Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0942/16
Data do Acordão:03/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
CULPA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
Sumário:Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de actuação culposa do sujeito passivo e sendo tais liquidações da responsabilidade da AT, deve ser-lhe imputado o erro nos pressupostos de direito (nº 1 do art. 35º da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações.
Nº Convencional:JSTA000P21553
Nº do Documento:SA2201703080942
Data de Entrada:07/22/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SUCURSAL EM PORTUGAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença proferida em 24/11/2015 (a fls. 141 e ss.) no Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação deduzida por A…………… Sucursal em Portugal, referente ao indeferimento tácito da reclamação graciosa, que previamente deduzira, tendo por objecto várias liquidações de juros compensatórios de IVA, relativos a 2010 e 2011, no montante global de € 20.005,27 (vinte mil e cinco euros e vinte e sete cêntimos).

1.2. Terminou as suas alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante. Na verdade,
2ª - Em 31 de Maio de 2012, foi notificada a Impugnante da acção de inspecção efectuada pela DS — Divisão de investigação da Fraude e Acções Especiais, tendo por objecto os anos de 2010, 2011 e 2012,
3ª - Em 03 de Outubro desse mesmo ano, e na sequência dessa acção de inspecção, que encerrou em 13 de Dezembro de 2012, a Impugnante procedeu à entrega de declarações de substituição relativas aos meses de Janeiro a Dezembro de 2011.
4ª - Em consequência da apresentação das declarações de substituição foram efectuadas as liquidações de juros compensatórios.
5ª - Posteriormente deferida foi a pretensão da impugnante, porquanto entendido foi que, pelo facto de, à luz do critério legal de culpa, não se censurar o seu comportamento.
6ª - Pelo que, o facto do retardamento da liquidação de IVA não ser subjectivamente imputável à impugnante, daí não se segue necessariamente que à intervenção da Administração Fiscal na liquidação dos juros compensatórios em foco tenha de ser imputado algum erro.
7ª - Inexistindo o requisito legal de «erro imputável aos serviços» para que sobre a Administração Fiscal impenda a obrigação legal de indemnizar o contribuinte.
8ª - Tal como, de resto, a situação dos presentes autos assume contornos semelhantes aos sufragados no Acórdão do STA n° 0961/08, de 03/11/2009, porquanto, o contribuinte com base em acção de inspecção, entregou declaração de substituição, ou seja, a situação foi despoletada pelo mesmo e não pela AT, não houve qualquer actuação dos Serviços da AT.
9ª - Mais, o retardamento da liquidação de imposto, foi entendido que não deveria dar origem a juros compensatórios por não estar demonstrada a culpa do contribuinte e tal retardamento, pelo que a AT revogou o acto de liquidação.
10ª - Porém, não pode, de forma alguma, manter-se a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto não há qualquer erro imputável aos Serviços.
11ª - Face a tudo quanto vai dito, as vicissitudes elencadas, estão comprovadas, e referenciadas, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo areópago decerto que teria sido outro.
12ª - Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas legais supra vazadas.
13ª - Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.
Termina pedindo que o recurso seja provido e revogada a decisão da primeira instância, substituindo-se por outra que julgue improcedente a impugnação judicial na parte em que condena a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, com todas as consequências legais.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitiu Parecer, nos termos seguintes, além do mais:
«1. A recorrente alega nas 3ª/4ª conclusões factos não contemplados na sintética fundamentação da decisão (entrega de declarações de substituição em 3 outubro 2012; liquidação de juros compensatórios em consequência da entrega das declarações de substituição); não obstante, deve considerar-se que o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, inscrita no perímetro de cognição do STA, na medida em que aqueles factos são admitidos pelo impugnante, inexistindo divergência sobre a sua verificação (art. 280° n° 1 CPPT; petição inicial art. 37°).
2. Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido imposto superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios, nos termos do art. 35° da Lei Geral Tributária (art. 96° n° 1 CIVA redacção do art. 2° DL n° 102/2008, 20 junho)
Os juros compensatórios assumem a natureza de indemnização por facto ilícito; exigindo a verificação de um nexo de causalidade entre o retardamento da liquidação e o comportamento do sujeito passivo, a responsabilidade pelo seu pagamento radica na culpa do causador do dano, consistente na omissão censurável de um dever de diligência (art. 483° CCivil).
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (art. 43° n° 1 LGT).
A Fazenda Pública confessou, implicitamente, o erro imputável aos serviços na liquidação dos juros compensatórios, fundamento da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios: ao assumir que a sua anulação tinha radicado na inexistência de qualquer comportamento censurável do sujeito passivo, à luz do critério legal de culpa, reconhece a prática do acto tributário com violação do seu pressuposto legal subjectivo (PA apenso informação fls. 234 vº, 5ª conclusão).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.»

1.5. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
2. Com referência à questão dos juros indemnizatórios, a sentença recorrida exarou o seguinte:
«Para conhecimento da questão em epígrafe considera-se assente o seguinte facto:
- A Impugnante procedeu, em 30/06/2013, ao pagamento da quantia de € 20.005,27 correspondente à totalidade das liquidações ora anuladas - doc. de fls. 140 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.»

3.1. A A……….. Sucursal em Portugal deduziu impugnação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra várias liquidações de juros compensatórios de IVA, relativos aos vários períodos (dos anos de 2010 e 2011) identificados nos autos, no montante global de € 20.005,27 e resultantes de correcções operadas por via de procedimento inspectivo.
Foi, entretanto, proferida, em 24/2/2014, decisão expressa na reclamação graciosa, tendo sido anuladas as ditas liquidações de juros compensatórios e determinada a restituição daquele montante (20.005,27 Euros) à impugnante. Tendo, porém, sido indeferido o pedido de juros indemnizatórios, com fundamento em que não houve erro imputável aos serviços.
No seguimento, a sentença recorrida:
— declara parcialmente extinta a instância (na parte referente ao pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios de IVA), por inutilidade superveniente da lide (al. e) do art. 287º do CPC);
— julga procedente o pedido de juros indemnizatórios, apelando ao disposto no art. 43º, nº 1, da LGT e considerando que os juros compensatórios anulados haviam sido liquidados ao abrigo do art. 35º, nº 1 da LGT, tendo a AT reconhecido, ao revogar as apontadas liquidações, que os pressupostos legais desta norma não se encontravam verificados.

3.2. E é apenas quanto a esta decisão de procedência do pedido de juros indemnizatórios que a Fazenda Pública interpõe o presente recurso, alegando, como se viu, que não estamos, no caso, perante erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no nº 1 do art. 43º da LGT.
Vejamos.

3.3. Diga-se, antes de mais, que, tal como aponta o MP, a circunstância de a recorrente alegar nas 3ª e 4ª conclusões factos não contemplados na sintética fundamentação da decisão (entrega de declarações de substituição em 3/10/2012 e liquidação de juros compensatórios em consequência da entrega das declarações de substituição), não obstará a que deva considerar-se que o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, inscrita no perímetro de cognição do STA, na medida em que aqueles factos são admitidos pela impugnante, inexistindo divergência sobre a sua verificação.

3.4. Sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária», nos nºs. 1, 2 e 3 do art. 43º da LGT dispõe-se o seguinte:
«1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.»
E também o art. 100º da LGT (Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo), acolhendo uma previsão ampla da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, impõe à AT a obrigação, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, da imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei (cfr. a redacção introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12).

3.5. Reportando à matéria e regime legal dos juros compensatórios e indemnizatórios, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, de 21/01/2015, proc. nº 0632/14, sumaria-se o seguinte: «I - A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). II – Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita. III – Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de actuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da Administração Tributária, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito (art. 35º, nº 1 da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações.»
Assim, os juros compensatórios assumem a natureza de indemnização por facto ilícito, exigindo-se a verificação de um nexo de causalidade entre o retardamento da liquidação e o comportamento do sujeito passivo: a responsabilidade pelo seu pagamento radica na culpa do causador do dano, consistente na omissão censurável de um dever de diligência (art. 483° do CCivil).
E, por outro lado, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (art. 43° n° 1 da LGT).
Não se discutindo que, no caso, a anulação das liquidações tem por fundamento ilegalidade substantiva (e não meramente procedimental) inerente à relação jurídica tributária, também se verifica a existência de erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no transcrito nº 1 do art. 43º da LGT. Na verdade, conforme se diz na sentença, os juros compensatórios que vieram a ser anulados, haviam sido liquidados ao abrigo do art. 35º nº 1 da LGT, sendo que, todavia, a AT considerou que, embora a impugnante tivesse entregue, na sequência da acção inspectiva, as declarações de substituição respectivas, se verificou que esteve sempre numa situação de credora de imposto, quer em relação às declarações entregues dentro do prazo, quer em relação às declarações de substituição, concluindo, assim, que «não se vê em que é que deva ser censurado o comportamento da ora recorrente, à luz do critério legal de culpa.»
Daí que, como sublinha o MP, também a Fazenda Pública confesse, implicitamente, o erro imputável aos serviços na liquidação dos juros compensatórios (fundamento da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios), assumindo que a anulação radicou na inexistência de qualquer comportamento censurável do sujeito passivo, à luz do critério legal de culpa: ou seja, reconhece a prática do acto tributário com violação do seu pressuposto legal subjectivo (cfr. a conclusão 5ª das alegações e a informação dos serviços a fls. 234 verso do PA apenso).
Improcede, assim, o recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar, nesta medida, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de Março de 2017. - Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.