Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0215/17.2BEPRT 086/18
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA
PRAZO
Sumário:I - A exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato prevista no artigo 89.º, n.º 4, al. i) do CPTA é insuprível, sendo certo que não admite a renovação da instância
II - Se a nova ação tiver por objeto um novo ato, impugnável, estaremos face a uma nova ação, caso em que não se tratará de renovação da instância e não pode o autor beneficiar do regime de aproveitamento do prazo aplicável às situações de renovação da instância.
III - Se a nova ação tem por objeto o mesmo ato da primeira ação repete-se a exceção de inimpugnabilidade do ato, o que constitui um ato inútil (artigo 130.º do CPC) e, portanto, proibido admitir a renovação da instância. Se a nova ação tem por objeto novo ato, já não se trata de uma situação de renovação a instância, pelo que o A. não pode beneficiar do mecanismo de aproveitamento do prazo.
IV - Nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, na redação vigente à data dos factos, o prazo de impugnação era de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário. Tal prazo tem natureza substantiva, contando-se nos termos do estatuído no artigo 279.° do C. Civil, por força do disposto no artigo 20.°, n.º 1 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P24308
Nº do Documento:SA2201903130215/17
Data de Entrada:01/31/2018
Recorrente:A.......... E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………………… e B………………, inconformados, interpuseram recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 4 de Outubro de 2017, que julgou verificada a excepção de caducidade do direito à acção, absolvendo a FAZENDA PÚBLICA do pedido que aquele havia formulado na impugnação judicial deduzida contra a fixação da matéria colectável de IRS, no valor de € 1.099.296,19, com recurso a métodos indirectos, relativo ao exercício de 2007.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos à margem identificados que julga a exceção de caducidade do direito à ação e, consequentemente absolve a Fazenda Pública do pedido.
2 - Por conseguinte a questão a decidir consiste em saber se se verifica ou não a da exceção de caducidade do direito à acção, que, a verificar-se, obsta ao conhecimento do mérito da causa.
3 - Considerando que o objeto da presente ação é o mesmo da ação que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto — Proc. 2403/10.3BEPRT, a decisão aqui proferida de absolvição da instância, permite o aproveitamento do prazo de entrada da petição inicial, para esta.
4 - Na petição inicial daquela ação e nesta, os recorrentes impugnam nos termos do disposto no artº 102º do CPPT a liquidação de IRS com recurso a métodos indiretos. Ou seja, discordando os recorrentes da correção da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, depois da decisão da comissão de revisão, impugnaram judicialmente com fundamento no disposto nos artºs 99º e 102º do CPPT.
5 - Como se alega numa e noutra petição, a quantificação efetuada por métodos indiciários carece de fundamentação, uma vez que, a comprovação e quantificação direta, não merece qualquer reparo.
6 - Contrariamente ao entendimento da sentença recorrida, no caso sob apreciação uma e outra ações têm o mesmo objeto, sendo possível a renovação da instância, uma vez que, o ato de liquidação de IRS é suscetível de impugnação.
7 - Não se verifica assim a exceção de caducidade do direito à ação.
8 - A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs 102º nº 1 al. a) do CPPT, 139º nº 3 do CPC.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso. Entendeu o Ministério Público que “(…) resulta assim evidente que as ações não têm por objeto o mesmo ato, não se tratando, pois, de um caso de renovação da instância, pelo que não podem os recorrentes aproveitar o respetivo prazo de renovação para efeitos de tempestividade da ação.(…)”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 12.08.2010, A…………….. e B……………… apresentaram petição de impugnação judicial contra a “decisão proferida pela Direcção de Finanças do Porto […] da fixação da matéria colectável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de €1.099.296,19 com aplicação de métodos indirectos relativo ao exercício do ano de 2007, cujo rendimento foi fixado em 414.990,00 EUR”, peticionando:
“deve julgar-se procedente, por provada a presente impugnação, revogando-se a decisão objecto de impugnação nestes autos, mantendo-se, consequentemente, o rendimento declarado pelos impugnantes para o exercício de 2007, com as demais consequências legais […]” petição que foi autuada sob o processo n.° 2403/10.3BEPRT.
B) Em 23.05.2015, foi proferida decisão no processo n.° 2403/10.3BEPRT, com o teor seguinte:
Em consequência do exposto:
- na procedência da excepção de erro na forma de processo, absolve-se a Fazenda Pública da presente instância de impugnação judicial.
- por outro lado, podendo os autos ser aproveitados, determina-se a convolação dos mesmos em Acção Administrativa Especial;
C) Em 31.03.2016, foi proferida decisão no processo n.° 2403/10.3BEPRT, com o teor seguinte:
Nos termos de tudo quanto acaba de se expender, julgo procedente a excepção de inimpugnabilidade do ato, pelo que absolvo o réu da instância.;
D) Para notificação da decisão identificada no ponto anterior foi expedido ofício via postal datado de 04.04.2016;
E) Em 10.01.2017, A……………. e B………………… apresentaram a petição da presente impugnação “contra a fixação da matéria colectável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de €1.099.296,19 com recurso à aplicação de métodos indirectos relativo ao exercício do ano de 2007, cujo rendimento foi fixado em 414.990,00 EUR”, peticionando: “deve julgar-se procedente, por provada a presente impugnação, revogando-se a liquidação objecto de impugnação nestes autos, mantendo-se, consequentemente, o rendimento declarado pelos impugnantes para o exercício de 2007, com as demais consequências legais […]” -
F) Foi emitida a nota de cobrança n.° 2010.225951 em nome de A…………….. e B…………….., referente à liquidação adicional de IRS do ano de 2007 n.° 2010.5001340847 e à liquidação de juros compensatórios n.° 2010.00000588541, sendo a parte de imposto no montante de € 390.028,11, e tendo como data limite de pagamento o dia 02.06.2010.
Nada mais se deu como provado.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Os recorrentes vêm sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 47/50, em 04 de Outubro de 2017, que absolveu a Fazenda Pública do pedido nos autos de impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS de 2007, no entendimento de que se mostra caducado o direito de impugnar, uma vez que a impugnação judicial não foi deduzida no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo, nos termos do estatuído no artigo 102.º, n.º 1, al. a), na redação, então, vigente, do CPPT e uma vez que a ação anteriormente proposta tem por objeto ato diferente pelo que não se trata de uma renovação da instância e, consequentemente, não podem aproveitar o respetivo prazo de renovação para efeitos de tempestividade da ação.

Como resulta do probatório os recorrentes, em 12/08/2010, intentaram ação de impugnação judicial contra a "decisão proferida pela Direção de Finanças do Porto [ ... ] da fixação da matéria coletável de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) de € 1.099.296,19 com aplicação de métodos indiretos relativo ao exercício do ano de 2007, cujo rendimento foi fixado em 414.990,00 EUR", peticionado "deve julgar-se procedente, por provada a presente impugnação, revogando-se a decisão objeto de impugnação nestes autos, mantendo-se, consequentemente, o rendimento declarado pelos impugnantes para o exercício de 2007, com as demais consequências [ ... ]".
Nessa ação, que deu origem ao processo 2403/10.3BEPRT, foi ordenada a convolação dos autos em AAE, tendo posteriormente sido proferida decisão a julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato com consequente absolvição da instância do demandado.
Pretendendo beneficiar do regime estatuído no artigo 279.° do CPC, os recorrentes interpuseram a presente impugnação judicial "contra fixação da matéria coletável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de € 1.099.296,19 com recurso à aplicação de métodos indiretos relativo ao exercício de 2007, cujo rendimento foi fixado em 414.990,00 EUR", peticionando "deve julgar-se procedente, por provada a presente impugnação, revogando-se a liquidação objeto de impugnação nestes autos, mantendo-se, consequentemente, o rendimento declarado pelos impugnantes para o exercício de 2007, com as demais consequências legais [ ... ]".
Ora, como muito bem sustenta a sentença recorrida, a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato prevista no artigo 89.º, n.º 4, al. i) do CPTA é insuprível, sendo certo que não admite a renovação da instância (CPTA, anotado e comentado, 2017, 4.ª edição, Almedina, páginas 662 e 701, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha).
Se a nova ação tiver por objeto um novo ato, impugnável, estaremos face a uma nova ação, caso em que não se tratará de renovação da instância e não pode o autor beneficiar do regime de aproveitamento do prazo aplicável às situações de renovação da instância.
Se a nova ação tem por objeto o mesmo ato da primeira ação repete-se a exceção de inimpugnabilidade do ato, o que constitui um ato inútil (artigo 130.º do CPC) e, portanto, proibido admitir a renovação da instância.
Se a nova ação tem por objeto novo ato, já não se trata de uma situação de renovação a instância, pelo que o A. não pode beneficiar do mecanismo de aproveitamento do prazo.
E é, exatamente, esta última situação que está em causa nos presentes autos.
Na verdade, como resulta do probatório e dos autos, os AA recorrentes na primeira ação impugnaram a decisão de fixação da matéria coletável por métodos indiretos, peticionando a sua anulação, enquanto a presente ação tem como objeto o ato tributário de liquidação adicional de IRS de 2007, peticionando os recorrentes a sua anulação.
Portanto, resulta assim evidente que as ações não tem por objeto o mesmo ato, não se tratando, pois, de um caso de renovação da instância, pelo que não podem os recorrentes aproveitar o respetivo prazo de renovação para efeitos de tempestividade da ação.
Nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, na redação vigente à data dos factos, o prazo de impugnação era de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário.
Tal prazo tem natureza substantiva, contando-se nos termos do estatuído no artigo 279.° do C. Civil, por força do disposto no artigo 20.°, n.º 1 do CPPT.
Conforme resulta do probatório o termo do prazo de pagamento voluntário do tributo ocorreu em 02/06/2010, pelo que o prazo de propositura da ação terminou em 01/09/2010.
A PI de impugnação judicial foi apresentada em 10/01/2017, portanto, manifestamente, para além do prazo legal.
Portanto, constata-se, assim, que quando os recorrentes exerceram o direito de acção já o mesmo se mostrava, inexoravelmente, caducado.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, com dispensa do pagamento do remanescente da t.j..
D.n.

Lisboa, 13 de Março de 2019. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Pedro Delgado.