Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01431/13
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:INSOLVÊNCIA
IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I - Declarada a insolvência da sociedade comercial não é possível a determinação da matéria tributável por via dos métodos indirectos, mesmo que o Liquidatário não apresente a documentação e declarações respectivas.
II - O critério da “média da rentabilidade declarada pelos contribuintes do sector de actividade” pressupõe que a sociedade esteja ainda a operar no mercado concorrencial próprio do seu objecto de negócio, uma vez que tal rácio de rentabilidade tem como pressuposto que as empresas se encontrem a operar em condições normais.
Nº Convencional:JSTA00068833
Nº do Documento:SA22014070201431
Data de Entrada:09/17/2013
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC FISC GRAC - MATÉRIA COLECTÁVEL
Área Temática 2:DIR COM - SOC COM
Legislação Nacional:CONST76 ART13 ART103 N2 N3 N4 ART104 N2 ART165 N1 I ART266.
LGT98 ART8 N1 ART11 N4 ART15 ART18 ART87 B ART88 B ART90.
CIRC01 ART2 ART52.
CIRE ART65 N3.
L 16/12 DE 2012/04/20.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0422/09 DE 2009/10/07
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - ESTUDOS DE DIREITO FISCAL ALMEDINA 2005 PAG374.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, Lda., inconformada, recorre da sentença do TAF de Loulé, datada de 14 de Maio de 2013, que julgou improcedente a presente impugnação judicial que havia intentado contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios referentes ao exercício de 2007.

Culminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, no âmbito do processo n.º 510/11.4BELLE, a qual julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º 1007201104001010, que havia sido deduzida contra o acto de liquidação de IRC n.º 20108310006606 e juros compensatórios, relativo ao exercício de 2007, bem como, contra este último acto de liquidação;

B) A questão a decidir nos presentes autos de recurso é a de saber se a Recorrente pode ser tributada em sede de IRC por ter alienado, no ano de 2007, imóveis no valor de € 5.955.000,00, ou, mais em concreto, a possibilidade de tributação em sede de IRC da alienação de imóveis após a declaração de insolvência;

C) O Tribunal a quo incorreu num erro de interpretação e aplicação da norma em causa e, em concreto, do regime jurídico da personalidade tributária, estabelecido na LGT, assim como, a própria natureza do processo de insolvência, a que a Recorrente se encontrava sujeita no ano de 2007;

D) Para efeitos fiscais, só terão personalidade tributária o património ou a organização de facto ou de direito a que a lei tributária confira tal qualidade e na medida da capacidade que lhes atribua, nomeadamente, as normas constantes dos artigos 15.º e 18.°, n.º 3, da LGT;

E) Para além disso, no ano de 2007, ora em crise, a Requerente não assumia nenhuma das formas societárias acima elencadas no n.º 2, do artigo 2.º, do Código do IRC, integrando, ao invés, o conceito de "massa insolvente";

F) No elenco fechado constante daquela norma não se encontra contemplada tal realidade jurídica, pelo que não se pode considerar, tal como fez o Tribunal Recorrido, que a "massa insolvente” é susceptível de ser considerada um sujeito passivo de IRC;

G) Pelo que devem a sentença recorrida e, consequentemente, o acto de liquidação em crise, ser anulados com fundamento desde logo nos artigos 15.° e 18.°, n.º 3, da LGT e 2.°, n.º 2, do Código do IRC;

H) A sentença recorrida incorreu num outro erro de interpretação e aplicação do direito, consubstanciada numa outra ilegalidade, qual seja o "desrespeito" pela natureza jurídica da figura da "massa insolvente", bem como, a violação do princípio da tributação pelo lucro real;

I) Uma vez declarada a insolvência a sociedade dissolve-se, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 141.º do CSC e entra imediatamente em fase de liquidação (vd Artigo 146.º, n.º 1 do CSC);

J) A massa insolvente é um património autónomo, porque se separa da sociedade (dissolvida) e do seu destino e, sendo uma autonomia funcional ou de destinação por ter uma função ou destino próprios a satisfação até ao limite do seu valor das dívidas da sociedade insolvente, não se confunde com a sociedade insolvente;

K) Declarada a insolvência da sociedade, cessa a prossecução do seu objecto social e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC, não mais havendo activo imobilizado, nem existências enquanto tais, sendo apreendidos todos os bens que passam a incluir a massa insolvente;

L) Em nosso entender e ao contrário do que sustenta a sentença recorrida, não faz qualquer sentido o produto da venda dos bens da massa insolvente poder vir a ser tributado em mais-valias com base no disposto no artigo 46.º do Código do IRC, tanto mais quando com a declaração de insolvência da sociedade cessa a prossecução do seu objecto social deixando por isso de existir lucros, e consequentemente base tributável para efeitos de IRC;

M) Admitir a tributação em sede de IRC sem lucros, reais ou presumidos, seria claramente inconstitucional - artigo 103.º, n.º 3 e 104.º, n.º 4 da CRP, na medida em que a tributação deve ser efectuada com base no rendimento real;

N) É que, em regra a Autoridade Tributária nestes casos não tem em conta os prejuízos existentes à data de declaração de insolvência, nem lhes faz qualquer referência, independentemente de os conhecer ou não, eventualmente por falta de elementos, pelo que a tributação das alegadas mais-valias obtidas sempre seria inconstitucional;

O) O Código do IRC e o Código do IRS, adoptando a menção de "rendimento acréscimo” abrange, não só os ganhos resultantes da actividade produtora, como outros ganhos alheios a ela e, por conseguinte as mais-valias realizadas. Impossibilita que as mais-valias realizadas possam ser consideradas totalmente desintegradas do rendimento global, ou seja que possam ser tributadas autonomamente;

P) O produto da venda dos bens que integram a massa insolvente não pode integrar o conceito de mais ou menos valia previsto no artigo 46.º do Código do IRC;

Q) A tributação sem lucros, tal como subscrita na sentença recorrida, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 103.º e 104.º da CRP;

R) Resulta evidente que o produto da venda dos bens da massa insolvente nunca poderia integrar o conceito de mais-valias, constante no artigo 46.º do Código do IRC, sendo que a "ficção jurídica”: de que se socorre o Tribunal a quo - no sentido de considerar como lucro tributável o produto da alienação do património afectado ao pagamento de dívidas que já não podem ser cobradas, bem como, a possibilidade de tributação em sede de IRC, sem a existência de lucros, reais ou presumidos - colide com o princípio constante dos artigos 103.º e 104.º da CRP;

S) A sentença recorrida incorre, ainda, na violação do disposto no n.º 3 do artigo n.º 65.º do CIRE, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, bem como, do princípio que proíbe a aplicação, em matéria de incidência tributária, de analogia;

T) A partir do momento em que é deliberada a insolvência e o encerramento do estabelecimento - realidade que espelhava a situação da Recorrente no ano de 2007 -, extinguem-se as respectivas obrigações declarativas, nomeadamente, porquanto também não pode, a partir desse momento, imputar à esfera jurídica da anterior sociedade a prática de qualquer acto que dê origem a um facto tributário susceptível de tributação;

U) Qualquer consequência que possa vir a ser assacada a essa realidade não pode deixar de surtir efeitos, apenas e só, na esfera da massa insolvente e dos próprios créditos que, directamente, os credores houverem reclamado ou, desfavoravelmente, na esfera dos sócios;

V) O Tribunal Recorrido incorre, ainda, numa manifesta aplicação analógica, ao pretender que, no caso de uma sociedade já declarada insolvente, em processo no qual foram já graduados os créditos dos respectivos credores, estejamos perante uma sociedade comercial, com plena personalidade e capacidade jurídico-tributárias;

W) Pelo que a sentença recorrida também viola o disposto nos artigos 8.º, n.º 1 e 11.°, n.º 4, da LGT, assim como, dos artigos 103.°, n.º 2 e 165.°, n.º 1, alínea i), da CRP e, em concreto, do disposto no princípio da legalidade tributária;

X) Por fim, a sentença recorrida enferma, por certo, da violação do princípio da igualdade, constante, dos artigos 13.° e 266.º da CRP, pois, apesar de a Recorrente não contestar que do disposto no actual artigo 79.° do Código do IRC possam resultar consequências, no plano tributário, de determinados factos praticados por sociedades que se encontrem em processo de insolvência, já não pode aceitar que o tratamento dado a tais sociedades, a esse nível, seja o mesmo que seria dado a uma sociedade que se encontrasse na plenitude das suas capacidades e personalidade jurídicas;

Y) Uma coisa é fazer incidir imposto sobre uma realidade jurídico-comercial que não perdeu nenhum dos seus privilégios societários e que se encontra possibilitada de exercer a actividade comercial para a qual foi criada, outra, diferente, é fazer incidir imposto sobre uma realidade jurídica que deixou de ter personalidade jurídico-tributária e que nem sequer já pode desenvolver qualquer actividade, enquanto tal;

Z) Ao sancionar diferente entendimento, o Tribunal Recorrido permitiu que se considerasse que a realidade jurídica constituída pela "massa falida" fosse sujeita ao mesmo tratamento fiscal que qualquer outra sociedade comercial.

AA) Pelo que também com fundamento na violação do disposto nos artigos 13.º e 266.º da CRP deve a sentença recorrida ser anulada, o que se requer.
Termos em que deverá ser julgado procedente, por provado, o presente recurso, com os fundamentos acima invocados, devendo, em consequência, ser anulada a sentença ora recorrida e o acto de liquidação então impugnado, tal como peticionado, tudo com as demais consequências legais.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:

Recurso interposto pela A…………, Lda.:

1. Resulta como questão a decidir se, no caso dos autos, é possível a tributação em sede de I.R.C. pela alienação de imóveis da recorrente efectuada em 2007, no âmbito da liquidação a que se procedeu após a sua declaração de falência operada em 2000.

2. Emitindo parecer:

Tendo a falência sido declarada em 2000, é o regime constante dos arts. 122.º e ss. do Código Especial de Recuperação de Empresas e de Falências (C.E.R.E.F.), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 132/93, de 23/4, com a alteração introduzida pelo Dec.-Lei n.º 315/98, de 20/10, que resulta ainda aplicável no caso da falência ter sido declarada.

Tal o que é de entender em face da norma transitória prevista no art. 12.º do Dec.-Lei n.º 53/04, de 18/3, que aprovou o regime actualmente vigente em tal matéria (C.I.R.E.), já entretanto com várias alterações, em que se encontra previsto no seu art. 268.º serem sujeitos a isenção de IRC mais-valias realizadas com dação em pagamento e cessão de bens aos credores, bem como ainda as variações patrimoniais positivas resultantes das alterações de dívidas no âmbito de um plano de insolvência.

Com efeito, não se contendo no C.E.R.E.F. norma tributária que especificamente regule a matéria em apreciação, é ao disposto nos artigos 65.º e ss. - ora 79.º e ss. - do C.I.R.C. que há que recorrer quanto à tributação aplicável em sede de I.R.C ..

Contudo, tal norma é de aplicar com adaptações, aliás, conforme resulta do previsto nos do artigos 141.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), e em especial no art. 146.º n.º 1, conforme veio a ser entendido no ac. do S.T.A. de 24-2-11, proferido no proc. 01145/09, acessível em www.dgsi.pt.

Assim, ainda que após a declaração de falência ocorram obrigações tributárias, incluindo declarativas da sociedade em liquidação que a declarada falida também é, e a cumprir até ao seu encerramento, e que as mesmas sejam de cumprir pelo liquidatário, nomeadamente, conforme previsto no art. 117.º n.º 9 - ora n.º 10 - e por referência ao art. 112.º, ambos do C.I.R.C., afigura-se não ser no caso de admitir que a tributação possa ainda ser efectuada por métodos indirectos, e com base na aplicação do previsto na aI. b) do art. 87.º, na aI. b) do art. 88.º da L.G.T. e no art. 52.º do C.I.R.C..

Com efeito, conforme se pode no referido acórdão, no caso de estar em causa a aplicação do previsto na aI. b) do n.º2 do dito art. 65.º do C.I.R.C., a tributação seria de efectuar segundo o previsto na referida norma, sendo necessariamente provisória até que se apurassem ganhos.

Com efeito, conforme resulta conjugadamente do disposto no art. 211.º do C.E.R.E.F., outra liquidação, a definitiva, só pode ser efectuada, no caso de serem gerados ganhos após, pelo produto da venda dos bens apreendidos para a massa, se proceder ao pagamento dos credores reconhecidos, e ficarem em depósito 25% para garantia das custas e demais despesas.

A admissão que no caso foi efectuada com base em presunção de tributação e sem tal tivesse sido apurado, afigura-se mesmo ser inconstitucional, conforme, aliás, se defende no recurso interposto por referência ao previsto nos arts. 103.° n° 3 e 104.º nº 2 da C.R.P ..

3.Concluindo:

Parece que o recurso merece provimento, sendo de revogar a sentença proferida e julgar procedente a impugnação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto que não vem posta em causa pela recorrente:

A) Pela ordem de serviço n.º OI201000704 de 17.10.2010, a A…………, Lda. foi sujeita a uma ação de inspeção levada a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro donde resultou a matéria tributável, fixada por utilização de métodos indiretos, no montante de €396.007,50;

B) Das conclusões do relatório da inspeção tributária, resulta o seguinte teor:

IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

1. Actividade do s.p.
Através do “print” retirado do sistema informático desta Direcção de Finanças, verificou-se que o s.p., se encontra registado pelo exercício da actividade de “actividades de mediação imobiliária”, Código da actividade: 68311.

Trata-se de um sujeito passivo de IRC nos termos do Código do IRC (CIRC), que, é tributado pelo regime geral de determinação do lucro tributável.

Em sede de IVA, o sujeito passivo que deu início de actividade em 01/01/1986 e que se cessou a sua actividade em sede de IVA em 31/12/1994.

Trata-se de uma sociedade cuja falência foi requerida no 1º juízo do Tribunal Judicial de Albufeira — processo n° 38/2000, onde foi nomeado como liquidatário judicial da massa falida o Sr. B…………, NIF: ………….

2. Cumprimento das obrigações fiscais
Relativamente ao exercício de 2007, verificou-se que o sujeito passivo não apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 nem a respectiva declaração anual de informação contabilística e fiscal.

Através do “print” retirado do sistema informático desta Direcção de Finanças, verificou-se que a última declaração apresentada pelo sujeito passivo respeita ao exercício económico de 1990, declaração esta cuja cópia nos foi remetida pela Direcção de Finanças de Lisboa em 2010/05/25, após termos solicitado de cópia da mesma.

3.Diligências efectuadas

3.1. Através da consulta ao sistema informático desta Direcção de Finanças, verificou-se que no exercício de 2007, o sujeito passivo procedeu à alienação de vários imóveis situados em ………… — Albufeira, à sociedade C………… SA”, através de escritura de compra e venda elaborada em 2007/08/08 no Cartório Notarial de ………….

Analisada a referida escritura de compra e venda, cuja cópia nos foi fornecida pelo referido Cartório Notarial, verificou-se que foram vendidos vários imóveis pelo valor global de € 5.955.000,00 cujo valor patrimonial à data apresentava um valor de € 8.748.268,10.

Verificou-se também que, em resultado da referida venda, a grande maioria dos referidos imóveis constantes da escritura foi avaliada nos termos do IMI.

3.2. No decurso da acção inspectiva, deslocámo-nos ao Tribunal Judicial de Albufeira para consulta do processo n° 38/2000, respeitante à falência da sociedade, onde se verificou, a existência de um relatório de avaliação constante no processo 38-L/2000 volume I nas folhas 111 a 116 em que os referidos imóveis constantes da escritura foram avaliados por €8.406.800,00. Verificou-se também que, no referido processo, encontra-se muita informação relacionada com o processo de falência propriamente dito mas não se encontra quaisquer documentos relacionados com a contabilidade da sociedade.

3.3. Deslocámo-nos também ao local onde se encontram localizados os imóveis, sitos em ……… — Albufeira, tendo-se verificado que os mesmos se encontram degradados.

3.4. Nos termos do art° 109º n° 9 do CIRC, durante a fase da liquidação da sociedade, o exercício dos direitos e o cumprimento das obrigações competem ao liquidatário.

Assim, em 2010/04/22 a sociedade, na pessoa do seu liquidatário Judicial — Sr. B…………, foi notificada, para em 2010/05/05 pelas 11 horas na Direcção de Finanças de Faro, facultar a contabilidade, livros de escrita e outros documentos relacionados com a actividade. No dia, hora e local marcados, o liquidatário compareceu apresentando por escrito resposta ao solicitado, onde vem argumentar que não possui quaisquer elementos para apresentar, com excepção dos documentos que se encontram apreendidos no Tribunal, escritura de venda do activo apreendido para a massa falida e relação de créditos que ainda se encontra na fase de graduação.

Em 2010/06/24 a sociedade, na pessoa do seu liquidatário Judicial — Sr. B…………, foi notificada para proceder à elaboração da escrita no prazo de 20 dias e apresentar a escrita em 2010/07/19. Verificou-se que o liquidatário judicial não compareceu mas, enviou por correio a resposta à referida notificação, que deu entrada nesta Direcção de Finanças em 2010/07/20, tendo sido enviado também por fax em 2010/07/19. Na referida resposta o liquidatário vem argumentar que não tem quaisquer documentos contabilísticos e que em seu entender os bens da massa falida, uma vez apreendidos pelo Tribunal, o produto dessa venda não configura o conceito de mais valia e menos valia nos termos do CIRC, pois esses bens foram retirados do seio da sociedade e passaram a constituir a massa falida, deixando esses bens de ser considerado activo imobilizado.

Deste modo, a não apresentação da contabilidade considera-se recusa de exibição de escrita nos termos do art° 113° do RGIT.

3.5. De acordo com a circular nº 1/2010 da Direcção de Serviços do IRC e da Direcção de Serviços do IVA referente às obrigações fiscais em caso de insolvência, a mesma refere que “Da conjugação dos artigos 65° e 268° do CIRE, este último introduzido no Título “Benefícios Emolumentares e Fiscais” — que vem, aliás, confirmar a sujeição das entidades insolventes aos impostos sobre o rendimento, pois só se pode afastar do âmbito da tributação por isenção aquilo que, a priori, está sujeito — com os artigos 117° a 125° do CIRC resulta, para as pessoas colectivas em situação de insolvência, o cumprimento das obrigações em sede de IRC, designadamente submeter por transmissão electrónica de dados, nos termos previstos do art° 120° do CIRC, a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n° 1 do art° 117°…”

Assim, nos termos da referida circular e do actual art° 112° do CIRC, o liquidatário judicial deveria ter entregue a declaração de rendimentos modelo 22 do ano de 2007 da sociedade e a mesma dever a ter contabilidade organizada nos termos do actual art° 115º do CIRC.

3.6. Face ao exposto nos pontos anteriores, e uma vez que não tivemos acesso à contabilidade da sociedade, apenas tivemos acesso à última declaração de rendimentos modelo 22 apresentada que respeita ao ano de 1990, irá proceder-se à determinação da matéria tributável através da aplicação de métodos indirectos para o ano de 2007, conforme estipula a alínea b) do artº 87°, alínea b) do artº 88°, todos eles da Lei Geral Tributária (LGT) e art° 52° do CIRC.

A alínea b) do art° 87° da LGT refere a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, situação esta que se encontra demonstrada pelos factos anteriormente referidos.

A recusa de exibição da contabilidade que se encontra demonstrada no ponto 3.4. deste capítulo, impossibilita a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, sendo fundamentos para a aplicação de métodos indirectos, conforme dispõe a alínea b) do art° 87° e alínea b) do art° 88°, ambos da LGT e art° 52° do CIRC.

V – CRITÉRIOS E CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS


1. Face aos motivos mencionados no capítulo IV, propõe-se a fixação da matéria colectável do IRC, para o ano de 2007, com recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos da alínea a) do art° 90º da LGT, “aplicação de margens médias do lucro líquido sobre vendas e prestações de serviços

Trata-se de um contribuinte não declarante, que não possui contabilidade e que não nos apresentou quaisquer documentos respeitantes à actividade por si exercida, quer quanto aos custos quer quanto aos proveitos.

2. Apuramento do resultado fiscal para o ano de 2007
2.1.Volume de negócios presumido relativo à venda de imóveis

Verificou-se que o sujeito passivo não declarou a venda dos imóveis discriminados na escritura de compra e venda realizada em 2007/08/08.

De acordo com a escritura de venda, os referidos imóveis foram vendidos pelo preço global de €5.955.000,00 e, apesar da sociedade se encontrar com processo de falência, os mesmos são proveitos da sociedade, correspondendo ao volume de negócios da mesma.

Apesar do valor patrimonial à data da escritura e o valor patrimonial posterior calculado na sequência da avaliação efectuada nos termos do IMI, bem como o valor apresentado no já referido relatório de avaliação que consta no processo do Tribunal, apresentarem no global valores superiores ao constante da escritura, considerou-se este valor de escritura como sendo os proveitos obtidos no ano de 2007 (volume de negócios), por se achar ser este o valor que mais se aproxima da realidade.

2.2. Apuramento do resultado fiscal em sede de IRC para 2007:

Apurado o volume de negócios, considerou-se como critério de apuramento do resultado fiscal a média da rentabilidade declarada pelos contribuintes deste sector de actividade no Distrito de Faro, que de acordo com os rácios disponíveis nestes Serviços, no ano de 2007 foi de 6,65% (rácio do sector a nível da unidade orgânica — Anexo 1). Assim, foi possível apurar um resultado fiscal de €396.007,50 para o ano de 2007, como se discrimina no quadro 2.

Face ao exposto foram efectuadas as seguintes correcções fiscais em sede de IRC:

Quadro 2
(Euros)
Ano 2007
1. Proveitos apurados
5.955.000,00
2=1*6,65%=resultado fiscal apurado
396.007,50
3=2=Correção efectuada
396.007,50

(…)

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo foi notificado, na pessoa do seu liquidatário judicial, para, no prazo de 15 dias exercer o direito de audição sobre projecto de relatório, nos termos do art° 60° da LGT e art° 60º do RCPIT. Findo aquele prazo verificou-se que o direito de audição não foi exercido, pelo que, o referido projecto de relatório torna-se agora em relatório final de inspecção.

C) Em 25.10.2010, foi efectuada a liquidação de IRC referente ao exercício de 2007, no montante de €107.789,98, emitida na pessoa do Administrador da Falência, B…………;

D) Em 21.10.2010 o Diretor de Finanças de Faro emitiu Decisão sobre a reclamação da fixação da matéria tributária, onde manteve a fixação do rendimento de IRC de 2007, apurado com a utilização de métodos indirectos;

E) Pelo ofício n.º 15284 de 26.07.2011, Dr. B………… foi notificado, na qualidade de Liquidatário Judicial da A…………, Lda., do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, deduzida em 24.05.2011;

F) Em 18.06.2007, foi proferida decisão de graduação de créditos referente aos créditos reclamados da sociedade impugnante, aqui considerada falida em 07.12.2000.

Nada mais se deu como provado.


Cumpre agora conhecer do recurso que nos vem dirigido.

No presente recurso são suscitadas as seguintes questões, que a recorrente entende terem sido incorrectamente decididas na sentença recorrida ou afrontadas pela solução aí encontrada:

- falta de personalidade tributária da recorrente para ser considerada sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, violação do disposto nos arts. 15º e 18º da LGT e 2º, n.º 2 do CIRC;

- violação do princípio da tributação pelo lucro real, arts. 103º, n.º 3 e 104º, n.º 4 da CRP;

- violação do disposto no n.º 3 do artigo 65º do CIRE, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, bem como, do princípio que proíbe a aplicação, em matéria de incidência tributária, de analogia;

- violação do disposto nos artigos 8º, n.º 1 e 11º, n.º 4 da LGT e artigos 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, alínea i) da CRP, em concreto, do disposto no princípio da legalidade tributária;

-violação do princípio da igualdade, constante dos artigos 13º e 266º da CRP.

Começaremos a análise do recurso pelas apontadas violações dos comandos constitucionais e seguidamente, se necessário, serão apreciadas as ilegalidades decorrentes da violação da lei ordinária.

Quanto à violação do princípio da tributação pelo lucro real consagrado nos artigos 103º, n.º 3 e 104º, n.º 2 (certamente por lapso é feita referência ao n.º 4 quando a norma em referência é o n.º 2) da CRP.

Dispõe a primeira destas normas que, ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei e a segunda que, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

Encontram-se consagrados naquele artigo 104º, n.º 2 da CRP os princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal que serão concretizados quando o real rendimento das empresas seja determinado por recurso à sua própria contabilidade, devidamente organizada em termos de poder ser aceite pela Administração Tributária.

Por sua vez, configuram-se como excepcionais e obedecem a tipificação legal, “…os casos em que é lícito à Administração Tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por “avaliação indirecta”, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objecto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 07/10/2009, recurso n.º 0422/09.

O que implica que a tributação do rendimento real seja, por imposição constitucional, a regra da tributação do rendimento empresarial. Mas isso não exclui, nem pode excluir, qualquer possibilidade de recurso à tributação dos rendimentos empresariais baseada em rendimentos normais, seja este o rendimento médio de uma série de anos, que uma empresa poderia obter operando em condições normais (isto é, nas condições mais frequentes nessa época e lugar e com a diligência, técnica e preços geralmente praticados), seja o rendimento de determinado ano, que uma empresa poderia obter em condições normais.

O legislador há-de poder estabelecer a tributação com base em rendimentos normais designadamente em relação aos pequenos contribuintes e, bem assim, no respeitante aos grandes evasores fiscais.”, cfr. J. Casalta Nabais, Estudos de Direito Fiscal, Almedina, 2005, pág. 374.

Como bem resulta da matéria de facto que se julgou provada, a liquidação posta em crise não teve por base o rendimento real, antes foi efectuada por via do regime excepcional, subsidiário, ou seja, por via dos métodos indirectos, isto é, não tendo o liquidatário judicial da impugnante apresentado, após solicitação expressa para o efeito, os elementos contabilísticos, nem outros, devidamente organizados, entendeu a Administração Tributária estar autorizada a lançar mão dos métodos indirectos, nos termos dos arts. 87º, al. b), 88º, al. b) e 90º da LGT e 52º do CIRC (hoje 57º), para apuramento do resultado fiscal em sede de IRC para o exercício de 2007.

Dispõe o art. 87º, al. b) da LGT, sob a epígrafe “Realização da avaliação indirecta” que, a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.

Por sua vez, resulta da alínea b) do art. 88º que, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar da recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação, que inviabilize o apuramento da matéria tributável.

Também com interesse dispõe o art. 90º, al. a) da mesma LGT que, em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta as margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros.

Como bem se percebe da leitura conjugada de todas as disposições legais, o recurso à determinação da matéria tributável por métodos indirectos só pode ocorrer quando seja, de todo, impossível à Administração Tributária proceder ao seu apuramento por referência ao rendimento real.

E tal impossibilidade pode resultar de falta de colaboração do contribuinte ou de falta de credibilidade da contabilidade e demais documentação apresentada para o efeito.

Mas, o simples facto de ocorrer aquela falta de colaboração ou de a contabilidade não ser credível, não autoriza por si só a AT a lançar mão dos métodos indirectos, se existe a possibilidade de ser ela própria a proceder à recolha dos elementos necessários e suficientes para a determinação de tal matéria tributária, já não está autorizada a recorrer aos métodos indirectos.

Como bem se percebe, a impugnante insolvente, no ano de 2007, já não se encontrava no mercado concorrencial, isto é, já não desenvolvia a actividade própria daquele que foi o seu objecto social, uma vez que se encontrava falida desde o ano 2000.

Além disso, toda a actividade por si desenvolvida encontrava-se a ser sindicada por uma autoridade do Estado, o próprio Juiz do processo de insolvência, existindo nesses autos de insolvência, registo de todos os “inputs” e “outputs” decorrentes da liquidação dos bens que restavam à data da insolvência, que além do mais se encontravam apreendidos no processo.

Ou seja, no caso concreto, não teria sido impossível a AT fazer o apuramento da matéria tributável por via da consulta da documentação existente nos autos da insolvência; poderia ser uma actividade mais penosa e demorada, uma vez que, como a própria refere, no processo de falência “…não se encontra quaisquer documentos relacionados com a contabilidade da sociedade…”, mas tal não seria impossível, uma vez que havia, necessariamente, o registo de todas as movimentações financeiras respeitantes aos bens, créditos e débitos da insolvente, ainda que não escriturados sob a forma comercial ou sob a forma exigida pelas leis tributárias.

Além disso, o critério usado pela AT para proceder à determinação da matéria tributável –média da rentabilidade declarada pelos contribuintes deste sector de actividade do Distrito de Faro, que de acordo com os rácios disponíveis no serviço de finanças, no ano de 2007, foi de 6,65%-, pressupunha que a insolvente fosse uma empresa que ainda estivesse a operar no mercado concorrencial próprio do seu objecto de negócio, uma vez que tal rácio de rentabilidade tem como pressuposto que as empresas se encontrem a operar em condições normais, ou seja, nas condições mais frequentes nessa época e lugar e com a diligência, técnica e preços geralmente praticados.

E, como também já vimos, a recorrente não se encontrava a operar no mercado em condições normais no ano de 2007, já não tinha qualquer operação, o liquidatário limitou-se a alienar o património apreendido nos autos para posteriormente dar pagamento aos credores reclamantes. Não tinha, assim, a sua operação qualquer rentabilidade que se pudesse aproximar, em termos conceptuais, à média da rentabilidade declarada pelos contribuintes deste sector de actividade do Distrito de Faro.

Não se desconhece que a insolvente ainda tinha, à data, obrigações fiscais semelhantes às das empresas que não se encontram declaradas insolventes, algumas pelo menos e com contornos algo diferentes, igualmente está demonstrado que essas obrigações, por muito diminutas que fossem, também não foram cumpridas, contudo, não se encontravam, manifestamente, reunidas as condições para que a recorrente pudesse ser tributada por via do apuramento da matéria tributável por via dos métodos indirectos uma vez que não se encontravam reunidos os pressupostos legalmente previstos.

Assim sendo, é evidente que se encontram postos em causa os princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal, bem como o da legalidade –art. 103º, n.º 3 da CRP-, uma vez que, não sendo a concreta situação da recorrente igual ou semelhante àquelas empresas que serviram de referência para o estabelecimento do critério utilizado pela AT, também a sua matéria tributável não poderia ser determinada em termos idênticos.

E, tendo-se decidido diferentemente na sentença recorrida, é manifesto que não se fez a melhor interpretação dos parâmetros constitucionais estabelecidos nos artigos 103, n.º 3 e 104º, n.º 2 da CRP, bem como do disposto nos arts. 87º, al. b), 88º, al. b) e 90º da LGT e 52º do CIRC (hoje 57º).

Concluindo-se, assim, que tanto a sentença recorrida, bem como o acto tributário praticado pela AT, incorrem na violação destes preceitos legais, impõe-se a sua anulação, o que basta para se poder julgar procedente a impugnação que foi dirigida ao TAF de Loulé.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência:

-conceder provimento ao recurso que nos vinha dirigido e, em consequência, revogar a sentença recorrida;

- julgar a impugnação procedente, nos termos peticionados na petição inicial e com os fundamentos atrás expostos.

Sem custas nesta instância e em primeira instância pela AT.

D.N.

Lisboa, 2 de Julho de 2014. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.