Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01975/20.9BEPRT
Data do Acordão:12/07/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:ANULAÇÃO DA VENDA
LEILÃO ELECTRÓNICO
SUSPENSÃO DA VENDA
PRAZO
Sumário:O prazo de suspensão da venda a que alude o artigo 264.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e que termine em dia não útil não se transfere para o primeiro dia útil seguinte.
Nº Convencional:JSTA000P30315
Nº do Documento:SA22022120701975/20
Data de Entrada:10/21/2022
Recorrente:A……………. – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………….. – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, contribuinte n.º ………………, com sede na Rua ……………….., n.º ……, Loja …., 4400-……Vila Nova de Gaia, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que jugou improcedente a reclamação da decisão de indeferimento do pedido de anulação da venda n.º 3964-2019-85, efetuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3964201501368524 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões: «(…)

A. Como resulta dos factos dados como provados na sentença recorrida (facto provado G), em 10/01/2020, a executada reclamante efetuou dois pagamentos parciais nos montantes de €1.746,70 e €160,00, determinantes da suspensão da venda executiva até 26/01/2020.

B. O processo de execução fiscal tem natureza judicial, como decorre do art. 103.º n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicando-se, em matéria de contagem dos prazos, o disposto no n.º 2, do art. 20.º do CPPT, que remete para o Código de Processo Civil (CPC), o qual, no n.º 2 do seu art. 138.º, prevê que “Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte”.

C. Assim, tendo o prazo de suspensão da venda terminado em dia não útil, o seu termo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, isto é, segunda-feira, dia 27/01/2020, sendo esse o último dia de suspensão da venda.

D. Pelo que a venda executiva foi efetuada em data em que ainda vigorava a suspensão do respetivo procedimento, em violação da norma supra referida, segundo a qual, nos prazos que terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

E. Norma essa que jamais pode ser posta em causa pelo art. 6.º da Portaria n.º 219/2011 de 1/06, sendo certo que esta é hierarquicamente inferior ao CPPT e ao CPC.

F. Qualquer interpretação do art. 6.º, da Portaria n.º 219/2011, de 1 de Junho, no sentido de prevalecer sobre as disposições conjugadas dos arts. 20.º n.º 2 e 264.º n.º 4, do CPPT, e art. 138.º n.º 2, do CPC, é manifestamente inconstitucional, por violação dos n.ºs. 1, 6 e 7 do art.º 112.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

G. O Ofício-Circulado n.º 60.089, de 2 de maio de 2012, da Direção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, não contraria a posição da ora recorrente, não visando a questão sob apreciação nestes autos e que respeita à data em que se deve considerar ter cessado a suspensão do procedimento da venda.

H. Ademais, estas instruções administrativas não se impõem à executada e, muito menos, ao Tribunal.

I. Pela que a venda executiva realizada no dia 27/01/2020 foi irregular, pois realizou-se em dia em que ainda vigorava a suspensão do procedimento de venda, violando o disposto no art. 264.º n.º 4 do CPPT, como invocado na reclamação apresentada, e assim sendo, a Diretora de Finanças deveria ter deferido o pedido de anulação da venda.

J. Consequentemente, a venda executiva apenas se poderia ter realizado após o dia 28/01/2020.

K. A sentença recorrida violou os arts. 20.º n.º 2 e art. 264.º n.º 4 do CPPT, 138.º n.º 2, do CPC, e 112.º n.ºs. 1, 6 e 7 da CRP.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, foram os mesmos com vista à Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, a qual lavrou douto parecer, tendo concluído nos seguintes termos: «(…)

Entendemos, assim, que a douta sentença recorrida padece do vício de erro de direito que lhe é assacado pela Recorrente, quando faz errada aplicação do Direito aos factos fixados ao decidir pela não anulação do Despacho Reclamado, devendo ser revogada, julgando-se a Reclamação procedente.

Termos em que se emite parecer no sentido da procedência do presente recurso».

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência.


***

2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 67.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os termos da decisão da primeira instância quanto ao julgamento da matéria de facto.

***

3. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação da decisão do Órgão de Execução Fiscal que indeferiu o pedido de anulação de venda efetuada em execução fiscal.

Com o assim decidido não se conforma o Recorrente, por entender que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao concluir que a lei não impõe que «ocorra a dilatação do prazo de suspensão automática do procedimento [da venda] de 15 dias por pagamento parcial por este ter terminado em dia não útil».

No entendimento da Recorrente o prazo de suspensão a que alude o artigo 264.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quando terminar em dia não útil, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, a coberto no artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, para o qual remete o artigo 20.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

E qualquer interpretação em sentido contrário do artigo 6.º da Portaria n.º 219/2011, de 1 de junho é manifestamente inconstitucional, porque não pode prevalecer sobre o que resulta daquele dispositivo.

Mas a Recorrente não tem razão.

Deve começar por distinguir-se o prazo de quinze dias a que alude o artigo 248.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário do período de quinze dias a que alude o n.º 4 do seu artigo 264.º.

O prazo a que alude o n.º 2 do artigo 248.º citado é o prazo de duração do leilão. Corre por conta dos proponentes.

O prazo a que alude o n.º 4 do artigo 264.º é o prazo de suspensão de qualquer procedimento de venda, decorrente do pagamento voluntário de pelo menos um quinto do valor da dívida instaurada.

O presente recurso tem a ver apenas com o prazo de suspensão da venda. O que a Recorrente alega é que a venda executiva foi efetuada ainda em período em que a venda se encontrava suspensa (ver pontos 14 a 16 das doutas alegações de recurso e alíneas “C)” e “D)” das respectivas conclusões).

O n.º 4 do artigo 6.º da Portaria n.º 219/2011, de 1 de junho, tem a ver apenas com o prazo de duração do leilão e, especificamente, com a data em que deve ser decidida a adjudicação de bens.

Assim, o n.º 4 do artigo 6.º da referida Portaria e as disposições que regulam o prazo de suspensão da venda têm um âmbito distinto. E, assim sendo, nunca poderiam opor-se.

Pelo que não faz sentido, a nosso ver, conjugar estas disposições, ao menos para este efeito. E assim sendo, também não importa discutir como é que elas se devem relacionar hierarquicamente ou apelar para o artigo 112.º da Constituição. Como faz a Recorrente na alínea “F)” das doutas conclusões do recurso.

Feita esta observação prévia, passemos para a questão que aqui importa, que é a de saber quando é que termina o prazo de quinze dias a que alude o artigo 264.º, n.º 4, acima citado, se o último dia calhar num dia não útil.

O Supremo Tribunal Administrativo tem decidido que a venda em execução fiscal tem natureza judicial (neste sentido, ver o acórdão de 10 de abril de 2019, tirado no processo n.º 852/17.5BESNT, ponto 2.2.2., em especial a pág. 15).

Assim, os prazos que regulam a tramitação da venda em execução fiscal são, para todos os efeitos, prazos processuais.

O regime dos prazos processuais não consta da lei processual tributária, pelo que se deve atender ao regime que consta das normas do Código de Processo Civil [por remissão expressa, quando ao modo de contagem dos prazos para a prática dos autos e por força do disposto no artigo 20.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; por remissão geral, nos demais casos e a coberto da alínea e) do seu artigo 2.º].

A lei processual civil prevê duas modalidades de prazos que regulam a atividade das partes no processo: os perentórios e os dilatórios.

Os perentórios determinam o período de tempo dentro do qual pode ser praticado um ato no processo. Causam uma perempção.

Os dilatórios determinam o período dentro do qual ocorre uma pausa no processo. Causam uma dilação.

O prazo a que alude o artigo 264.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser considerado um prazo dilatório porque suspende o procedimento de venda e, ao fazê-lo, causa uma pausa na tramitação normal do processo.

O artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil refere-se apenas aos prazos perentórios (o que decorria de forma ainda mais clara o artigo 146.º, § 1.º do Código de Processo Civil de 1933), porque tem em conta apenas o prazo para a prática de atos no processo.

Assim sendo, este dispositivo legal não se aplica aos prazos dilatórios e entre eles, aos que determinam uma suspensão no processo ou de um procedimento que nele deva decorrer.

E não faria sentido que se aplicasse, porque a finalidade deste dispositivo é a de assegurar o prazo para a prática de atos no tribunal. Por isso é que ali se inclui qualquer dia em que os tribunais estejam encerrados.

Deve, pois, concluir-se que o artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil não é aplicável ao prazo a que alude o artigo 264.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

E não é aplicável também por outra razão.

É que o prazo a que alude o n.º 4 do artigo 264.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao suspender a venda, impede a conclusão do prazo para a apresentação de propostas. Que, por ser um prazo extintivo desse direito, deve ser considerado perentório.

Assim, o prazo a que alude o n.º 4 do artigo 264.º citado é um prazo dilatório a que se segue a conclusão de um prazo perentório.

Ora, quando um prazo perentório se seguir a um prazo dilatório, os prazos contam-se como um só – artigo 142.º do Código de Processo Civil.

Isto significa que, se o prazo dilatório terminar num dia não útil e se este for seguido de um prazo perentório, o termo do prazo dilatório nunca se poderia transferir para o primeiro dia útil seguinte.

Para este efeito, não há que falar em termo do prazo enquanto não terminar o prazo perentório.

No caso dos autos, a Recorrente assume que o prazo de quinze dias previsto no artigo 264.º, n.º 4, citado, terminava em 26 de janeiro de 2020 [ver a alínea “A)” das conclusões do recurso]. Pelo que não nos cabe verificar se a contagem deste prazo foi corretamente efetuada em primeira instância. É questão que não faz parte do âmbito do recurso.

No entanto, a Recorrente defende que o seu termo se transferiu para o primeiro dia útil seguinte (segunda-feira, dia 27 do mesmo mês) por força do disposto no artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

E já vimos que este dispositivo legal não se aplica ao prazo do artigo 264.º, n.º 4, citado.

É possível que, ao convocar o artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a Recorrente tivesse concebido o prazo de suspensão da venda como um prazo para praticar um ato no processo. No caso, para efetuar outro pagamento no valor mínimo de 20% do valor da dívida instaurada.

Só que não é essa a função daquele prazo. Até porque o pagamento por conta pode fazer-se em qualquer momento processual, enquanto pender o processo. O que sucede é que a parte tem o ónus de fazer outro pagamento de igual ou maior grandeza, se quiser beneficiar de uma nova suspensão do prazo. Naturalmente que o pagamento só produz esse efeito se a venda ainda não estiver consumada.

Razões porque o recurso não merece provimento.


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4. Conclusão

O prazo de suspensão da venda a que alude o artigo 264.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e que termine em dia não útil não se transfere para o primeiro dia útil seguinte.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de dezembro de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.