n.° 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento indevido, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º n.°s 1 e 4, e 35.° n.° 10, da LGT, artigo 559° do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril. ”

f) Em suma, entende o acórdão arbitral recorrido que o vício de caducidade do direito à liquidação configura um erro imputável à AT para efeitos da constituição do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43°, n° 1 da LGT.

g) O entendimento expressamente acolhido no acórdão sob recurso está em clara oposição com a solução quanto à mesma questão fundamental de direito acolhida no acórdão fundamento.

h) Quanto ao tema ou questão de direito que cumpre apreciar, quer no acórdão sob recurso quer no acórdão fundamento, a mesma consiste em saber se estão ou não verificados os requisitos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do n° 1 do art. 43° da LGT, mais concretamente se «houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» quando a liquidação é anulada com fundamento em caducidade do direito à liquidação.

i) A situação fáctica em apreciação respeita, quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento, numa decisão que julga procedente o pedido de anulação das liquidações com fundamento em caducidade do direito à liquidação em virtude de o contribuinte não ter sido notificado dentro do respectivo prazo de caducidade.

j) O acórdão fundamento concluiu, justamente, que o vício de caducidade do direito à liquidação não pode ser qualificado como o erro a que se refere o n° 1 do art. 43° da LGT, não sendo, por conseguinte, suscetível de determinar a constituição do direito a juros indemnizatórios.

k) É justamente este o entendimento que ora se defende, aderindo ao acórdão fundamento, segundo o qual “a declaração de caducidade não implica a existência de um erro - vício sobre os pressupostos de facto ou de direito - que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.° 1 do art. 43.º da LGT”

l) Entende o acórdão fundamento que “se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente”.

m) Nestes termos, o STA formulou as seguintes conclusões:

I - O direito a juros indemnizatórios previsto no n.° 1 do art. 43.° da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.

II - A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.° 1 do art. 43.º da LGT.

n) Concluindo, entende-se que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito.

o) Requerendo-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral na parte ora recorrida, com as devidas consequências legais.

Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso por oposição de acórdãos ser admitido, por se verificar uma contradição entre o acórdão arbitral na parte ora recorrida e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, devendo o recurso ser julgado procedente com as devidas consequências legais. »


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Por despacho da Exma. Conselheira-relatora, foi o recurso admitido, com efeito suspensivo.

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Não houve lugar a contra-alegação.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, onde sustenta que o recurso merece provimento, devendo anular-se o decidido na parte respetiva.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


Presente a respetiva extensão (conjunta) e dada a circunstância do objeto deste recurso ter sido restringido à parte em que a decisão recorrida julgou procedente pedido de condenação, da AT, ao pagamento de juros indemnizatórios, dispensamo-nos, neste momento, de realizar a transcrição dos julgamentos da matéria de facto, concretizados nos arestos em oposição, considerando-se, em ambos os casos, aqui, integralmente, reproduzido o conteúdo pertinente de cada um deles.

***

admissibilidade do recurso;

Neste momento, independentemente de, neste STA, ter sido, em despacho liminar, admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência, impõe-se que, aqui e agora, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, desta Secção, se avalie e julgue, em definitivo, dos pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

Como é pronúncia, reiterada e uniforme, da jurisprudência deste Supremo Tribunal (Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.), o reconhecimento da ocorrência de oposição/contradição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

1. que se afirme a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que, para caracterizar esta, importa identificar (também, em cumulação):

ü identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas;

ü a não ocorrência de alteração substancial na regulamentação jurídica;

ü o perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas;

2. que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Verificado que o presente recurso foi interposto, dentro do prazo de 30 dias, contados da notificação da decisão (arbitral) recorrida (Em cumprimento do disposto no artigo 25.º n.º 3 do RJAMT.), por uma das partes do processo de arbitragem tributária (concretamente, a AT) e conferido (ou) presumido (Cf. artigo 688.º n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil (CPC).) o trânsito em julgado do acórdão fundamento, impõe-se avançar e indagar do preenchimento, cumulativo, das demais condições/requisitos, vindos de elencar.

Sem delongas, em função da evidência, in casu, estas/estes encontram-se, totalmente, preenchidas(os).

Efetivamente, há identidade da questão fundamental de direito, incluindo ao nível, da parte relevante, das situações fácticas, versadas no acórdão (arbitral) recorrido e no aresto fundamento; de forma unívoca, tratou-se de decidir, em casos de anulação de atos tributários de liquidação (de IVA e IRS, respetivamente), fundada em caducidade do direito de liquidar, por a notificação, do ato em causa, não ter sido concretizada dentro do prazo da caducidade (A única dissemelhança reside em diversas exigências/vicissitudes ocorridas e ultrapassadas na concretização da notificação dos atos de liquidação; na decisão recorrida, trata-se da notificação do relatório de uma inspeção tributária, que, por “deficiências a vários níveis” acabou por “irremediavelmente, comprometida, no aresto fundamento, o contribuinte (sujeito passivo de IRS) não foi notificado, dentro do prazo da caducidade, uma vez que não foram cumpridos os requisitos da notificação por “hora certa”.), se há ou não lugar à condenação, da AT/entidade liquidadora, no pagamento de juros indemnizatórios, quando tenha ocorrido o pagamento da quantia impugnada, por parte do sujeito passivo/contribuinte.

As decisões em confronto, pronunciaram-se, sobre a matéria, de forma, expressa, objetivamente, oposta, na primeira, com a afirmação da existência de tal direito e, consequente, condenação, da AT, no pagamento de juros indemnizatórios, na segunda, defendendo-se que “…, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.”.

O normativo legal - art. 43.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) - utilizado, em ambas as decisões, para fundamentar os respetivos veredictos (de condenação e não condenação, no pagamento de juros indemnizatórios), não sofre qualquer alteração da sua redação, desde a inicial, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro, que aprovou a LGT; ou seja, tem os mesmos dizeres, originários, de 1 de janeiro de 1999. Acresce que, o sentido do decidido, neste aspeto, pelo acórdão recorrido, não calha com a jurisprudência deste STA.

mérito do recurso, para uniformização de jurisprudência;




Prosseguindo, portanto, os demais termos deste apelo, quanto ao mérito, somente, se mostra necessário registar que o doutrinado no acórdão fundamento mantém plena atualidade, ao ponto de, além doutras pronúncias, no mesmo sentido, já, assumidas pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do STA, trazermos, agora, à colação uma das mais recentes Assim, no acórdão de 30 de setembro de 2020 (2009/18.9BALSB), sem dissidência, estando em causa, igualmente, uma decisão do CAAD, voltou a ser (re)afirmado: «
(…).
Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.

Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.

Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos.

Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013,“[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”.

É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera.

(…). »

Só resta, como é imperioso, concluir pela verificação de erro, na decisão sob crítica, no que tange à determinada condenação, da AT, no pagamento de juros indemnizatórios, à sociedade requerente da tutela arbitral (tributária), porque, na situação julganda, não são, legalmente, devidos.
*******

# III.


Destarte, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- admitir e conhecer do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência, concedendo-lhe provimento;

- anular a decisão arbitral recorrida, no segmento em que condena, a AT, no pagamento de juros indemnizatórios.


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Custas a cargo da recorrida, sem taxa de justiça, no STA.
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Comunique-se ao CAAD.

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[ Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco ]


Lisboa, 4 de novembro de 2020. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.