Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0315/14.0BEFUN |
Data do Acordão: | 07/01/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | MAIS VALIAS IRS VALOR DE REALIZAÇÃO |
Sumário: | I - Para efeitos de apuramento das mais valias imobiliárias, o valor de aquisição do imóvel construído pelos sujeitos passivos corresponde ao valor de inscrição matricial do imóvel quando ele ingressa na titularidade dos proprietários, a não ser que os mesmos comprovem que é superior o valor do terreno, acrescido dos custos de construção (artigo 46.º, n.º 3 do CIRS). II - O sujeito passivo pode ainda fazer acrescer àquele montante, o valor das despesas e encargos previstos no artigo 51.º, al a) do CIRC, desde que esses custos sejam devidamente comprovados, o que no caso não foi alegado nem provado. III - No mais, o valor de aquisição é apenas corrigido (actualizado) nos termos do disposto no artigo 50.º do CIRS. IV - As regras legais sobre a forma de cálculo do valor de aquisição dos imóveis construídos pelos sujeitos passivos para efeitos de apuramento do ganho tributado em mais-valias imobiliárias não violam os princípios fundamentais da constituição. |
Nº Convencional: | JSTA000P26135 |
Nº do Documento: | SA2202007010315/14 |
Data de Entrada: | 01/31/2019 |
Recorrente: | A..... E OUTROS |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1. A……….., e mulher, B…………, com os sinais dos autos, interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, em 14 de Novembro de 2018, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2014 5005358986, referente ao exercício de 2011, e respectivos juros compensatórios, no valor global de €7.297,14, apresentando, para tanto, alegações que concluem do seguinte modo: A) A questão a decidir consiste em saber, com vista ao apuramento das mais valias em sede de IRS, se o valor de aquisição do imóvel construído pelos ora recorrentes é o valor patrimonial à data da sua inscrição matricial e atualizado de acordo com os coeficientes legais (€4.041,20) ou o valor patrimonial que resultou da avaliação nos termos do CIMI (€39.600). B) Salvo devido respeito por opinião diversa, entendem os recorrentes que o sr. juiz “a quo” e a administração tributária, erradamente, cingiram-se à letra da alínea a) do n.º 2 do artigo 50.º do CIRS, quando, também, deviam ter tido em conta, como não tiveram, a unidade do sistema jurídico fiscal, tudo com vista à correta determinação das normas de incidência aplicáveis ao caso sob recurso, ou seja, não cumpriram com o comando previsto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aqui aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 11.º, ambos da Lei Geral Tributária. C) O Código do IRS entrou em vigor em 01/01/1989, em conformidade com o artigo 2.º do Decreto Lei n.º 442-A/88, de 30/11, data em que o Legislador não previu a avaliação geral dos prédios urbanos imposta pelo Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11 (Reforma da Tributação do Património). D) Justificou o legislador no preâmbulo do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, aprovado pelo referido Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11, a necessidade da reforma da tributação do património por existir, entre outros dizeres, uma: “(…) profunda desactualização das matrizes prediais e a inadequação do sistema de avaliações prediais (…)”. E) Mais à frente, referiu o mesmo legislador, no preâmbulo do mesmo diploma legal, que “(…) Embora o Código de Contribuição Autárquica tenha entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1989, o sistema de avaliação vigente é ainda o do velho Código da Contribuição Predial e do Imposto Sobre a Indústria Agrícola, de 1963, que em grande parte manteve o sistema do Código da Contribuição Predial de 1913.” F) Mais ali referiu que “O sistema de Avaliações até agora vigente foi criado para uma sociedade que já não existe (…)”. G) Ora, consta provado que em 31/05/1991 foi inscrito na matriz predial urbana o prédio objeto da compra e venda, construído pelos recorrentes, e que é o inscrito na matriz sob o artigo 4110, da freguesia do …………….., ao qual foi, ao tempo, atribuído o valor patrimonial de €2.424,16, H) posteriormente alterado para o valor de€4.041,20, em virtude das atualizações em conformidade com os coeficientes legais, tendo o valor patrimonial sido determinado nos termos previstos no aludido velho Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, de 1963. I) Aquando da compra e venda (26/08/2011), o prédio em causa ainda não havia sido objeto da avaliação geral ordenada no artigo 15.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11, com entrada em vigor, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º deste Decreto Lei, em 01/12/2003 (reforma da tributação do património). J) Por se estar perante a primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do CIMI, o serviço de finanças competente, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11 (reforma da tributação do património), procedeu oficiosamente à avaliação do referido prédio urbano, tendo resultado da mesma o valor patrimonial de €39.960. K) Este valor patrimonial aproximou o prédio objeto da compra e venda do seu valor real. L) Considerando a legislação fiscal, nomeadamente a aludida no corpo destas alegações, entendem os ora recorrentes, contrariamente ao entendimento do sr. juiz “a quo”, que na determinação dos pressupostos legais com vista ao apuramento das mais valias do prédio objeto da venda, M) o teor da alínea a) do n.