Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0735/12.5BEPRT 0367/17
Data do Acordão:10/24/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:OPOSIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO DE FACTO
PREÇO REAL
TRANSACÇÃO
CONDIÇÃO DE IMPUGNABILIDADE
OBJECTO
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
Sumário:I - Não existe oposição de acórdãos prevista no artº 284º do Código de Processo e Procedimento Tributário quando as decisões em confronto versam sobre duas diversas questões e soluções jurídicas inexistindo a necessária contradição de julgados que permita o conhecimento do mérito do recurso.
II - No acórdão fundamento estava em causa a caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação com fundamento em não haver sido impugnado o acto que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel.
III - No acórdão recorrido considerou-se que o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afecta, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata em acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão, o que é diverso de ser ele passível de impugnação judicial separada da impugnação judicial do acto de liquidação a que venha a dar origem.
Nº Convencional:JSTA000P23782
Nº do Documento:SAP201810240735/12
Data de Entrada:03/29/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Acórdão recorrido – Tribunal Central Administrativo Norte - proc. n.º 735/12.5BEPRT de 29 de Outubro de 2016
Acórdão fundamento – Supremo Tribunal Administrativo - proc. n.º 0989/12 de 06 de Fevereiro de 2013.


1.
O Chefe de Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto, notificado do acórdão proferido Acção Administrativa Especial nº 00735/12.5BEPRT em que o Banco A…………, S.A. demanda Ministério das Finanças e da Administração Pública, que revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e concluiu pela sindicabilidade directa e autónoma do acto impugnado e, consequentemente, pela inerente impugnabilidade, determinando a consequente baixa dos autos à instância a quo, para prossecução dos autos, se a tanto nada mais obstar, veio deduzir o presente recurso nos termos do disposto no art.º 152.º do CPTA, invocando contradição do ali decidido com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no proc. n.º 0989/12 em 06 de Fevereiro de 2013, pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões:
1. Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente a saber se o acto de indeferimento do procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, instaurou para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado, actuais artigos 69º e 139º do CIRC, era, ou não, um acto interlocutório no procedimento, se afectava, ou não, de forma actual e imediata os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo e se tal acto era, ou não, desde logo, impugnável contenciosamente, foram decididas diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.

2. Verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto, em ambos os arestos os sujeitos passivos vieram formular nos termos do art. 129° cuja redacção se manteria com o actual art. 132° do CIRC, requerimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóvel tendo em vista o afastamento do disposto no n.º 2 do art. 58°-A, também com a redacção mantida pelo art. 62° do mesmo Código visando, em procedimento próprio previsto para esse efeito, comprovar que o preço que receberam pela alienação de imóvel era o que constava da escritura pública de compra e venda.

3. E ambas as pretensões viriam a ser indeferidas pela A T.

4. Por outro lado, os Acórdãos, recorrido e fundamento, decidiram diferentemente quanto à questão de direito em cima enunciada.

5. Assim, enquanto para o Acórdão recorrido o acto que indefere requerimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóveis apresentado nos termos do actual art. 139° do CIRC, é um acto que afecta, de forma actual e imediata a esfera jurídica dos interessados e que, por isso, é um acto destacável no procedimento susceptível de ser, desde logo, impugnado contenciosamente, já para o Acórdão fundamento, pelo contrário, tal acto não afecta imediatamente a esfera jurídica do interessado e, de acordo com o princípio da impugnação unitária, as ilegalidades praticadas no procedimento destinado à prova do preço efectivo só podem ser atacadas com o acto final de liquidação.

6. E a esta conclusão não obsta, uma vez que o Acórdão fundamento não as distingue, o tipo de ilegalidade que terá sido cometida no referido procedimento, pois que, não é o tipo de ilegalidade cometida que fará alterar a natureza do acto.

7. Acresce ainda que entre a emissão dos Acórdãos em causa não ocorreu qualquer alteração legislativa susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida.

