Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0315/14.0BEFUN
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:MAIS VALIAS
IRS
VALOR DE REALIZAÇÃO
Sumário:I - Para efeitos de apuramento das mais valias imobiliárias, o valor de aquisição do imóvel construído pelos sujeitos passivos corresponde ao valor de inscrição matricial do imóvel quando ele ingressa na titularidade dos proprietários, a não ser que os mesmos comprovem que é superior o valor do terreno, acrescido dos custos de construção (artigo 46.º, n.º 3 do CIRS).
II - O sujeito passivo pode ainda fazer acrescer àquele montante, o valor das despesas e encargos previstos no artigo 51.º, al a) do CIRC, desde que esses custos sejam devidamente comprovados, o que no caso não foi alegado nem provado.
III - No mais, o valor de aquisição é apenas corrigido (actualizado) nos termos do disposto no artigo 50.º do CIRS.
IV - As regras legais sobre a forma de cálculo do valor de aquisição dos imóveis construídos pelos sujeitos passivos para efeitos de apuramento do ganho tributado em mais-valias imobiliárias não violam os princípios fundamentais da constituição.
Nº Convencional:JSTA000P26135
Nº do Documento:SA2202007010315/14
Data de Entrada:01/31/2019
Recorrente:A..... E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……….., e mulher, B…………, com os sinais dos autos, interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, em 14 de Novembro de 2018, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2014 5005358986, referente ao exercício de 2011, e respectivos juros compensatórios, no valor global de €7.297,14, apresentando, para tanto, alegações que concluem do seguinte modo:
A) A questão a decidir consiste em saber, com vista ao apuramento das mais valias em sede de IRS, se o valor de aquisição do imóvel construído pelos ora recorrentes é o valor patrimonial à data da sua inscrição matricial e atualizado de acordo com os coeficientes legais (€4.041,20) ou o valor patrimonial que resultou da avaliação nos termos do CIMI (€39.600).
B) Salvo devido respeito por opinião diversa, entendem os recorrentes que o sr. juiz “a quo” e a administração tributária, erradamente, cingiram-se à letra da alínea a) do n.º 2 do artigo 50.º do CIRS, quando, também, deviam ter tido em conta, como não tiveram, a unidade do sistema jurídico fiscal, tudo com vista à correta determinação das normas de incidência aplicáveis ao caso sob recurso, ou seja, não cumpriram com o comando previsto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aqui aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 11.º, ambos da Lei Geral Tributária.
C) O Código do IRS entrou em vigor em 01/01/1989, em conformidade com o artigo 2.º do Decreto Lei n.º 442-A/88, de 30/11, data em que o Legislador não previu a avaliação geral dos prédios urbanos imposta pelo Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11 (Reforma da Tributação do Património).
D) Justificou o legislador no preâmbulo do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, aprovado pelo referido Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11, a necessidade da reforma da tributação do património por existir, entre outros dizeres, uma: “(…) profunda desactualização das matrizes prediais e a inadequação do sistema de avaliações prediais (…)”.
E) Mais à frente, referiu o mesmo legislador, no preâmbulo do mesmo diploma legal, que “(…) Embora o Código de Contribuição Autárquica tenha entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1989, o sistema de avaliação vigente é ainda o do velho Código da Contribuição Predial e do Imposto Sobre a Indústria Agrícola, de 1963, que em grande parte manteve o sistema do Código da Contribuição Predial de 1913.”
F) Mais ali referiu que “O sistema de Avaliações até agora vigente foi criado para uma sociedade que já não existe (…)”.
G) Ora, consta provado que em 31/05/1991 foi inscrito na matriz predial urbana o prédio objeto da compra e venda, construído pelos recorrentes, e que é o inscrito na matriz sob o artigo 4110, da freguesia do …………….., ao qual foi, ao tempo, atribuído o valor patrimonial de €2.424,16,
H) posteriormente alterado para o valor de€4.041,20, em virtude das atualizações em conformidade com os coeficientes legais, tendo o valor patrimonial sido determinado nos termos previstos no aludido velho Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, de 1963.
I) Aquando da compra e venda (26/08/2011), o prédio em causa ainda não havia sido objeto da avaliação geral ordenada no artigo 15.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11, com entrada em vigor, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º deste Decreto Lei, em 01/12/2003 (reforma da tributação do património).
J) Por se estar perante a primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do CIMI, o serviço de finanças competente, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11 (reforma da tributação do património), procedeu oficiosamente à avaliação do referido prédio urbano, tendo resultado da mesma o valor patrimonial de €39.960.
K) Este valor patrimonial aproximou o prédio objeto da compra e venda do seu valor real.
L) Considerando a legislação fiscal, nomeadamente a aludida no corpo destas alegações, entendem os ora recorrentes, contrariamente ao entendimento do sr. juiz “a quo”, que na determinação dos pressupostos legais com vista ao apuramento das mais valias do prédio objeto da venda,
M) o teor da alínea a) do n.º 2 do artigo 50.º do Código do IRS deve ser interpretado em conjugação com as normas previstas na alínea a), do n.º 1, do artigo 27.º do regime jurídico que ordenou a avaliação geral, aprovado pelo Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11, com os mencionados artigos dos Códigos do IMI, IMT e do IS; com o artigo 31.º-A; alínea f) do n.º 1, n.º 2, n.º 5 e n.º 7 do artigo 44.º, estes do CIRS e artigo 73.º da Lei Geral Tributária.
N) A sentença “a quo” enferma de erro de julgamento por não ter relevado o erro de quantificação em que assentou a liquidação uma vez que o valor de aquisição para o apuramento das mais-valias não deve resultar do valor patrimonial existente à data da inscrição na matriz (1991), por ser um valor fictício, não assente na realidade económica subjacente ao mesmo e longe do seu valor real,
O) mas do valor patrimonial que resultou da avaliação geral nos termos do CIMI (€39.960) e que foi o declarado pelos recorrentes no anexo “G” do modelo 3 do IRS, por ser este o valor que mais se aproximou do seu valor real e por razões de justiça material porque a tributação deve ter sempre em consideração o seu rendimento real e a sua capacidade contributiva.
P) Ora, o sistema fiscal não se coaduna com a existência de uma tributação assente em rendimentos inexistentes ou fictícios em situações em que é conhecido ou apurável o valor real dos factos tributários, admitindo-se sempre a prova da divergência entre os rendimentos ficcionados e a realidade.
Q) A administração tributária, erradamente secundada pelo sr. juiz “a quo”, optou pelo valor patrimonial primitivo (€4.041,20) e reconduziu este valor a uma presunção legal, ou, até, a uma ficção legal, inilidível e, em violação do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, julgou inadmissível, para efeitos de contraprova, o valor que resultou da avaliação (€39.960) obtida com base nas regras do CIMI em vigor à data dos factos, apesar deste ser o que mais se aproximou do seu valor real e, por conseguinte, só em função deste se pode apurar se houve ganhos e a sua dimensão.
R) E o valor patrimonial tributário que resultou da avaliação nos termos do CIMI consolidou-se na ordem jurídica como caso resolvido uma vez que teve a aceitação da Autoridade Tributária e a não oposição dos proprietários.
S) Se por hipótese académica o preço da compra e venda fosse inferior ao valor patrimonial que resultou da avaliação geral nos termos do CIMI, teriam os compradores, nos termos do aludido n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Lei n.º 287/2003 de 12/11; do n.º 3 do artigo 76.º do CIMI; do artigo 31.º-A e dos n.º 2 e 7 do artigo 44.º e n.º 1 do artigo 46.º, todos do CIRS, de suportar uma liquidação adicional oficiosa relativamente ao IMT, ao Imposto do Selo e ao IRS,
T) e, consequentemente, de pagar a diferença entre o valor patrimonial e o valor declarado na compra e venda, caso este fosse inferior àquele.
U) Salvo o devido respeito, o sr. juiz “a quo” e a Autoridade Tributária, ao terem optado pelo valor patrimonial primitivo em detrimento do valor patrimonial que resultou da avaliação geral nos termos do CIMI, violaram os princípios constitucionais que defendem a tributação do lucro real, da igualdade e capacidade contributiva ínsitos no artigo 13.º e no n.º 1 do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
V) E uma vez aceite o referido valor patrimonial que resultou da avaliação geral (€39.960) como sendo o mais próximo do seu valor real e tratando-se da 1.ª transmissão após a entrada em vigor da reforma da tributação do património, não podia o sr. juiz “a quo” e a AT deixar de o contabilizar, enquanto valor de aquisição, para efeitos de IRS, sob pena de insanável contradição e de violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação real do rendimento, estes aludidos no n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária.
W) Entendem os recorrentes que a sentença “a quo”, considerando as razões supra aduzidas, sofre de erro de direito sobre os pressupostos da tributação das mais valias.
X) Aliás, considerando tudo o supra referido, entendem os recorrentes que a sentença “a quo” violou os princípios da legalidade, da generalidade, da igualdade de tratamento que deve existir entre o Estado e o cidadão contribuinte, e, principalmente, o da justiça material, previstos no n.º 1 do artigo 4.º e n.º 2 do artigo 5.º, ambos da Lei Geral Tributária e artigos 13.º e n.º 1 do 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa,
Y) pelo que deverá ser, salvo diferente e melhor opinião, o referido valor que resultou da avaliação geral (€39.960) a servir de referência, enquanto valor de aquisição, para o apuramento das mais valias relativas ao prédio objeto da venda, como resulta, entre outros, do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS; do n.º 3 do artigo 73.º do CIMI; da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11 (reforma da tributação do património); n.º 3 do artigo 11.º e artigo 73.º, ambos da Lei Geral Tributária.
Z) Por tudo o referido, entendem os recorrentes, salvo diferente e melhor opinião, que nada há a alterar no anexo “G” do modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2011, apresentado em 28/05/2012
AA) e, por consequência, requererem que, por acórdão, seja dado provimento ao presente recurso, revogada a sentença recorrida e julgada procedente a impugnação, com as inerentes consequências legais.
BB) A sentença “a quo” violou ou interpretou erroneamente, entre outros, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aqui aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º e n.º 1 do 11.º da Lei Geral Tributária; alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12/11; o n.º 3 do 76.º do CIMI; o n.º 1 do artigo 4.º e o n.º 2 do artigo 5.º e artigo 73.º, estes da Lei Geral Tributária e o n.º 2 do artigo 44.º, n.º 1 e 3 do 46.º e alínea a) do n.º 2 do 50.º, estes do CIRS e o artigo 13.º e n.º 1 do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que requerem os recorrentes que seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, julgando, assim, procedente a impugnação, com as inerentes consequências legais».

