Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0735/12.5BEPRT 0367/17 |
Data do Acordão: | 10/24/2018 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | ANA PAULA LOBO |
Descritores: | OPOSIÇÃO DE JULGADOS QUESTÃO DE FACTO PREÇO REAL TRANSACÇÃO CONDIÇÃO DE IMPUGNABILIDADE OBJECTO ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL |
Sumário: | I - Não existe oposição de acórdãos prevista no artº 284º do Código de Processo e Procedimento Tributário quando as decisões em confronto versam sobre duas diversas questões e soluções jurídicas inexistindo a necessária contradição de julgados que permita o conhecimento do mérito do recurso. II - No acórdão fundamento estava em causa a caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação com fundamento em não haver sido impugnado o acto que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel. III - No acórdão recorrido considerou-se que o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afecta, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata em acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão, o que é diverso de ser ele passível de impugnação judicial separada da impugnação judicial do acto de liquidação a que venha a dar origem. |
Nº Convencional: | JSTA000P23782 |
Nº do Documento: | SAP201810240735/12 |
Data de Entrada: | 03/29/2017 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | BANCO A............, SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Acórdão recorrido – Tribunal Central Administrativo Norte - proc. n.º 735/12.5BEPRT de 29 de Outubro de 2016 Acórdão fundamento – Supremo Tribunal Administrativo - proc. n.º 0989/12 de 06 de Fevereiro de 2013. 1. O Chefe de Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto, notificado do acórdão proferido Acção Administrativa Especial nº 00735/12.5BEPRT em que o Banco A…………, S.A. demanda Ministério das Finanças e da Administração Pública, que revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e concluiu pela sindicabilidade directa e autónoma do acto impugnado e, consequentemente, pela inerente impugnabilidade, determinando a consequente baixa dos autos à instância a quo, para prossecução dos autos, se a tanto nada mais obstar, veio deduzir o presente recurso nos termos do disposto no art.º 152.º do CPTA, invocando contradição do ali decidido com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no proc. n.º 0989/12 em 06 de Fevereiro de 2013, pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões: 1. Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente a saber se o acto de indeferimento do procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, instaurou para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado, actuais artigos 69º e 139º do CIRC, era, ou não, um acto interlocutório no procedimento, se afectava, ou não, de forma actual e imediata os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo e se tal acto era, ou não, desde logo, impugnável contenciosamente, foram decididas diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento. 2. Verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto, em ambos os arestos os sujeitos passivos vieram formular nos termos do art. 129° cuja redacção se manteria com o actual art. 132° do CIRC, requerimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóvel tendo em vista o afastamento do disposto no n.º 2 do art. 58°-A, também com a redacção mantida pelo art. 62° do mesmo Código visando, em procedimento próprio previsto para esse efeito, comprovar que o preço que receberam pela alienação de imóvel era o que constava da escritura pública de compra e venda. 3. E ambas as pretensões viriam a ser indeferidas pela A T. 4. Por outro lado, os Acórdãos, recorrido e fundamento, decidiram diferentemente quanto à questão de direito em cima enunciada. 5. Assim, enquanto para o Acórdão recorrido o acto que indefere requerimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóveis apresentado nos termos do actual art. 139° do CIRC, é um acto que afecta, de forma actual e imediata a esfera jurídica dos interessados e que, por isso, é um acto destacável no procedimento susceptível de ser, desde logo, impugnado contenciosamente, já para o Acórdão fundamento, pelo contrário, tal acto não afecta imediatamente a esfera jurídica do interessado e, de acordo com o princípio da impugnação unitária, as ilegalidades praticadas no procedimento destinado à prova do preço efectivo só podem ser atacadas com o acto final de liquidação. 6. E a esta conclusão não obsta, uma vez que o Acórdão fundamento não as distingue, o tipo de ilegalidade que terá sido cometida no referido procedimento, pois que, não é o tipo de ilegalidade cometida que fará alterar a natureza do acto. 7. Acresce ainda que entre a emissão dos Acórdãos em causa não ocorreu qualquer alteração legislativa susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida. 8. E que se entende que não existe, ainda, jurisprudência consolidada do STA sobre a matéria, uma vez que, não se desconhecendo aquela que foi a posição tomada no Acórdão do STA de 03/12/14, proferido no Proc. n.º 881/12, o que é certo é que o Acórdão fundamento invocado é também relativamente recente, de 06/02/13 e nele intervieram outros Exmos. Conselheiros, pelo que, julga-se que se justifica que haja, sobre a questão objecto do presente recurso, um julgamento ampliado de forma a vir a ser consolidada uma posição do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA sobre a matéria. 9. Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 152° n.º 1 do CPTA e 27° n° 1 al. b) do ETAF. 10. Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que o Acórdão recorrido, ao ter considerado que tanto o acto de determinação do valor patrimonial tributário definitivo de imóvel como o acto de indeferimento do pedido formulado em procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, tenha instaurado para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado era, desde logo, impugnável contenciosamente, fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 54° do CPPT, 66° da LGT e 139° do CIRC, aos factos. 11. Na verdade, a decisão da AT que não determina o prosseguimento do procedimento de prova de demonstração de preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, não constitui um acto destacável e dado que a impugnabilidade autónoma deste mesmo acto não está prevista na lei, 12. só pode o ora recorrente atacar o acto final do procedimento, isto é, a liquidação de imposto, por via de impugnação judicial interposta desse acto. 13. Efectivamente, tendo essa mesma decisão sido proferida no âmbito de uma matéria regulada nos termos do procedimento de revisão da matéria colectável a pedido do contribuinte (cfr. art. 91° e 92° da LGT, para os quais remete o n° 5 do art. 139° do CIRC), ela constitui um acto interlocutório, que não é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, do procedimento de liquidação que só pode ser atacado, contenciosamente, a final. 14. Assim, após a liquidação do imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do disposto no art. 64° do CIRC, pode sempre o ora recorrente atacar o acto final de liquidação, invocando qualquer ilegalidade e, designadamente, a preterição de formalidades legais no procedimento, cfr. al. d) do art. 99° do CPPT. 15. Inexiste qualquer "disposição expressa em sentido diferente", isto é, não há norma que possibilite a impugnabilidade contenciosa autónoma da decisão que recair sobre o requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, como existe, por exemplo, no caso da decisão de avaliação da matéria colectável das manifestações de fortuna no n. 7 do art. 89°-A da LGT. 16. Antes pelo contrário, o n.º 7 do art. 139° do CIRC determina expressamente sobre a "impugnação judicial da liquidação de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n° 2 do artigo 64°, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável". 17. A admitir a tese propugnada pelo Acórdão recorrido, não se justificaria que o sujeito passivo pudesse interpor acção administrativa especial e, simultaneamente, também impugnação judicial, onde pode perfeitamente continuar a discutir a mesma questão, isto é, se devia, ou não, ser admitido a fazer o procedimento de prova previsto no art. 139° do CIRC. 18. É evidente que a decisão que for tomada no âmbito da presente acção, para ter qualquer efeito útil, dependia da suspensão da liquidação. 19. Uma vez que a liquidação já terá, entretanto, sido efectuada, a decisão a tomar no âmbito da presente acção não faz ressurgir qualquer novo prazo para que a ora recorrida a possa impugnar. E, se a mesma pode, na decisão final de liquidação invocar qualquer ilegalidade da avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos do artigo 86°, n.º 4, da LGT, expressamente aplicável ao procedimento em questão, atento o disposto no n.º 5, do artigo 139 ° do CIRC, também, de igual modo, pode impugnar a decisão de não ter sido admitida a fazer o procedimento de prova regido pelo disposto nos artigos 91° e 92° da LGT. 20. O que também reforça o entendimento que o legislador não pretendeu destacar do procedimento de liquidação, para efeitos de impugnação autónoma, a decisão da AT de não admitir o procedimento de prova de preço, previsto no então art. 139° do CIRC, mas, simplesmente, respeitando o princípio da impugnação unitária dos actos, prevenir a possibilidade de se reagir de qualquer acto tomado no procedimento de prova de preço praticado nas transmissões de imóveis, a final e por via da impugnação judicial. 21. Assim, salvo o devido respeito, não se pode concordar com a posição defendida pelo Acórdão recorrido, de que o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel afecta, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo do imposto sobre o rendimento, à semelhança do que se passa com o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel. 22. De facto, não tendo o legislador prevenido, à semelhança do que fez com o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel no artigo 134° do CPPT, a possibilidade de recurso, autónomo e imediato daquela decisão, não nos parece legítima e adequada a conclusão extraída pelo Acórdão recorrido que parte duma equiparação, para efeitos de determinação do carácter lesivo do acto, que não se encontra estabelecida na lei e que não foi pretendida pelo legislador, entre o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel e o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel. 23. Resultando, desta forma, "atropelado" o princípio da impugnação unitária do acto tributário aplicável à generalidade dos procedimentos, bem como a regra de que só se admite a impugnabilidade imediata dos actos procedimentais não lesivos quando haja "disposição expressa em sentido diferente". 24. Assim, salvo o devido respeito, a interpretação correcta das disposições legais atendíveis, artigos 54° do CPPT, 66° da LGT e 139° do CIRC, é a que foi feita pelo Acórdão fundamento. Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objecto do presente recurso e resolver-se o conflito de jurisprudência no sentido do deliberado no Acórdão fundamento, uma vez que o Acórdão recorrido fez uma incorrecta apreciação e aplicação dos artigos 54° do CPPT, 66° da LGT e 139° do CIRC, aos factos. 2. ****** 4. 4 – Decisões jurídicas em confronto · Na decisão recorrida decidiu-se o seguinte: «(…) Sobre situação idêntica, decidiu já o STA, no seu Acórdão de 03/12/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0881/12, que, pela sua pertinência e por facilidade, iremos reproduzir parcialmente, pois inexistem razões para nos afastarmos do aí decidido. (…) Em causa está o pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, de anulação do acto administrativo (em matéria tributária) de indeferimento de um recurso hierárquico, por si interposto, da decisão que recaiu sobre pedido de prova de preço efectivo na transmissão de imóvel. (…), de acordo com a decisão recorrida, «não havendo disposição legal expressa que estabeleça a impugnação de acto integrante do procedimento em causa - designadamente o acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto da decisão proferida no âmbito do mesmo procedimento - o mesmo não consubstancia um acto destacável, não sendo, por isso, susceptível de impugnação contenciosa autónoma», considerando, ademais, que “a aplicabilidade do disposto no nº 4 do artigo 86º da LGT ao procedimento em causa (cfr. nº 5 do artigo 129º do CIRC) vem, aliás, reforçar esta mesma conclusão ao dispor que na impugnação do acto de liquidação pode ser invocada qualquer ilegalidade do procedimento que lhe esteve subjacente, o que nos leva a concluir que foi intenção do legislador manter, na matéria a que respeita os autos, o princípio geral da impugnação unitária. (…) Como se sabe, a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis, que é obtida através da fórmula prevista no artigo 38º e seguintes do Código do IMI, e que procura uma aproximação aos valores de mercado com vista a proporcionar maior equidade na tributação do património, tem importantes consequências a nível fiscal, designadamente a nível de tributação do rendimento, particularmente quando o valor de transacção do imóvel diverge do seu valor patrimonial tributário (VPT). Na verdade, pese embora não haja reflexos quando o valor efectivo da transmissão é maior que o valor patrimonial tributário (dado que é o valor efectivo da transmissão a base fiscal para o IMT, o IRS, e o IRC – cfr. arts. 12º do CIMT, 31º-A do CIRS e 58º-A do CIRC), já assim não acontece quando o valor efectivo da transmissão é inferior ao que posteriormente vier a ser fixado como VPT, com a agravante de que este valor patrimonial tributário definitivo pode ser apenas conhecido e/ou fixado num exercício fiscal diferente daquele em que a transmissão ocorreu. E essas consequências afectam tanto o alienante do bem como o seu adquirente, pois para além das consequências imediatas em sede de IMT e IMI, obrigam a ajustamentos fiscais no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas.” (…) A lei criou, assim, um procedimento tributário em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, assim, afastar a presunção resultante do referido artigo 58º-A do CIRC, procedimento que é instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão (caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado) ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva (nos restantes casos) e que se rege «pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei» (nº 5 do art. 129º). Equiparou-se, assim, este procedimento àquele outro previsto nos artigos 91º e 92º da LGT (pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos), constituindo tal procedimento uma condição necessária à abertura da via contenciosa (nº 7 do art. 129º). Ou seja, o procedimento que visa a demonstração, pelo sujeito passivo, de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT definitivamente fixado, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis. Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o sujeito passivo (no caso, o vendedor) pode ou não sindicar judicialmente, de forma imediata e autónoma, a decisão que lhe indefere o pedido de prova do preço efectivo no procedimento que instaurou para o efeito, ou se, pelo contrário, só pode atacar a legalidade dessa decisão na impugnação que deduza contra o acto tributário final – isto é, na impugnação do acto de liquidação de imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do nº 2 do art. 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal. (…) Quer isto dizer que não só o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel (que a lei considera destacável para efeitos contenciosos) como, também, o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária. Por conseguinte, é de considerar que ao sujeito passivo vendedor de imóvel assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, sendo de notar que nela pode invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação ou no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado. (…)”.»
No acórdão fundamento decidiu-se: (…) Ou seja, a Fazenda Pública, se bem interpretamos a sua alegação, entende que a Impugnante podia e devia ter reagido contra a decisão proferida em sede do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC e que, não tendo reagido contra esse acto, que considerou ser de fixação do valor patrimonial do prédio – acto destacável e, por isso, susceptível de impugnação autónoma –, não pode agora fazê-lo em sede de impugnação contra a liquidação do imposto. (…) Salvo o devido respeito, toda a tese da Recorrente assenta num equívoco, qual seja o de que a decisão proferida no final do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC é susceptível de impugnação judicial autónoma. Vejamos: A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Essa presunção, se assumisse a natureza de presunção inilidível, aliás expressamente vedada pelo art. 73.º da LGT (Dispõe o art. 73.º da LGT: «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».), poderia suscitar problemas quanto à sua conformidade constitucional, designadamente, por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República (Diz o art. 104.º, n.º 2, da CRP: «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».). Assim, o legislador criou em sede de IRC um mecanismo para ilisão da presunção, o procedimento previsto no art. 129.º (hoje corresponde-lhe o art. 139.º) do respectivo Código, cujo n.º 1 estipula: «O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis» (Igual possibilidade foi consignada no art. 31.º-A do CIRS.). Essa prova deverá o sujeito passivo fazê-la, nos termos do n.º 3 do mesmo art. 129.º, «em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos». Ou seja, a lei criou um procedimento em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT e, assim, afastar a presunção resultante do referido art. 58.º-A do CIRC. Esse procedimento «rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei», como prescreve o n.º 5 do citado art. 129.º do CIRC. O que significa, designadamente, que a lei equipara este procedimento ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, permitindo que na impugnação do acto tributário de liquidação (ou do acto de correcção do lucro tributável de que não resulta liquidação) sejam discutidas, não só as ilegalidades desse acto, como também todas as ilegalidades verificadas ao longo do procedimento do art. 129.º do CIRC, cerceando apenas essa possibilidade relativamente ao valor que tenha sido encontrado por acordo entre os peritos, tudo como decorre do princípio da impugnação unitária (O princípio da impugnação unitária, consagrado no art. 54.º do CPPT, significa que não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, a menos que exista disposição expressa em contrário ou que sejam actos imediatamente lesivos, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final (geralmente, da liquidação) qualquer ilegalidade anteriormente cometida. Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 2 ao art. 54.º, pág. 467.), expressamente aplicável ex vi da remissão feita pelo n.º 5 do art. 129.º do CIRC para o n.º 4 do art. 86.º da LGT, norma legal que dispõe: «Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo». Acresce que este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, como resulta expressamente do n.º 7 do art. 129.º do CIRC, que dispõe: «A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa» (Redacção dada pelo art. 52.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), aqui aplicável.). Ou seja, o procedimento previsto no n.º 3 do art. 129.º do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis. (…) Sustenta a Fazenda Pública, agora em sede de recurso, como antes na contestação, que a Contribuinte, em face da decisão que lhe indeferiu o pedido de prova do preço efectivo proferida pela AT no procedimento do art. 129.º do CIRC, deveria ter impugnado essa decisão, a seu ver, nos termos do disposto no art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da LGT e no art. 134.º, n.º 1, do CPPT e, porque não o fez dentro do prazo que a lei fixa para o efeito, deve ter-se por precludido o direito de questionar o valor do prédio para efeitos de tributação em IRC. Mas, sempre salvo o devido respeito, não tem razão, como resulta do que deixámos exposto. As ilegalidades desse procedimento, que a própria lei equipara ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, só podem ser invocadas na impugnação judicial do acto de liquidação ou, não havendo lugar à liquidação, na impugnação do acto de correcção do lucro tributável (art. 129.º, n.º 5, do CIRC). Trata-se de uma manifestação do referido princípio da impugnação unitária. Ao contrário do que sustenta a Fazenda Pública, a Contribuinte não podia impugnar autonomamente a decisão da AT no referido procedimento do art. 129.º do CIRC. É no âmbito da impugnação judicial da liquidação (pois que houve lugar a esta) que deverão ser invocados, não só qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação, como também no procedimento destinado à prova do preço efectivo. Por isso, admite-se que no âmbito dessa impugnação judicial possa lançar mão de qualquer meio de prova admitido e que se revele adequado para a demonstração do preço efectivo.». A análise das concretas situações em causa no acórdão recorrido e fundamento tornam claro que estamos perante duas diversas questões e soluções jurídicas inexistindo a necessária contradição de julgados que permita o conhecimento do mérito do recurso. No acórdão fundamento estava em causa a caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação com fundamento em não haver sido impugnado o acto que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel. Neste processo a Fazenda Pública entendia que todos os vícios atinentes ao procedimento relativo à prova do preço efectivo da transmissão deveriam ter sido atacados autonomamente e que não podia deles tomar-se conhecimento no processo de impugnação do acto de liquidação subsequente. Veio a decidir-se pela não verificação da caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação e invocar os vícios procedimentais atinentes ao procedimento de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel que se mostrava implicado nesse acto de liquidação, por a própria lei o equiparar ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos. Foi formulado o pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel que foi indeferido e, no processo de impugnação do acto de liquidação que se lhe seguiu o contribuinte pretendeu provar o preço efectivo da transmissão desse imóvel. O acórdão fundamento entendeu que o podia fazer nesse processo de impugnação como ocorre quando está em causa a revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos. No acórdão recorrido considerou-se que o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afecta, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata em acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão, o que é diverso de ser ele passível de impugnação judicial separada da impugnação judicial do acto de liquidação a que venha a dar origem. Não se diz que ele está impedido no processo de impugnação do acto de liquidação que se lhe seguiu de fazer prova do preço efectivo da transmissão do imóvel, e, nesta situação é que se verificaria a oposição de julgados. O que se entende é que, tendo em conta que a determinação do preço efectivo da transmissão desse imóvel que não tem apenas consequências para a constituição do acto de liquidação de IRC subsequente, mas tem repercussões na esfera patrimonial do vendedor e comprador do imóvel também, pelo menos a nível do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e IMI, é lesivo em termos de carecer de que em acção administrativa, possa ele ser discutido. Não se mostram, pois, reunidos os pressupostos legais do art.º 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para que possa apreciar-se o mérito do recurso. Deliberação: Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente. Lisboa, 24 de Outubro de 2018. – Ana Paula da Fonseca Lobo (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado. |