8. E que se entende que não existe, ainda, jurisprudência consolidada do STA sobre a matéria, uma vez que, não se desconhecendo aquela que foi a posição tomada no Acórdão do STA de 03/12/14, proferido no Proc. n.º 881/12, o que é certo é que o Acórdão fundamento invocado é também relativamente recente, de 06/02/13 e nele intervieram outros Exmos. Conselheiros, pelo que, julga-se que se justifica que haja, sobre a questão objecto do presente recurso, um julgamento ampliado de forma a vir a ser consolidada uma posição do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA sobre a matéria.

9. Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 152° n.º 1 do CPTA e 27° n° 1 al. b) do ETAF.

10. Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que o Acórdão recorrido, ao ter considerado que tanto o acto de determinação do valor patrimonial tributário definitivo de imóvel como o acto de indeferimento do pedido formulado em procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, tenha instaurado para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado era, desde logo, impugnável contenciosamente, fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 54° do CPPT, 66° da LGT e 139° do CIRC, aos factos.

11. Na verdade, a decisão da AT que não determina o prosseguimento do procedimento de prova de demonstração de preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, não constitui um acto destacável e dado que a impugnabilidade autónoma deste mesmo acto não está prevista na lei,

12. só pode o ora recorrente atacar o acto final do procedimento, isto é, a liquidação de imposto, por via de impugnação judicial interposta desse acto.

13. Efectivamente, tendo essa mesma decisão sido proferida no âmbito de uma matéria regulada nos termos do procedimento de revisão da matéria colectável a pedido do contribuinte (cfr. art. 91° e 92° da LGT, para os quais remete o n° 5 do art. 139° do CIRC), ela constitui um acto interlocutório, que não é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, do procedimento de liquidação que só pode ser atacado, contenciosamente, a final.

14. Assim, após a liquidação do imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do disposto no art. 64° do CIRC, pode sempre o ora recorrente atacar o acto final de liquidação, invocando qualquer ilegalidade e, designadamente, a preterição de formalidades legais no procedimento, cfr. al. d) do art. 99° do CPPT.

15. Inexiste qualquer "disposição expressa em sentido diferente", isto é, não há norma que possibilite a impugnabilidade contenciosa autónoma da decisão que recair sobre o requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, como existe, por exemplo, no caso da decisão de avaliação da matéria colectável das manifestações de fortuna no n. 7 do art. 89°-A da LGT.

16. Antes pelo contrário, o n.º 7 do art. 139° do CIRC determina expressamente sobre a "impugnação judicial da liquidação de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n° 2 do artigo 64°, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável".

17. A admitir a tese propugnada pelo Acórdão recorrido, não se justificaria que o sujeito passivo pudesse interpor acção administrativa especial e, simultaneamente, também impugnação judicial, onde pode perfeitamente continuar a discutir a mesma questão, isto é, se devia, ou não, ser admitido a fazer o procedimento de prova previsto no art. 139° do CIRC.

18. É evidente que a decisão que for tomada no âmbito da presente acção, para ter qualquer efeito útil, dependia da suspensão da liquidação.

19. Uma vez que a liquidação já terá, entretanto, sido efectuada, a decisão a tomar no âmbito da presente acção não faz ressurgir qualquer novo prazo para que a ora recorrida a possa impugnar. E, se a mesma pode, na decisão final de liquidação invocar qualquer ilegalidade da avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos do artigo 86°, n.º 4, da LGT, expressamente aplicável ao procedimento em questão, atento o disposto no n.º 5, do artigo 139 ° do CIRC, também, de igual modo, pode impugnar a decisão de não ter sido admitida a fazer o procedimento de prova regido pelo disposto nos artigos 91° e 92° da LGT.

20. O que também reforça o entendimento que o legislador não pretendeu destacar do procedimento de liquidação, para efeitos de impugnação autónoma, a decisão da AT de não admitir o procedimento de prova de preço, previsto no então art. 139° do CIRC, mas, simplesmente, respeitando o princípio da impugnação unitária dos actos, prevenir a possibilidade de se reagir de qualquer acto tomado no procedimento de prova de preço praticado nas transmissões de imóveis, a final e por via da impugnação judicial.