º 2 do artigo 50.º do Código do IRS deve ser interpretado em conjugação com as normas previstas na alínea a), do n.º 1, do artigo 27.º do regime jurídico que ordenou a avaliação geral, aprovado pelo Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11, com os mencionados artigos dos Códigos do IMI, IMT e do IS; com o artigo 31.º-A; alínea f) do n.º 1, n.º 2, n.º 5 e n.º 7 do artigo 44.º, estes do CIRS e artigo 73.º da Lei Geral Tributária. N) A sentença “a quo” enferma de erro de julgamento por não ter relevado o erro de quantificação em que assentou a liquidação uma vez que o valor de aquisição para o apuramento das mais-valias não deve resultar do valor patrimonial existente à data da inscrição na matriz (1991), por ser um valor fictício, não assente na realidade económica subjacente ao mesmo e longe do seu valor real, O) mas do valor patrimonial que resultou da avaliação geral nos termos do CIMI (€39.960) e que foi o declarado pelos recorrentes no anexo “G” do modelo 3 do IRS, por ser este o valor que mais se aproximou do seu valor real e por razões de justiça material porque a tributação deve ter sempre em consideração o seu rendimento real e a sua capacidade contributiva. P) Ora, o sistema fiscal não se coaduna com a existência de uma tributação assente em rendimentos inexistentes ou fictícios em situações em que é conhecido ou apurável o valor real dos factos tributários, admitindo-se sempre a prova da divergência entre os rendimentos ficcionados e a realidade. Q) A administração tributária, erradamente secundada pelo sr. juiz “a quo”, optou pelo valor patrimonial primitivo (€4.041,20) e reconduziu este valor a uma presunção legal, ou, até, a uma ficção legal, inilidível e, em violação do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, julgou inadmissível, para efeitos de contraprova, o valor que resultou da avaliação (€39.960) obtida com base nas regras do CIMI em vigor à data dos factos, apesar deste ser o que mais se aproximou do seu valor real e, por conseguinte, só em função deste se pode apurar se houve ganhos e a sua dimensão. R) E o valor patrimonial tributário que resultou da avaliação nos termos do CIMI consolidou-se na ordem jurídica como caso resolvido uma vez que teve a aceitação da Autoridade Tributária e a não oposição dos proprietários. S) Se por hipótese académica o preço da compra e venda fosse inferior ao valor patrimonial que resultou da avaliação geral nos termos do CIMI, teriam os compradores, nos termos do aludido n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Lei n.º 287/2003 de 12/11; do n.º 3 do artigo 76.º do CIMI; do artigo 31.º-A e dos n.º 2 e 7 do artigo 44.º e n.º 1 do artigo 46.º, todos do CIRS, de suportar uma liquidação adicional oficiosa relativamente ao IMT, ao Imposto do Selo e ao IRS, T) e, consequentemente, de pagar a diferença entre o valor patrimonial e o valor declarado na compra e venda, caso este fosse inferior àquele. U) Salvo o devido respeito, o sr. juiz “a quo” e a Autoridade Tributária, ao terem optado pelo valor patrimonial primitivo em detrimento do valor patrimonial que resultou da avaliação geral nos termos do CIMI, violaram os princípios constitucionais que defendem a tributação do lucro real, da igualdade e capacidade contributiva ínsitos no artigo 13.º e no n.º 1 do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa. V) E uma vez aceite o referido valor patrimonial que resultou da avaliação geral (€39.960) como sendo o mais próximo do seu valor real e tratando-se da 1.ª transmissão após a entrada em vigor da reforma da tributação do património, não podia o sr. juiz “a quo” e a AT deixar de o contabilizar, enquanto valor de aquisição, para efeitos de IRS, sob pena de insanável contradição e de violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação real do rendimento, estes aludidos no n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária. W) Entendem os recorrentes que a sentença “a quo”, considerando as razões supra aduzidas, sofre de erro de direito sobre os pressupostos da tributação das mais valias. X) Aliás, considerando tudo o supra referido, entendem os recorrentes que a sentença “a quo” violou os princípios da legalidade, da generalidade, da igualdade de tratamento que deve existir entre o Estado e o cidadão contribuinte, e, principalmente, o da justiça material, previstos no n.º 1 do artigo 4.º e n.º 2 do artigo 5.º, ambos da Lei Geral Tributária e artigos 13.º e n.º 1 do 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, Y) pelo que deverá ser, salvo diferente e melhor opinião, o referido valor que resultou da avaliação geral (€39.960) a servir de referência, enquanto valor de aquisição, para o apuramento das mais valias relativas ao prédio objeto da venda, como resulta, entre outros, do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS; do n.º 3 do artigo 73.º do CIMI; da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11 (reforma da tributação do património); n.º 3 do artigo 11.º e artigo 73.º, ambos da Lei Geral Tributária. Z) Por tudo o referido, entendem os recorrentes, salvo diferente e melhor opinião, que nada há a alterar no anexo “G” do modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2011, apresentado em 28/05/2012 AA) e, por consequência, requererem que, por acórdão, seja dado provimento ao presente recurso, revogada a sentença recorrida e julgada procedente a impugnação, com as inerentes consequências legais. BB) A sentença “a quo” violou ou interpretou erroneamente, entre outros, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aqui aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º e n.º 1 do 11.º da Lei Geral Tributária; alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11; o n.º 3 do 76.º do CIMI; o n.º 1 do artigo 4.º e o n.º 2 do artigo 5.º e artigo 73.º, estes da Lei Geral Tributária e o n.º 2 do artigo 44.º, n.º 1 e 3 do 46.º e alínea a) do n.º 2 do 50.º, estes do CIRS e o artigo 13.º e n.º 1 do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa. Termos em que requerem os recorrentes que seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, julgando, assim, procedente a impugnação, com as inerentes consequências legais». 2. Não foram apresentadas contra-alegações 3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer com o seguinte sentido da improcedência do recurso. 4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
6. Pela ordem de serviço n.º OI201400331, datada de 30 de junho de 2014, com despacho de 02 de julho de 2014, e o código de atividade 1212210209 (Sujeitos Passivos titulares de vendas de bens imobiliários), foi determinada a realização de ação inspetiva interna aos ora Impugnantes, de âmbito parcial, incidente sobre o IRS de 2011 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 07 a 15 do PA apenso. 8. Os Impugnantes exerceram o seu direito de audição prévia ao projeto de relatório de inspeção, por petição escrita com entrada em 02 de novembro de 2014 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 07 a 15 do PA apenso. Anexo «G» O resultado da liquidação do IRS foi nulo. III -2. Análise aos elementos O prédio urbano localizado ao sítio da …….., da freguesia ……….., concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4110 foi adquirido da seguinte forma: Em 31 de maio do ano de 1991, data em que foi entregue no serviço de Finanças do concelho de Câmara de Lobos a declaração para a sua inscrição na matriz, tendo-lhe sido atribuído nesta data o valor patrimonial de € 2.424,16. Os sujeitos passivos declaram como valor de aquisição o valor patrimonial actual de € 39.960,00, quando deveria ser o valor patrimonial aquando da sua inscrição matricial o valor de € 2.424,16. O referido imóvel foi alienado no dia 2011-08-26, pelo preço global de € 78.000,00 conforme DUC 160 211 022 958 703. [...] Os elementos a declarar no anexo «G», omitido da declaração 2801-2011-J0196-94, são os constantes no quadro seguinte: IX – DIREITO DE AUDIÇÃO [...] Sobre o acima exposto temos a referir que: 1 – Em 31 de maio do ano de 1991, os contribuintes apresentaram no serviço de Finanças do concelho de Câmara de Lobos a declaração para a sua inscrição na matriz do prédio urbano localizado ao sítio da …….., da freguesia ………, concelho de Câmara de Lobos, o qual foi inscrito na matriz urbana sob o artigo 4110 tendo-lhe sido atribuído nesta data o valor patrimonial de € 2.424,16 (doc.1) 2 – Nos termos do art.º 46.º do CIRS, o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele. Neste caso em apreço a Administração Tributária considerou como valor de aquisição, para efeitos de apuramento de mais-valia, o valor patrimonial à data da sua inscrição (1991) o montante de € 2.424,16. 3 – O valor patrimonial de € 4.041,20, reportado a 31-12-2009, resulta da aplicação das regras estabelecidas no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, artigo 16.º, as quais fixam a actualização do valor patrimonial tributário, enquanto não se proceder à avaliação geral dos prédios urbanos, para efeitos de IMI. Este montante não tem qualquer relevância para efeitos de apuramento de mais-valias. 4 – Para efeitos de cálculo da mais valia, a matéria colectável apura-se pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do prédio urbano, actualizado mediante a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda (1,85); (2.424,16 * 1,85 = 4.484,70), conforme portaria 282/11 de 21 de Outubro, artigo 50.º do CIRS. Perante o exposto, deverão manter-se as correcções constantes do projecto de correcções” – cfr. fls. 07 a 15 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 10. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária, datado de 21 de outubro de 2014 – cfr. fls. 08 do PA apenso. |