Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0269/02
Data do Acordão:04/06/2006
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ANGELINA DOMINGUES
Descritores:JOGOS DE FORTUNA OU AZAR.
CONTRATO DE CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO.
PRORROGAÇÃO DE PRAZO.
INTERESSE PÚBLICO.
DESVIO DE PODER.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:I - O conceito de interesse público a que alude o art.º 13.º do DL 422/89, de 2 de Dezembro (que prevê a possibilidade de prorrogação dos prazos de concessão dos contratos de exploração de jogos de fortuna ou azar, considerado o interesse público) é um conceito jurídico indeterminado, gozando a Administração, neste domínio, de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento de tal tipo de conceito, apenas “sancionável” pelo Tribunal no caso de assentar em erro patente ou critério inadequado.
II - A opção pela prorrogação do contrato de concessão na zona permanente de jogo do Estoril, através de acto administrativo contido no DL 275/2001, de 17 de Outubro, da autoria do Governo, por se considerar de interesse público a obtenção, “num limitado período temporal” de avultados recursos financeiros capazes de gerar investimentos que permitam consolidar, de forma irreversível, a estratégia da política do turismo do país e garantir, na evolução continuada de um crescimento sustentado, o futuro do turismo português, não revela nenhum erro patente ou uso de critério inadequado, antes se mostra em concordância com os benefícios públicos atribuídos à concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, pelo D.L. 422/89, de 2 de Dezembro.
III - A desconformidade com o fim visado pela lei, constitutiva do desvio de poder, tem de ser demonstrada pelo Recorrente, ao qual incumbe alegar e provar os respectivos elementos constitutivos, demonstrando concretamente o fim prosseguido, diverso do fim legal.
IV - Atenta a margem de livre conformação político-legislativa do legislador, o poder de controlo dos tribunais quanto ao modo como, nas normas da Lei, se procedeu à optimização, harmonização e modelação dos princípios jurídicos fundamentais da Constituição, nomeadamente o da igualdade, é, necessariamente, restrito.
Não lhes incumbe um “juízo positivo” sobre a solução legal, ou seja, um juízo em que o órgão de controlo comece por ponderar a situação como se fora o legislador, para depois aferir, segundo a sua ideia, da respectiva racionalidade ou justiça, mas tão só um “juízo negativo” que afaste aquelas soluções de todo o ponto insusceptíveis de credenciação racional.
V - A previsão legal, constante do art.º 13.º do D.L. 422/89, de 2.12 (Lei do Jogo), da prorrogação (inconcursada) do prazo de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar não viola o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da C.R.P.
VI - A prorrogação do prazo de concessão referida em 2., atentas, designadamente, as razões que a motivaram (expressas no preâmbulo do D.L. 275/2001), não se revela desproporcional.
VII - Não pode considerar-se violado o princípio da tutela da confiança – o qual pressupõe a protecção de particulares relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente provoquem uma crença na sua efectivação – se não existiu qualquer comportamento da Administração que justificasse a alegada confiança da Recorrente de que seria aberto concurso, sendo certo que a lei admitia, claramente, a possibilidade de ser prorrogado o prazo da concessão.
VIII - A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto em causa.
Sendo um requisito formal e não substancial do acto administrativo, para aferir da conformidade legal da fundamentação, o que verdadeiramente importa é a revelação do iter cognoscitivo e valorativo do autor do acto, de forma a possibilitar aos interessados, discordando dele, impugná-lo.
Nº Convencional:JSTA00063052
Nº do Documento:SA1200604060269
Data de Entrada:10/07/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:PMIN E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DL 275/2001 DE 2001/10/07 ART1 C.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
Área Temática 2:DIR ECON - DIR CONC.
Legislação Nacional:DL 422/89 DE 1989/12/02 ART13.
CONST97 ART13 ART296.
Jurisprudência Nacional:AC TC 335/94.; AC TC 640/95.; AC STAPLENO PROC44307 DE 2001/06/19.; AC STA PROC831/02 DE 2003/03/27.; AC STA PROC1242/03 DE 2004/11/17.; AC STA PROC1977/03 DE 2004/07/28.; AC STA PROC1208/04 DE 2005/02/29.; AC STA PROC23330 DE 1992/01/21.
Referência a Pareceres:P CC N26/82.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED ART13 ART266.
SERVULO CORREIA ESTUDOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO V3 PAG662.
FREITAS DO AMARAL E OUTRO ESTUDOS SOBRE CONCESSÕES PAG544.
VIEIRA DE ANDRADE O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO EXPRESSA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS PAG257-260.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A… interpôs, neste Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação “do acto administrativo de prorrogação do contrato de concessão da Zona de Jogo do Estoril, publicado sob a forma de Decreto-Lei nº 275/2001, de 17 de Outubro, praticado pelo Governo”.
Imputou ao acto recorrido vício de forma, por falta de fundamentação, e violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Indicou como interessada a quem o provimento do recurso poderia afectar – a …, com sede na Rua …, nº … – 2765 Estoril.
1.2. O Primeiro-Ministro respondeu nos termos constantes de fls. 23 e seguintes, sustentando o improvimento do recurso.
1.3. A …, notificada na qualidade de contra-interessada para contestar o recurso contencioso, apresentou a contestação de fls. 43 e seguintes, na qual, em síntese, deduz a sua ilegitimidade passiva no presente processo, porquanto cedeu a sua posição contratual no contrato de concessão em questão à …, após a autorização de tal transferência por Resolução do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, II Série de 9 de Agosto de 1999.
Suscita ainda como questões prévias, obstativas do conhecimento do mérito do recurso, a ilegitimidade activa do Recorrente, e a discricionariedade do acto impugnado e, defende a improcedência dos vícios assacados ao acto recorrido.
1.4. Ouvida a Requerente, veio, em síntese, sustentar que a …, sendo detentora da totalidade do capital social da …, e respondendo solidariamente pelo cumprimento das obrigações assumidas por esta no âmbito do contrato de concessão, terá também interesse processual em intervir nos presentes autos.
Requereu a regularização da petição, ao abrigo do artigo 40º da L.P.T.A., requerendo também a citação da interessada … .
1.5. Admitida a regularização da petição (despacho de fls. 141), foi a …. notificada para contestar, vindo a fazê-lo pela forma constante de fls. 155 e seguintes, em termos inteiramente coincidentes (excepto quanto à ilegitimidade passiva) com os da … .
1.6. A Recorrente pronunciou-se sobre as excepções aduzidas pela … pela forma constante de fls. 201 e seguintes, que se dá por reproduzida, defendendo a improcedência das questões prévias suscitadas.
1.7. Por acórdão de fls. 211 e segs foi julgado procedente a excepção de ilegitimidade activa da Recorrente, por carência de um interesse pessoal e directo no provimento do recurso, e rejeitado o mesmo, nos termos das disposições conjugadas dos artos 46.º, n.º 1 e 57.º § 4.º do Reg. do S.T.A, com prejuízo do conhecimento das demais questões.
1.8. Interposto recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do acórdão referido em 1.7, foi reconhecida legitimidade à Recorrente contenciosa para impugnar o acto recorrido, revogando-se o acórdão da subsecção, devendo os autos voltar a esta para aí prosseguirem os seus termos, se outra causa a tal não obstar (acórdão de fls. 339 e segs).
O recurso interposto para o Plenário, de decisão do Pleno, por oposição de julgados, foi julgado findo por este último Tribunal, pela decisão de fls. 400 e segs, por não se verificar a invocada oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
1.9. Remetidos os autos à subsecção e, notificadas as partes para alegações, a recorrente contenciosa apresentou as alegações de fls. 412 e segs, que concluiu do seguinte modo:
“1- Preliminar
1. Conforme ficou demonstrado pelo douto Acórdão 21 de Maio de 2004, a Recorrente tem um interesse legalmente protegido, igualmente tutelado pela Constituição da República Portuguesa, adiante CRP, (art. 268° n.°4) face à tutela jurisdicional efectiva.
2. Através deste interesse legalmente protegido a lei tutela não directamente um interesse particular mas um interesse público que, correctamente prosseguido, implicará a satisfação do interesse individual.
3. A forma conveniente para garantir que o interesse do particular (Recorrente) não é prejudicado ilegalmente passa por ter em conta a exigência de cumprimento do dever de legalidade das decisões da Administração, que possam afectar um interesse próprio (segundo doutrina do Prof. Freitas do Amaral, Manual de Direito Administrativo, vol. II, págs. 90 e 98).
4. Refira-se, desde já, que a pretensão da Recorrente não é — até porque tal nunca seria legalmente admissível — que lhe seja adjudicada a concessão para a referida exploração.
5. No fundo, e em suma, o que a Recorrente pretende é que seja anulado o referido acto legislativo, de maneira a que haja lugar a um concurso público, sendo dessa forma prosseguido o interesse público e os interesses legalmente protegidos da Recorrente, ainda que a decisão final desse concurso não lhe venha a ser satisfatória.
II— Da violação do Interesse Público
6. Segundo defendido na exposição de motivos do Decreto-Lei 275/2001,o Governo apresentou como justificação bastante para a prorrogação a importância do sector do jogo no quadro do desenvolvimento do turismo, a relevância da associação turismo/jogo, a relevância das contrapartidas financeiras pela prorrogação da concessão, a aplicar no sector do turismo, a possibilidade das concessionárias darem continuidade aos investimentos em curso e programar novos investimentos e a constatação do cabal cumprimento das obrigações pelas concessionárias.
7. No sentido de exprimir as regras pelas quais se deve pautar a eterna tensão que constitui o cerne do Direito Administrativo, entre a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, vem o art. 4° Código de Procedimento Administrativo (adiante CPA) referir que deve ser prosseguido o primeiro com o devido respeito pelo segundo.
8. “Num Estado de Direito, as duas realidades encontram-se indissociavelmente ligadas, não sendo possível, sob pena de ilegalidade, a realização do interesse público sem a devida consideração dos direitos e interesses legítimos dos particulares” (AAVV, Código de Procedimento Administrativo Anotado, 4ª edição, Almedina. 2003).
9. Mas o interesse público, não decorre, neste caso, apenas do disposto no enunciado art. 4° CPA, e também art. 266° n°1 CRP. É o próprio regime da exploração dos jogos de fortuna ou azar (Decreto-Lei 422/89), que no seu art. 13° impõe a necessidade de se considerar o interesse público quando houver lugar a uma prorrogação da concessão, dispensando-se novo concurso público.
10. E neste caso, de prorrogação do prazo de concessão, sempre a fundamentação se revelaria imprescindível.
11. Pela mera leitura do referido diploma de prorrogação, o Governo decidiu a prorrogação com a mera indicação genérica de alguns elementos indicadores de exploração empresarial, mas sempre sem qualquer fundamentação.
12. Não obstante haver discricionariedade na forma como é ponderada a prossecução do interesse público, houve claramente preferência pela prossecução do interesse directo da administração em preterição do primeiro, e sempre sem qualquer consideração por uma adequada fundamentação das suas decisões. Diga-se que, ao ser o principal motivo para a dita prorrogação o apoio das concessionárias (neste caso em específico a …) ao investimento turístico, igualmente outras entidades o poderiam ter feito, e talvez de modo mais eficiente.
13. Caso fosse despretensiosamente essa a motivação da escolha pela prorrogação, ao invés do concurso público, faria sentido ao Estado procurar um melhor e mais volumoso investimento, pois a oferta em concurso público ditaria a escolha pela melhor oferta. E caso não existissem melhores candidaturas restaria adjudicar à anterior concessionária, desta feita de forma legítima e conforme todas as normas de conduta e princípios do Direito Administrativo.
III — Do exercício abusivo do poder discricionário
14. Em peças anteriores destes autos já foi defendido que a adjudicação da concessão de exploração constitui um poder discricionário da Administração (uma vez preenchidas as condições do art. 13° Decreto-Lei 422/89) e que, por isso, tal decisão não seria sindicável pelo tribunal, que não teria legitimidade para apreciar do mérito de qualquer decisão dessa natureza. Nada de mais longe de uma correcta interpretação e aplicação do direito...
15. O interesse público, como condição sine qua non para a prorrogação do prazo de concessão da exploração de jogos de fortuna e azar, constitui um conceito jurídico indeterminado, que deverá ser integrado através de um raciocínio causal-teorético (Prof. Sérvulo Correia). Desta forma, revela-se decisiva a ponderação de princípios fundamentais como o da proporcionalidade para que se venha preenchido o espaço de livre apreciação da administração.
16. E são esses princípios constitucionais que permitem — e legitimam — que mesmo no âmbito de poderes discricionários haja controlo jurisdicional.
17. É o que aqui se passa uma vez que não foram respeitados princípios e corolários da actuação administrativa, como não foi cumprido o dever fundamental de fundamentar a decisão.
IV — Da violação do princípio da igualdade
18. A arguição da violação deste princípio está directamente dependente da consideração da legitimidade da Recorrente como detentora de um interesse legalmente protegido, nos termos em que ficou demonstrado e assente nos doutos acórdãos já proferidos nestes autos.
19. O princípio da igualdade previsto no art. 13° CRP (e estamos a falar no n.°1 — que prevê a igualdade resultante da dignidade social — e não das condicionantes do n°2) como uma norma sobre Direitos Fundamentais que merece igual distinção.
20. Obviamente, a atribuição por lei, mediante iniciativa da concessionária ou da própria Administração, da possibilidade de prorrogação do prazo da concessão, acaba por configurar um tratamento desigual perante a entidade que já viu ser-lhe atribuída a concessão e aquelas que pretendiam apresentar-se a um concurso.
21. Por outro lado, na argumentação do Primeiro-Ministro, aquando da sua resposta à impugnação pela Recorrente, não deixa de revelar uma flagrante incoerência que funda a absoluta desconsideração pelo princípio da igualdade. De início argumenta-se que não há qualquer violação da cláusula geral de igualdade do art. 13° CRP, para logo a seguir se acrescentar que há razão objectiva justificativa que torna legítima a desigualdade contestada.
22. Afirma ainda a contra-interessada, na referida contestação, que no momento em que a decisão de prorrogação foi adoptada, apenas estavam em condições de igualdade as concessionárias das demais casas de jogo em concessão, e que a posição dessas concessionárias seria igual ao interesse de terceiros. Esta constatação é totalmente infundada e vem, com maior claridade até, demonstrar porque arguímos da violação do princípio da igualdade: a ser assim, gerar-se-ia um monopólio ad infinito daqueles que já entraram no negócio da exploração de jogos de fortuna e azar.
V - Da violação do princípio da proporcionalidade
23. Como se sabe, o princípio da proporcionalidade é uma clara manifestação constitutiva do princípio do Estado de Direito, conforme consta do art. 2° CRP, ou seja as medidas dos poderes públicos não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público.
24. Este princípio, estatuído não só no art. 266°/2 CRP, como corolário da conduta administrativa, mas também no art. .5.º, n.° 2 CPA, leva a que nesta última disposição releve a particular consideração da afectação de interesses legítimos dos particulares pela actuação administrativa.
25. Significa, pois, que a “submissão da Administração Pública ao princípio da proporcionalidade implica uma dupla consideração: a da necessidade de adequação das medidas administrativas aos objectivos a serem prosseguidos, e a necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desnecessários, aos destinatários das decisões administrativas” (AAVV. Código de Procedimento Administrativo Anotado, Almedina, 4ª edição, 2003).
26. A consagração deste princípio constitui uma vinculação autónoma da Administração, sendo que a sua preterição determina a ilegalidade das actuações administrativas, enfermando o acto administrativo do vício de violação de lei.
27. A definição acolhida pela doutrina do princípio da proporcionalidade permite evidenciar três dimensões essenciais.
28. Desde logo a vertente da adequação significa que a medida tomada deve ser cautelosamente ajustada ao fim que se propõe atingir. Neste caso esta vertente foi claramente ignorada uma vez que não só a prorrogação não era o único meio disponível para a atribuição da concessão de exploração, como não seria o mais eficaz. Como já foi referido, através do concurso poder-se-ia adjudicar a concessão em causa a uma entidade mais eficiente (que garantisse igual cumprimento das obrigações) e com maior capacidade de investimento.
29. A vertente da necessidade, significando que, “para além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a medida administrativa deve ser, dentro do universo das abstractamente idóneas, a que lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares” (Freitas de Amaral, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 130). Como refere o Acórdão do STA de 10 de Outubro de 1998, Processo 28610, “ a Administração está obrigada, ao actuar discricionariamente perante os particulares, a escolher de entre várias medidas que satisfazem igualmente o interesse público, a que menos gravosa se mostrar para a esfera jurídica daqueles”.
39. Neste sentido, o interesse público seria melhor prosseguido através da abertura de um concurso público, tendo sido prejudicados todos aqueles que na sua esfera jurídica detinham, como a Recorrente, o interesse legalmente protegido a apresentar uma candidatura.
31. Através da última vertente, do equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito, “procura avaliar-se se o acto praticado, na medida em que implica uma escolha valorativa, isto é, o sacrifício de certos bens a favor da satisfação de outros, é correcto, é válido à luz de parâmetros materiais” (Vitalino Canas, Princípio da Proporcionalidade, in DJAP, VI, Lisboa, 1996, pág. 628). E certamente que no caso sub judice os benefícios que se esperam alcançar com a prorrogação da concessão não irão suplantar os custos acarretados, uma vez que a abertura de concurso público iria possibilitar encontrar a solução mais eficiente, ao invés de manter a solução média já em execução — o beneficio retirado seria superior ao custo.
32. Estas vertentes do princípio da proporcionalidade levam a que, no seguimento da doutrina do Prof. Sérvulo Correia, a “ponderação de interesses conflituantes” e o “juízo de prognose de estimativa pela futura actuação e utilidade da actuação ou futuro desenrolar do progresso social” (Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos. Almedina. 1987, pág. 474), exigidos no âmbito discricionário, essa prognose ficasse mais completa com um número maior de alternativas presentes em concurso público.
33. Fica, pois afastado o argumento apresentado na resposta do Primeiro-Ministro à impugnação onde se afirma que não há violação do princípio da proporcionalidade e transparência da actuação da Administração Pública, porque o acto de prorrogação é um meio idóneo, objectivo, pertinente e legal à prossecução de uma gestão equilibrada dos recursos e receitas públicas.
34. O meio é idóneo, uma vez que atribui a concessão, mas não é o mais idóneo, conforme obriga a plenitude do principio da proporcionalidade, é objectivo e pertinente mas apenas para o equilíbrio das finanças em matéria de investimento hoteleiro e não é, de todo, legal uma vez que, não obstante ser do âmbito discricionário da Administração, não foram compridos os limites legais a essa livre decisão.
35. E também não se diga que a prorrogação se justifica pelo sector em causa na fundamentação desta (no Decreto-Lei 275/2001), o turismo, por o seu desenvolvimento não se compadecer com decisões conjunturais mas antes com decisões estruturais. O financiamento deste sector seria, ou deveria ser, apenas uma consequência da prorrogação e não um fundamento, muito menos o principal, conforme é referido na exposição de motivos do Decreto-Lei 275/2001:” a obtenção pelo Estado (...) reforço das suas acções de promoção turística”.
36. Manifestação dó princípio da proporcionalidade está também no estabelecimento do prazo de prorrogação, neste caso de 15 anos (a terminar em 2020). O prazo fixado não deve ter “nem tempo a menos (lembrando-se o interesse privado), nem tempo a mais (beneficiando-se também, sem qualquer razão material, o interesse privado em detrimento do interesse público). Repete-se a duração da prorrogação deve ser fixado em função do tempo necessário para, em condições normais de exploração, o concessionário reintegrar e remunerar adequadamente o capital que investiu” (Freitas do Amaral, Estudos sobre Concessões e Outras Actos da Administração (Pareceres), Almedina, 2002. pág. 553).
37. Uma vez que na exposição de motivos do Decreto-Lei 275/2001 é referido que “a prorrogação antecipada das concessões permitirá às concessionárias dar continuidade aos investimentos em curso e programar novos investimentos de médio e longo prazos”, partimos do pressuposto que já foi remunerado o investimento privado para que se estabeleça o equilíbrio pretendido numa concessão...
38. Desta forma “a fixação de um prazo demasiado dilatado, além de permitir sobrelucros injustificados, equivaleria a conceder um beneficio para o qual seria difícil encontrar justificação atendível à luz dos princípios constitucionais da igualdade e concorrência” (Freitas do Amaral, Estudos sobre Concessões e Outros Actos da Administração (Pareceres), Almedina 2002, pág. 553), a que acrescentamos o princípio da proporcionalidade nos termos supramencionados.
39. Concluímos assim que, no caso em apreço verifica-se a violação deste princípio da proporcionalidade, nos termos enunciados e conforme art. 266°, n.° 2 CRP e art. 5°, n.°2 CPA, das vertentes de adequação, necessidade e razoabilidade sem existir indispensabilidade ou urgência que o justifique.
VI— A violação do princípio da tutela da confiança
40. No sentido do que já foi referido não podemos olvidar a violação da tutela legítima da confiança como principio geral de direito.
41. Ainda que sem disposição expressa, este princípio perpassa todo o sistema jurídico. A Recorrente, conforme decidido em recurso, tem um interesse legítimo em obrigar a Administração a cumprir a legalidade, relativamente ao acto de prorrogação, uma vez que tem interesses no sector de jogos e do turismo e, por isso, tem direito a não ser lesada ilegalmente.
42. No seguimento do que foi referido, não pode deixar de resultar a responsabilização do Estado, através da entidade decisora, por prejuízos causados existindo interesses legítimos (art. 22° CRP).
VII- Do vício de falta de fundamentação
43. Este acto de prorrogação da concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar encontrava-se sujeito a fundamentação obrigatória nos termos do art. 124°, n.° 1, alínea a) CPA, na medida em que restringiu o interesse legalmente protegido da Recorrente, já reconhecido por este Alto Tribunal
44. A fundamentação “consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo” (Freitas de Amaral, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 348) e constitui um dever vinculativo da administração, nos termos do art.268°, n.° 3 CRP. sob pena de anulabilidade (art. 135° CM).
45. Mas o dever de fundamentação constitui uma das maiores garantias dos particulares, facilitando o controlo da legalidade dos actos, e no caso de actos discricionários, como é este, é imprescindível para que a fiscalização contenciosa possa ocorrer.
46. Na contestação apresentada pelo Recorrido, o Primeiro-Ministro, foi reconhecido que o ónus de fundamentação incumbe ao Estado, o que considera ter sido cumprido.
47. No entanto acrescente-se que ainda assim a fundamentação deveria ter obedecido ás regras estabelecidas no art. 125° CPA para se considerar cumprido o dever.
48. Assim, desde logo, a fundamentação deve ser expressa, enunciando no contexto do próprio acto pela entidade decisória. Mas deve, também, basear-se nos motivos de facto e de direito da decisão, pelo que “não basta mencionar os factos relevantes ou anunciar uma “política pública “justificativa da decisão” (Freitas de Amaral, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 352).
49. Mas, e na consequência do que afirmado acima, deve também a fundamentação ser clara, coerente e completa, nos termos do art. 125°/2 CPA. Não cremos que alegar na exposição de motivos que o” (...) sector do jogo tem vindo a assumir ao longo dos últimos anos uma importância crescente no quadro do desenvolvimento do turismo em Portugal (...) “, que os” (...) recursos financeiros arrecadados pelo Estado através das contrapartidas iniciais e anuais pagas pelas concessionárias permitiriam assegurar o financiamento de diferentes actividades (..) “e que” (...) a necessidade de dar continuidade à política de turismo exige o reforço e concentração num limitado período temporal, de avultados recursos financeiros capazes de gerar investimentos que permitam consolidar, de forma irreversível, a sua estratégia e garantir na evolução continuada de um crescimento sustentado, o futuro do turismo português (...) “seja utilizar uma fundamentação completa ou sequer clara.
50. Não se retira desses motivos uma justificação plausível para que prorrogasse por mais 15 anos um vínculo que já havia durado desde 1987, e que só terminava em 2005, tendo a prorrogação sido firmada em 2001, deixando de fora todos os possíveis candidatos com um interesse legítimo em apresentar as suas propostas findo o referido vínculo de concessão.
51. Não colhe, portanto, o argumento apresentado pela contra-interessada, em sede de contestação, segundo o qual não seria exigível qualquer fundamentação exaustiva, quando nem sequer existiam contra-interessados.”
1.10. A Recorrente …. apresentou as contra-alegações de fls. 437 e segs, as quais concluiu do seguinte modo:
“1. O presente recurso contencioso de anulação vem interposto do “acto administrativo de prorrogação do prazo de concessão da zona de jogo do Estoril, publicado sob a forma de Decreto-Lei n.° 275/2001, de 17 de Outubro, e praticado pelo Governo, na pessoa do Senhor Primeiro - Ministro”.
2. A prerrogativa de prorrogação dos contratos de exploração do jogo está consignada no artigo 13° da Lei do Jogo;
3. Na sequência da prorrogação do contrato de concessão e já na pendência dos presentes autos, por via do Decreto-Lei n.° 15/2003, de 30 de Janeiro, a instalação de um casino em Lisboa foi afecta ao regime do contrato de concessão celebrado entre o Governo Português e a …;
4. Desta autorização resultaram para a aqui Recorrida particular as obrigações plasmadas no artigo 3° desse diploma, entre as quais se destacam a construção do casino de Lisboa e o pagamento de uma contrapartida inicial de € 30.000.000;
5. O douto acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA decidiu que a Recorrente tem um interesse legalmente protegido em suscitar judicialmente a legalidade da prorrogação, sendo completamente inócuo quanto a um eventual interesse substancial da Recorrente alegadamente violado pelo acto de prorrogação;
6. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a Recorrente nas suas alegações confunde legitimidade processual (sobre a qual se debruçou o douto acórdão) e legitimidade procedimental (que relevará agora para efeitos do mérito da causa).
7. Ao poder para autorizar a prorrogação do prazo do contrato de concessão com a … estão inerentes juízos próprios e exclusivos da Administração Pública, nomeadamente a conveniência dessa alteração para o interesse público.
8. Os tribunais apenas podem apreciar a conformidade do acto discricionário com as normas que estabelecem a competência, o fim, as formalidades essenciais a que está sujeito o acto, os pressupostos de facto e de direito da decisão e o respeito pelos princípios gerais de Direito aplicáveis;
9. Apenas em casos excepcionais, os actos discricionários podem também ser judicialmente sindicáveis com base em erros ostensivos, mas a Recorrente não alega erros nos pressupostos de facto e de direito da decisão;
10. No fundo, a Recorrente admite como verdadeiras as circunstâncias factuais e jurídicas que determinaram a prorrogação, mas não se conforma com a possibilidade legal de prorrogação do contrato;
11. Como o acto recorrido na sua aplicação de direito não vai além da permissão normativa e a Recorrente não imputa inconstitucionalidades à norma, tanto basta para demonstrar a improcedência dos vícios de violação de lei carreados aos autos.
Violação do interesse público:
12. A alegação de violação do interesse público é manifestamente inócua, pois a própria Recorrente reconhece que “a Administração Central apenas visou a satisfação do interesse público”!!! (Cfr. pág. 2 das suas alegações)
13. Até porque a referência ao interesse público é inerte ao nível de desvio de poder, pois, para além de este vício não ter sido invocado, sempre se exigiria “que o recorrente demonstre qual o fim especificamente prosseguido pelo acto em causa e que este fim divirja do que a lei aponta como aquele que o autor do acto deve prosseguir no exercício do poder discricionário” (Acórdão STA, de 12-11-92).
14. O artigo 13° da Lei do Jogo ao utilizar conceitos vagos e indeterminados outorga à Administração larga margem de conformação do interesse público;
15. De qualquer forma, as motivações do acto recorrido coincidem com os fins que a doutrina e a jurisprudência apontam à exploração do jogo.
Violação do princípio da igualdade:
16. Não estão preenchidos os requisitos de aplicação do princípio da igualdade, pois não existe outro sujeito de direito nas mesmas condições da aqui Recorrida Particular;
17. A violação desse princípio depende não só da desigualdade de tratamento de situações iguais, mas também arbitrariedade dessa diferença de tratamento: “O princípio da igualdade só é violado quando perante situações de facto idênticas merecem da Administração tratamento diferenciado arbitrário”. (Ac. STA 29-02-2000, disponível em www.dgsi.pt)
Violação do princípio da proporcionalidade:
18. Não foi certamente postergado esse princípio uma vez que o Governo limitou-se a aplicar uma prerrogativa ínsita no artigo 13º da Lei do Jogo e a Recorrente não pautou essa norma de inconstitucional.
19. Para além de que a Recorrente não é detentora de direito subjectivo ou de um interesse legítimo face à concessão do jogo do Estoril e, como tal, não poderia a prorrogação provocar-lhe qualquer lesão: o acto recorrido não altera a “posição jurídica” da Recorrente.
20. No caso em apreço, não só não existem interesses conflituantes, como, se os houvesse, a Recorrente não logrou demonstrar, porque nem podia, qualquer desequilíbrio em termos de violação do princípio da proporcionalidade;
21. Nem a prorrogação de 15 anos é excessiva, pois pelo menos tem de permitir ressarcir e remunerar um conjunto de investimentos avultados por parte da Recorrida Particular, nomeadamente ao nível da construção do casino em Lisboa.
22. Aliás, o Decreto-Lei n° 275/2001 teve o cuidado de precisar que: “A prorrogação antecipada das concessões permitirá também às concessionárias dar continuidade aos investimentos em curso e programar novos investimentos de médio e longo prazos, com as inerentes vantagens para a estabilidade e desenvolvimento deste sector, bem como para o prosseguimento e reforço das suas acções de promoção turística.”;
23. De qualquer modo, na lição do Prof. Mário Esteves de Oliveira:
“A proposição pacífica da invalidade jurídica do acto desproporcionado (ou inadequado) tem, pois, de ser entendida cuidadosamente: é fácil asseverar que não se pode, para esses efeitos, confundir a proporcionalidade (jurídica) com o mérito (administrativo) de uma decisão, mas é muito difícil determinar através de cláusulas gerais onde acaba uma e começa o outro — salvo tratando-se de um caso de inadequação objectiva da medida tomada à finalidade proposta.
Por outro lado, essa invalidade é muitas vezes reduzida aos casos de desproporcionalidade manifesta, grosseira — geradora, então, da sanção de nulidade não abrangendo as hipóteses em que a medida tomada se situa dentro dum círculo de medidas possíveis, embora possa ser discutível se a mais proporcionada é aquela de que a Administração se serviu”. In obra citada, págs. 104 e 105
Manifestações do princípio da boa fé:
24. Nas suas alegações a Recorrente apresenta nova argumentação ao nível do princípio da boa fé, pois entende agora que houve “exercício abusivo do poder discricionário” e “violação do princípio da tutela da confiança”;
25. Contudo, de acordo com as regras processuais, essa argumentação é extemporânea na medida em que, como bem decidiu o acórdão do STA de 27-06-2002, “É admissível a arguição de vicio em momento ulterior (nas alegações) quando o decorrente só tenha tido possibilidade de o conhecer depois da interposição do recurso, fora desta situação e, não se tratando de vicio gerador de declaração de inexistência ou de nulidade, o vicio terá de ser arguido na petição de recurso” sublinhado nosso, disponível em www.dgsi .pt
26. Ora, a alegação de violação da boa fé não tem por base factos supervenientes ou supervenientemente conhecidos, nem sequer tal é alegado pela Recorrente.
27. De qualquer modo, das alegações da Recorrente não resulta qualquer argumentação minimamente congruente ao nível do instituto do abuso de direito.
28. A tutela da confiança tem consagração na alínea a) do n° 2 do artigo 6°-A do CPA, em cumprimento da qual na sua actuação a Administração deve respeitar “a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa”.
29. No entanto, a tutela depende de se ter suscitado uma situação objectiva de confiança no administrado e a Recorrente nem alegou uma prévia actuação da Administração susceptível de lhe criar qualquer tipo de expectativa jurídica.
30. Como decidiu o acórdão do TCA Norte, de 18-11-2004: “A tutela da confiança corresponde a situações em que se adere a certas representações, passadas, presentes ou futuras, que se tenham por efectivas, ou seja, protege-se os particulares relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente provocam uma crença na sua efectivação” sublinhado nosso, disponível em www.dgsi.pt
31. Acórdão que chama ainda à colação a doutrina do Prof. Freitas do Amaral:
“Naturalmente que tal protecção não é absoluta, pois, como refere Freitas do Amaral, ela só pode ocorrer verificados certos pressupostos: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b), existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (cfr. Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 137)”; sublinhado nosso
Vício de forma por falta de fundamentação:
32. Para a Recorrente o acto recorrido necessita de ser fundamentado em cumprimento da alínea a) do n° 1 do artigo 124° do CPA: “Devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”;
33. No entanto, entende a Recorrida Particular que o acto não estava sujeito a fundamentação na medida em que a ora alegante é a única entidade com um interesse legalmente protegido confluente com a prorrogação do prazo de concessão.
34. Na verdade, a Recorrente não “é titular duma posição jurídica concreta que (a) coloca no âmbito de incidência específica da norma, ou seja”, não “é titular de interesses juridicamente subjectivados no âmbito da decisão a tomar”; in Mário Esteves de Oliveira, obra citada, pág. 277
35. Como contributo para este entendimento pode invocar-se também a letra da Lei do Jogo, nomeadamente a constatação que o n° 2 do artigo 100 impõe que as situações de adjudicação da concessão sem concurso, para além de serem especiais, têm de ser “devidamente justificados”;
36. Exigência de fundamentação que não tem paralelo no artigo 13° referente à prorrogação do prazo de concessão.
37. Até porque, a fundamentação de um acto pode existir “por imposição da lei ou por opção do autor”; in Vieira de Andrade, obra citada, pág. 227.
38. Todavia, ainda que assim não se entenda, é inequívoco que o acto recorrido está devidamente fundamentado:
39. O conteúdo da fundamentação é variável/graduável “ conforme a matéria, consoante o tipo de acto, mas sobretudo segundo a situação concreta no contexto e no modo como se apresentarem os interesses, públicos e privados, relevantes para a decisão”. In Vieira de Andrade, obra citada, pág. 241
40. No caso em apreço a densidade de fundamentação sempre seria mínima pelas seguintes razões:
a) o acto administrativo reveste a forma de acto legislativo;
b) a fundamentação é una, mas tem vários destinatários pois dirige-se à prorrogação da concessão em várias zonas de jogo;
e) a existirem interesses legítimos contrários, estes assumiriam manifestamente fraca intensidade e considerável fluidez;
d) a opção de prorrogação tem por base juízos próprios da Administração sobre impressões de experiência colhidas ao longo da exploração da concessão pela Recorrida Particular; e
e) a opção de prorrogação depende em grande medida de juízos de prognose.
41. Na verdade, verifica-se que “O âmbito do dever constitucional (e do núcleo do dever legal) de fundamentação define-se pela afectação de direitos ou interesses legítimos de particulares. Parece, portanto, normativamente adequado graduar as exigências de densidade da declaração fundamentadora segundo a intensidade das posições jurídicas subjectivas tocadas pelo acto administrativo” in Vieira de Andrade, obra citada, pág. 256.
42. É também reconhecido que “Em certas situações de autonomia conformadora da administração — sobretudo no exercício de faculdades discricionárias de acção, mas também em zonas de avaliação subjectiva -, o conteúdo da fundamentação obrigatória apresenta quase inevitavelmente critérios mais genéricos ou referências factuais mais discutíveis ou menos concretas. Nestes casos, a relativa lassidão fundamentadora não aparece reconduzida ao uso de uma liberdade, de um poder ou de uma prerrogativa — estas seriam consequência e não a causa -, mas à situação em si, quando só dificilmente possa a objectividade do juízo decisório ser manifestada e comprovada mediante um enunciado linguístico lógico-racional”. Ibidem, págs. 260 e 261, sublinhado nosso
43. Ainda assim, o ónus de fundamentação foi cumprido na medida em que a Recorrente o que faz é discordar dos fundamentos invocados para a prática do acto recorrido.
44. Aliás, no ponto 6. das conclusões das suas alegações demonstra conhecer com rigor os motivos que estiveram na base da prorrogação.
45. No acto recorrido a fundamentação enuncia claramente os fundamentos de facto e de direito, sem qualquer indício de contradição ou de incongruência:
a) dá conta da experiência de bom relacionamento entre concessionária e concedente;
b) reconhece o cumprimento de todas as obrigações contratuais por parte da concessionária, bem como dos benefícios obtidos com a concessão até ao momento; e e) esclarece o objectivo da prorrogação do prazo: necessidade de reforço e concentração de avultados recursos financeiros com o intuito de consolidar e garantir de forma irreversível a evolução do turismo em Portugal e conseguir um aumento de receitas para o Estado;
46. Também resulta da exposição de motivos objectiva justificação para a prorrogação por um período de 15 anos, mormente quando informa que “A prorrogação antecipada das concessões permitirá também às concessionárias dar continuidade aos investimentos em curso e programar novos investimentos de médio e longo prazos”;
47. Será ainda de relevar que a Recorrente, porque “congrega interesses de diversos accionistas com interesses no sector turístico em geral e na exploração de zonas de jogo de fortuna ou azar em particular” (cfr. art. l da PR), estava em condições privilegiadas para apreender as razões da prorrogação.
48. Pelo que, improcedendo os vícios alegados, conclui-se que o acto recorrido não padece de qualquer ilegalidade formal ou substancial.
49. Assim concluiu também o Prof. Mário Esteves de Oliveira no parecer que se junta às presentes contra-alegações.
Juntou o parecer do Jurisconsulto Mário Esteves de Oliveira, de fls. 480 e segs.
1.11. O Primeiro-ministro apresentou as alegações de fls. 557 e sgs, concluindo:
“1ª) O acto administrativo está fundamentado de forma coerente e suficiente, decorrendo da exposição de motivos do Decreto-Lei n° 257/2001, de 17 de Outubro as razões que motivaram a prorrogação do contrato de concessão;
2ª) Na verdade, a importância na economia nacional da actividade turística e, para o desenvolvimento desta, a relevância da actividade do jogo, gerando esta meios financeiros relevantes que têm sido utilizados em investimentos no desenvolvimento da actividade turística, fundamenta a necessidade da prorrogação do contrato de concessão da actividade do jogo, já que,
3ª) Deste modo, se tornava possível a obtenção, no imediato e com um carácter de certeza, de receitas a serem utilizadas em investimentos nesse sector económico;
4ª) São, deste modo, perceptíveis e compreensíveis as razões da emissão do acto impugnado;
5ª) Dessa fundamentação resulta, também, que o interesse público esteve presente na medida consubstanciada no acto impugnado;
6ª) A prorrogação de vigência do contrato não viola o princípio da igualdade, já que, tendo em conta o interesse público e, portanto, a ponderação dos interesses em causa, prevaleceu a necessidade dessa prorrogação;
7ª) As referidas razões de interesse público afastam qualquer violação do princípio da proporcionalidade, já que, tal medida é razoável e ponderada no contexto da avaliação de todos os interesses em causa;
8ª) Não há qualquer violação do princípio da tutela da confiança, já que a própria Lei cio Jogo prevê a possibilidade da prorrogação de vigência dos contratos”
1.12. A Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 565 e segs, do seguinte teor:
“O presente recurso contencioso vem interposto do acto de prorrogação do prazo de concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona permanente de jogo do Estoril, constante do artigo 1º alínea c) do DL 275/2001 de 17.10, sendo-lhe imputados o vício de forma de falta de fundamentação e os vícios de violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Para a recorrente, o vício de falta de fundamentação consubstancia-se na indicação de causas genéricas - que não concretizam as razões de interesse público determinantes da prorrogação mas antes a indicação genérica de elementos indicadores de exploração empresarial. E, no que respeita à violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, o primeiro, evidencia-se da circunstância de a prorrogação do prazo do contrato de concessão ter sido decidida sem consulta a outros eventuais interessados e o segundo na percepção de que os meios utilizados para atingir os fins se não mostram adequados e razoáveis.
Para a autoridade recorrida e para a recorrida particular tais vícios não se verificam porquanto o acto recorrido se inscreve no âmbito dos poderes discricionários da Administração, apenas podendo ser sindicável contenciosamente quando lhe seja assacável o vício de desvio de poder e de erro manifesto, cuja não verificação defendem, sustentando a recorrida particular a sua posição, designadamente, na argumentação desenvolvida no parecer que, por sua iniciativa, se mostra junto a fls 477/555.
No mesmo sentido vai também o nosso parecer.
Não se questionando que o conteúdo do acto recorrido se mostra compreendido no âmbito dos poderes discricionários da Administração, o controle judicial está limitado, na definição da doutrina e da jurisprudência, à apreciação dos aspectos vinculados do acto discricionário.
Neste contexto, afigura-se-nos que o presente recurso não poderá proceder.
Se não, vejamos:
1 - Quanto aos limites externos da discricionariedade
1.1. Erro de facto e de direito
Constando do preâmbulo do DL 275/2001 de 17.10 que foram razões de interesse público que determinaram a prorrogação do prazo de concessão e não se apercebendo a existência de factos indiciadores de que as razões invocadas como fundamento da autorização da prorrogação fossem erradas, o recurso com fundamento na verificação de erro de facto e de direito terá de improceder.
1.2. Vício de desvio de poder
O interesse visado no preâmbulo do DL 275/2001 de 17.10 são fins públicos genéricos, tendo sido intenção do legislador conceder à Administração o poder de optar pela solução que melhor lhe pareça servir aquele interesse.
Não há assim lugar a qualquer juízo sobre a oportunidade ou conveniência da actuação da Administração, juízo que, de resto, não cabe ao tribunal fazer na medida em que não há indícios de que o fim prosseguido se mostre desconforme com a finalidade legal.
2 - Quanto aos limites internos da discricionariedade
A actuação da Administração pauta-se pela observância de princípios fundamentais cuja relevância é própria do exercício de competência discricionária — igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé, sendo que, à luz desses princípios, não vemos que, no caso, a actuação da Administração se mostre irrazoável ou injusta.
Assim, diremos, em síntese, que in casu não houve violação do princípio da igualdade por não existirem outros interessados que preenchessem os mesmos requisitos da concessionária; não houve violação do princípio da imparcialidade pois não se descortina qualquer vestígio de consideração de outros interesses que não sejam o interesse público da promoção e consolidação da actividade turística; não houve violação do princípio da proporcionalidade porque a autorização se mostrou adequada, necessária e proporcional a investir o Estado dos meios financeiros por este pretendidos e que lhe não eram acessíveis por outra via. Por fim, também não houve violação do princípio da boa fé porquanto se não criou a confiança de que teria lugar o regime procedimental de concurso público.
3 — Quanto ao vício de falta de fundamentação
A partir do preâmbulo do DL 275/2001 são claramente apreensíveis as razões porque o Estado optou prorrogar o prazo da concessão, mostrando-se desta forma satisfeita a exigência contida no artigo 124° n°1 do CPA.
De resto, a fundamentação invocada foi perfeitamente entendida pela recorrente, tanto assim que sobre a mesma faz considerações sobre o próprio conteúdo da decisão, dirigindo críticas à opção que a mesma consubstancia.
Improcede assim, em nosso entender, o invocado vício.
Nestes termos e louvando-nos na argumentação desenvolvida pela recorrida a qual, pela sua profundidade e clareza merece a nossa total concordância, não padecendo pois o acto recorrido dos vícios que lhe são imputados, somos de parecer que o presente recurso não merece provimento.”
2. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2.1. Com relevo para a decisão considera-se assente a seguinte factualidade:
a) Através do D.L. 275/2001, de 17 de Outubro, foi autorizada a prorrogação “do contrato de concessão do exclusivo da exploração dos jogos de fortuna ou azar na Zona de jogo permanente do Estoril, publicado no Diário da República, 3ª Série, n.º 197, de 28 de Agosto de 1985, por 15 anos, com termo em 31 de Dezembro de 2020” (art.º 1.º alínea c) do citado D Lei).
b) Para além das contrapartidas anuais da exploração, a concessionária ficou obrigada a prestar contrapartidas iniciais ao Estado, no valor de € 57.860.556,06 (11.600.000.000$00), devendo liquidar um montante inicial de € 57.643.180,93 (11.556.420.200$00), até ao dia da assinatura do acordo, que, na sequência da publicação do diploma, formalizasse a prorrogação e adaptação contratual em causa (art.º 2.º, al. a), iii, do DL 275/2001), e o restante em 10 prestações semestrais a vencer entre 2 de Janeiro e 1 de Julho de cada ano, sendo a primeira prestação devida em 2 de Janeiro de 2002 (al. b) do art.º 2.º do DL em referência).
c) As contrapartidas iniciais ficaram afectas, exclusivamente, a finalidades de interesse turístico, nos termos a definir por portaria do Ministro da Economia (art.º 3.º).
d) Em 14.12.01, no Gabinete do Secretário de Estado do Turismo, perante o Inspector-Geral de Jogos, actuando nessa qualidade como notário privativo, foi celebrado entre o Estado Português, representado por aquele Secretário de Estado, e a …, o contrato de concessão de exploração de Jogos de Fortuna ou Azar na Zona de Jogo Permanente do Estoril, cuja cópia consta a fls. 125 a 132, inc. dos autos.
2.2. O Direito
2.2.A. Preliminarmente, cabe deixar assente que não procede a questão prévia da irrecorribilidade do acto impugnado, suscitada na Resposta das recorridas particulares, assente na discricionariedade do acto administrativo recorrido, pois, como é entendimento unânime da jurisprudência administrativa, os actos praticados no exercício de poderes discricionários não estão subtraídos ao controlo dos tribunais, podendo, designadamente, ser sindicados com base em erro nos pressupostos, desvio de poder, falta de fundamentação e violação dos princípios constitucionais que devem nortear a actividade administrativa.
Questão inteiramente distinta, que não pode, de forma alguma, confundir-se com a irrecorribilidade contenciosa do acto, é saber se as ilegalidades apontadas ao acto praticado no exercício de poderes discricionários são ou não justificadas, ou seja, se procedem ou não, o que respeita já ao mérito da pretensão deduzida no recurso contencioso.
Improcede, pois, a questão prévia analisada.
2.2.B.Quanto ao mérito do recurso contencioso.
A Recorrente A… defende, no presente recurso contencioso, que o acto contenciosamente impugnado – o acto administrativo de prorrogação do contrato de concessão da Zona de Jogo do Estoril, publicado sob a forma de Dec.-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, da autoria do Governo – deve ser anulado, por enfermar das seguintes ilegalidades:
- Violação do interesse público (conc. 6ª a 13ª inc. das alegações).
- Exercício abusivo do poder discricionário (conc. 14ª a 17ª inc das alegações)
- Violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º da C.R.P. (conc. 18ª a 22ª, inc.)
- Violação do princípio da proporcionalidade (conc. 23ª a 33ª inc.)
- Violação do princípio da tutela da confiança (conc. 40ª a 42ª inc.)
- Vício de falta de fundamentação (conc. 43ª a 51ª inc.)
Vejamos se lhe assiste razão.
Antes de passar à análise das ilegalidades imputadas ao acto recorrido, importa, porém, esclarecer que ao contrario do que a Recorrente parece pressupor, o acórdão do Pleno da 1ª secção, de fls. 339 e segs, não reconheceu à Recorrente “um interesse legalmente protegido a que haja lugar a concurso público”, interesse que seria satisfeito em caso de provimento do recurso.
O aresto em referência é, aliás, claro a esse respeito referindo expressamente que «a lei não lhe reconhece o direito a evitar a prorrogação do prazo do contrato de concessão desses jogos à recorrida particular, impondo ao Governo a obrigação de abrir concurso» (fls. 352)
O aludido acórdão apenas decidiu ser a Recorrente «detentora de um interesse legítimo em obrigar a cumprir a legalidade relativamente ao acto de prorrogação do referido contrato».
Posto isto, analisemos então a matéria das conclusões das alegações da Recorrente contenciosa.
2.2.B.1 Quanto à matéria das conclusões 6ª a 13ª (inc)
A este respeito, a Recorrente alega, em síntese:
Estando a Administração obrigada a prosseguir o interesse público, como decorre não só do art.º 266.º, n.º 1 da C.R.P. e 4.º do C.P.A., mas também, especificamente, do art.º 13.º do DL 422/89, que impõe a necessidade de se considerar o interesse público quando houver lugar a uma prorrogação da concessão, houve claramente preferência pela prossecução do interesse directo da administração, em preterição do interesse público, e sempre sem qualquer consideração por uma adequada fundamentação das suas decisões.
- Ao ser o principal motivo para a dita prorrogação o apoio das concessionárias (neste caso em específico a …) ao investimento turístico, igualmente outras entidades o poderiam ter feito, e talvez de modo mais eficiente, seleccionando-se as mesmas em concurso público e escolhendo a melhor oferta.
E caso não existissem melhores candidaturas restaria, então, adjudicar à anterior concessionária “desta feita de forma legítima e conforme a todas as normas de conduta e princípios de Direito Administrativo” (sic.)
Vejamos:
Dispõe o art.º 13.º do DL 422/89, de 2 de Dezembro:
Tendo em conta o interesse público, o prazo de concessão pode ser prorrogado por iniciativa do Governo ou a pedido fundamentado das concessionárias que tenham cumprido as suas obrigações, estabelecendo-se as condições da prorrogação em Decreto-Lei”
No preâmbulo do Decreto-Lei 275/2001, que autorizou a prorrogação dos prazos dos contratos de concessão das diversas Zonas de jogo do país, entre as quais a do Estoril (ver at.º 1.º, alínea c) deste último diploma), dispõe-se:
“A exploração de jogos de fortuna ou azar em regime de concessão de exclusivo em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo a praticar em casinos e o seu controlo e fiscalização pelo Estado, mais de 70 anos após a primeira legislação do sector em Portugal – Decreto n.º 14 643, de 3 de Dezembro de 1927 –, encontra-se perfeitamente consolidada no nosso país.
Ao longo dessas sete décadas foi patente na diversa legislação aprovada neste domínio o aperfeiçoamento técnico do respectivo quadro normativo no que concerne à adequação dos seus preceitos à evolução da realidade social envolvente.
Prevê expressamente o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que, tendo em conta o interesse público, o prazo de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar nas zonas de jogo pode ser prorrogado por iniciativa do Governo ou a pedido fundamento das concessionárias que tenham cumprido as suas obrigações.
Ao abrigo do disposto nesse artigo 13.º, veio a Associação Portuguesa de Casinos, em representação e mandato das suas associadas em território continental, …, …, …., e …., requerer a prorrogação das respectivas concessão de jogo.
Resulta clara desde a referida primeira legislação a decisiva importância do jogo ao serviço de objectivos de interesse público turístico, tendo sido tal objectivo sucessivamente reforçado nas alterações legislativas que se lhe sucederam.
Nesse sentido, entende o Governo que o sector do jogo tem vindo a assumir ao longo dos últimos anos uma importância crescente no quadro do desenvolvimento do turismo em Portugal. Desde logo porque os recursos financeiros arrecadados pelo Estado através das contrapartidas iniciais e anuais pagas pelas concessionárias permitiram assegurar o financiamento de diferentes actividades de natureza social e económica e de importantes infra-estruturas e projectos turísticos, possibilitaram a concretização de uma intervenção regular na área da animação turística e cultural, assim como a realização de eventos e acções de promoção turística, contribuindo de forma decisiva para o enriquecimento e diversificação da oferta turística local, regional e nacional.
Num momento crucial da evolução deste importante sector económico, em que a estratégia nacional tem como vector principal a afirmação de Portugal como destino turístico de qualidade, num contexto de intensificação da concorrência internacional, a necessidade de dar continuidade à política de turismo exige o reforço e concentração, num limitado período temporal, de avultados recursos financeiros capazes de gerar investimentos que permitam consolidar, de forma irreversível, a sua estratégia e garantir, na evolução continuada de um crescimento sustentado, o futuro do turismo português.
Nesse sentido, cumpre reconhecer que a obtenção pelo Estado, a título de contrapartidas iniciais pela prorrogação dos prazos de concessão, de um montante particularmente significativo é factor de vital importância para a consolidação da estratégia de desenvolvimento do turismo português.
Estão pois preenchidas as razões de interesse público que justificam a prorrogação dos actuais prazos de concessão.
A prorrogação antecipada das concessões permitirá também às concessionárias dar continuidade aos investimentos em curso e programar novos investimentos de médio e longo prazos, com as inerentes vantagens para a estabilidade e desenvolvimento deste sector, bem como para o prosseguimento e reforço das suas acções de promoção turística.
Verifica-se, por outro lado, o cabal cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre as concessionárias.
Considera assim o Governo que se encontram reunidas as condições para que, nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, sejam prorrogados os actuais prazos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar nas abaixo referidas zonas de jogo de Portugal continental. Ainda nos termos de tal preceito, deve o Governo estabelecer em decreto-lei as condições da prorrogação.”
De notar, também, que no preâmbulo do D.Lei 422/89, de 2 de Dezembro se refere: «A disciplina actual do jogo consagra algumas soluções que carecem ser adaptadas às alterações de natureza sócio-económica verificadas nos últimos anos e, fundamentalmente, à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas».
E mais adiante, como principais inovações introduzidas pelo diploma, salienta-se: “acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável, factor que beneficia, designadamente, a animação e equipamento turístico das regiões, bem como a respectiva promoção nos mercados internos e externos”
Deixando, por ora, de parte os reparos da Recorrente quanto às invocadas deficiências de fundamentação do acto – matéria de que se conhecerá a propósito do alegado vício de forma por falta de fundamentação – impõe-se dizer o seguinte:
Para além do uso de conceito jurídico indeterminado – interesse público –, o preceito em análise reporta-se a um verdadeiro poder discricionário, de optar ou não pela prorrogação do prazo do contrato de concessão, apenas sindicável nos seus aspectos vinculados, designadamente os relativos à competência, à forma, à realidade ou exactidão dos factos representados pela Administração, ao fim prosseguido, e quanto aos “limites internos do exercício desse poder”, nomeadamente o respeito pelos princípios da igualdade e imparcialidade (v. a título exemplificativo, ac. deste STA de 27.03.03, rec. 831/02, ac. de 17.11.04, rec. 1242/03)
O conceito de interesse público a que alude o art.º 13.º em referência é, como se afigura líquido, um conceito jurídico indeterminado, expressão, de resto, muito pouco usada na Constituição, como nos dão nota Gomes Canotilho e Vital Moreira (in CRP Anotada, 3ª ed. revista e actualizada, anot. ao artº 266º) e “cuja evidência – intuitiva não facilita em muito a sua definição” (cf. Sérvulo Correia, Os princípios constitucionais da Administração Pública, in Estudos sobre a Constituição, III, Lisboa, 1979, pag. 662).
Conforme é orientação consolidada da jurisprudência deste STA, a Administração goza, neste domínio, de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento daqueles conceitos, bem como da respectiva valoração, apenas “sancionável” pelo Tribunal, no caso de assentar em erro patente ou critério inadequado (v. entre outros, ac. do Pleno da 1ª secção de 19.6.01, rec. 44.307; ac. da 3ª subsecção, 1ª secção, de 17-11-04, rec. 1242/03).
Na situação em apreço, entende-se que a opção pela prorrogação do contrato de concessão, por se considerar de interesse público a obtenção (através das contrapartidas iniciais), “num limitado período temporal”, de avultados recursos financeiros capazes de gerar investimentos que permitam consolidar, de forma irreversível, a estratégica da política do turismo do país e garantir, na evolução continuada de um crescimento sustentado, o futuro do turismo português (cf. Preâmbulo do DL 275/2001), não revela nenhum erro patente ou uso de critério inadequado, antes se mostra em concordância com os benefícios públicos atribuídos à concessão pelo Estado da exploração de jogos de fortuna ou azar, pelo DL 422/89, de 2 de Dezembro, para os quais, acima, se chamou a atenção.
Registe-se que – facto que a Recorrente parece olvidar –, com a prorrogação do contrato de concessão à concessionária que mostra ter cumprido as suas obrigações, o Estado, além de acautelar, com maior probabilidade de êxito, o cumprimento do contrato, em matéria de tanta sensibilidade como é o jogo (v. Freitas do Amaral e Luís Torgal, Estudos sobre concessões, pag. 544) prossegue o seu interesse em arrecadar ou “concentrar” imediatamente uma quantia consideravelmente elevada (cerca de 60 milhões de euros), logo em Outubro de 2001, por conta de uma concessão que só se iniciará em 2006, e depois, semestralmente, a começar em 2 de Janeiro de 2002, dez prestações de mais de 4 milhões de euros, cada; sem ter, assim, de aguardar os resultados de um concurso e o contrato que, na sua sequência, se celebraria, presumivelmente próximo do final da concessão em curso (2006), e pelas quantias que o melhor concorrente, só então, fornecesse, a título de contrapartidas iniciais e prestações.
Por último, dir-se-á que não é compreensível a distinção que a Recorrente faz entre “interesse directo da Administração” e “interesse público”, posto que o interesse directo da Administração corresponde ao interesse da colectividade, logo, é “interesse público”.
Improcedem, pois, as conclusões 6ª a 13ª, inc. das alegações.
2.2.B.2 Quanto à matéria das conclusões 14ª a 17ª
A Recorrente intitula a matéria das conclusões ora em epígrafe como “exercício abusivo do poder discricionário”.
Acontece porém que, como a sua simples leitura evidencia, em momento algum, aí se concretiza o invocado exercício abusivo do poder discricionário, que se traduziria, afinal, a verificar-se, no vício juridicamente enquadrado como “desvio de poder” pela generalidade da doutrina e da jurisprudência administrativas.
O vício de desvio de poder traduz-se no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder.
Tanto pode ocorrer nos casos em que a Administração visou prosseguir um interesse privado e não um fim público, como naqueles outros em que a Administração visa atingir um fim de interesse público diferente do legalmente previsto.
Conforme é entendimento jurisprudencial assente, a desconformidade com o fim visado pela lei constitutiva do desvio de poder, tem de ser demonstrada pelo Recorrente, ao qual incumbe alegar e provar os respectivos elementos constitutivos, demonstrando concretamente qual o fim prosseguido diverso do fim legal (v. a titulo meramente exemplificativo, ac. de 28.7.04, p. 1977/03).
“O êxito da arguição do vício do desvio de poder depende da prova do desvio do fim, não bastando a mera invocação abstracta do mesmo” (ac. da 1ª secção, 1ª subsecção do STA, de 29.2.2005, rec. 1208/04).
Ora, sendo certo que valem aqui por inteiro as considerações que se produziram em 2.2.B.1 do presente aresto, é manifesto que tal ónus não foi cumprido pela Recorrente.
Improcede, pois, a ilegalidade respeitante a um denominado (pela Recorrente) “exercício abusivo do poder discricionário”, a que se reportam as conclusões 14ª a 17ª, inc.
2.2.B.3 - Da alegada violação do princípio da igualdade (conclusões 18ª a 22ª).
Sustenta a Recorrente, em síntese, que:
- A arguição da violação deste princípio está directamente dependente da consideração da legitimidade da Recorrente como detentora de um interesse legalmente protegido, nos termos em que ficou demonstrado nos acórdãos já proferidos nos autos.
- A atribuição por lei, mediante iniciativa da concessionária ou da própria Administração, da possibilidade de prorrogação do prazo de concessão, acaba por configurar um tratamento desigual perante a entidade que já viu ser-lhe atribuída a concessão e aquelas que pretendiam apresentar-se a um concurso.
- Por outro lado, na argumentação do Primeiro-ministro, a quando da Resposta, revela-se uma flagrante incoerência que funda a absoluta desconsideração pelo princípio da igualdade. De início, argumenta-se que não há qualquer violação da cláusula geral de igualdade do art.º 13.º da C.R.P., para logo a seguir se acrescentar que há razão objectiva justificativa que torna legítima a desigualdade contestada.
- A afirmação da concessionária, na respectiva contestação, de que no momento em que a decisão de prorrogação foi adoptada, apenas estavam em condições de igualdade as concessionárias das demais zonas de jogo em concessão é totalmente infundada e vem, com maior claridade até, demonstrar porque argui a Rte a violação do princípio de igualdade: a ser assim, gerar-se-ia um monopólio ad infinito daqueles que já entraram no negócio de exploração de jogos de fortuna e azar.
Não tem, porém, razão.
Antes de mais, e porque a Recorrente chama de novo à colação, a este propósito, o interesse que lhe teria sido reconhecido “por acórdãos deste STA”, cabe reafirmar que o interesse que lhe foi reconhecido pelo acórdão do Pleno da 1ª secção de fls. 339 e segs. (o acórdão do Plenário para o qual foi interposto recurso, por oposição de julgados, não contém qualquer pronúncia de mérito, antes, julgou findo o recurso por não se verificar a invocada oposição de decisões), foi apenas o “interesse legítimo em obrigar a cumprir a legalidade relativamente ao acto de prorrogação do referido contrato” e não, como parece pretender a Recorrente “o direito a evitar a prorrogação do contrato de concessão desses jogos à recorrida particular, impondo ao Governo a obrigação de abrir concurso”.
Quanto à argumentação alegadamente usada pela recorrida particular em abono do respectivo ponto de vista sobre a não violação, no caso, do princípio da igualdade, é manifesto que não poderia nunca, a partir dos argumentos usados pela parte contrária no processo, extrair-se qualquer conclusão minimamente fundada sobre a legalidade/ilegalidade (genética) do acto administrativo impugnado, pelo que não temos de nos ocupar dela.
Todavia, no que concerne à afirmação do Primeiro-ministro, a que a Recorrente alude na conclusão 21ª, sempre se dirá que a mesma nada tem de incoerente.
O que aí se pretende dizer, com suficiente clareza, é que não existe violação do “princípio da igualdade”, quando existem razões objectivas justificativas de um tratamento diferente.
Ou seja, com tal proposição, pretende negar-se a existência de um tratamento “arbitrário”, proibido pela C.R.P.
Prosseguindo.
Conforme, inequivocamente, resulta do alegado pela recorrente, a sua censura a propósito da invocada violação do princípio constitucional da igualdade é dirigida à solução consagrada na própria lei, ao contemplar a possibilidade de prorrogação do prazo de concessão.
O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da C.R.P. tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de direitos e deveres.
Conforme ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira (v. C.R.P. anotada, 3ª edição anotação ao art.º 13.º (que em toda esta matéria seguiremos de perto) essencialmente ele consiste em duas coisas: proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever; proibição de prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever.
Em princípio, os direitos e vantagens a todos devem beneficiar e os deveres e encargos sobre todos devem impender.
O seu âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões:
- proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais;
- proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias;
- obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural.
A propósito da proibição do arbítrio, escrevem os citados constitucionalistas (in obra e local citados):
“A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisões dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infracção» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio.
A proibição do arbítrio, ao valer como princípio objectivo de controlo, não significa em si mesma, simultaneamente, um direito subjectivo público a igual tratamento, a não ser que se violem direitos fundamentais de igualdade concretamente positivos ou que a lei arbitrária tenha servido de fundamento legal para actos da administração ou da jurisdição lesivos de direitos e interesses constitucionalmente protegidos.”
Revertendo ao caso dos autos, a questão que se coloca é a de saber se a possibilidade de prorrogação inconcursada do prazo do contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, tendo em conta o interesse público, previsto no art.º 13.º do 422/89, de 2 de Dezembro (e mantida no D.L. 10/95, de 19 de Janeiro, que lhe introduziu alterações), ao abrigo do qual foi praticado o acto contenciosamente recorrido, ofende o aludido princípio constitucional, designadamente, nas suas vertentes de proibição de discriminação e do arbítrio.
A resposta que aqui se impõe dar é negativa.
Efectivamente:
Atenta a margem de livre conformação político-legislativa do legislador (muito mais ampla, por sua própria natureza, do que a que goza a Administração ao emitir juízos e valorações típicas da função administrativa) o poder de controlo dos tribunais a este respeito – avaliar o modo como, nas normas da Lei, se procedeu à optimização, harmonização e modelação dos princípios jurídicos fundamentais da Constituição, nomeadamente o da igualdade, sendo certo que o seu peso relativo na regulação das diversas situações é variável - é, necessariamente, restrito.
A este respeito, escreve-se, designadamente, no Parecer da Comissão Constitucional n.º 26/82:
“... em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe aos respectivos órgãos emitir propriamente um juízo «positivo» sobre a solução legal: ou seja, um juízo em que o órgão de controlo comece por ponderar a situação como se fora o legislador (e como se “substituindo-se” a este) para depois aferir da racionalidade da solução legislativa pela sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa”, ou “ideal”. Os órgãos de controlo da constitucionalidade não podem ir tão longe: o que lhes cabe (em hipóteses como as do tipo considerado) é tão-só um juízo “negativo” que afaste aquelas soluções de todo o ponto insusceptíveis de credenciar-se racionalmente. Onde tal não aconteça — onde não possa afirmar-se que a um determinado regime jurídico especial falta toda a justificação — não deverá em sede de fiscalização da constitucionalidade, considerar-se violado o princípio da igualdade” (no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 335/94 e 640/95, também citados no Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
Assentes estas considerações, dir-se-á que a autorização da prorrogação dos contratos de concessão da exploração de jogo, prevista no art.º 13 do DL 422/89, de 2.12, não merece a censura inerente ao juízo negativo sobre a violação do princípio da igualdade, nos termos constantes da aludida jurisprudência constitucional, pois, além do mais, conforme inequivocamente resulta do que se deixou explanado em 2.2.B.1, tal solução é justificada por razões credíveis de interesse público, sem que tenha sido violado qualquer dto fundamental ou interesse legalmente protegido à obrigatoriedade de concurso público.
Por outro lado:
Para que a resposta pudesse ser positiva, impunha-se considerar que o respeito pelo princípio da igualdade - nomeadamente a igualdade na repartição de benefícios públicos - só seria assegurado, em todos os casos, através da realização de concursos públicos.
Ora, cabe, desde já, referir que não existe nesta matéria, na Constituição, nenhuma regra jurídica directa que obrigue à efectivação de concurso público em todos os casos de atribuição do direito de concessão de exploração de bens ou direitos públicos, como é o caso dos Jogos de fortuna ou azar.
Como bem se faz notar no parecer jurídico de Mário Esteves de Oliveira, junto aos autos, «nem mesmo em relação a contratos tão delicados, em termos de repartição de benefícios e de arrecadação de receitas, quanto o são esses da reprivatização de bens nacionalizados, a que se refere a alínea a) do seu art. 296º a CRP impõe como única solução a adopção de modalidades de concurso público, dispondo apenas que essa será a modalidade “regra”e “preferencial” da sua alienação.
Admitindo, portanto, que o legislador ordinário a possa afastar, quando existam razões significativas a apontar em outro sentido.
Sendo óbvio, por outro lado, que se quisesse que tal princípio também fosse observado na restante contratação pública, o legislador constituinte não teria deixado de o dizer de maneira explícita ou implícita – ou, então, se o considerasse imanente aos regimes estabelecidos na Constituição, não necessitaria de o ter referido apenas aos contratos de alienação de bens nacionalizados, criando a dúvida sobre a sua imanência geral».
Acresce que, como pertinentemente observa o mesmo ilustre Autor, sendo várias as leis que permitem a prorrogação dos diversos contratos de concessão e a dispensar a realização de concurso público prévio para a celebração de contratos públicos, em determinadas circunstâncias, não é razoável admitir que o legislador constituinte tivesse pretendido tornar todas essas leis inconstitucionais face à (suposta) exigência da celebração de tais contratos, ou da sua prorrogação, precedendo concurso público, ainda para mais, fazendo-o de forma silente, quando poderia (numa norma breve), dispor clara e seguramente nesse sentido.
2.2.B.4 Quanto à matéria das conclusões 23ª a 39ª (Da violação do princípio da proporcionalidade).
A recorrente sustenta que a prorrogação do prazo da concessão da exploração em causa, sem precedência de concurso público, viola o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da necessidade, adequação e equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito.
Argumenta para tanto, em síntese, que:
– A prorrogação não era o único meio disponível para a atribuição da concessão, nem o mais eficaz. Através do concurso poder-se-ia adjudicar a concessão em causa a uma entidade mais eficiente (que garantisse igual cumprimento das obrigações) e com maior capacidade de investimento.
- O interesse público seria melhor prosseguido através da abertura de um concurso público, tendo sido prejudicados todos aqueles que na sua esfera jurídica detinham, como a Recorrente, o interesse legalmente protegido a apresentar uma candidatura.
– Os benefícios que se esperam alcançar com a prorrogação da concessão não irão suplantar os custos acarretados, uma vez que a abertura do concurso público iria possibilitar encontrar a solução mais eficiente, ao invés de manter a solução média já em execução. O benefício retirado seria superior ao custo.
– Nem se diga que a prorrogação se justifica por o desenvolvimento do turismo não se compadecer com decisões conjunturais mas antes com decisões estruturais. O financiamento deste sector seria, ou deveria ser, apenas uma consequência da prorrogação e não um fundamento, muito menos o principal, conforme é referido na exposição de motivos do DL 275/2001.
– O prazo de prorrogação é demasiado dilatado, o que além de permitir sobrelucros injustificados, equivale a conceder um benefício para o particular, sem justificação atendível à luz dos princípios constitucionais da igualdade e da concorrência
Vejamos:
O controlo do Tribunal a este respeito leva ínsitos os mesmos limites que se deixaram referidos a propósito da análise da alegada violação do princípio da igualdade, designadamente a exclusão da jurisdição destes do controlo da oportunidade e mérito da actividade administrativa, bem como, na parte (uma boa parte) em que as censuras da Recorrente se dirigem à própria admissibilidade legal da prorrogação (inconcursada) do prazo da concessão, as especiais limitações decorrentes dos poderes de livre conformação político legislativa do legislador.
E, como a síntese da respectiva argumentação, a este propósito, logo deixa transparecer, o que a Recorrente pretende, afinal, discutir é o mérito da previsão legal da prorrogação a que respeita o artigo 13.º da Lei do jogo e o mérito da opção do Governo pela prorrogação do prazo da concessão aqui em causa.
Tendo em conta os apontados limites dos poderes de cognição do Tribunal e, face ao que se deixou exposto em 2.2.B.1. do presente acórdão, sobre as razões fundamentais que presidem à disciplina legal do jogo, nomeadamente, através do DL 422/89, de 2 de Dezembro (patenteadas no respectivo preâmbulo), bem como as que justificaram a prorrogação do prazo da concessão em debate no presente recurso, entende-se que não existe razão para considerar violadora do princípio da proporcionalidade (em qualquer das vertentes que se deixaram assinaladas), o aludido artº 13º do DL 422/89, de 2 de Dezembro, nem o acto contenciosamente recorrido, praticado sob a sua égide.
Antes, face “a função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas”, é perfeitamente admissível a necessidade, em certos casos – como foi o caso dos autos -, de obter, de forma célere, avultados recursos materiais para “a animação e equipamento turístico das regiões, bem como a respectiva promoção nos mercados interno e externo”.
Acresce que, também atentas as especificidades da exploração em causa, nomeadamente “as incidências sociais e penais” associadas a tal prática, seja compreensível que a Administração, antes de avançar para um concurso público, possa, no interesse da Colectividade, ponderar a eventualidade de prorrogar o prazo de um contrato de concessão deste género com o concessionário que cumpriu as suas obrigações e, consequentemente, já demonstrou, na prática, que a Administração Pública tem muitas probabilidades de não correr os riscos inerentes ao tipo de concessão em causa.
Quanto à alegação da Recorrente que o prazo de prorrogação do contrato em análise (15 anos) é excessivo, com o que se beneficiaria, sem qualquer razão material o interesse privado em detrimento do interesse público dir-se-á:
Considerando, por um lado, a necessidade de a concessionária levar a cabo dispendiosos empreendimentos, nomeadamente ao nível da construção do casino de Lisboa e demais obrigações conexas (com a inerente necessidade de um prazo relativamente longo para as amortizar e auferir lucros) e, por outro, as vultosas receitas que o Estado aufere (a que atrás nos referimos) com a prorrogação do contrato, resulta, com clareza suficiente, que não há aqui qualquer desproporção manifesta.
Improcedem, assim, as conclusões 23ª a 39ª das alegações.
2.2.B.6. Quanto à matéria das conclusões 40ª a 42ª (violação do princípio da tutela da confiança).
É certo que, tal como alega a Recorrida particular, a violação deste princípio não foi, pelo menos de forma autonomizada, invocada na petição.
Todavia, admitindo-se que o tenha feito, de forma implícita e menos clara, sempre se dirá que, tal como invoca a Recorrida, a tutela da confiança pressupõe a “protecção de particulares relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente provocam uma crença na sua efectivação”.
Ora, no caso em apreço, não houve qualquer comportamento da Administração que justificasse a alegada “confiança” da Recorrente de que seria aberto concurso, sendo certo que a lei admitia, claramente, a possibilidade de ser prorrogado o prazo de concessão.
2.2.B.7. Quanto à matéria das conclusões 43ª a 51ª, inc. (Do vício de falta de fundamentação)
Sustenta a recorrente que o acto contenciosamente impugnado enferma do vício de forma por falta de fundamentação pois, em seu entendimento, as razões constantes da exposição de motivos do DL 275/2001 de 7/10, não traduzem “uma fundamentação completa ou sequer clara”, “não se retirando desses motivos uma justificação plausível para que se prorrogasse por mais 15 anos um vínculo que já havia durado desde 1978, e que só terminava em 2005, tendo a prorrogação sido firmada em 2001, deixando de fora todas as possíveis candidatas com um interesse legítimo em apresentar as suas propostas findo o referido vínculo de concessão”.
Vejamos:
Conforme é orientação pacífica da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto em causa.
Na mesma linha de entendimento, escreve Vieira de Andrade, in O dever de Fundamentação expressa de actos administrativos pág. 260 e 264 (em passo também citado pela Recorrida particular):
“Em certas situações de autonomia conformadora da administração – sobretudo no exercício de faculdades discricionárias de acção, mas também em zonas de avaliação subjectiva –, o conteúdo da fundamentação obrigatória apresenta quase inevitavelmente critérios mais genéricos ou referência factuais mais discutíveis ou menos concretos. Nestes casos, a relativa lassidão fundamentadora não aparece reconduzida ao uso de uma liberdade, de um poder ou de uma prorrogativa – estas seriam/consequência e não causa –, mas à situação em si, quando só dificilmente possa a objectividade do juízo decisório ser manifestado e comprovado mediante um enunciado linguístico lógico-racional”
Por outro lado, como bem aponta a recorrida particular, a exposição de motivos é dirigida não só à prorrogação da concessão com a Recorrida particular, mas também com outros concessionários.
Ora a jurisprudência deste S.T.A. sempre considerou que este tipo de actos (actos plurais) admite, pela sua própria natureza, uma fundamentação menos exigente (v. entre outros, ac. do S.T.A. de 22.3.84, p. 15726, de 21.1.92, rec. 23.330; No mesmo sentido, Vieira de Andrade, obra citada, fls.257)
Ora, tendo ainda em conta que a fundamentação é um requisito formal e não substancial do acto administrativo – circunstância que a alegação da Recorrente evidencia não ter levado em devida consideração – e que, para aferir da conformidade legal da fundamentação, o que verdadeiramente importa (conforme é, de há muito, orientação jurisprudencial pacífica deste S.T.A.) é a revelação do iter cognoscitivo e valorativo do autor do acto, de forma a possibilitar aos interessados, discordando dele, impugná-lo, impõe-se concluir que o acto impugnado contém a exposição clara e suficiente dos motivos e da decisão administrativa através dele tomada (contidos no Preâmbulo do DL 275/2001 transcrito em 2.2.B.1) não lhe sendo detectadas quaisquer contradições dos motivos relevantes para a sua adopção.
Improcedem, pois, as conclusões 43ª a 51ª, inc. das alegações.
3. Nestes termos, improcedendo todas as conclusões das alegações da Recorrente, acordam em negar provimento ao recurso contencioso.
Custas pela Recorrente, fixando-se:
Taxa de justiça: € 450.
Procuradoria: € 300.
Lisboa, 6 de Abril de 2006. – Maria Angelina Domingues (relatora) – Costa Reis – Cândido de Pinho.