21. Assim, salvo o devido respeito, não se pode concordar com a posição defendida pelo Acórdão recorrido, de que o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel afecta, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo do imposto sobre o rendimento, à semelhança do que se passa com o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel.

22. De facto, não tendo o legislador prevenido, à semelhança do que fez com o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel no artigo 134° do CPPT, a possibilidade de recurso, autónomo e imediato daquela decisão, não nos parece legítima e adequada a conclusão extraída pelo Acórdão recorrido que parte duma equiparação, para efeitos de determinação do carácter lesivo do acto, que não se encontra estabelecida na lei e que não foi pretendida pelo legislador, entre o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel e o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel.

23. Resultando, desta forma, "atropelado" o princípio da impugnação unitária do acto tributário aplicável à generalidade dos procedimentos, bem como a regra de que só se admite a impugnabilidade imediata dos actos procedimentais não lesivos quando haja "disposição expressa em sentido diferente".

24. Assim, salvo o devido respeito, a interpretação correcta das disposições legais atendíveis, artigos 54° do CPPT, 66° da LGT e 139° do CIRC, é a que foi feita pelo Acórdão fundamento.

Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objecto do presente recurso e resolver-se o conflito de jurisprudência no sentido do deliberado no Acórdão fundamento, uma vez que o Acórdão recorrido fez uma incorrecta apreciação e aplicação dos artigos 54° do CPPT, 66° da LGT e 139° do CIRC, aos factos.

2.
Admitido liminarmente o recurso foram presentes contra-alegações pelo recorrido que terminam com as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão recorrido julgou procedente o recurso interposto pelo ora Recorrido contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato invocada pela Entidade Demandada, absolvendo-a da instância consubstanciada na ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrido contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto, o Exmo. Senhor Dr. ……….., datado de 15.12.2011, exarado na Informação n.º 30/2011 do referido Serviço, notificado através do Ofício n.º 74527/0208, de 15.12.2011, que indeferiu o requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Autor, em 11.11.2011, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de ………, concelho de Guimarães, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1180-0;

2. Não se conformando com o decidido pelo Tribunal recorrido, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto deduziu recurso de uniformização de jurisprudência alegando a contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pela 2.ª Secção do STA de 06.02.2013, no processo n.º 989/12 (acórdão fundamento), pugnando pelo prevalecimento da posição adotada neste último acórdão;

3. Todavia, salvo o devido respeito, entende o Recorrido que, desde logo, inexiste contradição quanto à mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento que suporte a admissão do presente recurso de uniformização de jurisprudência;

4. De facto, a posição adotada no acórdão recorrido não diverge da posição que foi sufragada pelo acórdão fundamento quanto à impugnabilidade daquela decisão; simplesmente releva um aspeto da temática que no acórdão fundamento o STA não havia relevado;

5. Sendo certo que a impugnabilidade de um ato depende de uma de três possibilidades - a definitividade do ato enquanto ato final de um procedimento, a destacabilidade do ato ou a lesividade do ato - resulta evidente que a posição que o STA sufragou no acórdão fundamento se deteve somente sobre as primeiras duas possibilidades;

6. Efetivamente, se bem se atender ao conteúdo do acórdão fundamento, em momento algum surge referenciada a lesividade do ato como critério de impugnabilidade do mesmo (salvo o devido respeito, não consta daquele acórdão a citação a que o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto alude na página 7 das suas alegações de recurso);

7. Assim, e em face do exposto, conclui-se que no acórdão fundamento se adota o entendimento de que a decisão que põe termo ao procedimento de prova do preço efetivo é um ato interlocutório e não destacável e, como tal, insuscetível de impugnação autónoma;

8. Ora, o acórdão recorrido não colide com a posição sufragada neste acórdão fundamento, já que, se bem se atentar no conteúdo do acórdão recorrido, facilmente se constata que neste continua a pugnar-se pela definitividade do ato enquanto ato final de um procedimento e pela sua não destacabilidade;

9. De facto, como bem se refere nesse acórdão, "Equiparou-se, assim, este procedimento àquele outro previsto nos artigos 91.º e 92.º da LGT (...), constituindo tal procedimento uma condição necessária à abertura da via contenciosa (...). Todavia, não se tratando de um acto previsto na lei como um acto destacável, a sua impugnabilidade contenciosa directa, imediata e autónoma, dependerá da sua qualificação como acto imediatamente lesivo" (cf. págs. 33 e 36 do acórdão recorrido);

10. Nesta medida, dúvidas não restam, pois, de que entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido não há a contradição quanto à mesma questão fundamental de direito apontada pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto, pois ambos consagraram o entendimento de que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo constitui um ato interlocutório e não destacável;

11. Efetivamente, o que veio a suceder no acórdão recorrido, e é bem diferente de incorrer em contradição com o acórdão fundamento, foi a relevação de uma vertente da impugnabilidade do ato que este último havia desconsiderado, qual seja, a sua lesividade;

12. Assim, dúvidas não restam de que não é correta a afirmação das alegações de recurso no sentido de que “(...) para o Acórdão recorrido o acto que indefere requerimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóveis apresentado nos termos do actual art. 139.º do CIRC, é um acto que afecta, de forma actual e imediata a esfera jurídica dos interessados e que, por isso, é um acto destacável no procedimento susceptível de ser, desde logo, impugnado contenciosamente (...)” (cf. págs. 3 e 4 das alegações de recurso);

13. Deste modo, e em face do exposto, resulta improcedente a contradição imputada ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento, devendo julgar-se inadmissível o presente recurso de uniformização de jurisprudência;

14. Invoca ainda o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto que o presente conflito de jurisprudência deve ser decidido no sentido do que foi decidido no acórdão fundamento, “(...) dado que o Acórdão recorrido (…) fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 54.º do CPPT, 66.º da LGT e 139.º do CIRC, aos factos” (cf. págs. 4 e 5 das alegações de recurso);

15. Não procedem, no entanto, os argumentos invocados para esse efeito;

16. Desde logo, e contrariamente ao que se pretende perpassar, o facto de se tratar de um ato meramente interlocutório ou não destacável não significa que o mesmo não afete os direitos e interesses do sujeito passivo, devendo a lesividade dos atos ser procurada de forma independente da sua natureza interlocutória ou não destacável;

17. Ora, é evidente que a decisão que põe termo ao procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139.º do Código do IRC é um ato lesivo e, como tal, suscetível de impugnação autónoma;

18. Efetivamente, não pode deixar de admitir-se a impugnabilidade contenciosa imediata de atos que têm repercussões diretas e lesivas na esfera jurídica dos particulares, tratando-se, aliás, de um direito que é reafirmado na própria Lei Geral Tributária (LGT) e de que são, desde logo, exemplos os artigos 9.°, n.ºs 1 e 2 e 95.°, n.ºs 1 e 2, cabendo destacar o disposto no n.º 2 do artigo 9.°, segundo o qual "Todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei.";

19. Com efeito, importa referir que a menção ao artigo 139.°, n.º 7, do Código do IRC não permite sustentar, de longe, a alegada falta de lesividade do ato;

20. De facto, a circunstância de, como decorre daquela norma, a impugnação judicial da liquidação de imposto emitida na sequência de correções efetuadas nos termos do artigo 64. ° do Código do IRC, ou das correções ao lucro tributável efetuadas ao abrigo do mesmo preceito, depender de prévia apresentação do pedido de prova do preço efetivo em nada contribui para a conclusão de que o mesmo não constitui um ato lesivo;

21. Assim, uma vez que a impugnabilidade contenciosa imediata do ato depende, apenas, da lesão de direitos do contribuinte, conclui-se de forma inequívoca pela impugnabilidade autónoma;

22. De facto, a imediata lesividade do ato decorre da circunstância de a decisão que negar provimento ao pedido de prova do preço efetivo fazer cristalizar na ordem jurídica que o preço praticado pelo Recorrente na transmissão de determinado imóvel não foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT e, consequentemente, determinar o acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais, do montante correspondente à diferença entre o valor constante do contrato de transmissão do imóvel e o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT;

23. Para além de todo o acima exposto, e a evidenciar ainda a lesividade imediata da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, como tal, a sua impugnabilidade direta, está a circunstância de, quando confrontado com aquela decisão, o contribuinte desconhecer, em regra, se haverá, ou não, a emissão de uma liquidação de imposto ou, sequer, se apurará lucro tributável no exercício em questão;

24. A possível ocorrência de tal situação é, pois, quanto basta para que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo tenha natureza de ato lesivo;

25. Com efeito, é evidente que, em caso de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, e mesmo sabendo que será realizado um acréscimo para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais na sua declaração periódica de rendimentos modelo 22, o contribuinte não tem forma de saber, em regra, se haverá liquidação de imposto que possa, posteriormente, vir a contestar;

26. Trata-se de situação que não sucede, designadamente, ao nível do procedimento de revisão da matéria coletável por métodos indiretos, em que, uma vez notificado da decisão do pedido de revisão da matéria coletável, o contribuinte sabe, de imediato, se apura matéria coletável e imposto, caso em que poderá impugnar o ato de liquidação que vier a ser emitido, ou se, ao invés, apura prejuízo para efeitos fiscais ou matéria coletável nula, caso em que impugnará a própria decisão de avaliação indireta (cf. o n.º 3 do artigo 86.° da LGT);

27. Atendendo a que este conhecimento antecipado sobre qual o ato a contestar pode não ocorrer aquando da notificação da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, impõe-se, por forma a garantir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos através da impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos (cf. artigos 20.°, n.º 1 e 268.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP]), o reconhecimento da imediata lesividade da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, por conseguinte, da sua impugnabilidade direta;

28. Com efeito, a interpretação do disposto no artigo 139.° do Código do IRC, no sentido de que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo não constitui um ato lesivo dos direitos do contribuinte e impugnável contenciosamente, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais;

29. Por fim, cumpre mencionar ainda que, no caso sub judice, está-se perante uma decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo que não conhece do mérito do pedido e que se suportou exclusivamente na falta de apresentação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos administradores do Recorrente, o que evidencia mais a lesividade, particularmente quando se perspetiva que dali resultou a emissão de uma liquidação de imposto;

30. Acresce que, considerar que a apreciação da legalidade da decisão se fará em sede de impugnação judicial da liquidação de imposto que for emitida encaminha para o domínio do contencioso de anulação - como é o contencioso tributário - a apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, sem que o Tribunal tributário possa substituir-se à administração tributária, o que, à luz do direito à tutela judicial efetiva, não constituirá a solução que melhor se compagina com os direitos e interesses do contribuinte;

31. Deste modo, bem andou o acórdão recorrido quando concluiu, atenta a lesividade do ato, pela sua imediata impugnabilidade;

32. Pelo que, a admitir-se o presente recurso com vista à uniformização de jurisprudência, deve o presente conflito resolver-se no sentido do acórdão recorrido.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado inadmissível, por inexistir contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, ou, caso assim não se entenda, firmar-se jurisprudência no sentido do acórdão recorrido, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Foi, em seguida emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público, que considerou que deve confirmar-se o acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, impõe-se o conhecimento do recurso.
3.

O despacho de admissão liminar do recurso, com efeitos meramente ordenadores do rito processual não impede, nem dispensa a análise da verificação dos pressupostos legais da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, como impõe o artº 692º, n.º 3 do Código de Processo Civil e, que o artº 152º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos define pela necessidade de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, e o artº 688º, n.º 1 do Código de Processo Civil, circunscreve ao domínio da mesma legislação, e, desde que a orientação perfilhada pela decisão recorrida não esteja de acordo com jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – artº 152º, n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -.

4. Pressupostos da oposição de acórdãos

4.1 - Thema decidendum

No acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte - estava em causa, para o que aqui releva, «impugnação autónoma da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido, apresentado pela aqui Autora, de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis ao abrigo do artigo 139.º do CIRC.»

No acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo – foram enunciadas uma pluralidade de questões a decidir, entre elas:
(i) saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento na medida em que considerou não se verificar a caducidade do direito de impugnação judicial, o que, como procuraremos demonstrar, passa por saber se há que impugnar a decisão que indeferiu o pedido formulado ao abrigo do art. 129.º do CIRC e, correspondentemente, se a liquidação adicional de IRC que teve origem no entendimento de que o valor a levar em conta para efeitos da determinação do rendimento gerado pela alienação de um imóvel é o VPT, porque superior ao preço declarado, não pode ser impugnada com o fundamento de que o preço efectivo é o que consta da escritura (cfr. 1.ª, 2.ª, 4.ª a 13.ª e 17.ª conclusões do recurso); que decorrem para o contribuinte da não apresentação dos elementos que suportam tais custos.


4. 2 – Matéria de facto provada

Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1. Por escritura pública celebrada no dia 27.5.2010, o autor, Banco A…………, declarou vender, pelo preço de € 168.000,00, a B…………, Ld.ª, que declarou comprar a fracção autónoma designada pela letra D, do prédio urbano situado no ………, freguesia de ……… e concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 1180 e descrito na competente conservatória sob o n° 345 (cópia da escritura junta ao P.A).

2. O prédio referido em 1. foi avaliado nos termos do art. 38° e ss, do CIMI, tendo sido apurado o valor patrimonial tributário de € 531.900,00 (doc. de fls. 20 junto ao P.A).

3. No dia 11.11.2011, a autora apresentou, junto da Direcção de Finanças do Porto, requerimento para prova do preço efectivo, nos termos do art. 139° do CIRC (fls. 1 e ss, do P.A).

4. O pedido referido em 3. foi indeferido, por despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, datado de 15.12.2011 (fls. 34 e ss, do P.A)."

******

4. 4 – Decisões jurídicas em confronto

· Na decisão recorrida decidiu-se o seguinte:
«(…) Sobre situação idêntica, decidiu já o STA, no seu Acórdão de 03/12/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0881/12, que, pela sua pertinência e por facilidade, iremos reproduzir parcialmente, pois inexistem razões para nos afastarmos do aí decidido.

(…)

Em causa está o pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, de anulação do acto administrativo (em matéria tributária) de indeferimento de um recurso hierárquico, por si interposto, da decisão que recaiu sobre pedido de prova de preço efectivo na transmissão de imóvel. (…), de acordo com a decisão recorrida, «não havendo disposição legal expressa que estabeleça a impugnação de acto integrante do procedimento em causa - designadamente o acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto da decisão proferida no âmbito do mesmo procedimento - o mesmo não consubstancia um acto destacável, não sendo, por isso, susceptível de impugnação contenciosa autónoma», considerando, ademais, que “a aplicabilidade do disposto no nº 4 do artigo 86º da LGT ao procedimento em causa (cfr. nº 5 do artigo 129º do CIRC) vem, aliás, reforçar esta mesma conclusão ao dispor que na impugnação do acto de liquidação pode ser invocada qualquer ilegalidade do procedimento que lhe esteve subjacente, o que nos leva a concluir que foi intenção do legislador manter, na matéria a que respeita os autos, o princípio geral da impugnação unitária. (…) Como se sabe, a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis, que é obtida através da fórmula prevista no artigo 38º e seguintes do Código do IMI, e que procura uma aproximação aos valores de mercado com vista a proporcionar maior equidade na tributação do património, tem importantes consequências a nível fiscal, designadamente a nível de tributação do rendimento, particularmente quando o valor de transacção do imóvel diverge do seu valor patrimonial tributário (VPT). Na verdade, pese embora não haja reflexos quando o valor efectivo da transmissão é maior que o valor patrimonial tributário (dado que é o valor efectivo da transmissão a base fiscal para o IMT, o IRS, e o IRC – cfr. arts. 12º do CIMT, 31º-A do CIRS e 58º-A do CIRC), já assim não acontece quando o valor efectivo da transmissão é inferior ao que posteriormente vier a ser fixado como VPT, com a agravante de que este valor patrimonial tributário definitivo pode ser apenas conhecido e/ou fixado num exercício fiscal diferente daquele em que a transmissão ocorreu.

E essas consequências afectam tanto o alienante do bem como o seu adquirente, pois para além das consequências imediatas em sede de IMT e IMI, obrigam a ajustamentos fiscais no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas.”

(…)

A lei criou, assim, um procedimento tributário em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, assim, afastar a presunção resultante do referido artigo 58º-A do CIRC, procedimento que é instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão (caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado) ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva (nos restantes casos) e que se rege «pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei» (nº 5 do art. 129º).

Equiparou-se, assim, este procedimento àquele outro previsto nos artigos 91º e 92º da LGT (pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos), constituindo tal procedimento uma condição necessária à abertura da via contenciosa (nº 7 do art. 129º). Ou seja, o procedimento que visa a demonstração, pelo sujeito passivo, de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT definitivamente fixado, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.

Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o sujeito passivo (no caso, o vendedor) pode ou não sindicar judicialmente, de forma imediata e autónoma, a decisão que lhe indefere o pedido de prova do preço efectivo no procedimento que instaurou para o efeito, ou se, pelo contrário, só pode atacar a legalidade dessa decisão na impugnação que deduza contra o acto tributário final – isto é, na impugnação do acto de liquidação de imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do nº 2 do art. 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal. (…) Quer isto dizer que não só o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel (que a lei considera destacável para efeitos contenciosos) como, também, o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.

Por conseguinte, é de considerar que ao sujeito passivo vendedor de imóvel assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, sendo de notar que nela pode invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação ou no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado. (…)”.»

No acórdão fundamento decidiu-se:

(…) Ou seja, a Fazenda Pública, se bem interpretamos a sua alegação, entende que a Impugnante podia e devia ter reagido contra a decisão proferida em sede do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC e que, não tendo reagido contra esse acto, que considerou ser de fixação do valor patrimonial do prédio – acto destacável e, por isso, susceptível de impugnação autónoma –, não pode agora fazê-lo em sede de impugnação contra a liquidação do imposto.

(…)

Salvo o devido respeito, toda a tese da Recorrente assenta num equívoco, qual seja o de que a decisão proferida no final do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC é susceptível de impugnação judicial autónoma. Vejamos:

A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Essa presunção, se assumisse a natureza de presunção inilidível, aliás expressamente vedada pelo art. 73.º da LGT (Dispõe o art. 73.º da LGT: «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».), poderia suscitar problemas quanto à sua conformidade constitucional, designadamente, por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República (Diz o art. 104.º, n.º 2, da CRP: «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».).

Assim, o legislador criou em sede de IRC um mecanismo para ilisão da presunção, o procedimento previsto no art. 129.º (hoje corresponde-lhe o art. 139.º) do respectivo Código, cujo n.º 1 estipula: «O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis» (Igual possibilidade foi consignada no art. 31.º-A do CIRS.).

Essa prova deverá o sujeito passivo fazê-la, nos termos do n.º 3 do mesmo art. 129.º, «em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos».

Ou seja, a lei criou um procedimento em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT e, assim, afastar a presunção resultante do referido art. 58.º-A do CIRC.

Esse procedimento «rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei», como prescreve o n.º 5 do citado art. 129.º do CIRC. O que significa, designadamente, que a lei equipara este procedimento ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, permitindo que na impugnação do acto tributário de liquidação (ou do acto de correcção do lucro tributável de que não resulta liquidação) sejam discutidas, não só as ilegalidades desse acto, como também todas as ilegalidades verificadas ao longo do procedimento do art. 129.º do CIRC, cerceando apenas essa possibilidade relativamente ao valor que tenha sido encontrado por acordo entre os peritos, tudo como decorre do princípio da impugnação unitária (O princípio da impugnação unitária, consagrado no art. 54.º do CPPT, significa que não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, a menos que exista disposição expressa em contrário ou que sejam actos imediatamente lesivos, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final (geralmente, da liquidação) qualquer ilegalidade anteriormente cometida. Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 2 ao art. 54.º, pág. 467.), expressamente aplicável ex vi da remissão feita pelo n.º 5 do art. 129.º do CIRC para o n.º 4 do art. 86.º da LGT, norma legal que dispõe: «Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo».

Acresce que este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, como resulta expressamente do n.º 7 do art. 129.º do CIRC, que dispõe: «A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa» (Redacção dada pelo art. 52.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), aqui aplicável.). Ou seja, o procedimento previsto no n.º 3 do art. 129.º do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.

(…)

Sustenta a Fazenda Pública, agora em sede de recurso, como antes na contestação, que a Contribuinte, em face da decisão que lhe indeferiu o pedido de prova do preço efectivo proferida pela AT no procedimento do art. 129.º do CIRC, deveria ter impugnado essa decisão, a seu ver, nos termos do disposto no art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da LGT e no art. 134.º, n.º 1, do CPPT e, porque não o fez dentro do prazo que a lei fixa para o efeito, deve ter-se por precludido o direito de questionar o valor do prédio para efeitos de tributação em IRC.

Mas, sempre salvo o devido respeito, não tem razão, como resulta do que deixámos exposto. As ilegalidades desse procedimento, que a própria lei equipara ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, só podem ser invocadas na impugnação judicial do acto de liquidação ou, não havendo lugar à liquidação, na impugnação do acto de correcção do lucro tributável (art. 129.º, n.º 5, do CIRC). Trata-se de uma manifestação do referido princípio da impugnação unitária.

Ao contrário do que sustenta a Fazenda Pública, a Contribuinte não podia impugnar autonomamente a decisão da AT no referido procedimento do art. 129.º do CIRC. É no âmbito da impugnação judicial da liquidação (pois que houve lugar a esta) que deverão ser invocados, não só qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação, como também no procedimento destinado à prova do preço efectivo. Por isso, admite-se que no âmbito dessa impugnação judicial possa lançar mão de qualquer meio de prova admitido e que se revele adequado para a demonstração do preço efectivo.».

A análise das concretas situações em causa no acórdão recorrido e fundamento tornam claro que estamos perante duas diversas questões e soluções jurídicas inexistindo a necessária contradição de julgados que permita o conhecimento do mérito do recurso.

No acórdão fundamento estava em causa a caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação com fundamento em não haver sido impugnado o acto que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel. Neste processo a Fazenda Pública entendia que todos os vícios atinentes ao procedimento relativo à prova do preço efectivo da transmissão deveriam ter sido atacados autonomamente e que não podia deles tomar-se conhecimento no processo de impugnação do acto de liquidação subsequente.

Veio a decidir-se pela não verificação da caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação e invocar os vícios procedimentais atinentes ao procedimento de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel que se mostrava implicado nesse acto de liquidação, por a própria lei o equiparar ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos. Foi formulado o pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel que foi indeferido e, no processo de impugnação do acto de liquidação que se lhe seguiu o contribuinte pretendeu provar o preço efectivo da transmissão desse imóvel. O acórdão fundamento entendeu que o podia fazer nesse processo de impugnação como ocorre quando está em causa a revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos.

No acórdão recorrido considerou-se que o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afecta, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata em acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão, o que é diverso de ser ele passível de impugnação judicial separada da impugnação judicial do acto de liquidação a que venha a dar origem. Não se diz que ele está impedido no processo de impugnação do acto de liquidação que se lhe seguiu de fazer prova do preço efectivo da transmissão do imóvel, e, nesta situação é que se verificaria a oposição de julgados. O que se entende é que, tendo em conta que a determinação do preço efectivo da transmissão desse imóvel que não tem apenas consequências para a constituição do acto de liquidação de IRC subsequente, mas tem repercussões na esfera patrimonial do vendedor e comprador do imóvel também, pelo menos a nível do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e IMI, é lesivo em termos de carecer de que em acção administrativa, possa ele ser discutido.

Não se mostram, pois, reunidos os pressupostos legais do art.º 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para que possa apreciar-se o mérito do recurso.

Deliberação:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2018. – Ana Paula da Fonseca Lobo (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado.