Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0309/17
Data do Acordão:12/20/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:COIMA
INSOLVÊNCIA
SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário:Constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades e equivalendo, para efeitos fiscais, essa dissolução à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e art. 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorre a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Nº Convencional:JSTA00070460
Nº do Documento:SA2201712200309
Data de Entrada:03/14/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DE A......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2016/05/18
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT ART61 ART62
CSC ART160 ART141 ART142
CPPT ART176
CIRE ART65
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0515/16 DE 2016/06/01.; AC STA PROC0610/15 DE 2015/10/21.; AC STA PROC0617/10 DE 2014/07/09.; AC STA PROC01107/12 DE 1999/11/01.; AC STA PROC0638/14 DE 2015/07/02.; AC STA PROC024046 DE 2014/05/21.; AC STA PROC025000 DE 1999/11/03.; AC STA PROC01895/02 DE 2000/06/15.; AC STA PROC01891/02 DE 2003/01/21.; AC STA PROC01569/03 DE 2003/02/26.; AC STA PROC0715/05 DE 2005/01/12.; AC STA PROC0524/05 DE 2005/10/06.; AC STA PROC01057/07 DE 2008/02/27.; AC STA PROC01053/07 DE 2008/03/12.; AC STA PROC0457/14 DE 2014/05/21.
Referência a Doutrina:ALFREDO JOSÉ SOUSA E SILVA PAIXÃO - CÓDIGO PROCESSO TRIBUTÁRIO 4ED PAG425.
ANTÓNIO TOLDA PINTO E JORGE MANUEL REIS BRAVO - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS PÁG195.
JORGE LOPES SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED VOLIII PÁG306-308.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da decisão proferida em 18/5/2016 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que, no recurso de contra-ordenação tributário que correu termos nesse Tribunal sob o nº 1470/15.8BESNT – deduzido por Massa Insolvente de A……….., S.A. contra decisão de aplicação de coima proferida no processo contra-ordenacional nº 36112014060000214657 que correu termos no Serviço de Finanças de Amadora-3, julgou extinto o processo de contraordenação em razão da declaração de insolvência da sociedade a quem a coima foi aplicada ex vi disposto na al. a) do art. 61º do RGIT.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. À Recorrente, A……….. S.A., foi aplicada coima no valor de € 1.785,18, acrescida de custas processuais, no âmbito do processo contra-ordenacional nº 36112014060000214657 pela prática de ilícito contra-ordenacional pela falta de entrega de Pagamento Especial por Conta no valor de € 8.665,93 com referência ao período de 2010/12, em incumprimento do disposto no nº 1 do artigo 106º do CIRC, infracção prevista e punida pelos nº 2 e alínea f) do nº 5 do artigo 114º e pelo nº 4 do artigo 26º do RGIT.
II. Sendo que a recorrente foi declarada insolvente no Processo nº 970/11.3TYLSB com termos da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste Sintra - Juízo do Comércio por sentença de 23/11/2011.
III. Questão pertinente na presente sede é proceder ao preenchimento do conceito a atribuir à “morte do arguido" a que apela a norma contida na alínea a) do artigo 61º do RGIT, de acordo com o qual o procedimento de contraordenação se extingue com a morte do arguido, uma vez que tal extinção impõe, pela via do artigo 62º do RGIT, a extinção da obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias.
IV. Se o procedimento contraordenacional se extingue com a morte do arguido, e portanto com a extinção da pessoa colectiva, é seguro afirmar que, de acordo com o artigo 160º, nº 2, do CSC e a alínea t) do nº 1 do artigo 3º do Código do Registo Comercial, a extinção da pessoa colectiva se efectiva apenas com o registo comercial do encerramento da liquidação da pessoa colectiva.
V. Da declaração de insolvência da pessoa colectiva decorre a sua dissolução (alínea e) do nº 1 do artigo 141º do CSC), o que determina que a sociedade entre em liquidação (cf. nº 1 do artigo 146º do CSC), porém, sucede que o nº 2 do artigo 146º do CSC determina expressamente que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, daí decorrendo uma clara e inequívoca comparação entre a sociedade que exerce em condições normais a sua actividade e a sociedade que inicia processo de dissolução e de liquidação.
VI. Ademais, a declaração de insolvência, pela verificada impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações por parte do devedor (artigo 3º, nº 1, do CIRE), não acarreta uma imediata cessação da actividade da empresa, e veja-se neste sentido o nº 1 do artigo 82º do CIRE que afirma que os órgãos sociais do devedor se mantêm em funcionamento após a declaração de insolvência, indiciando a continuidade, ainda que em moldes necessariamente diferentes face ao constrangimento provocado pela insolvência, da actividade da empresa.
VII. Nem a declaração de insolvência implica a necessária dissolução e liquidação da empresa, porquanto da assembleia de credores na sequência da declaração de insolvência pode emergir a aprovação e homologação de um plano de insolvência (artigos 209º a 216º do CIRE) que preveja, como dispõe a alínea c) do nº 2 do artigo 195º do CIRE, a manutenção em actividade da empresa, podendo inclusive o plano de insolvência aprovado reconduzir-se a uma estratégia de recuperação da empresa, caso tal objectivo se mostre exequível e conforme ao deliberado em assembleia de credores.
VIII. Para reforço do predito, veja-se o disposto na norma do nº 3 do artigo 192º do CIRE, aditada pela Lei nº 16/2012, de 20/04, que se dispôs clarificar o conceito de plano de insolvência quando a finalidade subjacente é a da recuperação da empresa, atribuindo-lhe a denominação de Plano de Recuperação.
IX. Resulta do exposto que o regime plasmado no CIRE configura a declaração de insolvência como o primeiro estádio de um eventual processo de recuperação da empresa, compatível com a continuação do exercício da actividade da empresa ou com a recuperação da mesma.
X. Por outro lado, independentemente do destino seguido em processo de insolvência (recuperação ou liquidação da empresa ou mesmo alienação da mesma), sempre esta manterá a sua personalidade jurídica, mesmo que em liquidação, bem como mantém a sua personalidade tributária nos termos do artigo 15º da Lei Geral Tributária, a qual não é afectada pela declaração de insolvência.
XI. Assim, mostra-se o entendimento de acordo com a qual só com o registo do encerramento da liquidação é que a pessoa colectiva se extingue, atento o prescrito no artigo 160º do CSC, como aquele que permite acomodar o regime jurídico vertido no CIRE e que prefigura a possibilidade de recuperação da empresa, conformando-se ademais com o prescrito no artigo 160º do CSC, não ocorrendo com a declaração de insolvência a extinção da pessoa colectiva.
XII. Nestes termos, constatamos, face à matéria de facto provada nos autos, que a arguida foi declarada insolvente, o que não permite consolidar e afirmar, conforme faz a douta sentença recorrida, o juízo de extinção da pessoa colectiva nos termos da alínea a) do artigo 61º do RGIT, bem como não permite determinar a extinção do procedimento contraordenacional.
XIII. Concluímos, desta forma, que a declaração de insolvência da arguida não é determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infractor, por não enquadrável na alínea a) do artigo 61º do RGIT, uma vez que não pode ser equiparada a insolvência declarada por sentença transitada em julgado à extinção da pessoa colectiva.
XIV. Pelo que é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença procedeu a errónea subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes, com violação das normas da alínea a) do artigo 61º e do artigo 62º do RGIT, e do artigo 160º, nº 2, do CSC.
Termina pedindo o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida e que seja julgado improcedente o recurso interposto da decisão de aplicação da coima.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite douto Parecer, nos termos seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença do TAF de Sintra, exarada a fls. 39 e seguintes dos autos, que julgou procedente o recurso interposto da decisão de aplicação de coima e declarou extinto o procedimento contraordenacional, em consequência da declaração de insolvência da arguida, e determinou a anulação da coima aplicada.
Considera a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento, uma vez que a dissolução da arguida em decorrência da declaração de insolvência não tem por efeito a sua extinção como pessoa coletiva e só este facto se equipara à morte da pessoa física, causa de extinção do procedimento contraordenacional previsto na alínea a) do artigo 61º do RGIT.
Entende, assim, que encontrando-se a arguida em fase de liquidação nada impede a sua condenação pela infração que lhe foi imputada e a aplicação de uma coima, uma vez que só com o registo do encerramento da liquidação é que se extingue a pessoa coletiva, nos termos do artigo 160º nº 2, do CSC.
E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que confirme a decisão de aplicação de coima.
2. A questão que se coloca consiste em saber se a dissolução da arguida - pessoa coletiva - em decorrência da declaração da sua insolvência constitui fundamento da extinção do procedimento contraordenacional ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 61º do RGIT, tal como se entendeu na sentença recorrida.
A sentença recorrida seguiu nesta questão a jurisprudência deste tribunal, nomeadamente resultante dos acórdãos de 03/11/1999, 21/01/2003, 26/02/2003, 12/01/2005, 06/10/2005,16/11/2005, 27/02/2008 e 12/03/2008, proferidos nos recursos nºs 24.046, 01895/02, 01891/02, 1569/03, 715/05, 524/05, 1057/07 e 1053/07, respectivamente, e em inúmeros outros mais recentes, que se limitam a confirmar tal doutrina.
De acordo com a jurisprudência supra referenciada, a dissolução, por declaração de falência/insolvência, nos termos dos arts. 141º a 146º do Código das Sociedades Comerciais, de sociedade arguida em processo contra-ordenacional, acarreta a extinção do respectivo procedimento, por dever considerar-se, para o efeito, equivalente à morte de pessoa física, ou seja à morte do infractor - artigos 61º e 62º do RGIT, 193º, 194º e 260º, nº 2, alínea a) do CPT e 176º, nº 2, alínea a) do CPPT -, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento das coimas e da execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva - acórdão do STA de 27/02/2008, recurso nº 01057/07.
Esta jurisprudência apoia-se na doutrina de Alfredo José de Sousa e Silva Paixão (in Código de Processo Tributário, 4ª edição, a fls. 425) e de Jorge Lopes de Sousa, que no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, a fls. 216, considerou que "... é essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária".
Considera a mesma jurisprudência que embora a sociedade dissolvida mantenha "a sua personalidade jurídica - art. 146º, nº 2 do CSC - são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”: um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos - cfr. o acórdão do STA de 29/10/2003 rec. 1079/03. Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima” - cfr. acórdão do STA de 16/11/2005 (recurso nº 524/05).
Outro tem sido o sentido da jurisprudência em sede de jurisdição comum, em que se tem considerado que a existir similitude entre a morte física da pessoa singular e a morte da pessoa colectiva, a mesma só ocorre com a extinção da pessoa colectiva e não com a sua dissolução, em que está em causa apenas uma modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade.
De acordo com o sumário do acórdão do STJ de 02/07/1996 (recurso nº 423/96, publicado no BMJ nº 459, pág. 556 e seguintes), «A dissolução da sociedade marca o momento em que se reconheceu que ela esgotou a sua função mas não traduz desde logo a sua extinção, pois torna-se necessário ainda proceder à cobrança dos créditos, pagamento das dívidas e partilha dos bens sociais sobrantes.
A sociedade em liquidação não se transforma em comunhão de bens ou de interesses, não passa a sociedade fictícia nem é sociedade especial, nova; goza de personalidade colectiva e esta personalidade é a mesma de que gozava a sociedade antes de ser dissolvida.
Como resulta do artigo 146º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, continuam a ser aplicáveis às sociedades dissolvidas, em liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, com as necessárias adaptações, quando outra coisa não resulte das disposições subsequentes ou da modalidade de liquidação».
A mesma posição é reiterada no acórdão do STJ de 12/10/2006 (processo nº 06P2930, disponível no endereço www.dgsi.pt), no qual se deixou exarado, em sumário, que «Pese embora a declaração de falência, resta um espesso «substrato» da sociedade falida, circunstância que, à saciedade, impede que se defenda que da pessoa jurídica, nada mais resta, tal como se pode afirmar da pessoa do ser humano após a morte. De resto, por força do disposto no art. 141º, nº 1, e), art. 146º, nº 2 e art. 160º, nº 2, todos do CSC, se é certo que as sociedades comerciais se dissolvem pela declaração de falência, o certo é que, ao invés das pessoas singulares cuja personalidade cessa com a morte - art. 68º, nº 1, do Código Civil — aquelas mantêm a personalidade jurídica na fase da sua liquidação, considerando-se apenas extintas pelo encerramento dessa liquidação».
Seguindo a mesma jurisprudência, no acórdão da Relação do Porto de 27/06/2007 (recurso nº 0742535), considerou-se que «na ponderação metodológica e intervenção dos critérios da analogia, a similitude de relações e a comparação numa mesma racionalidade entre a morte da pessoa singular e as formas de extinção das pessoas colectivas só podem ser encontradas se e quando a existência, como construção jurídica instrumental, de uma pessoa colectiva cessar, não em perspectiva funcionalista estritamente jurídica mas cessação e desaparecimento de todos os elementos integrantes da pessoa colectiva, não apenas o suporte jurídico mas também o corpus e o respectivo substrato. Dependerá da natureza das pessoas colectivas que estejam em causa, da respectiva finalidade e dos modos da sua realização. Com efeito, só na medida em que possa ser encontrada na diferença entre pessoas singulares e colectivas uma mesma racionalidade, poderá ser equiparada a categoria do artigo 128º/1 CPenal à extinção de uma pessoa colectiva”. Importa reter, cfr. Ac. STJ de 26.10.2006, que “no caso, essa «similitude de relações», não existe. Com efeito, pese embora a declaração de falência, resta um espesso «substrato» da sociedade em causa, circunstância que, à saciedade, impede que se defenda que da pessoa jurídica, nada mais resta, tal como se pode afirmar da pessoa do ser humano após a morte. Se é certo que as sociedades comerciais se dissolvem pela declaração de falência, o certo é que, ao invés das pessoas singulares cuja personalidade cessa com a morte, aquelas mantêm a personalidade jurídica na fase da sua liquidação, considerando-se apenas extintas pelo encerramento dessa liquidação. E, podem, nesse interim, ser objecto de vicissitudes várias».
E mais recentemente, o acórdão da Relação de Lisboa de 21/02/2013 (recurso nº 3169/09.5YDLSB.L1), apoiando-se na doutrina de Raul Ventura (Dissolução e Liquidação de Sociedades, em Comentário ao Código das Sociedades Comerciais) sobre o conceito e natureza do acto de dissolução de sociedades, considerou que a dissolução de sociedade «é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade, consistente em ela entrar na fase de liquidação». Em princípio, a sociedade como relação e como pessoa colectiva, não se extingue quando se dissolve, outros factos devendo produzir-se para que a extinção se verifique (111). Tornar-se-á necessário, ainda, proceder à cobrança dos créditos, pagamentos das dívidas e partilha dos bens sociais sobrantes - pelo que, em regra, após a dissolução a sociedade entrará imediatamente em liquidação (nº 1 do art. 146º do CSC). A sociedade em liquidação funciona normalmente, mas os actos praticados dirigem-se para a cessação das diversas relações envolvidas, não tendo em vista a normal prossecução do objecto social. Mantém a personalidade jurídica, consoante resulta claramente do nº 2 do art. 146º do CSC - «a sociedade em liquidação continua a ser a mesma, mantendo personalidade judiciária idêntica; apenas incorre numa mudança orgânica (passa a ter liquidatário) e um objectivo mais estreito: o da própria liquidação. E a situação assim se mantém até ao registo do encerramento da liquidação» (121). Efectivamente, de acordo com o art. 160º do CSC é o registo do encerramento da liquidação que determina o momento da extinção da sociedade (isto sem prejuízo do que dispõem os arts. 162º a 164º)» - [1] Raul Ventura, «Dissolução e Liquidação de Sociedades», 1987, pags. 16-17; [2] «Código das Sociedades Comerciais Anotado», coordenação de Menezes Cordeiro, 2ª edição, pag. 543.
Inclinamo-nos para a doutrina defendida na jurisprudência do STJ e das Relações pelas razões que ordenaremos de seguida.
Não oferece dúvidas que a dissolução da sociedade (que pode ser originada em diversas causas e fundamentos) não acarreta a sua extinção. Esta só ocorre com o encerramento da liquidação, como resulta do nº 2 do artigo 160º do Código das Sociedades Comerciais.
Os efeitos da dissolução da sociedade na sequência da declaração de insolvência repercutem-se essencialmente sobre o funcionamento dos seus órgãos sociais, cujos poderes ou ficam severamente limitados ou são transferidos para o administrador da insolvência (artigo 81º do CIRE). Como refere Raul Ventura (in "Dissolução e Liquidação das Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais") a dissolução de sociedade «é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade, consistente em ela entrar na fase de liquidação». Ou seja, com a dissolução a sociedade entra numa fase em que o seu objecto deixa de ser prosseguido para se predeterminar à liquidação e partilha do património ou, no caso da insolvência, à sua liquidação e repartição pelos credores.
E também é certo que pese embora a declaração de insolvência, os órgãos da sociedade mantém-se, podendo a sociedade continuar a exercer a sua actividade, ainda que sob apertada vigilância do administrador de falência. E podem os credores acabar por optar pela sua recuperação ou mesmo se liquidado o seu património os sócios deliberaram prosseguir com a actividade.
Por outro lado, como já decidiu este STA (cfr. acórdão de 24/02/2011, recurso nº 01145/09 [(1) «A sociedade dissolvida na sequência de processo falimentar continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, ficando sujeita, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, às disposições previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação, mantendo-se vinculada a obrigações fiscais declarativas»], mesmo na fase de liquidação impendem sobre a sociedade obrigações fiscais, designadamente a apresentação das declarações de IRC (artigo 117º, nº 10 do CIRC) [(2) Veja-se, contudo, o disposto no artigo 65º, nº 3, do CIRE (na redacção introduzida pela Lei nº 16/2012): «Com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento nos termos do nº 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da actividade»] e designadamente a obrigação de pagamento de determinados tributos, tais como o IUC relativo a viatura ou o IMI relativo a imóvel que façam parte da massa insolvente.
Ora, a coactividade das normas que impõem essas obrigações é salvaguardada pelas sanções pecuniárias previstas nas normas sancionadoras do seu incumprimento. Daí que ao contrário do argumento invocado na jurisprudência do STA supra mencionada, há razão de ser na aplicação da coima. Desde logo porque confere coatividade à obrigação imposta ao sujeito passivo e por outro porque exerce esse condicionamento sobre os órgãos da sociedade ou sobre o administrador da falência, cumprindo, assim, a sua finalidade de dissuasão ou prevenção e de repressão da conduta ilícita.
Mas mesmo que se entenda que os fins de repressão e prevenção inerentes às sanções pecuniárias muito dificilmente são alcançados na fase de liquidação das pessoas coletivas, designadamente pelo facto de a massa insolvente não responder pelo seu pagamento, nada obsta a que tal aconteça, sendo certo que no caso de a assembleia de credores decidir pelo prosseguimento da atividade da insolvente e esta retomar a sua atividade, então sempre será possível executar a coima.
Doutra forma, a declaração de insolvência pode muito bem constituir um meio artificioso de a pessoa coletiva obter a extinção da sua responsabilidade contraordenacional.
Como decorre do atual figurino do regime de insolvência, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, e, só se tal não se afigurar possível, na liquidação do património do devedor - artigo 1º, nº 1, do CIRE, na redação dada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
Ora, a doutrina sustentada na jurisprudência supra citada consolidou-se num período em que o figurino da então falência previsto no CPEREF passava pela simples liquidação dos bens da massa insolvente. Estando tal figurino ultrapassado, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que tal doutrina perdeu a sua principal base argumentativa e como tal mostra-se caduca à luz do novo regime legal implementado pelo CIRE.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual deve ser revogada e substituída por acórdão que confirme a validade da decisão de aplicação de coima.»

1.5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - Em 29.11.2014 foi elaborado o auto de notícia de fls. 2 e 3, onde se refere que a sociedade “A…………., S.A - Em Liquidação”, não efectuou, em 30.10.14 o pagamento especial por conta do IRC, imputando-lhe a prática de contra-ordenação p. p. no art. 114º, nº 2, e 5 f), todos do R.G.I.T., por infracção ao art. 106º, nº 1, do CIRC.
2 - A arguida foi notificada por carta registada com aviso de recepção, em 18.12.2014, de que com base no auto de notícia mencionado em 1, fora instaurado processo de contra-ordenação nº 36112014060000214657 (cfr. fls 4 a 6, dos autos).
3 - Em 03.01.2015, o Chefe do Serviço de Finanças de Amadora 3, elaborou o Despacho constante de fls. 8 e 9 dos autos, de fixação da coima em € 1.785,18 e em custas.
4 - Em 03.01.15, foi enviado carta a notificar a arguida da decisão condenatória mencionada em 3, a qual foi recebida em 15.01.2015 (cfr. fls. 10 a 12, dos autos).
5 - A empresa arguida foi declarada insolvente em 23.11.2011 (cfr. D.R. 2ª Série, nº 240, de 16.12.2011 e cópia da sentença proferida no proc. 970/11.3TYLSB do J Comércio da C.G.L.N., de fls. 15 a 20, dos autos).

3.1. A sentença recorrida, apelando à jurisprudência do STA, nomeadamente dos acórdãos de 21/1/2013, no proc. nº 01895/02, de 26/2/2013, no proc. nº 01891/02, de 9/2/2011, no proc. nº 0617/10 e de 9/7/2014, no proc. nº 01170/12, julgou procedente o recurso interposto da decisão administrativa de aplicação de coima, determinando a extinção do procedimento de contra-ordenação, nos termos do art. 61º, al. a) do RGIT, dado que a sociedade acoimada foi declarada insolvente.

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, alegando no essencial, como se viu, que a sentença enferma de erro de julgamento, com violação da al. a) do art. 61º e do art. 62º do RGIT e do nº 2 do art. 160º do CSC, pois que, não obstante a arguida haja sido declarada insolvente, tal não permite afirmar o juízo de extinção da pessoa colectiva nos termos da referida al. a) do art. 61º do RGIT, bem como não permite determinar a extinção do procedimento contraordenacional; ou seja, a declaração de insolvência da arguida não é determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infractor, por não enquadrável no apontado normativo, uma vez que não pode ser equiparada a insolvência declarada por sentença transitada em julgado à extinção da pessoa colectiva.
E no mesmo sentido vai o douto Parecer do MP.

3.3. Não sufragamos, porém, o entendimento da recorrente.
Com efeito, pese embora o alegado pela recorrente, bem como a douta explanação operada no Parecer do MP, quer relativamente à jurisprudência do STJ e dos Tribunais da Relação (trata-se, ainda assim, de jurisprudência reportando aos anos de 1996, 2006, 2007 e 2013, sendo que, o STA já anteriormente havia firmado e continuou e continua a acolher, uniformemente, o entendimento aqui questionado), quer relativamente à doutrina no âmbito do direito societário e comercial, não vemos que seja aduzida nova argumentação à consolidada jurisprudência do STA, em que a sentença recorrida se apoiou.
E é esse o julgamento que também aqui reafirma, acompanhando, para o efeito os acórdãos desta Secção de 1/6/2016, no processo nº 0515/16 e de 21/10/2015, no processo nº 0610/15, onde se consignou:
«Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada e no sentido de que a declaração de insolvência constitui um dos fundamentos de dissolução das sociedades e essa a dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos artigos 61º e 62º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e no artigo 176º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva - cf., neste sentido, para além dos supra citados acórdãos 617/10, 1107/12 e 638/14, os proferidos em 3/11/1999, 15/06/2000, 21/01/2003, 26/02/2003, 12/01/2005, 6/10/2005, 16/11/2005, 27/02/2008, 12/03/2008 e 21.05.2014, nos recursos nºs 24.046, 25.000, 01895/02, 01891/02, 1569/03, 715/05 e 524/05, 1057/07, 1053/07 e 457/14, respectivamente, todos in www.dgsi.pt.
Concordamos com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente, e que aliás, colhe apoio da doutrina, nomeadamente de Alfredo José de Sousa e Silva Paixão (Código de Processo Tributário, 4ª ed., p. 425.), António Tolda Pinto e Jorge Manuel dos Reis Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias, Coimbra Editora, pag. 195 e de Jorge Lopes de Sousa, (Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª ed., Anotações 6 a 8 ao art. 176º, pp. 306 a 308.), obra esta em que salienta que «…é essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária».
Efectivamente de acordo com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se com a morte do arguido, sendo que também a obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias se extingue com a morte do infractor.
Ora à morte do infractor deve ser equiparada a extinção da pessoa colectiva arguida no processo de contra-ordenação, sendo que a sociedade se considera extinta pelo encerramento da liquidação (artº 160º do CSC).
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume 3º, pag. 307, «mantendo embora a sociedade dissolvida, em liquidação, a sua personalidade jurídica - art. 146º, n.º 2 do CSC - são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada "massa falida": um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos. Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima.»
Acresce que, como ficou dito no Acórdão 638/14 de 02.07.2015, «pese embora o diverso enquadramento que sobre esta matéria os tribunais da jurisdição comum têm vindo a adoptar, em face do disposto nos arts. 141º, 146º, nº 2 e 160º, nº 2, todos do Código das Sociedades Comerciais, (...) crê-se que a especificidade das relações jurídico-tributárias continua a justificar um diverso enquadramento jurídico quanto ao momento em que se deverá ficcionar «a morte da pessoa colectiva», sendo que neste sentido parece apontar o entendimento legislativo substanciado na Lei nº 16/2012, de 20/4 [diploma que introduziu diversas alterações ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)], nomeadamente em face da redacção introduzida no art. 65º:
«[...]— (Anterior corpo do artigo.) 2 — As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.
3 — Com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, nos termos do nº 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade.
4 — Na falta da deliberação referida no número anterior, as obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar.
5 — As eventuais responsabilidades fiscais que possam constituir-se entre a declaração de insolvência e a deliberação referida no nº 3 são da responsabilidade daquele a quem tiver sido conferida a administração da insolvência, nos termos dos números anteriores.» (fim de citação).
Daqui resultando que também o CIRE, referindo-se ao momento da extinção das obrigações fiscais de sociedade insolvente, estabelece neste art. 65º que as mesmas (obrigações declarativas e fiscais) necessariamente se extinguem com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento (nos termos do nº 2 do art. 156º), o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; sendo que, na falta daquela deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. Ou seja, em termos estritamente fiscais e, consequentemente, para aplicação de coimas por incumprimento de obrigações fiscais, também no âmbito do CIRE (e tal como já se entendia no âmbito do CPEREF e do CSComerciais) não há que remeter para o encerramento da fase de liquidação e partilha da sociedade insolvente, a libertação da respectiva responsabilidade.
Naufragando, assim, a alegação do MP no sentido de que a jurisprudência do STA se consolidou num período em que o figurino da então falência previsto no CPEREF passava pela simples liquidação dos bens da massa insolvente, estando agora tal figurino ultrapassado à luz do novo regime legal implementado pelo CIRE.
Sendo, portanto, este o entendimento que também aqui reiteramos, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, uma vez que, aderindo à posição nesta matéria firmada pelo STA, interpretou correctamente as normas legais aplicáveis.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.