Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0557/07.5BECBR
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PODERES DE COGNIÇÃO
Sumário:I - O tribunal ad quem não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC), pelo que pode conhecer como nulidade da sentença do vício invocado como erro de julgamento.
II - Enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, vício não invocado nos autos e que não é do conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA000P24810
Nº do Documento:SA2201907110557/07
Data de Entrada:05/21/2019
Recorrente:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E SEGURANÇA SOCIAL DE COIMBRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 557/07.5BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou procedente a oposição deduzida pelo também supra identificado Recorrido à execução fiscal que prossegue contra ele, por reversão, para cobrança de dívidas provenientes de contribuições e cotizações à Segurança Social.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1. A Secção de Processo Coimbra não se conforma com a sentença proferida em 30 de Abril pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra,

2. o despacho de reversão não pode ser considerado anulável por falta de fundamentação no que respeita à proveniência da dívida;

3. No facto provado n.º 4 ficou assente que o Oponente foi notificado do projecto de decisão de reversão contra si das dívidas no processo 0601200301006053 e apensos e que nesse projecto constava a identificação das certidões de dívida, o tributo (contribuições/cotizações), o valor de capital de juros de mora em causa;

4. Em sede de direito de exercício do direito de audição prévia à reversão o Oponente não questionou a inteligibilidade da dívida;

5. O mesmo sucedendo em sede de Oposição à reversão onde teve perfeito conhecimento da desapensação dos processos de execução, tendo apresentado duas oposições autónomas, distinguindo-as por número de processo e valor de acção;

6. O Meritíssimo Juiz não tomou em consideração que existem dois processos titulados por certidões de dívida distintas;

7. o processo que deu origem à presente oposição é o processo 0601200301006053 que tem na sua base as certidões 103 e 105 relativas a contribuições e com o valor de capital de € 1.347,94 a que acrescem juros de mora;

8. Certidões identificadas no projecto de decisão de reversão com indicação do tributo, valor em dívida (capital e juros de mora);

9. O Oponente apreendeu o teor do despacho de reversão, designadamente no que respeita à proveniência da dívida, de forma que até mencionou na oposição que “a devedora originária não deixou de entregar contribuições retidas porque nunca houve esse dinheiro”.

10. De acordo com o acórdão do STA de 14/02/2013, processo 642/12 “É, porém, também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido (...)

11. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artigo 487.º, n.º 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.” in www.dgsi.pt.

12. Pelo que não estamos perante qualquer omissão ou confusão susceptível de levar à anulabilidade do despacho de reversão.

Nestes termos […] deve o presente recurso ser julgado procedente […] e, em consequência, ser revogada a douta decisão […] e substituída por outra que reconheça a validade do despacho de reversão por devidamente fundamentado, mantendo-se a reversão operada […]».

1.3 O Oponente não contra-alegou.

1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, declarando, a competência do Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento do Recorrente.

1.5 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, que concluiu nos seguintes termos: «É de julgar o recurso como provido, anular o decidido e mandar baixar os autos ao tribunal recorrido, a fim de que seja proferida nova decisão».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal a quo efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. Na secção de processos de Coimbra do IGFSS, com base nas certidões de dívida cujas cópias são doc. 1 e 2 da contestação, que aqui dou como reproduzidas, foi instaurado, entre outros, o processo de execução fiscal n.º 0601200301006053, para cobrança de contribuições e cotizações para a segurança social do ano de 2001, juros e custas, devidas pela sociedade comercial “B………… Lda.” acima melhor identificada, ali certificadas.

2. Em 27/3/2003, 11/4/2003 e 27/5/2003 o OEF efectuou as diligências tendentes a identificar bens penhoráveis da sociedade, objecto dos autos cuja cópia é fls. 19 a 21 destes autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

3. Procedendo a solicitação do OEF, o serviço de Finanças de Cantanhede emitiu e remeteu-lhe em 20/6/2003 a informação sobre bens penhoráveis da sociedade e dos seus sócios gerentes cuja cópia é fls. 22 e sgs. dos autos e aqui se dá como reproduzida.

4. Por carta registada de 12/7/2006 o oponente foi notificado para se pronunciar em 10 dias sobre o projecto de decisão de reversão da execução contra si cujo teor a fls. 48 do apenso aqui se dá como reproduzido, destacando o seguinte excerto:
«2. DA CITAÇÃO DO EXECUTADO
O executado foi citado a 3/31/2003. No prazo legal que dispunha para o efeito, não requereu o pagamento em prestações, não pagou voluntariamente, nem deduziu oposição.
3. OUTROS ELEMENTOS
Não são conhecidos quaisquer bens sujeitos a registo, registados em nome do executado, nem tendo este indicado nenhum bem móvel suficiente, pelo que, nos termos do art. 219.º n.º 3 do C.P.P.T. permite ao órgão de execução fiscal presumir a insuficiência ou inexistência de bens móveis.
Da informação constante nas Declarações de Remuneração entregues pela executada originária, constata-se que A…………, NISS n.º ………, é responsável subsidiário, tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada no período entre 2001-03/2001-10».

