Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01854/19.2BELRS
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - O recurso de revista excepcional hoje previsto no art. 285º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional.
Nº Convencional:JSTA000P26315
Nº do Documento:SA22020091601854/19
Data de Entrada:06/23/2020
Recorrente:A................. LIMITED
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A………… Limited, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de abril de 2020, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente a reclamação judicial por si deduzida do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3 que, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 3085201701685163, 30820170686321, 308521701676016 e 3085201701836293, lhe indeferiu o pedido por si formulado ao abrigo do artigo 37.º do CPPT de “fundamentação da penhora de quota”.

O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O Acórdão recorrido decidiu sobre duas questões juridicamente relevantes, prendendo-se a primeira com a circunstância de que a alegação da falta de citação num requerimento apresentado pelo Contribuinte no processo de execução fiscal ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT onde peticiona a fundamentação do acto de penhora de uma participação social – sem peticionar expressamente, a final, a falta de citação – obriga ou não o Órgão de Execução Fiscal a pronunciar-se sobre essa factualidade e, por conseguinte, possibilita ou não a instauração de uma Reclamação Judicial também com base nessa omissão de pronúncia;

B. A segunda questão prende-se com a circunstância de se apurar se um pedido de fundamentação de um acto de penhora, formulado ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, no seguimento da ausência de notificação, citação ou recepção de qualquer comunicação relativa aos referidos processos executivos, deverá ser ou não indeferido, pelo facto de a penhora não ser um “acto em matéria tributária” ou se, pelo contrário, ao entender não ser aplicável o mencionado preceito legal, não deveria o Órgão de Execução Fiscal ter-se pronunciado quanto ao pedido formulado tendo por base outras disposições legais, não se encontrando vinculado ao normativo alegado pelo Contribuinte;

C. A relevância jurídica das duas questões prende-se com a necessidade de compatibilizar os diferentes regimes potencialmente aplicáveis, constituindo, assim, uma relevância prática, com interesse e utilidade objectiva;

D. O vasto labor doutrinal e jurisprudencial sobre esta temática, particularmente em razão das suas consequências e efeitos práticos, denota a relevância jurídica, e também social, na identificação da natureza jurídica do acto praticado pelos órgãos da Administração e, consequentemente, o regime jurídico que lhe é aplicável, com vista a uma melhor aplicação do direito;

E. A relevância social da questão sub judice decorre ainda do elevado valor (€ 1.897.450,00) da quota objecto de penhora no âmbito do PEF, o que só por si é manifestação da clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito;

F. A dubiedade em torno da natureza jurídica dos actos praticados pela AT coloca em crise valores como a certeza, a segurança e a protecção jurídica (e eventualmente o princípio da separação de poderes), porquanto culminam em situações de impasse quanto ao regime aplicável, obstaculizando o pleno exercício dos de direitos dos cidadãos, como aliás acontece no caso concreto;

G. A decisão sufragada por parte do Órgão de Execução Fiscal impede ainda a Recorrente de tomar conhecimento das razões que estão na base da tomada de decisão da penhora da quota, bem como da própria génese dos processos de execução fiscal em apreço e eventuais actos de liquidação associados, o que coarcta o direito à informação da Recorrente e ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, impossibilitando-a de estar na posse de todos os elementos necessários para a tomada de uma decisão esclarecida quanto à eventual necessidade de reacção ao mencionado acto de penhora;

H. A decisão reclamada afecta o núcleo essencial do direito à informação da Recorrente constitucionalmente consagrado (vide artigos 266.º n.º 1 e 268.º n.ºs 1 e 3 da CRP), e, bem assim, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o que, de igual modo, motiva a admissibilidade do presente recurso de revista, com vista à melhor aplicação do direito;

I. Ao decidir como decidiu, não decidiu bem o Acórdão recorrido, por não ter apreciado correctamente as questões jurídicas concernentes à alegação da falta de citação da Recorrente e à aplicabilidade ao caso concreto da disposição legal referente à comunicação ou notificação insuficiente (artigo 37.º CPPT);

J. A aplicabilidade do disposto no artigo 37.º do CPPT e, em concreto, a interpretação da expressão “decisão em matéria tributável” tem suscitado não raras vezes querelas doutrinas e jurisprudências que trazem ao cerne da questão a problemática concernente à natureza jurídica dos actos praticados pela AT em execução fiscal;

K. A qualificação da natureza jurídica dos actos praticados pela AT no âmbito do processo de execução fiscal ainda que não seja uma tarefa inexequível, não deixa de ser marcadamente complexa, na medida em que o legislador deixou espaços de indeterminação e ambiguidade que precisam de ser colmatados;

L. Assim, para a execução de tal tarefa é necessário atender a uma multiplicidade de critérios como (i) a natureza processual da tramitação; (ii) a diversidade dos sujeitos envolvidos e o papel que estes desempenham; (iii) a pluralidade de actos que podem ser praticados;

M. Significa isto que em sede de execução fiscal a AT participa no processo executivo simultaneamente a título de credora tributária e de agente de execução auxiliar, desempenhando, nesta última qualidade, actos materiais de execução em harmonia com as funções administrativas que o órgão exerce e, por outras vezes, pratica verdadeiros actos materialmente administrativos;

N. A dualidade de papéis inerente aos órgãos da Administração no exercício das suas funções em sede de processo executivo fiscal, criou uma aparente incongruência entre a natureza judicial que a LGT quis atribuir ao processo de execução fiscal e a essência organicamente administrativa deste processo (intimamente ligada à natureza administrativa da entidade que o tramita), aliada ao facto de o artigo 103.º n.º 2 do LGT fazer expressa referência a “actos materialmente administrativos”, intensificando, desde modo, a controvérsia doutrinal e jurisprudencial;

O. Uma corrente doutrinal tem defendido que o modelo actual de execução coerciva de dívidas tributárias não é nem um modelo puramente administrativo, nem um modelo puramente jurisprudencial, mas antes um modelo híbrido ou misto que se concretiza pela existência de actos administrativos em matéria tributável praticados num procedimento tributário enxertado no processo executivo;

P. Segundo a referida corrente doutrinal, não obstante o órgão da administração tributária praticar predominantemente actos processuais no processo judicial de execução fiscal, cuja competência lhe está legalmente cometida enquanto órgão auxiliar do juiz, certo é que também pratica actos administrativos em matéria tributária caso surjam no seu âmbito momentos procedimentais;

Q. Em causa estão os actos (administrativos) que projectem externamente efeitos jurídicos (negativos) numa situação individual e concreta e relativamente aos quais há que aplicar as normas que regulam a actividade administrativa, leia-se o CPPT e LGT;

R. Significa isso que no caso concreto, não se pode negar a priori a aplicabilidade do artigo 37.º do CPPT à pretensão da Recorrente, antes, impõe-se proceder a uma análise casuística do acto praticado pela AT, por forma a determinar a natureza jurídica que este reveste no seio do processo executivo;

S. Para o desempenho de tal tarefa torna-se necessário afastarmo-nos da teoria do processo (análise da tramitação globalmente considerada) para nos centrarmos na teoria dos actos, aplicação jurídica que não foi sufragada pelo Acórdão Recorrido;

T. Quando se intercala ou há inserção ou “enxerto” no PEF de determinados procedimentos administrativo/tributários em que a Administração Tributária actua no exercício da sua função tributária ou de autotutela executiva (também por força do princípio da separação de poderes), agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito activo) e o contribuinte (como sujeito passivo) ou sobre a obrigação que dela emana, produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária ou actos tributários propriamente ditos, a estes procedimentos terão que se aplicar os princípios gerais que regulam a actividade administrativa e as normas que a LGT prevê para os procedimentos tributários, designadamente as normas do artigo 37.º do CPPT;

U. Não se vê como excluir o pedido da Recorrente do âmbito deste artigo, como decorre do disposto no artigo 103.º, n.º 2 da LGT que garante aos interessados o direito à reclamação para o juiz de execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados pelo OE, por forma a que sejam sujeitos a controlo de legalidade, na medida em que o PEF tem de ser controlado por um juiz, como qualquer outro processo judicial;

V. No que concerne aos actos praticados no PEF deparamo-nos com uma estrutura bipartida entre actos jurisdicionais e actos não jurisdicionais, caracterizando-se estes últimos em actos de feição individual e concreta, praticados pela AT, os quais não têm como escopo dirimir conflitos de pretensões;

W. Os actos não jurisdicionais subdividem-se em actos de ordenação, que consistem em meras operações materiais, e em actos administrativos propriamente ditos, aos quais se encontram associada uma vontade valorativa por parte dos agentes administrativos tributários ao nível da modelação do conteúdo;

X. A decisão que ordena a penhora tem, por aplicação analógica, a natureza de acto administrativo propriamente dito, na medida em que “são exigidos ao órgão de execução deveres de investigação e de selectividade, bem como um trabalho de busca tendente a apurar se o bem imóvel está afecto a habitação própria e permanente, além de, em casos pontuais, lhe serem conferidas prerrogativas de fixação de valor”;

Y. O acto de penhora é, indubitavelmente, acto com cariz decisório enxertado num autêntico procedimento tributário que se desenrola no âmbito de um PEF, porquanto, os órgãos da AT, procedem numa primeira fase: (i) à pesquisa/averiguação do património conhecido do devedor, procedendo posteriormente (ii) a uma ponderação entre a suficiência dos bens susceptíveis de penhora para a satisfação dos créditos da AT, a natureza e ónus que incidem sobre esses bens, a eventual existência de credores preferentes e o cumprimento das exigências legais (artigos 215.º e ss do CPPT) e constitucionais (máxime respeito pelo princípio da proporcionalidade), e só num último momento (iii) ordenam a respectiva penhora;

Z. Considerando que a penhora projecta efeitos negativos para os interesses do executado numa situação individual e concreta (cfr. artigo 148.º do Código do Processo Administrativo), na medida em que se materializa num ataque directo ao património do obrigado tributário, não se pode negar que esta se assume como um acto materialmente administrativo em matéria tributária, que extravasa o mero trâmite processual;

AA. Não se discordando que, legalmente, o PEF é um processo judicial, certo é que a actuação da AT no seu âmbito caracteriza-se, em qualquer caso, pela sua natureza administrativa, o que implica que as irregularidades cometidas pela AT nas suas comunicações no âmbito de cotações e penhoras não deixem de ser actos procedimentais;

BB. O PEF só em última instância é judicial, visto que contém importantes momentos de intervenção do Órgão Executivo (OE / AT) no exercício de competências próprias que lhe são conferidas por lei;

CC. O PEF é um processo em que o EO é chamado a colaborar com o tribunal na cobrança dos tributos, pelo que só em parte o processo é judicial;

DD. De acordo com o entendimento sufragado pelo TC, a qualificação de natureza judicial apenas pretende determinar que os conflitos de interesse que nele se suscitam são sindicados no próprio processo por juiz tributário;

EE. Também o STA entende que no processo de execução fiscal – que tem natureza judicial – a AT intervém quer como órgão de execução fiscal, praticando actos processuais sem natureza jurisdicional, quer como sujeito activo da relação tributária que deu origem à dívida exequenda, praticando actos materialmente administrativos tributários que serão objecto de reclamação e controlo por juiz;

FF. A jurisprudência entende os actos do OE como actos em matéria administrativa, razão pela qual, não se vê fundamento legal que legitime a não aplicação do artigo 37.º do CPPT a actos da AT em PEF;

GG. O acto da AT aqui em crise é um acto materialmente administrativo (procedimental), efectuado no âmbito de um processo de natureza processual ao abrigo de normas de direito tributário e foi notificado à Reclamante por um ofício que traduz uma decisão da AT em matéria tributária do interesse da Reclamante;

HH. Quando se intercala ou há inserção ou “enxerto” no PEF de determinados procedimentos administrativo/tributários em que a Administração Tributária actua no exercício da sua função tributária ou de autotutela executiva, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito activo) e o contribuinte (como sujeito passivo) ou sobre a obrigação que dela emana, produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária ou actos tributários propriamente ditos, a estes procedimentos terão que se aplicar os princípios gerais que regulam a actividade administrativa e as normas que a LGT prevê para os procedimentos tributários, designadamente as normas do artigo 37.º do CPPT;

II. Não se vê como excluir o pedido da Recorrente do âmbito deste artigo, como decorre do disposto no artigo 103.º, n.º 2 da LGT que garante aos interessados o direito à reclamação para o juiz de execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados pelo OE, por forma a que sejam sujeitos a controlo de legalidade, na medida em que o PEF tem de ser controlado por um juiz, como qualquer outro processo judicial;

JJ. A recusa da AT em fornecer a fundamentação não tem sustentação legal, provocando prejuízo irreparável que se traduz na dificuldade da Recorrente em defender-se dos factos que efectivamente estão na origem da dívida que lhe é imputada e exigida em PEF;

KK. A irreparabilidade deve aferir-se na Reclamação que não deve ser afastada sempre que o acto praticado no processo de execução seja potencialmente lesivo;

LL. Dúvidas não restam de que o acto em apreço é potencialmente lesivo para a Recorrente, ao passo que a sua correcção não acarreta qualquer prejuízo para a AT, cuja posição já se encontra garantida através da penhora no processo de execução fiscal;

MM. O entendimento postulado no Acórdão em crise, e que ora se reproduz: “a penhora é um acto judicial, de tramitação processual, cuja prática o legislador colocou a cargo da administração tributária enquanto órgão de execução, pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 37º do CPPT.” padece de vício de violação de lei, por força da errónea interpretação e aplicação do normativo vigente, pelo que o Acórdão recorrido deverá ser substituído por outro que defira a Reclamação da Recorrente, com a consequente notificação dos fundamentos da penhora da quota;

NN. Em momento algum dispõe o artigo 37.º do CPPT que o respectivo regime jurídico se aplica, tão só, ao procedimento tributário, até porque se fosse esse o pensamento do legislador, o artigo 37.º do CPPT não estaria inserido no Capítulo II “Dos sujeitos procedimentais e processuais” do Título I “Disposições Gerais” do CPPT, mas, pelo contrário, encontrar-se-ia, tão só, nas disposições concernentes ao procedimento tributário ínsitas no Título II do CPPT ou, em alternativa, a pretensa restrição estaria expressamente mencionada no preceito legal em apreço, sendo que do preâmbulo do CPPT não decorre sequer a pretensa restrição;

OO. Não obstante o CPPT não estipular uma definição para a expressão “matéria tributária”, facto é que a mencionada expressão se encontra referida em diversos preceitos do CPPT, como por exemplo nos artigo 12.º e artigo 44.º n.º 1 alínea d) do CPPT, pelo que do cotejo dos mencionados normativos e, bem assim, do disposto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), facilmente se conclui que o significado que o legislador pretendeu atribuir à expressão “matéria tributária” não pode, em momento algum, ter outro sentido que não seja assunto relacionado com tributos, no qual se inclui a decisão de penhora de quota publicitada em sede de registo comercial, bem como a respectiva fundamentação;

PP. A restrição do âmbito de aplicação do preceito legal em apreço ao procedimento tributário sufragada por parte do órgão de execução fiscal não tem um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, ao arrepio do disposto no artigo 9.º do Código Civil, confundindo as expressões “matéria tributária” e “matéria tributável”, razão pela qual deverá o Acórdão recorrido ser substituído por outro que defira o requerimento da Recorrente, com a consequente notificação dos fundamentos da penhora da quota;

QQ. A posição sufragada por parte do órgão da execução fiscal, no sentido de rejeitar a pretensão da Recorrente com o fundamento de que a mesma não utilizou o mecanismo adequado, constitui uma decisão com base unicamente em fundamentos meramente formais, que não de mérito, em clara violação do disposto no artigo 193.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea d) do CPPT e, bem assim, dos artigos 32.º (Dever de boa prática tributária), artigo 55.º (Princípios do procedimento tributário) e artigo 59.º (Princípio da colaboração) todos da LGT;

