Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01107/17.0BELRA
Data do Acordão:12/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:CUMULO MATERIAL
CÚMULO JURÍDICO
CONTRA-ORDENAÇÃO
APENSAÇÃO
Sumário:I - O cúmulo das coimas em processo de contra-ordenação tributária é material, na redacção dada ao art. 25.º do R.G.I.T. pela Lei n.º 55-A/2020, de 31/2, ou seja, depende da sua soma sem reduções, contrariamente ao que ocorria com o cúmulo jurídico que chegou a ser previsto no art. 25.º R.G.I.T. na redacção dada pela Lei 64-a/2008, de 31/12.
II- Assim sendo, não se impõe proceder à devolução dos processos de contra-ordenação ao serviço de finanças para que aí se realize a apensação dos processos devido ao dito cúmulo material.
III - Na fase judicial, tendo sido interposto um único recurso de impugnação de várias decisões de aplicação de coimas, a apensação dos respetivos processos deve ser decidida no despacho liminar, em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, mediante a apreciação dos pressupostos da conexão subjectiva - artigos 25.º e 29.º do C.P.P., 41.º do R.G.C.O. e 3.º b) do R.G.I.T..
Nº Convencional:JSTA000P26847
Nº do Documento:SA22020120201107/17
Data de Entrada:07/17/2020
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Seção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I.Relatório:

I.1. O magistrado do Ministério Publico junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (T.A.F.) de Leiria vem, ao abrigo dos artigos 73.º n.º2 e 74.ºn.º2 do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/10, que aprovou o Regime Geral de Contra-Ordenações (R.G.C.O.) recorrer do despacho decisório proferido naquele Tribunal a 20-12-2019, a qual julgou procedente o recurso apresentado por A…………, quanto a cinco decisões administrativas de aplicação de coima, proferidas no Serviço de Finanças de Alcobaça, pela prática de infrações resultantes da violação do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 25/2006, de 30/06 e punidas pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal, anulando as decisões de aplicação de coima, e determinando a remessa dos autos à entidade administrativa.

I.2. O recorrente formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

1ª- Se é verdade que a apensação de processos de contraordenação deverá ter lugar em sede administrativa, no caso daqueles aí penderem e se verificarem os pressupostos legais, para tanto, a violação dessa obrigação é insuscetível de gerar qualquer nulidade, pelo menos, de natureza insuprível.

2ª- Pelo que, perante o incumprimento desse dever procedimental pela entidade administrativa, ocorrido na situação dos autos, mesmo assim, impunha-se à Mmª juiz recorrida o poder-dever de determinar a apensação, a efetuar em sede judicial, por força do prescrito nos art.s 25º do RGIT, 36º do RGCOC, 25º, 28º e 29º, do CPP, estes aplicáveis «ex vi» do art. 3º/b), do RGIT.

3ª – A jurisprudência tem vindo de forma reiterada e uniforme a firmar esse entendimento no sentido de que: «o facto de não se ter ordenado a apensação de todos os processos na fase administrativa, não impede que seja ordenada essa mesma apensação na fase judicial, cfr. artigo 29º, n.º 2, (do CPP) no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT

Nesta medida, incumbe ao juiz a quem compete o julgamento das impugnações das decisões administrativas, apreciar da aplicabilidade do disposto naquele artigo 25º do CPP, configurando-se, assim, o reconhecimento da conexão de processos e a determinação da apensação dos mesmos como um dever e não como uma faculdade que é concedida ao juiz, tudo em vista da melhor realização da justiça e da economia de meios».

4ª- Desta feita, a atribuição da competência deste Tribunal para operar à apensação dos Processos de contraordenação, acarreta necessária e concomitantemente a competência para sindicar a matéria impugnada, constante de todas as decisões de aplicação de coimas em concurso, e caso as mesmas sejam confirmadas será a Mmª Juiz recorrida a competente para fixar a coima única, em cúmulo material.

5ª - É, também, esse, o sentido que a jurisprudência tem vindo a firmar:

“… como pondera o MP, nesse caso não se vislumbra fundamento para que o próprio Tribunal, concluindo pelo acerto das decisões da entidade administrativa, não proceda ao cúmulo que caiba operar (jurídico e/ou material, ou ambos, se for o caso, aferindo a data das infracções) condenando a arguida numa única coima”.

6ª – A anulação das decisões constantes nos processos de contraordenação, por inobservância do disposto no art. 25º do RGIT, carece de cobertura legal, sendo que o incumprimento do dever de apensação dos processos de contraordenação pela entidade administrativa não afeta a validade das mesmas.

7ª- Apela-se também aqui o que tem ditado a jurisprudência: “mesmo que se entendesse competir, em primeiro lugar, à entidade administrativa a realização desse cúmulo, não se nos afigura que haja fundamento legal para considerar que as decisões administrativas de aplicação de coima enfermam de nulidade insuprível que afecte a sua validade: não vemos que a tais decisões, singularmente consideradas, faltem os requisitos que a lei impõe ou não especifiquem os elementos que contribuíram para a fixação da coima (al. d) do nº 1 do art. 63º e nº 1 do art. 79º, ambos do RGIT).

Tanto mais que, como se disse, só poderá operar-se o cúmulo (material ou jurídico) depois de fixadas as respectivas coimas singulares a cumular”.

8ª- Donde, o não ordenar a apensação dos processos de contraordenação pelo Tribunal e ao ordenar a remessa dos autos à entidade administrativa para aquele efeito e ao anular as decisões condenatórias administrativas, violou, a Mmª Juiz recorrida, os sobreditos dispositivos legais, máxime, o art. 25º do RGIT.

9ª- Devendo, por isso, ser revogado o despacho recorrido, e substituído por outro que determine a apensação dos 16 processos de contraordenação, a efetuar em sede judicial, e, se conheça, se a tal nada mais obstar, do mérito da impugnação.

I.3. O recurso foi admitido, não tendo sido produzidas contra-alegações.

I.4. Recebido o processo no S.T.A., a exm.ª magistrada do Ministério Público teve vista em que emitiu parecer no qual concluiu ser de conceder provimento ao recurso interposto.

I.5. Foi ainda cumprido o art. 47.º n.º2 do CPP, subsidiariamente aplicável, nada tendo sido requerido.

I.6. Cumpre apreciar e decidir em conferência a admissibilidade do recurso interposto, bem como a questão colocada no recurso que consiste em saber se a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, ao ter anulado as decisões que aplicaram coimas e ordenado a remessa dos autos à autoridade administrativa para a organização de um único processo, mediante a apensação dos processos de contra-ordenação e para efeitos de aplicação de uma coima única, atendendo ao critério estabelecido no artigo 25.º do R.G.I.T..

II.Fundamentação:

II.1 de facto.

Com relevância para a decisão dos presentes autos, foram dados como provados os seguintes factos:

1) Em 08/03/2017 foram levantados, ao recorrente, os autos de notícia n.ºs 300000223138/2017, 300000224498/2017 e 300000224504/2017, no âmbito dos processos de contra-ordenação n.ºs 13092017060000029027, 13092017060000029108 e 13092017060000029116 respectivamente, todos pela prática da infracção de falta de pagamento da taxa de portagem, prevista e punida pelos artigos 5.º, n.º 1, alínea a) e 7.º do Decreto-Lei n.º 25/2006, de 30/06 (autos de notícia de fls. 22 a 24, 64, 65, 104 e 105 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

2) Em 09/03/2017 foram levantados, ao recorrente, os autos de notícia n.ºs 300000227683/2017 e 300000230407/2017, no âmbito dos processos de contra-ordenação n.ºs 13092017060000029310 e 13092017060000029493, respectivamente, ambos pela prática da infracção de falta de pagamento da taxa de portagem, prevista e punida pelos artigos 5.º, n.º 1, alínea a) e 7.º do Decreto-Lei n.º 25/2006, de 30/06 (autos de notícia de fls. 145 a 147, 187 e 188 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

3) Com a referência 3223949, datada de 12/08/2016 foi enviada, ao recorrente, uma comunicação para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, proceder ao pagamento voluntário das taxas de portagem e custos administrativos associados, no valor global de 323,75€, podendo, em alternativa, proceder à identificação do condutor ou proprietário (notificação de fls. 28 a 31, 68 a 71 e 108 a 111, 151 a 154 e 192 a 195 do processo físico).

4) Com a referência 3223949, datada de 31/10/2016 foi enviada, ao recorrente, uma comunicação, por correio postal registado, com a referência RN900141056PT, cujo aviso de recepção foi assinado no dia 14/11/2016 para, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, proceder à identificação do condutor ou proprietário ou, em alternativa, proceder ao pagamento voluntário das taxas de portagem e custos administrativos associados, no valor global de 323,75€ (notificação e aviso de recepção de fls. 32 a 37, 72 a 77 e 112 a 116, 118, 124, 155 a 160 e 196 a 201 do processo físico).

5) Com a referência 3223949, datada de 22/12/2016 foi enviada, ao recorrente, uma comunicação para, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, proceder à identificação do condutor ou proprietário ou, em alternativa, proceder ao pagamento voluntário das taxas de portagem e custos administrativos associados, no valor global de 323,75€ (notificação de fls. 38 a 42, 78 a 82 e 119 a 123, 161 a 165 e 202 a 206 do processo físico).

6) Com data de 08/03/2017 foram enviadas, ao recorrente, três comunicações para apresentação de defesa, no prazo de 10 (dez) dias, ou pagamento antecipado da coima, nos valores totais de 210,75€, 88,25€ e 76,87€, respectivamente nos processos de contra-ordenação referidos em 1) (notificações de fls. 44, 84 e 125 do processo físico).

7) Com data de 09/03/2017 foram enviadas, ao recorrente, duas comunicações para apresentação de defesa, no prazo de 10 (dez) dias, ou pagamento antecipado da coima, nos valores totais de 151,25€ e 289,50€, respectivamente nos processos de contra-ordenação referidos em 2) (notificações de fls. 167 e 208 do processo físico).

8) Por comunicações datadas de 29/03/2017, foi dado conhecimento ao recorrente que lhe foram aplicadas, na mesma data, uma coima no valor de 181,14€, acrescido de custas administrativas no valor de 76,50€, em consequência da prática dos factos constantes do auto de notícia n.º 300000223138, uma coima no valor de 54,00€, acrescido de custas administrativas no valor de 76,50€, em consequência da prática dos factos constantes do auto de notícia n.º 300000224498 e uma coima no valor de 40,55€, acrescido de custas administrativas no valor de 76,50€, em consequência da prática dos factos constantes do auto de notícia n.º 300000224504, respectivamente nos processos de contra-ordenação referidos em 1) (notificações das decisões de aplicação de coimas de fls. 47, 87 e 128 do processo físico).

9) Por comunicações datadas de 30/03/2017, foi dado conhecimento ao recorrente que lhe foram aplicadas, na mesma data, uma coima no valor de 118,66€, acrescido de custas administrativas no valor de 76,50€, em consequência da prática dos factos constantes do auto de notícia n.º 300000227683 e uma coima no valor de 263,81€, acrescido de custas administrativas no valor de 76,50€, em consequência da prática dos factos constantes do auto de notícia n.º 300000230407, respectivamente nos processos de contra-ordenação referidos em 2) (notificações das decisões de aplicação de coimas de fls. 170 e 211 do processo físico).

10) Em 04/04/2017 o recorrente apresentou defesa escrita em cada um dos processos de contra-ordenação referidos em 1) e 2) (comprovativos de entrega de documentos e requerimentos de fls. 49 a 52, 89 a 92, 130 a 133, 172 a 175 e 213 a 216 do processo físico).

11) A recorrente apresentou um único articulado de alegações de recurso de contra-ordenação para as cinco decisões de aplicação de coima referidas em 8) e 9) no dia 25/04/2017 (alegações de recurso e mensagem de correio electrónico de fls. 4 a 17 do processo físico).

Não foram considerados provados ou não provados outros factos com relevância para a decisão da causa.