2. Não foram apresentadas contra-alegações

3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer com o seguinte sentido da improcedência do recurso.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 31 de maio de 1991, foi inscrito na matriz predial urbana da freguesia do …………….., concelho de Câmara de Lobos, sob artigo 4110, o prédio urbano descrito como “prédio urbano coberto de betão armado, composto por dois pavimentos, medindo 70 m2 de área coberta, tendo na cave uma divisão, no r/c uma garagem e no 1º andar três quartos, cozinha e casa de banho”, concluído em 31 de maio de 1991, sito no Lugar ……., freguesia ………., ao qual foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 2.424,16 – cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial e relatório inspetivo constante de fls. 07 a 15 do Processo Administrativo (PA) apenso.
2. A 20 de janeiro de 2011, constava da caderneta predial urbana do prédio urbano mencionado no ponto antecedente o valor patrimonial tributário atual de € 4.041,20 – cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial.
3. No dia 26 de agosto de 2011, foi celebrada no Cartório Notarial Privado da ……. escritura de “Compra e venda com reserva de propriedade”, em que os ora Impugnantes, A……. e B…………. declararam vender a ………. e mulher, …………., o “prédio misto, composto por terra de cultivo e casa de habitação, localizado ao ………., n.ºs 19, 21 e 23 – sítio da ……., freguesia do …………, concelho de Câmara de Lobos, com a área de cento e oitenta e três metros quadrados, dos quais setenta metros quadrados são de superfície coberta [...] a parte rústica inscrita na matriz sob parte não discriminada do artigo 1/3 da secção FZ, sem valor patrimonial tributário e o declarado de dois mil euros e a parte urbana inscrita na matriz sob o artigo 4110, com o valor patrimonial de € 4.041,20”, mediante o preço de € 80.000,00 “a parcelar dois mil euros pela parte rústica e setenta e oito mil euros pela parte urbana”cfr. certidão junta como doc. 1 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 28 de março de 2012, o referido prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ………….., concelho de Câmara de Lobos, sob o artigo 4110, foi avaliado para efeitos de IMI em € 39.960,00 – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.
5. Os Impugnante entregaram em 28 de maio de 2012 declaração Modelo 3 de IRS, referente ao exercício de 2011, com a identificação 2801-J0169-94, no âmbito da qual foi consignado no Anexo G “Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais” o seguinte:

6. Pela ordem de serviço n.º OI201400331, datada de 30 de junho de 2014, com despacho de 02 de julho de 2014, e o código de atividade 1212210209 (Sujeitos Passivos titulares de vendas de bens imobiliários), foi determinada a realização de ação inspetiva interna aos ora Impugnantes, de âmbito parcial, incidente sobre o IRS de 2011 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 07 a 15 do PA apenso.
7. Os Impugnantes foram notificados do projeto de relatório de inspeção tributária efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201400331, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, por ofício n.º 10.283, datado de 02 de outubro de 2014 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 07 a 15 do PA apenso

8. Os Impugnantes exerceram o seu direito de audição prévia ao projeto de relatório de inspeção, por petição escrita com entrada em 02 de novembro de 2014 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 07 a 15 do PA apenso.
9. A 20 de outubro de 2014, foi proferido relatório de inspeção tributária, relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI201400331, com o seguinte teor:
“[...]
I.4. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
Os sujeitos passivos no ano de 2011 alienaram um prédio urbano pelo montante de € 78.000,00 tendo declarado estes rendimentos na categoria «G» na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011. O valor de aquisição declarado foi de € 39.960,80, quando deveria ser de € 2.424,16, correspondente ao valor patrimonial do prédio na data da sua inscrição matricial.
[...]
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III - 1. IRS de 2011
Pela consulta aos elementos fornecidos pelo Cartório Notarial, verificou-se que no ano de 2011, os sujeitos passivos alienaram o seguinte imóvel:

Os sujeitos passivos apresentaram, em 2012-05-28, a declaração de rendimentos com os anexos «A», «G», G1 e «H», com os seguintes valores:
[...]

Anexo «G»


[...]

O resultado da liquidação do IRS foi nulo.

III -2. Análise aos elementos

O prédio urbano localizado ao sítio da …….., da freguesia ……….., concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4110 foi adquirido da seguinte forma:

Em 31 de maio do ano de 1991, data em que foi entregue no serviço de Finanças do concelho de Câmara de Lobos a declaração para a sua inscrição na matriz, tendo-lhe sido atribuído nesta data o valor patrimonial de € 2.424,16.

Os sujeitos passivos declaram como valor de aquisição o valor patrimonial actual de € 39.960,00, quando deveria ser o valor patrimonial aquando da sua inscrição matricial o valor de € 2.424,16.

O referido imóvel foi alienado no dia 2011-08-26, pelo preço global de € 78.000,00 conforme DUC 160 211 022 958 703.

[...]

Os elementos a declarar no anexo «G», omitido da declaração 2801-2011-J0196-94, são os constantes no quadro seguinte:

Em resultado dos ajustamentos acima referidos procederemos às correcções resumidas no quadro abaixo:

[...]

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO
Os sujeitos passivos foram notificados pelo ofício n.º 10.283, de 2014/10/02, da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais para no prazo de quinze dias exercerem o direito de audição, nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária e do art.º 60.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, o que fizeram por escrito em 02-11-2012, do qual se destaca o seguinte:

[...]

Sobre o acima exposto temos a referir que:

1 – Em 31 de maio do ano de 1991, os contribuintes apresentaram no serviço de Finanças do concelho de Câmara de Lobos a declaração para a sua inscrição na matriz do prédio urbano localizado ao sítio da …….., da freguesia ………, concelho de Câmara de Lobos, o qual foi inscrito na matriz urbana sob o artigo 4110 tendo-lhe sido atribuído nesta data o valor patrimonial de € 2.424,16 (doc.1)

2 – Nos termos do art.º 46.º do CIRS, o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele. Neste caso em apreço a Administração Tributária considerou como valor de aquisição, para efeitos de apuramento de mais-valia, o valor patrimonial à data da sua inscrição (1991) o montante de € 2.424,16.

3 – O valor patrimonial de € 4.041,20, reportado a 31-12-2009, resulta da aplicação das regras estabelecidas no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, artigo 16.º, as quais fixam a actualização do valor patrimonial tributário, enquanto não se proceder à avaliação geral dos prédios urbanos, para efeitos de IMI. Este montante não tem qualquer relevância para efeitos de apuramento de mais-valias.

4 – Para efeitos de cálculo da mais valia, a matéria colectável apura-se pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do prédio urbano, actualizado mediante a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda (1,85); (2.424,16 * 1,85 = 4.484,70), conforme portaria 282/11 de 21 de Outubro, artigo 50.º do CIRS.
5 – Por conseguinte o valor de aquisição a considerar não pode, como pretende o contribuinte, ser o montante do valor patrimonial tributário à data da alienação, mas sim à data da respectiva aquisição com a devida actualização.

Perante o exposto, deverão manter-se as correcções constantes do projecto de correcções” – cfr. fls. 07 a 15 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária, datado de 21 de outubro de 2014 – cfr. fls. 08 do PA apenso.
11. Os Impugnantes foram notificados das correções resultantes da referida ação de inspeção, na pessoa do seu mandatário, por ofício n.º 11.291, em 27 de outubro de 2014 – cfr. fls. 16 e 17 do PA apenso e doc. n.º 7 junto com a petição inicial.
12. Com base nas correções efetuadas em sede inspetiva foram emitidas, em 06 de novembro de 2014, as seguintes liquidações referentes ao exercício de 2011:
- Liquidação adicional de IRS n.º 2014 5005358986, no montante de € 6.660,64;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 2014 00002214909, no montante de € 636,50 – cfr. docs. n.º 8 e 10 juntos com a petição inicial.
13. Os Impugnantes foram notificados da demonstração de acerto de contas e do saldo apurado das liquidações mencionadas no ponto antecedente, no montante de € 7.297,14, com data limite de pagamento em 15 de dezembro de 2014, por ofício expedido por via postal registada (registo CTT RY663283392PT) – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial.
14. No dia 25 de novembro de 2014, os Impugnantes procederam ao pagamento do saldo apurado de € 7.297,14, referente a IRS, e correspetivos juros compensatórios, do exercício de 2011 – cfr. doc. n.º 11 junto com a petição inicial.
15. A presente impugnação judicial foi apresentada em 04 de dezembro de 2014 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).
Na sentença afirma-se ainda inexistirem factos não provados.

2. Questões a decidir
Saber como se determina, para efeitos de apuramento do rendimento tributável da categoria G do IRS, relativamente a mais-valias prediais, o valor de aquisição do imóvel.

3. De direito
A questão controvertida no caso sub judice reporta-se ao apuramento de mais-valias prediais para efeitos da respectiva tributação a título de rendimento da categoria G do IRS, a qual resulta da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do bem imóvel (artigo 10.º, n.º 1, al a e n.º 4, al a do CIRS).
No caso, existe consenso entre as partes quanto ao valor de realização, que corresponde ao valor da escritura de venda celebrada em 2011 (€78.000,00), o qual é superior ao valor patrimonial inscrito na matriz, que é de € 39.960,80 [artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do CIRS].
O objecto do litígio – já o dissemos – prende-se então, exclusivamente, com a determinação do valor de aquisição a título oneroso, por estarmos perante um bem imóvel inscrito na matriz em 1991, sob o artigo urbano 4110, com o valor patrimonial de €2.424,16.
Com relevo para a questão aqui em apreço avultam os seguintes factos: i) em 20 de Janeiro de 2011, constava da caderneta predial do referido prédio urbano o valor patrimonial tributário actualizado de €4.041,20; ii) em 26 de Agosto de 2011, os Recorrentes celebraram escritura de “Compra e venda com reserva de propriedade” do mesmo prédio, ao qual atribuíram o preço de € 78.000,00; iii) em 28 de Março de 2012, o prédio urbano foi avaliado para efeitos de IMI em € 39.960,00; iv) em 28 de Maio de 2012, os Recorrentes entregaram declaração Modelo 3 de IRS, referente ao exercício de 2011, em que declararam, para efeitos de apuramento das mais-valias, o valor de realização de €78.000,00 e o valor de aquisição de €39.960,00; v) em acção inspectiva iniciada a 30 de Junho de 2014 determinou-se a correcção do mencionado valor de realização para o montante de €2.424,16; vi) em 6 de Novembro de 2014 foram os Recorrentes notificados do acto de liquidação adicional, que viriam a impugnar em 4 de Dezembro de 2014.
O acto de liquidação que foi objecto de impugnação e que está subjacente ao presente recurso apurou um montante de imposto a pagar de €6.660,64, tendo por base o valor de realização de €78.000,00 indicado pelos Recorrentes na declaração de rendimentos e o valor de aquisição de €2.424,16 (valor patrimonial tributável pelo qual o imóvel havia sido inscrito na matriz em 1991) actualizado mediante a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda (1,85) (€2.424,16 * 1,85 = €4.484,70), conforme o disposto na Portaria n.º 282/11 de 21 de Outubro e no artigo 50.º do CIRS, acrescido de juros compensatórios no montante de €636,50.
Na impugnação judicial que apresentaram, os agora Recorrentes tentaram obter a anulação dos actos de liquidação, por considerar que o cálculo do valor de aquisição estava errado, na medida em que, na sua opinião, ele deveria corresponder ao valor patrimonial tributário do imóvel fixado na avaliação para efeitos de IMI em 28 de Março de 2012, no montante de € 39.960,00. A impugnação judicial foi julgada totalmente improcedente, tendo o Tribunal a quo fundamentado essa decisão no facto de o valor de aquisição a considerar para efeitos de apuramento das mais-valias não poder, como pretendiam os Impugnantes, ser o montante do valor patrimonial tributário à data da alienação, mas sim o referido valor à data da respectiva inscrição matricial, com as devidas actualizações. Na fundamentação acrescenta-se ainda que «[…] se os Impugnantes pretendiam ver acrescidos ao respetivo valor de aquisição os custos despendidos com a construção do imóvel teriam de os comprovar, o que manifestamente não aconteceu “in casu”, onde nem sequer há notícia de tais custos (ou do valor do terreno) […]».
E tem razão o Tribunal a quo.
Com efeito, a quantificação do valor de aquisição, segundo a regra do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, deve fazer-se de acordo com o seguinte: “[O] valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”. Quer isto dizer que o legislador, no caso em que o imóvel tenha sido construído pelo sujeito passivo, admite que o mesmo possa, para efeitos de cálculo do ganho a partir do qual se apura a mais-valia a tributar, beneficiar do maior de um dos seguintes valores: i) valor patrimonial tributário do imóvel originário (quando este seja depois objecto de reconstrução total, dando origem a um novo imóvel) ou ii) valor do terreno (calculado segundo as regras do n.º 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS ex vi n.º 4 do mesmo artigo), acrescido do valor dos custos de construção.
No caso em apreço, como bem destaca a sentença recorrida com base na matéria de facto dada como provada, não se demonstrou que o valor do terreno acrescido dos custos de construção fosse superior ao valor patrimonial tributário do imóvel originário, pelo que aquele deve prevalecer.
O que o valor de aquisição não pode deixar de ser, como também se destaca na sentença recorrida, é o valor apurado no momento da aquisição – seja o valor patrimonial do imóvel inscrito na matriz àquela data, seja o mesmo apurado a partir do somatório do valor do terreno e dos custos de construção –, i. e., o valor do imóvel determinado no momento em que o mesmo ingressa na titularidade do adquirente (ou reportado a esse momento, caso o mesmo tenha sido adquirido através de um contrato de locação financeira – artigo 46.º, n.º 5 CIRS).
Em suma, o valor de aquisição é fixado quando a aquisição tem lugar, não se admitindo actualizações do mesmo ao longo do tempo. A partir do momento em que ocorre a transmissão onerosa para o sujeito passivo, todas as valorizações que o imóvel alcançar – seja por intervenção do sujeito passivo através de obras de valorização, seja por factores externos à sua vontade – consubstanciam ganhos, que serão apurados e tributados a título de mais-valias no momento da respectiva realização e de acordo com os critérios legalmente estabelecidos nessa data.
O legislador consagrou ainda a regra de que o valor de aquisição, determinado a partir da inscrição matricial do imóvel no momento em que ele ingressa na titularidade do proprietário, pode depois ser complementado (para além da correcção monetária do artigo 50.º do CIRS, que foi aplicada pela AT) pelo disposto no segmento inicial do artigo 51.º, al a) do CIRS, quando acrescem encargos com a valorização do bem, o que não está em discussão neste caso, pois não existe no processo qualquer referência à realização deste tipo de obras ou despesas.
Em suma, a tributação das mais-valias incide, precisamente, sobre a valorização de mercado que o bem alcança ao longo do tempo em que permanece na titularidade do sujeito passivo, um valor que, enquanto ganho externo à sua actividade, constitui o facto tributário.
Assim, não tem acolhimento legal a tese dos Recorrentes de que as mais-valias deveriam ser calculadas a partir da diferença entre o valor patrimonial tributário do imóvel à data da alienação e o valor pelo qual o mesmo é alienado, uma vez que não é esse o conceito legal de mais-valias. Por essa razão, não enferma de erro na interpretação do direito a decisão recorrida.
Acresce que também o conceito legal de mais-valias prediais, que se identifica, como vimos, com o ganho resultante da alienação onerosa de um bem imóvel, calculado a partir da diferença entre o respectivo valor de realização e o valor de aquisição [artigos 10.º, n.º 4, al. a), 46.º, 50.º e 51.º do CIRS], não enferma das inconstitucionalidades que os Recorrentes lhe apontam: i) seja porque só a diferença entre o valor pelo qual o bem ingressou na titularidade dos sujeitos passivos (valor de aquisição) e o valor realizado por estes com a respectiva venda (valor de realização) constitui o ganho que é objecto de tributação (o elemento revelador da capacidade contributiva), descontados, quando existentes, os montantes legalmente previstos como despesas e encargos; ii) seja porque a “actualização” do valor do bem no momento da sua alienação é apurada, segundo a lei, pelo mecanismo de correcção monetária previsto no artigo 50.º do CIRS. No mais, a diferença entre os valores de aquisição e realização, que corresponde ao ganho, consubstancia a valorização de mercado do bem ao longo do tempo, sendo esse, precisamente, o facto tributário visado pela norma de incidência. Esse ganho, que é estranho à intervenção dos proprietários, é uma expressão da sua capacidade contributiva (não existe violação deste princípio fundamental) e o modo como o mesmo é calculado também não revela qualquer discriminação face a outro tipo de rendimentos (não existe violação do princípio da igualdade tributária). Acresce que a tributação de mais-valias (assim como a densificação legal deste conceito), sendo essa, em boa verdade, a questão jurídica que os Recorrentes reputam de inconstitucional, tem sido pacificamente aceite pelo Tribunal Constitucional como facto expressivo de capacidade contributiva e, como tal, conforme aos princípios materiais da constituição fiscal.


3.3. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
1. Para efeitos de apuramento das mais valias imobiliárias, o valor de aquisição do imóvel construído pelos sujeitos passivos corresponde ao valor de inscrição matricial do imóvel quando ele ingressa na titularidade dos proprietários, a não ser que os mesmos comprovem que é superior o valor do terreno, acrescido dos custos de construção (artigo 46.º, n.º 3 do CIRS).
2. O sujeito passivo pode ainda fazer acrescer àquele montante, o valor das despesas e encargos previstos no artigo 51.º, al a) do CIRC, desde que esses custos sejam devidamente comprovados, o que no caso não foi alegado nem provado.
3. No mais, o valor de aquisição é apenas corrigido (actualizado) nos termos do disposto no artigo 50.º do CIRS.
4. As regras legais sobre a forma de cálculo do valor de aquisição dos imóveis construídos pelos sujeitos passivos para efeitos de apuramento do ganho tributado em mais-valias imobiliárias não violam os princípios fundamentais da constituição.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e, do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


Lisboa, 1 de Julho de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Ferraz - Francisco Rothes.