5. O Oponente apresentou a pronúncia cuja cópia a fls. 31 destes autos do apenso aqui se dá como reproduzida, destacando o seguinte excerto:
«A………… foi efectivamente sócio-gerente da Executada B………., Limitada (sendo-o, ainda, embora a empresa haja deixado de operar);
Todavia, as funções relativas a movimentações de dinheiro, incluindo pagamento a funcionários, e efectivação de descontos para a Segurança Social couberam sempre ao outro sócio-gerente C…………. (...);
Muito embora este C……… (...), depois de elencar os pagamentos e de dar ordem de pagamento, por vezes deixasse os cheques para A………… assinar, o que este fazia sem questionar:
Mas, na verdade, toda a parte económica esteve sempre a cargo do outro sócio-gerente».

6. E indicou como testemunhas o tal C………. e sua mulher.

7. O OEF remeteu cartas registadas com AR, convocando as testemunhas, para o domicílio indicado pelo aqui Oponente, mas aquelas foram devolvidas, por motivo ignoto.

8. Em 29/1/2007 a Sr.ª Coordenadora da Secção de processos emitiu, a fls. 71 a 72 do processo de execução, o despacho cuja cópia a fls. 43 e 44 destes autos aqui se dá como reproduzido, destacando o seguinte excerto:
«Da resposta do notificado:
Da resposta apresentada por A………. não resulta o não exercício pelo mesmo da gerência da executada durante o período da dívida constante dos autos.
Quanto às testemunhas cuja audição o mesmo requer, tendo para o efeitos sido notificadas, não recepcionaram as notificações que lhes foram dirigidas.
Dos factos
a) Consta do cadastro da executada na Segurança Social e nas Finanças relativos à sociedade B……….., Lda., que, são gerentes, à data legal de pagamento ou entrega dos montantes em dívida à Segurança Social, A………… e C…………;
b) A situação definida é a resultante do registo comercial da sociedade sendo gerência nominal ou de direito. Provada esta, infere-se a gerência efectiva ou de facto;
Em conclusão não logrou provar o notificado que não se verificam quanto a si os pressupostos de reversão da dívida constante dos autos, pelo que, mantendo-se os pressupostos balizadores da reversão contra o gerente,
1. Indefiro o pedido de não prosseguimento da reversão de A………… apresentado em sede de direito de audição;
2. Reverto as execuções contra o mesmo;
3. Reverto ainda as execuções contra C………..;
4. Citem-se os revertidos do presente despacho;
5. 30 dias após, devolvam-se os autos a despacho com informação de eventuais descontos enquanto TCO’s dos revertidos».

9. Em 16/4/07 foi o Oponente citado, por carta registada com A.R., para os termos da execução, como responsável subsidiário, conforme nota de citação que é fls. 95.C da execução e que aqui se dá como reproduzida, destacando a seguinte parte:

10. O oponente foi e é titular da gerência da devedora originária, desde a sua constituição.

11. É necessário o concurso da sua assinatura, segundo o pacto social, para obrigar a sociedade.

Não se provou:

Que o Oponente não estava ao corrente dos pagamentos a efectuar pela gerida, que assinava os cheques que o outro sócio lhe apresentava, sem questionar, que a gerida nunca teve os dinheiros retidos e que foi essa falta de meios que levou ao encerramento da empresa.».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrido, chamado por reversão a uma execução fiscal instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de contribuições e quotizações para a Segurança Social, veio deduzir oposição com fundamento na ilegitimidade substantiva prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, que fez derivar de dois conjuntos de circunstâncias: primeiro, admitindo a sua qualidade de sócio-gerente da sociedade originária executada, «toda a parte económica» da gestão estava a cargo exclusivamente do outro sócio gerente, que era o «único gerente fáctico» (cfr. arts. 1.º a 6.º e 15.º da petição inicial); segundo, durante o período a que respeita a dívida, a sociedade «nunca teve os dinheiros alegadamente retidos» ou, se os teve, esse facto «é absolutamente desconhecido» do Oponente, que «não foi, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor das quantias que originaram a dívida exequenda» (cfr. arts. 7.º a 14.º da petição inicial).
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra disso bem deu conta, iniciando a parte da sentença em que se propôs aplicar o direito aos factos, com a seguinte afirmação: «O oponente sustenta, com base nas alegações acima resumidas, que não é parte legítima, para efeitos do artigo 204.º n.º 1 b) do CPPT, porque, em seu entender, nunca foi gerente de facto e, de todo o modo, a sociedade nunca dispôs do dinheiro alegadamente retido, o que, subentende-se, afastaria a sua responsável subsidiária cujos pressupostos constam do artigo 24.º n.º 1 da LGT».
No entanto, conhecendo da oposição, julgou-a procedente, no entendimento de que «a montante desta questão [da responsável subsidiária] é incontornável a da insuficiência da fundamentação» do despacho de reversão no que concerne ao montante e proveniência da dívida exequenda.
O Recorrente insurgiu-se contra a sentença porque entende que esta não podia anular o despacho de reversão por falta de fundamentação no que respeita à proveniência da dívida, pois que o ora Recorrido não questionou a fundamentação daquele despacho e essa questão não é de conhecimento oficioso.
Considera, pois, o Recorrente que a sentença recorrida não podia apreciar o vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, que não é do conhecimento oficioso, nem foi invocado pelo Oponente. Ou seja, apesar de assim o não ter qualificado, o Recorrente considera que a sentença incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao apreciar essa questão e, com fundamento na respectiva decisão, dar procedência ao pedido formulado pelo Oponente.
É essa a questão que ora cumpre apreciar: se a sentença podia ou não apreciar tal vício e decidir com fundamento no mesmo.
Cumpre notar, desde já e como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar repetidamente, que nada obsta ao conhecimento pelo tribunal ad quem como nulidade da sentença por excesso de pronúncia do vício invocado pelo recorrente como erro de julgamento pois, na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o tribunal não fica sujeito à alegação das partes, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).

2.2.2 O CONHECIMENTO DE QUESTÃO NÃO SUSCITADA E QUE NÃO É DO CONHECIMENTO OFICIOSO

A questão, em termos em tudo idênticos – as partes eram as mesmas, bem como o teor da petição inicial, da sentença e das alegações de recurso – foi já apreciada por este Supremo Tribunal no processo com o n.º 116/14 e decidida pelo acórdão aí proferido em 20 de Maio de 2015 ((Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04c4eacd74c5997280257e5300348fcc.), em termos que merecem o nosso acordo. Por isso, vamos remeter para a fundamentação que aí foi expendida:

«[…] a sentença convocou e apreciou a falta de fundamentação do despacho de reversão, no que concerne à proveniência da dívida e, julgando verificado tal vício de forma, julgou a oposição procedente por ilegitimidade passiva do recorrido.
Ora, em primeiro lugar, o pretenso vício de forma do despacho de reversão, a verificar-se, constituiria fundamento de oposição à execução, a enquadrar na al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT e como bem refere a recorrente (conclusões 2, 4 e 5), a sentença não podia apreciar tal questão e anular o despacho de reversão por falta de fundamentação no que respeita à proveniência da dívida, pois que, não sendo questão de conhecimento oficioso, também o recorrido não questionou a ininteligibilidade/fundamentação do despacho de reversão, nomeadamente em sede de oposição judicial.
A nulidade por excesso de pronúncia (n.º 1 do art. 125.º do CPPT e segmento final da al. d) do nº 1 do art. 615.º do NCPC) relaciona-se com a segunda parte do n.º 2 do art. 608.º e com o n.º 1 do art. 609.º, do mesmo código, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
No caso, como se viu, a ilegitimidade invocada pelo recorrido nada tem que ver com a proclamada falta de fundamentação do despacho de reversão; ou seja, o vício formal de falta de fundamentação do despacho de reversão, além de não ser de conhecimento oficioso, também consubstancia causa de pedir distinta da ilegitimidade invocada pelo recorrido, que também nunca questionou, sequer, a proveniência da dívida.
Portanto, ao conhecer de questão de que não podia conhecer, a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos arts. 125.º do CPPT e da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do novo CPC (que corresponde ao anterior art. 668.º do CPC)».

Nestes termos, impõe-se conceder procedência ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas na petição inicial, se a tal nada obstar.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O tribunal ad quem não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC), pelo que pode conhecer como nulidade da sentença do vício invocado como erro de julgamento.

II - Enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, vício não invocado nos autos e que não é do conhecimento oficioso.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas na petição inicial, se a tal nada obstar.

Custas pelo Recorrido, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou (cfr. art. 527.º do CPC).


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Lisboa, 11 de Julho de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.