Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0705/19.2BELLE
Data do Acordão:09/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
CITAÇÃO
ACTO
INTERRUPÇÃO
EFEITO DURADOURO
Sumário:I - A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC).
II - O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.
Nº Convencional:JSTA000P26236
Nº do Documento:SA2202009020705/19
Data de Entrada:07/14/2020
Recorrente:A..............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no processo com o n.º 705/19.2BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente veio interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que, negando procedência à reclamação judicial que aquele aí deduziu ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recusou declarar a prescrição da dívida exequenda.

1.2 O Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I. Entender que o acto de citação tem, relativamente ao prazo da prescrição, um duplo efeito: (i) interruptivo instantâneo, previsto na Lei Geral Tributária, e (ii) suspensivo duradouro até que o processo de execução fiscal tenha decisão final com trânsito em julgado, por aplicação subsidiária do Código Civil ... afigura-se, como se disse, absurdo e inadmissível, violando, de modo expresso e incontroverso, as garantias do contribuinte e os princípios da certeza e da segurança jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (Porque já não prescrevem as dívidas fiscais?, Manuela Silva Marques) ao contrário dos demais actos interruptivos previstos no número 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, o acto de citação não se refere ao processo, que, eventualmente terá natureza duradoura, mas sim a um acto instantâneo cujos efeitos se esgotam na prática desse mesmo acto – citação.

II. Seria permitir que o processo de execução fiscal ficasse indefinidamente pendente e os contribuintes à disposição das manobras coercivas do órgão da execução fiscal para todo o sempre (Porque já não prescrevem as dívidas fiscais?, Manuela Silva Marques).

III. O que contende com a previsão dos actos interruptivos previstos no número 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, pelo que não será de permitir a atribuição, ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 327.º do Código Civil, de efeitos duradouros por referência ao processo de execução fiscal à prescrição, sob pena de se ultrapassar os limites aí previstos e violando-se, dessa forma, as garantias dos contribuintes, sob pena de os processos de execução fiscal ficarem indefinidamente pendentes.

IV. O que acontece in casu, pois desde a citação do aqui Recorrente/Revertido não foi praticado qualquer acto por parte do órgão de execução fiscal.

V. O regime de prescrição ínsito no artigo 49.º da Lei Geral Tributária não comporta, nem poderá comportar os efeitos duradouros da citação previstos no número 1 do artigo 327.º do Código Civil, sob pena de todas consequências gravosas que daí resultam para os contribuintes e, in casu, para o aqui Reclamante, violando-se, se assim não se entendesse, os princípios da certeza e segurança jurídica ínsitos ao princípio do estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

VI. Deverá entender-se que o regime de prescrição ínsito no artigo 49.º da Lei Geral Tributária não comporta, nem poderá comportar os efeitos duradouros da citação previstos no número 1 do artigo 327.º do Código Civil, pois, a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado tem – tão só – mero efeito instantâneo de inutilizar para a prescrição o tempo até então decorrido, iniciando-se a partir dessa data novo prazo.

VII. Estando a matéria de prescrição sujeita ao princípio da legalidade, não é possível, nesta matéria, lançar mão de interpretações que, não tendo qualquer apoio no texto da lei, criem efeitos suspensivos do prazo de prescrição, trazidos do direito civil, sem que para eles haja remissão expressa, ou se verifique qualquer lacuna a preencher, tal como resulta do número 2 do artigo 9.º do Código Civil, falecendo assim, o entendimento de que a citação, para o processo de execução constitui um facto interruptivo e simultaneamente suspensivo do prazo de prescrição, pois, tal entendimento decorre apenas de um entendimento doutrinal, não tendo qualquer suporte legal, nomeadamente no artigo 49.º da Lei Geral Tributária, que apresenta de forma coerente e expressa na sua letra os factos interruptivos e suspensivos da prescrição, bem como os seus efeitos.

VIII. Como se disse, e em concordância absoluta com o entendimento da Exma. Sra. Juiz Conselheira Dra. Ana Paula Lobo, in Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01360/17, de 10.01.2018, consultável em www.dgsi.pt – “Como tem definido de forma unânime a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de que é exemplo o Acórdão de 14 de Outubro de 2009, proc. nº 528/09, que “As normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas «garantias dos contribuintes», pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria”, jurisprudência também constante do Tribunal Constitucional de que é exemplo o Acórdão de 5 de Julho de 2010, proc. n.º 133/10. Sendo as causas de suspensão do prazo de prescrição uma das garantias dos contribuintes, quando referidas às relações jurídico-tributárias, estão estritamente subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal, consagrado no n.º 2 do art. 103.º da Constituição da República, pelo que, acompanhando as palavras de Benjamim Rodrigues, in “A Prescrição no Direito Tributário”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pp. 261 e 266, diremos que hão-de elas englobar, “(…) todo o critério de decisão ou de qualificação de quaisquer efeitos concernentes à prescrição tem de constar da norma de tributação emitida nos sobreditos termos”, incluindo, por conseguinte, “a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão”. A interpretação das causas de suspensão expressas na sentença recorrida quanto à suspensão do processo de execução após a citação do executado apresenta-se, pois, em meu entender, ferida de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa”.

IX. Nestes termos, o Tribunal a quo ao decidir da forma que decidiu, violou o preceituado nos artigos 49.º da Lei Geral Tributária, artigo 2.º e número 2 do artigo 103.º ambos da Constituição da República Portuguesa».

Concluiu pedindo a revogação da sentença e sua substituição por acórdão que, julgando procedente a reclamação judicial, extinga os processos de execução fiscal por prescrição da dívida exequenda.

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Após resumir o decidido pela sentença e os termos do recurso, enunciou a questão a dirimir como sendo a de «saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da questão da prescrição da dívida exequenda e designadamente à luz dos princípios constitucionais da certeza e segurança jurídicas e das garantias dos contribuintes», exarou os seguintes considerandos: «[…]

1. No que respeita a esta questão a Mma. juiz [do Tribunal] “a quo” seguiu neste particular a jurisprudência do STA1 [1 Cfr. acórdãos de 08/01/2017, proc. n.º 0895/14, de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15; de 19/01/2016, proc. n.º 01060/16; de 07/01/2016, proc. n.º 01564/15; de 26/08/2015, proc. n.º 01012/15; de 15/01/2014, proc. n.º 01670/13, de 06/03/2014, proc. n.º 0601/13; de 16/11/2011, proc. n.º 0289/11; de 12/08/2009, proc. n.º 0748/09; e de 17/12/2008, proc. n.º 01020/08.], que de forma reiterada e pacífica tem adoptado o entendimento sufragado na doutrina pelo conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA [Cfr. entre outros os acórdãos de 19/10/2016, proc. n.º 01060/16, e de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15] (In Notas Práticas sobre a prescrição da obrigação Tributária, Áreas Editora, pág. 51), no sentido de que: “a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único efeito próprio da interrupção, presente em todas as situações (artigo 326.º, n.º 1 do CC). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º n.º 1 do CC). Resultam, assim, destes artigos 326.º e 327.º dois conceitos de interrupção da prescrição ou interrupções de dois tipos: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição)”.
Considera, assim, o STA que na aplicação do disposto no artigo 49.º da LGT, há lugar à aplicação subsidiária do regime previsto nos artigos 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, ambos do Código Civil, para fixação dos efeitos dos factos interruptivos, entendimento este sufragado na doutrina pelo ilustre conselheiro Jorge Lopes de Sousa 2 [2 In Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas, 2.ª ed., 2010, p. 57.], que defende o duplo efeito dos actos interruptivos: um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação – art. 326.º, n.º 1, do C.Civil, e um efeito suspensivo, que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo – art. 327.º, n.º 1, do C.Civil.
No caso concreto dos autos estão em causa obrigações tributárias decorrentes de actos de liquidação de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2008 e 2009, de IMI do ano de 2008, de IVA do 4.º trimestre de 2007, e anos de 2008 e 2009, de IRC dos anos de 2008 e 2010 e de IUC do ano de 2009.
Atento que o prazo de prescrição da dívida mais antiga (IVA do 4.º trimestre de 2007) se iniciou em 15/02/2008, o respectivo termo ocorreria a 14/02/2016, caso não se verificassem factos interruptivos ou suspensivos da prescrição.
Na sentença recorrida considerou-se que aquele prazo decorreu até 28/09/2010, data em que o executado foi citado para os termos da acção executiva (ponto H) do probatório), cujo efeito interruptivo tem no entender do tribunal carácter duradouro até ao termo da acção executiva, motivo pelo qual se concluiu pela falta de decurso do prazo de 8 anos previsto no artigo 48.º da LGT, e pela não verificação da prescrição.
Idêntico entendimento foi adoptado quanto às demais dívidas tributárias, em razão da citação do executado e aqui Recorrente nos dias 04/06/2010, 28/09/2010, 07/06/2011, 09/05/2012, 18/10/2013 e 06/08/2014, respectivamente.
O executado e aqui Recorrente não põe em causa a verificação dessas causas interruptivas da prescrição decorrentes da sua citação, mas defende que os efeitos interruptivos são meramente instantâneos e apenas inutilizam o prazo decorrido até à data da citação.

2. A jurisprudência do STA em que assentou a sentença recorrida é reiterada e pacífica, pelo que se nos afigura que se impõe a confirmação da respectiva doutrina. E assim sendo e uma vez que se mantém o efeito duradouro do facto interruptivo relativo à citação do executado, temos que concluir que o prazo de prescrição da dívida exequenda ainda não decorreu.
Por outro lado não resulta da matéria de facto assente na sentença recorrida, nem os Recorrentes alegam qualquer facto nesse sentido, que sustentem a sua alegação de que a cobrança coerciva da dívida só ainda não foi feita por inércia e negligência dos Serviços de Finanças (sendo certo que nesse caso sempre se impunha a “declaração de falhas” da dívida exequenda, nos termos dos artigos 177.º e 272.º do CPPT).

3. Quanto ao vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 103º, n.º 2, da CRP, e por violação do princípio da reserva de lei da AR em matéria tributária (arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), ambos da CRP), assim como a violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas ínsitos ao princípio do estado de direito consagrado no artigo 2.º da CRP, e dos princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
A propósito desta questão de constitucionalidade, nas vertentes assinaladas pela Recorrente, o tribunal “a quo” fez sua a fundamentação do acórdão do STA de 13/03/2019, proc. 01437/18, de que fez transcrições parciais 3 [3 «…pese embora não seja possível, no âmbito de obrigações tributárias, chamar à colação as normas do direito civil que regem o prazo de prescrição, que regem a determinação do dies a quo e que definem actos interruptivos e suspensivos – por se tratar de matéria taxativamente fixada na LGT e rigorosamente sujeita ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal, integrando-se nas “garantias dos contribuintes” – pode e deve, contudo, ir aí buscar-se o significado do conceito jurídico de “prescrição” e dos conceitos de “interrupção” e de “suspensão” da prescrição, e, bem assim, o alcance dos efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, sabido que, tal como a doutrina há muito vem afirmando e a LGT deixou consignado no seu art. 11.º, sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».], no sentido de que se mostra justificado o recurso à lei civil (Código Civil) para esclarecer os efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, os quais não se mostram regulados na lei tributária, e que não há motivo bastante para diferenciar neste aspecto as obrigações tributárias das obrigações civis. Entendeu-se igualmente que a atribuição de efeitos duradouros ao facto interruptivo da citação não contendia com a garantia de defesa e protecção jurisdicional.
Afigura-se-nos correto o entendimento vertido na sentença recorrida, que no fundo respalda o entendimento vertido no acórdão do STA citado, cuja doutrina, pela sua proficiência, se deve reiterar e manter.
Doutrina que como se refere no mesmo aresto é igualmente respaldada pelo Tribunal Constitucional, o qual no acórdão n.º 122/2015 de 12/02/2015, adoptando o entendimento já vertido nos acórdãos n.ºs 441/2012 e 6/2014, concluiu pela não verificação de vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade, na interpretação do artigo 49.º da LGT, ao atribuir-se efeitos duradouros aos factos interruptivos ali previstos.
Também no caso dos autos é admissível o raciocínio vertido no acórdão nº 441/2012 do Tribunal Constitucional, no sentido de que: «O que é relevante é que se não pode concluir, sem margem para dúvidas, que, in casu, o processo interpretativo seguido pelo tribunal a quo se terá traduzido na criação de uma “norma” por parte do juiz, com recurso aos instrumentos próprios do pensamento analógico, e, por isso, através do emprego de meios hermenêuticos que a Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º inequivocamente proíbe».
E no que respeita à violação dos princípios da certeza e segurança mostram-se pertinentes as considerações efectuadas no acórdão do TC nº 6/2014 de 7/1/2014, quando ali se refere: «Ora, cabe recordar, revertendo ao caso concreto, que o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49.º desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respectivos efeitos (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS / BENJAMIM SILVA RODRIGUES / JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 405)».
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito na apreciação que fez das questões de inconstitucionalidade que lhe foram colocadas pelo Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação igualmente nesta parte».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:

«A) Em 24-01-2009, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lagos, o processo de execução fiscal n.º 1074200901002252, em nome da sociedade “B………….., LDA” (cfr. fls. 21 do Documento n.º 004539199 dos autos, cujo teor se da aqui por integralmente reproduzido);

B) Em 16-07-2009, ao processo de execução fiscal identificado em A) supra, foram apensados os processos de execução fiscal n.ºs 1074200901011855 (IRS Retenções na Fonte 2009), 1074200901035754 (IMI 2008 - 1.ª prestação), 1074200901041290 (IVA 0903T), 1074200901053299 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053302 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053310 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053329 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053337 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053345 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053353 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053361 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053370 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053388 (IRS Retenções na Fonte 2008), 1074200901053400 (IRS Retenções na Fonte 2009) e 1074200901053418 (IRS Retenções na Fonte 2009), instaurados pelo Serviço de Finanças de Lagos, em nome da sociedade “B………….., LDA” (cfr. fls. 21 e 26 a 55 do Documento n.º 004539199 dos autos, idem);

C) Em 15-10-2009, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lagos, o processo de execução fiscal n.º 1074200901065580, em nome da sociedade “B…………., LDA” (cfr. fls. 21 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

D) Em 05-05-2010, ao processo de execução fiscal identificado em C) supra, foram apensados os processos de execução fiscal 1074200901074458 (IMI 2008 – 2.ª prestação) e 1074201001004778 (IRC 2008) (cfr. fls. 21 e 65 a 69 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

E) Em 04-06-2010, o Reclamante foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “B…………….., LDA”, nos processos de execução fiscal n.ºs 1074200901002252 e apensos e 1074200901065580 e apensos, identificados em B) e D) supra (cfr. fls. 127 a 129 e 130 a 132 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

F) Em 21-06-2010, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lagos, o processo de execução fiscal n.º 1074201001036262, em nome da sociedade “B………….., LDA”, por dívidas de IVA dos períodos 0712T, 0806T, 0809T, 0906T e 0909T (cfr. fls. 21 e 70 a 91 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

G) Em 19-07-2010, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lagos, o processo de execução fiscal n.º 1074201001039334, em nome da sociedade “B………….., LDA” (cfr. fls. 21 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

H) Em 28-09-2010, o Reclamante foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “B…………….., LDA”, no processo de execução fiscal n.º 1074201001036262, identificado em F) supra (cfr. fls. 133 a 135 do Documento n.º 004539199 e artigo 3.º da PI, ibidem);

I) Em 02-05-2011, ao processo de execução fiscal identificado em G) supra, foram apensados os processos de execução fiscal 1074201001039920 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001039938 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001039946 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001039954 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001039962 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001039970 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001039989 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001039997 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001040006 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001040014 (IRS Retenção na Fonte 2009), 1074201001040022 (IRS Retenção na Fonte 2009) e 1074201101002821 (IRC 2009) (cfr. fls. 21 e 94 a 117 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

J) Em 07-06-2011, o Reclamante foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “B……………, LDA”, nos processos de execução fiscal n.ºs 1074201001039334 e apensos, identificados em I) supra (cfr. fls. 136 a 138 dos autos, ibidem);

K) Em 15-02-2012, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lagos, o processo de execução fiscal n.º 1074201201008242, em nome da sociedade “B…………….., LDA”, por dívidas de IRC do ano de 2010 (cfr. fls. 21 e 118 a 119 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

L) Em 09-05-2012, o Reclamante foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “B……………, LDA”, no processo de execução fiscal n.º 1074201201008242 (cfr. fls. 139 a 141 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

M) Em 23-07-2013, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lagos, o processo de execução fiscal n.º 1074201301057197, em nome da sociedade “B………….., LDA”, por dívidas de IVA do período 0912T (cfr. fls. 21 e 120 a 123 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

N) Em 18-10-2013, o Reclamante foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “B…..........., LDA”, no processo de execução fiscal n.º 1074201301057197 (cfr. fls. 142 a 144 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

O) Em 15-01-2014, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lagos, o processo de execução fiscal n.º 1074201401012088, em nome da sociedade “B…………, LDA”, por dívidas de IUC do ano de 2009 (cfr. fls. 21 e 124 a 126 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

P) Em 06-08-2014, o Reclamante foi citado no processo de execução fiscal n.º 1074201401012088 (cfr. artigo 3.º da PI, ibidem);

Q) Por requerimento de 22-03-2019, o Reclamante requereu ao Serviço de Finanças de Lagos, o reconhecimento da prescrição das dívidas em execução nos processos de execução fiscal n.ºs 1074200901002252, 1074200901005740, 1074200901011855, 1074200901035754, 1074200901041290, 1074200901053337, 1074200901053353, 1074200901053361, 1074200901053370, 1074200901053388, 1074200901053329, 1074200901053310, 1074200901053302, 1074200901053299, 1074200901053345, 1074200901053400, 1074200901053418, 1074200901065580, 1074200901074458, 1074201001004778, 1074201001036262, 1074201001039334, 1074201001039962, 1074201001039920, 1074201001039938, 1074201001039946, 1074201001039954, 1074201001040022, 1074201001039970, 1074201001039989, 1074201001039997, 1074201001040006, 1074201001040014, 1074201101002821, 1074201201008242, 1074201301057197 e 1074201401012088, e a extinção dos mesmos (cfr. fls. 1 a 7 do Documento n.º 004539194 dos autos, ibidem);

R) Em 22-10-2019, foi prestada informação sobre o pedido de prescrição identificado em Q) supra, pela Direcção de Finanças de Faro, com o seguinte teor:
Relativamente ao Despacho proferido, em 12 de Junho de 2019, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lagos, em que declara extinta a execução contra o revertido/responsável subsidiário A…………, NIF :…………., por prescrição das obrigações da sua responsabilidade, em todos os processos de execução fiscal, à excepção dos seguintes: 1074201301057197, 1074201401012088 e 1074201201008242, temos a dizer o seguinte:
As dívidas aqui em causa respeitam aos seguintes impostos: IMI do ano de 2008, IRS RF dos anos de 2008 e 2009, IRC dos anos de 2008 a 2010, IUC 2009 e IVA dos períodos 0712T, 0806T e 0809T, 0903T, 0906T, 0909T e 0912T, aplicando-se as normas legais do art. 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária (LGT).
As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu – vide n.º 1 do art. 48.º da LGT.
Sendo IMI, IRS RF e IRC e IUC impostos periódicos, o prazo de prescrição de 8 anos, conta-se desde 1/1/2009, 1/1/2010, 1/1/2011, já quanto ao IVA enquanto imposto de obrigação única conta-se desde a data em que o facto tributário ocorreu, nomeadamente, final do ano de 2007, ao longo dos meses de 2008 e 2009. Não havendo causas interruptivas ou suspensivas a prescrição verificar-se-ia em 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 respectivamente.
Contudo, a citação interrompe a prescrição (vide art. 49.º n.º 1 da LGT).
Da informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Lagos resulta que a citação da reversão ocorreu em:
· 9/06/2010 (IMI 2008, IRS RF 2008, IRS RF 2009, IRC 2008, IVA 0903T);
· 28/09/2010 (IVA dos períodos 0712T, 0806T e 0809T, 0906T, 0909T);
· 08/06/2011 (IRC 2009);
· 10/05/2012 (IRC 2010);
· 18/10/2013 (IVA dos períodos 0912T);
· 06/08/2014 (IUC 2009).
A causa interruptiva da citação tem o efeito instantâneo de inutilizar para a prescrição todo o tempo já decorrido e, cumulativamente, o efeito duradouro de suspender o reinício do novo prazo enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo no qual foi efectuada a citação (vide arts. 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1, todos do CC, aplicável ex vi art. 2.º al. d)).
O efeito interruptivo aqui ocorrido mantém-se enquanto o processo executivo se encontrar activo apenas cessando quando o processo for declarado extinto (Vide Jurisprudência do STA 31/03/2016, proc. 0184/16, 19/03/2015, proc. 08542/15, 31/01/2018, proc. 021/18).
Daqui ser forçoso concluir que, estando todos os processos executivos activos, e encontrando-se interrompido o prazo de prescrição pela citação do executado, a prescrição dos mesmos ainda não se verificou.” (cfr. fls. 2 a 4 do Documento n.º 004539195 dos autos, ibidem);

S) Em 20-08-2019, foi proferido despacho pela Chefe de Divisão de Justiça Tributária, da Direcção de Finanças de Faro, a sancionar a informação identificada em R) supra (cfr. fls. 2 do Documento n.º 004539195 dos autos, ibidem);

T) Em 26-09-2019, por ofício n.º 2256 de 25-09-2019, do Serviço de Finanças de Lagos, o Reclamante foi notificado do despacho identificado em S) supra (cfr. fls. 13 a 14 do Documento n.º 004539199 dos autos, ibidem);

U) Em 07-10-2019, o Reclamante apresentou a presente Reclamação no Serviço de Finanças de Lagos (cfr. fls. 5 dos autos, ibidem)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Inconformado com a sentença que, julgando improcedente a reclamação judicial deduzida pelo executado por reversão, manteve a decisão do órgão da execução fiscal, que não reconheceu a invocada prescrição das dívidas exequendas, vem aquele recorrer para este Supremo Tribunal. Invoca o Recorrente que a sentença fez errado julgamento quando não declarou prescritas as obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas e por duas ordens de razões: primeira, ao reconhecer à citação, enquanto acto interruptivo da prescrição [cfr. art. 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT)], um efeito suspensivo duradouro da interrupção da prescrição, mediante aplicação do disposto no n.º 1 do art. 327.º do Código Civil (CC); segunda, ao não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do art. 49.º da LGT, na interpretação que reconhece à citação o referido efeito suspensivo duradouro, por violadora dos princípios constitucionais da legalidade [consagrado no art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], da reserva de lei da Assembleia da República em matéria tributária [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], da certeza e segurança jurídicas ínsitos ao princípio do Estado de direito consagrado no art. 2.º da CRP e ainda dos princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva, consagrados nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, ambos da CRP.
Ou seja, na situação sub judice não existe controvérsia relativamente ao prazo de prescrição aplicável – que é o de oito anos, previsto no art. 48.º, n.º 1, da LGT – nem quanto ao efeito interruptivo da citação do ora Recorrente (cfr. art. 49.º, n.º 1, da LGT). Também não existe controvérsia quanto ao denominado efeito instantâneo decorrente da interrupção, ou seja, o Recorrente não questiona e, ao invés, aceita expressamente que a interrupção da prescrição, no caso decorrente da citação, tem como efeito, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 326.º do CC, que dispõe: «A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte».
A controvérsia reside exclusivamente no chamado efeito duradouro da interrupção da prescrição decorrente da citação: enquanto a sentença, na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal, com conformidade constitucional sindicada pelo Tribunal Constitucional, considerou que o prazo prescricional se mantinha interrompido até ao termo da execução fiscal por força do disposto no n.º 1 do art. 327.º do CC – que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo» – o Recorrente entende que tal norma não só não é aplicável em sede da relação jurídico-tributária, como a interpretação que sustenta essa aplicação é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais acima enunciados.
Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando recusou reconhecer a prescrição das dívidas exequendas, o que passa por indagar da legalidade e conformidade constitucional da interpretação nela adoptada, que reconheceu à interrupção da prescrição decorrente da citação (cfr. art. 49.º, n.º 1, da LGT) – para além do efeito, dito instantâneo, decorrente do art. 326.º do CC (este indisputado) – o efeito duradouro previsto no n.º 1 do art. 327.º do CC, de obstar a que o novo prazo prescricional comece a correr até ao termo do processo de execução fiscal.

2.2.2 DOS EFEITOS DA INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECORRENTES DA CITAÇÃO

A LGT, enunciando os factos interruptivos da prescrição no n.º 1 do art. 49.º da LGT, não prevê directamente os efeitos da interrupção da prescrição. Como bem ficou explicado no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aae32b32e1679b2d802583c2003ea5f5.) – também citado pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na sentença recorrida –, não fixando a LGT, na sua actual redacção e desde a alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, os efeitos dos actos interruptivos da prescrição das obrigações tributárias (Nem sempre foi assim: quer o art. 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, quer o art. 34.º do Código de Processo Tributário, quer o art. 48.º da LGT, até à alteração que lhe introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, previam que os factos que interrompiam a prescrição mantinham o efeito interruptivo, que só cessava se o processo que constituía a causa interruptiva ficasse parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte; ou seja, a lei tributária conferia efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso o processo viesse a parar nos referidos termos, hipótese em que se somava ao prazo que a partir daí se iniciava, todo o prazo que decorrera até à instauração do processo (motivo por que a jurisprudência, impressivamente, falava em desgraduação da interrupção em suspensão).), designadamente não definindo nem esclarecendo se tais actos têm apenas efeito instantâneo ou se podem também ter efeito duradouro, essa regulamentação deve buscar-se no CC, de acordo com a regra estabelecida no art. 2.º, alínea d), da LGT, pois é naquele Código, depositário dos princípios gerais de direito e que tem um regime acabado da prescrição das obrigações, que encontramos resposta legislativa às questões que o regime da prescrição das obrigações tributárias consagrado na lei tributária não regulou directamente (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 57 e segs.).
Como ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2016 proferido no processo com o n.º 1698/15 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c14a67602a271fa680257f4d0042b7d0.), «[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem nomeação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficiosa da prescrição. // Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico».
Note-se que não se trata de colmatar uma lacuna da legislação tributária por recurso à analogia (cfr. art. 10.º, n.º 1, do CC), mas tão-só de interpretar e aplicar a lei subsidiária, nos termos por aquela previstos (cfr. arts. 11.º, n.º 2 e 2.º da LGT, respectivamente) (Como dizem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 5 ao art. 2.º, pág. 66, «perante um caso não previsto na LGT, deverá procurar-se a solução, em primeira linha, na legislação subsidiária adequada, indicada neste art. 2.º» e «[s]ó na hipótese de, por esta via, não ser possível encontrar regulamentação adequada […] se poderá fazer apelo às regras gerais sobre integração de lacunas, previstas no art. 10.º do CC, se não houver proibição lega (como sucede no caso previsto no n.º 4 do art. 11.º da LGT)».).
Assim, quanto aos efeitos da citação enquanto facto interruptivo previsto no n.º 1 do art. 49.º da LGT, por falta de regulamentação dos respectivos efeitos na LGT, há que aplicar as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art. 327.º, que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
Em conclusão: quando, como no caso sub judice, o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas (Vide, neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 62, maxime nota de rodapé com o número (18), e os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Abril de 2017, proferido no processo com o n.º 304/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0a085802c5bf7ca18025811b002e369a;
- de 31 de Janeiro de 2018, proferido no processo com o n.º 21/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6a368a775521b12180258232004f38f7.).
É essa a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal (Para além dos indicados na sentença recorrida e pelo Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer acima transcrito, vide também, por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Dezembro de 2019, proferido no processo com o n.º 1053/19.3BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0ad8f11b37e656e1802584e8003c3c6a;
- de 8 de Janeiro de 2020, proferido no processo com o n.º 717/19.6BEAVR, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b5f5b243cb56d57d802584f10033cd2b;
- de 12 de Fevereiro de 2020, proferido no processo com o n.º 440/10.7BEBRG (1088/17), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d493ddfcc887223e8025851a005abafb;
- de 15 de Julho de 2020, proferido no processo com o n.º 534/20.0BEBRG, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3e217f93c5feb336802585ab003d3b15.) e não encontramos motivo para dela divergir: a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.
A sentença seguiu essa jurisprudência e, por isso, não merece reparo.

2.2.3 DA CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERPRETAÇÃO ADOPTADA PELA SENTENÇA RECORRIDA

2.2.3.1 O Recorrente sustenta que a interpretação adoptada na sentença – na medida em que, como vimos, reconheceu ao facto interruptivo decorrente da citação na execução fiscal o referido efeito duradouro por força da aplicação do art. 327.º, n.º1, do CC – enferma de inconstitucionalidade por violação dos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, porque tal efeito não está previsto na lei tributária e a matéria da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente o regime da sua suspensão, se insere nas garantias dos contribuintes e, por isso, constituiu matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Salvo o devido respeito, não tem razão. A sentença recorrida, apreciando a questão, acolheu a jurisprudência deste Supremo Tribunal (A sentença cita extractos do já referido acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aae32b32e1679b2d802583c2003ea5f5, o qual, por seu turno, refere os seguintes acórdãos:
- de 6 de Dezembro de 2017, proferido no processo com o n.º 1300/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5cd042ba528f52df802581f60057aa72;
- de 17 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 1463/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/18ad1e2b38f328848025821d00598323.), cuja conformidade face à CRP foi sufragada pelo Tribunal Constitucional (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- acórdão n.º 441/2012, proferido em 26 de Setembro de 2012 no processo com o n.º 890/2011, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120441.html;
- acórdão n.º 6/2014, proferido 7 de Janeiro de 2014 no processo com o n.º 905/2012, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140006.html;
- acórdão n.º 122/2015, proferido 12 de Fevereiro de 2015 no processo com o n.º 179/2013, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150122.html.). Apenas não acompanhamos a afirmação aí formulada de que «quanto aos efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, não estamos no domínio estrito das “garantias dos contribuintes”» pois todo o regime da prescrição da obrigação tributária se insere no domínio das garantias dos contribuintes. A nosso ver, e como bem ficou dito no já referido acórdão de 6 de Dezembro de 2017, «[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto de direito comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem normação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição. Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto em tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico».
Ou seja, o Tribunal a quo, seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, entendeu que se mostra justificado o recurso à lei civil (Código Civil) para esclarecer os efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, os quais não se mostram directamente regulados na lei tributária, bem como que não há motivo bastante para diferenciar neste aspecto as obrigações tributárias das obrigações civis.
Por outro lado, como acima já assinalámos, a aplicação do disposto no art. 327.º do CC à obrigação tributária não resulta da colmatação de uma lacuna da legislação tributária por recurso à analogia (cfr. art. 10.º, n.º 1, do CC), mas tão-só da interpretação e da aplicação da lei subsidiária nos termos por aquela previstos (cfr. arts. 11.º, n.º 2 e 2.º da LGT, respectivamente). Assim, como ficou dito no já referido acórdão n.º 441/2012 do Tribunal Constitucional: «O que é relevante é que se não pode concluir, sem margem para dúvidas, que, in casu, o processo interpretativo seguido pelo tribunal a quo se terá traduzido na criação de uma “norma” por parte do juiz, com recurso aos instrumentos próprios do pensamento analógico, e, por isso, através do emprego de meios hermenêuticos que a Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º inequivocamente proíbe».
Concluímos, pois, que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a interpretação nela adoptada não viola o princípio da legalidade consagrado no art. 103.º, n.º 2, da CRP.

2.2.3.2 O Recorrente sustenta ainda que a interpretação adoptada na sentença recorrida viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, decorrentes do princípio do Estado de Direito ínsito no art. 2.º da CRP, e dos princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva, consagrados nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Sempre salvo o devido respeito, também não tem razão quanto a este ponto, sendo que a sentença deu cabal resposta a essa alegação do ora Recorrente, designadamente citando o já referido acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS, no qual ficou dito: «É certo que a prescrição da obrigação tributária se justifica pela necessidade da estabilização das relações jurídicas tributárias, de segurança e de paz jurídica, mas essa necessidade não confere ao respectivo devedor o direito a prazos de prescrição menores do que os previstos para o devedor de obrigação civil, ou o direito a enfrentar menos actos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição destas obrigações, ou, sequer, o direito a obter diferenciados efeitos (duradouros ou instantâneos) para os actos interruptivos relativamente ao devedor de obrigação civil, pois não existe regra ou princípio (legal ou constitucional) que o imponha».
Recordemos também as considerações efectuadas no já referido acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 6/2014: «[…] o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49 [da LGT] desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respectivos efeitos (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 405)».
Finamente, diremos que não vislumbramos como as normas que disciplinam as causas da interrupção da prescrição e os seus efeitos possam contender com as garantias de defesa e protecção jurisdicional do Recorrente, pois não impedem o andamento de nenhum processo nem interferem com a prolação da decisão respectiva.
Afirma o Recorrente que a interpretação adoptada pela sentença recorrida «[s]eria permitir que o processo de execução fiscal ficasse indefinidamente pendente e os contribuintes à disposição das manobras coercivas do órgão da execução fiscal para todo o sempre» mas, a nosso ver, não é assim. Desde logo, a AT não tem interesse algum em protelar a cobrança das dívidas, antes pelo contrário, sendo que, em regra, a execução fiscal deverá estar concluída no prazo de um ano [cfr. art. 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]. Mas, ainda que, por absurdo, esse protelamento acontecesse, sempre o executado poderia reagir contra ele, designadamente, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT) solicitando a intervenção do juiz para pôr cobro a qualquer ilegalidade cometida, por acção ou por omissão, pelo órgão da execução fiscal [cfr. arts. 95.º, n.º 1, alínea j), e 103.º, n.º 2, da LGT e art. 276.º do CPPT].
Concluímos, pois, que a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a interpretação nela adoptada não viola os princípios da certeza e segurança jurídicas nem os princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC).

II - O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Lisboa, 2 de Setembro de 2020. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes.