Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0171/13.6BELRS
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTE
Sumário:I - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.
II - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.
Nº Convencional:JSTA000P27090
Nº do Documento:SA2202102030171/13
Data de Entrada:09/11/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 29.10.2019, que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida pelos ora recorridos A……………. e marido, B………….., e anulou a liquidação de IRS do ano de 2011.

Alegou, tendo concluído:
i. A matéria a decidir prende-se com a questão de saber se o disposto no art. 43º, nº 2 do CIRS, na parte em que limita a incidência de imposto a 50% das mais valias realizadas por residentes em Portugal, viola o direito da União Europeia, maxime o art. 56º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, ao excluir essa limitação quando as mais valias forem realizadas por um residente noutro Estado Membro.
ii. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante, e bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judice.
Senão vejamos,
iii. Decidiu o tribunal, julgar a ação procedente porquanto o disposto no nº 2 do art. 43º do CIRS aplicado no sentido de excluir da limitação da incidência de imposto a 50%, as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado-Membro da União Europeia, viola o disposto no art. 56º do TCE.
iv. No que respeita à tributação de não residentes em território português, dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do Código do IRS ficarem “sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”, acrescentando o n.º 2 do artigo 15.º do mesmo diploma legal que, quanto aos não residentes, aquele imposto “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
v. Por sua vez, consagra o artigo 43.º, nº 2 do Código do IRS que “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”.
vi. Sustenta a sentença recorrida que a consideração de apenas 50% do saldo das mais valias realizadas apenas nos casos de transmissões efetuadas por residentes é incompatível com o direito comunitário, nomeadamente com o artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (TCE), a que corresponde o atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
vii. Entende a Fazenda Pública, no entanto, que a citada norma legal não viola, nem discrimina, os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, desde logo, porque os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos diretos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, em conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, o que, no caso nacional, se rege pela norma constitucional postulada na alínea i) do n.º1 do artigo 165.º da CRP (reserva de lei da Assembleia da República em matéria fiscal).
viii. Por outro lado, devemos concluir que a restrição prevista na norma constante do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS pode ser justificada pelos motivos referidos no n.º 1 do artigo 58.º do TCE.
ix. Com efeito, resulta desta última disposição, lida em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua legislação nacional, uma distinção entre os contribuintes residentes e não residentes, desde que esta distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
x. Ora, a delimitação do âmbito de aplicação da norma contida no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a contribuintes residentes no território português não implica desfavor dos não residentes, desde logo, porque a diferença de tratamento fiscal deve ser interpretada em conjugação com o sistema geral do imposto sobre o rendimento, aplicável a residentes e a não residentes.
xi. Assim, o facto de se prever uma tributação diferente para não residentes, no caso de realização de mais valias, justifica-se atendendo ao regime de tributação de rendimentos, em especial à diferente taxa de tributação aplicável a residentes e a não residentes.
xii. A igualdade não pode ser entendida em sentido estrito, pois a igualdade, tanto quantitativa como qualitativa, do imposto conduziria sempre a uma desigualdade no sacrifício imposto aos destinatários da lei fiscal, por isso, para que seja garantida uma efetiva igualdade na distribuição da carga fiscal entre os contribuintes impõe-se que haja tratamento diferente do que é realmente diferente, em ordem à concretização do princípio da justiça tributária.
xiii. Logo, aferir a capacidade contributiva de um residente é mais fácil do que a de um não residente, pois, enquanto aquele é obrigado a declarar todos os rendimentos obtidos tanto no território português como fora do território, este apenas está obrigado a declarar os rendimentos auferidos em território português, pelo que, se torna muito difícil saber qual é a capacidade contributiva de um não residente, que pode auferir outros rendimentos tanto no país da sua residência como, ainda, noutros países.
xiv. Daí que, a lei fiscal tenha estabelecido um diferente tratamento entre residentes não residentes, que não origina discriminações, nem desigualdades, entre ambos, mas antes visa tratar diferentemente situações diferentes e não iguais, sem violar qualquer princípio constitucional ou disposições comunitárias.
xv. Com este aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS, os não residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu que obtenham em Portugal mais-valias imobiliárias puderam passar a optar pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal.
xvi. Desta forma, com a entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007 de 31 de Dezembro, e com efeitos para o futuro, foi facultada a opção aos contribuintes não residentes território nacional, sujeitos à tributação de mais valias imobiliárias cá obtidas, a opção de englobar os demais rendimentos, permitindo que a estes pudessem ser aplicadas condições similares às dos residentes em território nacional.
xvii. Portanto, não basta afirmar que a não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aos não residentes é incompatível com a norma do art. 56º do TCE, no sentido de que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais.
xviii. Porquanto o aditamento legal ao artigo 72.º do Código do IRS, acima transcrito, foi ao encontro desse desejado equilíbrio que o estatuto dos residentes e não residentes merece.
xix. Destarte, a ora Impugnante tinha a possibilidade de fazer a opção pela tributação das mais-valias pelas taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS e aplicáveis aos residentes, ao abrigo do n.º 8 do artigo 72.º do mesmo diploma legal, bastando para tal ter indicado a opção 7 no quadro 5-B - Residência fiscal – Não residentes, “Opção pelas taxas gerais do art. 68.º do CIRS – Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – Art. 72.º n.º 7 do CIRS”, na declaração de rendimentos, modelo 3, relativa ao ano de 2011.
xx. Contudo, analisada a declaração modelo 3 de IRS entregue pela Impugnante para o ano de 2011, constatamos que a mesma optou pela tributação pelo regime geral no quadro 5-B – Residência fiscal – Não residentes.
xxi. Desta forma, importa afirmar que, perante os efeitos da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, conforme entendimento da Administração Fiscal, a liquidação produzida ao abrigo de um regime de exceção previsto no Tratado não só não viola a liberdade de circulação de capitais, como, nessa medida, também não ofende o princípio do primado comunitário, previsto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
xxii. De facto, o que a Impugnante pretende é que a sua situação tributária se equipare à dos sujeitos passivos residentes.
xxiii. Mas, então, se assim é, legalmente nada a impediria de o fazer, pois que se encontrava na sua disponibilidade fazê-lo, nos termos já prescritos do artigo 72.º do Código do IRS, sendo que a Administração Tributária, seguramente, não se oporia, estribada que estava tal opção na lei.
xxiv. Assim não o fez, logo, sibi imputet, já que lhe foi concedida tal possibilidade aquando do preenchimento da declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2011.
xxv. Com efeito, por força do preceituado nos artigos 75.º da LGT e 59.º do CPPT, o procedimento de liquidação dos tributos será iniciado - em regra e como aconteceu no caso em apreço - com base em declaração do sujeito passivo, a qual se presume verdadeira e de boa-fé.
xxvi. Consequentemente, não tendo a Impugnante, efetuado aquela opção, tendo, pelo contrário, manifestado expressamente que pretendia a tributação de acordo com o regime geral, legitimada estava a Administração Tributária, perante a sua declaração de rendimentos, a liquidar o imposto, à taxa de 25%, prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, considerando a totalidade da mais-valia por si realizada e não apenas 50% daquela.
xxvii. Deste modo, a Impugnante comete abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, dado que, optou de forma livre e consciente pela tributação segundo o regime geral dos não residentes, assim espoletando o ato tributário em análise, e depois, solicita a sua anulação parcial com base na pretensa ilegalidade da opção que tomou, reitera-se, de forma livre e consciente.
xxviii. Pelo que, ao decidir como decidiu viola a douta sentença o dispostos nos art. 43º, 2 e 72º, nº 1, 7 e 8 do CIRS.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
1. Os Impugnantes, A……………. e B……………., residentes em França, venderam em setembro de 2011 um prédio rústico situado em Portugal, na freguesia de Paio Mendes, concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo 173º, secção «D».
2. No dia 13 de novembro de 2012 os Impugnantes apresentariam a declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Modelo 3, respeitante àquele ano de 2011, na qual declararam o estado civil de casados, residência no estrangeiro e rendimentos da Categoria G daquele Imposto – “Mais Valias e Outros Incrementos”.
3. Esses rendimentos derivavam da mencionada venda do prédio e declararam-nos no anexo G daquela declaração, assim:
«valor de realização», €15.000,00;
«valor de aquisição», €658,35; e
«despesas e encargos» , €250,00.
4. Com base nesses elementos, em 27 de novembro de 2012 a Administração Tributária elaborou aos Impugnantes a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº[2012]5005084540, referente àquele ano de 2011, da qual derivou uma dívida de imposto e de juros compensatórios [estes no valor de €76,04] no montante global de €3.598,96, com termo do prazo de pagamento recaindo a 9 de janeiro de 2013.
5. Na elaboração da liquidação foi considerado como «rendimento coletável» o valor de €14.091,65.
6. No dia 3 de janeiro de 2013 os Impugnantes procederam ao pagamento daquela dívida de imposto e juros compensatórios.
7. E no dia 28 de janeiro de 2013 os Impugnantes, pelo seu representante fiscal, apresentaram a petição na origem destes autos.
Nada mais se deu como provado

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A questão a decidir, é assim, a de saber se, como alegado, a sentença recorrida devia ter julgado improcedente a impugnação judicial deduzida, por forma a assegurar “tratamento igualitário” entre não residentes titulares de rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos em Portugal e residentes em Portugal titulares de rendimentos similares.
No recente acórdão do Pleno da Secção do contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, datado de 09.12.2020, recurso n.º 075/20.6BALSB uniformizou-se jurisprudência no seguinte sentido:
o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.
Assim, e face a esta jurisprudência terá que se manter, forçosamente, a sentença que vinha sindicada.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso que nos vinha dirigido.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.