II. De direito.

II.1. Assiste razão ao Recorrente quanto à decisão recorrida estar desconforme com o entendimento jurisprudencial constante de vários acórdãos do S.T.A. que são identificados em sede alegações de recurso, como o proferido em 17-6-2015, no proc. 0137/15, justificando-se a admissão do recurso ao abrigo das normas invocadas do R.G.C.O., e com fundamento em uniformização de jurisprudência.

II.2. Por uma questão prática e, quanto à questão enunciada que importa decidir, vai adotar-se a fundamentação constante do acórdão proferido a 14-10-2020, proferido no processo n.º 0268/17.4BELRA que se pronunciou sobre questão semelhante à que resulta para apreciação:

“Relembra-se que no despacho recorrido veio a ser decidida a anulação das coimas aplicadas, no entendimento tido a respeito do art. 25.º do R.G.I.T., da autoridade administrativa ter de proceder à apensação dos processos de contraordenação e à realização de cúmulo material, somando as coimas aplicadas.

Ora, o cúmulo das coimas que nos casos dos autos é material depende de soma das mesmas, sem reduções, contrariamente ao que ocorria com o cúmulo jurídico que chegou a ser previsto no art. 25.º R.G.I.T. na redacção dada pela Lei 64-a/2008, de 31/12, a qual foi alterada pela Lei 55-A/2010, de 31/12, para vigorar desde 1-1-2011.

No domínio da lei anterior à actual, a aplicação do cúmulo jurídico obedecia a outras regras que não a acima indicada, razão pela qual o S.T.A. admitiu a devolução ao serviço de finanças para apensação dos processos de contraordenação para que aí se realizasse o dito cúmulo – assim, nomeadamente, no acórdão de 22-4-2015, proc. 023/15, publicado em www.dgsi.pt.

No entanto, diferente é de considerar no caso de cúmulo material, em que o S.T.A. entendeu não ser caso de proceder à devolução para tal apensação, pelo serviço de finanças, considerando que a sua falta não provoca nulidade insuprível – ainda, nomeadamente, no acórdão de 17-6-2015, no proc. 0369/15, publicado também em www.dgsi.pt.

Assim sendo, e no conhecimento tido na sentença quanto à aplicação do art. 25.º do R.G.I.T. foi tal disposição violada.

Por outro lado, tendo sido efetuada a introdução em juízo, pelo Ministério Público, nos termos do art. 40.º do R.G.C.O., do recurso de contra-ordenação que foi apresentado por um mesmo arguido relativamente a vários processos de contra-ordenação, conforme é documentado no processo organizado, são de aplicar, quanto à conexão subjectiva, os artigos 25.º e 29.º do C.P.P., nos termos dos artigos. 41.º do R.G.C.O. e 3.º, b), do R.G.I.T..

Tal o que foi reiterado em vários acórdãos do S.T.A., de que se citam os de 6-2-2019, proferido no processo n.º 026/18.8BEPRT, de 20-3-2019, proc. n.º 01895/17.4BEBRG e de 27-11-2019, proc. n.º 0933/15.0BELRA, publicados em www.dgsi.pt.

Nestes acórdãos decidiu-se ser de proferir despacho inicial ou despacho sobre a apensação dos mesmos, antes de ser proferido despacho decisório ou sentença.”

E tal como nesse acórdão se decidiu: “Impõe-se, em consequência, revogar o decidido e determinar que os autos baixem ao tribunal recorrido, a fim de que aí prossigam, com despacho a conhecer da apensação dos processos de contra-ordenação - ao que não obsta a realização de cúmulo material das coimas, conforme acima expresso -, e a fim de que os autos aí prossigam com conhecimento do mérito do recurso de impugnação, caso a tal nada mais obste.”

III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o decidido e determinar que os autos baixem ao tribunal recorrido para os fins referidos em sede de fundamentação de direito.

Sem custas, dada a revogação do Código das Custas dos Tribunais Tributários a que se refere o artigo 66.º do R.G.I.T., e considerando ainda o disposto no art. 94.º, n.° 4, do R.G.C.O..

Lisboa, 2 de dezembro de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Joaquim Manuel Charneca Condesso.