RR. Da leitura conjugada dos mencionados preceitos legais com os artigos 82.º (direito à informação), artigo 152.º, artigo 108.º, n.º 1 do CPA e ainda com os artigos 98.º, n.º 4, artigo 95.º-C, artigo 59.º, n.º 5 e artigo 52.º todos do CPPT, facilmente se conclui que, após constatar não ser possível dar provimento ao pedido apresentado por parte da Reclamante com base no disposto no artigo 37.º do CPPT por razões meramente formais, sempre se impunha ao órgão da execução fiscal a notificação dos fundamentos da penhora da quota com base nos preceitos legais supramencionados, em face do disposto nos artigos 9.º e 10.º do Código Civil;

SS. Segundo o disposto no artigo 165.º n.º 1 al. a) e n.º 4 do CPPT, a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado, constitui uma nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 165.º n. º4 do CPPT, é de conhecimento oficioso;

TT. Ao ter sido mencionado no referido requerimento que a solicitação de fundamentação da penhora decorria da circunstância de que a Recorrente não havia sido citada, por qualquer forma, no âmbito de qualquer processo ou procedimento tributário, por forma a que lhe fosse possível exercer os meios de defesa previstos na Lei, é evidente que a AT, por dever de ofício, deveria ter tomado posição sobre a factualidade alegada, o que determina a omissão de pronúncia da decisão reclamada nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT analogicamente aplicável;

UU. O conhecimento oficioso não constitui uma mera faculdade, mas antes um poder-dever vinculado que deve (tem de) ser usado sempre perante a alegação de factualidade que esteja subjacente a esse conhecimento, pelo que também por estas razões, padece o Acórdão recorrido de vício de violação de lei, o que deverá determinar a procedência do presente recurso;

VV. Sempre deveria o Acórdão recorrido e, também a decisão reclamada, ter determinado a convolação do processo, como se impunha nos termos do disposto no artigo 98.º n.º 4 do CPPT, pelo que a não convolação do processo pelo Tribunal concretizou uma violação da lei processual e substantiva, mormente do disposto nos artigos 98.º 4 do CPPT e 97.º n.º 3 da LGT, impondo-se uma melhor aplicação do direito, sob pena de tal omissão ferir de forma brusca as garantias do contribuinte consagradas na lei do processo tributário e bem assim na lei fundamental, o que denota a relevância jurídica e social na questão em apreço.

Nestes termos e nos demais de Direito, deverá ser admitido e dado provimento ao presente recurso, e consequentemente, deverá o Acórdão Recorrido ser revogado, substituindo-se por outro que defira o requerimento da Recorrente, com a consequente notificação dos fundamentos da penhora da quota, como é de Direito e Justiça!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido da não admissão da revista, por falta dos respectivos pressupostos legais, com a seguinte fundamentação específica:

Como resulta das conclusões do recurso a recorrente pretende que o tribunal ad quem aprecie as seguintes questões:

1.ª-A alegação da falta da citação num requerimento apresentado pelo contribuinte no PEF ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT onde peticione a fundamentação do ato de penhora de uma participação social, sem se peticionar, a final, a falta de citação obriga ou não o OEF a pronunciar-se sobre a factualidade e, por conseguinte possibilita ou não a instauração de uma reclamação judicial numa omissão de pronúncia?

2.ª-Um pedido de fundamentação de um ato de penhora, formulado ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, no seguimento de ausência de notificação, citação ou receção de qualquer comunicação relativa aos referidos processos executivos, deverá ser indeferido pelo facto de a penhora não ser um ato em matéria tributável ou se, pelo contrário, ao entender não ser aplicável o mencionado preceito legal, não deveria o OEF ter-se pronunciado quanto ao pedido formulado tendo por base outras disposições legais, não se encontrando vinculado ao normativo invocado pelo contribuinte?

Para fundamentar a admissão da revista a recorrente sustenta que a relevância jurídica das duas referidas questões se prende com a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, constituindo, assim, uma relevância prática, com interesse e utilidade objectiva.

Por outro lado sustenta a recorrente que a relevância social decorre do elevado valor da quota penhorada, o que só por si seria manifestação da clara necessidade da revista.

A nosso ver e ressalvado o, sempre, devido respeito por opinião contrária, não se mostram verificados os apontados requisitos de admissão do recurso excecional de revista.

Em primeiro lugar diga-se que a função dos recursos jurisdicionais é a reapreciação por um tribunal superior de questões já apreciadas por tribunal hierarquicamente inferior.

Ora, o tribunal recorrido apreciou a exceção da impropriedade do meio processual utilizado no que concerne à alegada nulidade da citação e apreciou o mérito do indeferimento do pedido de fundamentação do ato de penhora, tendo confirmado a verificação da exceção e a decisão de indeferimento do pedido de fundamentação do ato de penhora.

Ora, parece certo que a recorrente pretende que o tribunal ad quem conheça de questões, que não foram, de todo, apreciadas pelo tribunal recorrido.

Em segundo lugar diga-se que, o valor da participação penhorado nada tem a ver com a relevância social da questão para efeitos de admissão do presente recurso, uma vez a sua admissibilidade não depende de um critério quantitativo, em função do valor da causa, mas antes de um critério qualitativo, como deflui do teor do artigo 285.º do CPPT, correspondente ao artigo 150.º do CPTA (CPTA, anotado e comentado, 2017, 4.ª edição páginas 1146/1147, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha).

Em terceiro lugar diga-se que o tribunal recorrido na apreciação das questões que este tribunal poderia reapreciar seguiu a jurisprudência do STA, pelo que não revestem relevância para efeitos de admissão do presente recurso excepcional, sendo a decisão recorrida, absolutamente, plausível.

Com efeito no que concerne à questão da alegada nulidade da citação ver acórdão do STA, de 22/03/2018-P. 0714/15, disponível em www.dgsi.pt.

No que concerne à qualificação jurídica do ato de penhora, se ato processual ou de trâmite ou ato administrativo tributário e aplicação do artigo 37.º do CPPT ver acórdãos da SCT do STA de 29/05/2013-P. 0480/13 e do PLENO, de 07/06/2017-P. 0557/14.

Por fim diga-se que as pretensas e alegadas inconstitucionalidades, também, não constituem fundamento do recurso excecional de revista, uma vez que as questões de constitucionalidade podem discutir-se (e só podem discutir-se definitivamente) em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (acórdãos do STA, de 10/09/2014-P. 0659/14 e de 25/06/2015-P. 0567/15, disponíveis em www.dgsi.pt).

4 – É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

1. No dia 18 de Julho de 2017, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de Lisboa 3, a certidão de dívida n.º 2017/684, que deu origem ao PEF n.° 3085201701676016, em que consta como executada a sociedade A……………. LIMITED, pessoa colectiva n.º ……………., com sede na Rua ……….. n.º ….-…., Lisboa, relativa a uma dívida de IMT, referente ao ano de 2017, no montante de € 51.607,11 (cinquenta e um mil seiscentos e sete euros e onze cêntimos) - cfr. PEF anexo aos autos, fls 494;

2. No dia 26 de Julho de 2017, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de Lisboa 3 -, a certidão de dívida n.º 2017/700, que deu origem ao PEF n.º 3085201701685163, em que figura como executada a sociedade A………….. LIMITED, pessoa colectiva n.º ……….., relativa a uma dívida de IMT, referente ao ano de 2017, no montante de € 566.311,82 (quinhentos e sessenta e seis mil trezentos e onze euros e oitenta e dois cêntimos) - cfr. PEF anexo aos autos, fls 496;

3. No dia 27 de Julho de 2017, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de Lisboa 3, a certidão de dívida n.° 2017/702, que deu origem ao PEF n.° 3085201701686321, em que é executada a sociedade A………….. LIMITED, pessoa colectiva n.° …………, relativa a uma dívida de IMT, referente ao ano de 2017, no montante de € 284.477,90 (duzentos e oitenta e quatro mil quatrocentos e setenta e sete euros e noventa cêntimos) - cfr. PEF anexo aos autos, fls 498;

4. No dia 27 de Julho de 2017, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de Lisboa 3, a certidão de dívida n.° 2017/927, que deu origem ao PEF n.° 3085201701836293, em que é executada A………….. LIMITED, pessoa colectiva n.° ………., relativa a uma dívida de IMT, referente ao ano de 2017, no montante de € 16.231,45 (dezasseis mil duzentos e trinta e um euros e quarenta e cinco cêntimos) - cfr. PEF anexo aos autos, fls 500;

5. No dia 28 de Setembro de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à penhora de uma quota que a ora Reclamante detém na sociedade B…………………….. Lda., no valor de 1.897.450,00 - cfr. Certidão do Registo Comercial constante do PEF, apenso;

6. No dia 2 de Março de 2018, deu entrada no Serviço de Finanças Lisboa 3, um requerimento subscrito pela mandatária da ora Reclamante, peticionando a fundamentação do ato de penhora, com o seguinte teor:

- cfr. PEF anexo aos autos, fls 604;

7. No dia 21 de Novembro de 2018, o Serviço de Finanças Lisboa 3, emitiu o ofício n.° 15511, dirigido à Mandatária da A…………. Limited, que indefere o pedido enunciado no ponto anterior, com a seguinte fundamentação:

- cfr. PEF em anexo aos autos, fls não numeradas (663 e seguintes).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -


5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

Alega o recorrente a necessidade do recurso de revista para apreciação de duas questões, alegadamente decididas pelo TCA-Sul em termos merecedores de censura tal que justificam a admissão de revista em razão da “importância jurídica e social fundamental das questões decidendas” e “para melhor aplicação do direito” – conclusões C) a H) das suas alegações de recurso.

São elas, na formulação do recorrente, a questão que se “prende “ com a circunstância de que a alegação da falta de citação num requerimento apresentado pelo Contribuinte no processo de execução fiscal ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT onde peticiona a fundamentação do acto de penhora de uma participação social – sem peticionar expressamente, a final, a falta de citação – obriga ou não o Órgão de Execução Fiscal a pronunciar-se sobre essa factualidade e, por conseguinte, possibilita ou não a instauração de uma Reclamação Judicial também com base nessa omissão de pronúncia (Conclusão A das alegações de recurso) e a que se “prende” com a circunstância de se apurar se um pedido de fundamentação de um acto de penhora, formulado ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, no seguimento da ausência de notificação, citação ou recepção de qualquer comunicação relativa aos referidos processos executivos, deverá ser ou não indeferido, pelo facto de a penhora não ser um “acto em matéria tributária” ou se, pelo contrário, ao entender não ser aplicável o mencionado preceito legal, não deveria o Órgão de Execução Fiscal ter-se pronunciado quanto ao pedido formulado tendo por base outras disposições legais, não se encontrando vinculado ao normativo alegado pelo Contribuinte (conclusão B) das alegações de recurso).

O acórdão do TCA do qual o recorrente pretende que se admita recurso negou provimento ao recurso, confirmando o julgado de 1.ª instância quanto à impropriedade do meio processual – da reclamação judicial, para arguir a falta de citação do executado no processo de execução fiscal -, e bem assim quanto à não aplicação in casu do regime do artigo 37.º do CPPT, dada a natureza processual, e não materialmente administrativa, do acto de penhora.

As decisões que tomou, quanto a qualquer das questões que decidiu - e apenas as que decidiu podem ser eleitas como objecto de revista -, não apresentam qualquer originalidade, singularidade ou complexidade acrescida justificativa da admissão do recurso de revista, antes são questões amplamente tratadas na jurisprudência desta Jurisdição, sendo o entendimento adoptado no acórdão sob escrutínio conforme à jurisprudência consolidada e pacífica deste STA, como bem aponta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos, não justificando por isso a admissão da revista “para melhor aplicação do direito”. E nem o valor do processo ou da penhora é, contrariamente ao alegado (cfr. conclusão E) das alegações de recurso), por si mesmo, critério para a admissão do recurso, pois como tem sido reiteradamente afirmado por este STA a “importância social fundamental da questão” deve ser determinada por critérios qualitativos e objectivos e não quantitativos e subjectivos.

No que às alegadas inconstitucionalidades - por violação do direito à informação -respeita, nem se concede que se verifiquem efectivamente nem a sua eventual verificação constitui fundamento específico do presente recurso, como também pacificamente decorre da jurisprudência deste STA, em virtude da existência de específico recurso de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional.

Pelo exposto se conclui pela não admissão da revista, em razão da não verificação dos respectivos pressupostos legais.

- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas do incidente pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.