Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03404/19.1BEPRT
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
Sumário:I - A exigência, do art. 79.º n.º 1 al. b) do RGIT, de que a decisão aplicativa de coima contenha “a descrição sumária dos factos…”, deve ser entendida “como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517.). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].”.
II - Por outro lado, «O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada».
III - A análise do teor da defesa, aliás, já apresentada na fase administrativa do procedimento e, posteriormente, no articulado do recurso judicial, revela a clara compreensão pela arguida de que lhe está a ser imputada a falta de prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, o que significa que o binómio formado pela descrição sumária dos factos e pela indicação das normas infringidas e punitivas cumpriu, sem reserva, o objectivo visado com o requisito legal, permitindo à arguida o exercício esclarecido do seu direito de defesa, como efectivamente se verificou.
Nº Convencional:JSTA000P27227
Nº do Documento:SA22021021703404/19
Data de Entrada:09/24/2020
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 05-02-2020, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A…………, S.A.” no presente processo de Recurso de Contraordenação relacionado com a decisão do Chefe do Serviço de Finanças da Maia, que a condenou no pagamento de uma coima que se fixou no montante de € 6.268,25, decorrente da falta de entrega do Pagamento Adicional por Conta, em 31/7/2018, relativo ao período de tributação 201807, no montante de € 20.894,19.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1ª - A QUESTÃO DE QUE SE RECORRE – a falta na decisão dos requisitos legais previstos no nº 1, al) b), do nº 1, do art.º 79 do RGIT, que são a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, e como consequência padecer o processo de contraordenação de nulidade insuprível (art.º 63 - nº 1, al) d) do RGIT):
- Nos presentes autos, o Tribunal “a quo” entende que a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima aqui impugnada não preenche os requisitos legais previstos no nº 1, al) b), do art.º 79 do RGIT, nomeadamente no que diz respeito à falta de descrição sumária dos factos e da indicação das normas violadas e punitivas.
- O MP entende que o processo de contraordenação não padece de nulidade insuprível, pois a decisão de aplicação de coima observa os requisitos legais previstos no art.º 79 do RGIT, nomeadamente os previstos na al. b) do nº 1, pois dela constam a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas.
4ª – A decisão de aplicação de coima impugnada descreve os factos e contém a indicação das normas violadas e punitivas, quando, como se alcança da decisão (fls. 55 e 56 dos autos) alude à falta do pagamento adicional por conta da derrama estadual, relativo ao período de Julho de 2018, autoliquidado no montante de €20.894,19 (cf. fls. 37 verso, 29 e conclusões I a VII da petição de recurso) e indica todas as normas que prevêem e punem essa factualidade apurada e considerada ilícita, pelo que nos dispensamos de mais delongas na exposição, até porque a decisão de aplicação de coima consta dos factos provados da douta sentença ora recorrida.
5ª - E tanto assim é que a recorrente na sua petição de recurso apenas alega que a responsabilidade pelo pagamento desse tributo era da sociedade dominante do grupo em que se integrava a arguida, que esse pagamento foi feito e subsidiariamente apenas alega que ocorre nulidade insuprível do processo de contraordenação e da própria decisão de aplicação de coima, por faltarem nesta os elementos que contribuíram para a concreta fixação da coima aplicada, em violação do disposto na al) c), do nº 1, do art.º 79 do RGIT.
- No restante, a arguida entendeu perfeitamente que factos é que lhe estavam a ser imputados, e que normas os prevêem e punem como ilícito contraordenacional, como se alcança da leitura da sua petição de recurso.
– É pois nosso entendimento que aqueles elementos são suficientes para se poder concluir que a decisão condenatória preenche os requisitos legais previstos na al. b), do nº 1 art.º 79 do RGIT e que por esse motivo, não padece o processo de contraordenação da nulidade insuprível prevista na al. d), do nº 1, do art.º 63 do RGIT.
8ª - A decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pela arguida, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada.
- É este o entendimento dos conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4ª edição), na nota 1 ao art.º 79, o seguinte e acórdãos do STA de 12/12/2006, proferido no P. 1045/06, e de 25/06/2015, proferido no P. 382/15, disponíveis em www.dgsi.pt.
10ª - E muito recentemente, decidiu-se no acórdão do STA de 17/10/2018, proferido no recurso 588/18 e P. 1004/17.0BEPRT deste TAF do Porto, disponível em www.dgsi.pt que “o requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cf. art.º 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infração imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa”, insistindo-se mais uma vez que o que importa é que a arguida entenda a decisão, para o cabal exercício do direito à sua defesa.
11ª - No mesmo sentido, vejam-se também os acórdãos do STA de 23/10/2019, proferido no P. 65/18.9BEPRT, de 27/11/2019, proferido no P. 2422/18.1BEPRT, de 17/12/2019, proferido no P. 203/18.1BEMDL e de 08/01/2020, proferido no P. 422/19.3BEPNF, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
12ª - A questão da falta dos elementos que contribuíram para a concreta fixação da coima aplicada (al) c), do nº 1, do art.º 79 do RGIT) suscitada pela arguida recorrente nas conclusões XIX a XXVI da sua petição de recurso, sobre a qual o Tribunal se não pronunciou, alegando que a coima se encontra no mínimo legal (cf. linha 7 e 8 da página 10 da sentença) e a questão da decisão não explicar o modo como alcançou o montante da €20.894,19 de imposto a pagar (cf. linhas 3 a 8 da página 9 da sentença):
13ª - Começando pela esta última questão, diremos que a decisão de aplicação de coima não tem que justificar como se alcançou o montante do tributo cujo pagamento está em falta, pois este não é requisito dessa decisão (cf. nº 1, do art.º 79 do RGIT), ou seja: se existe tributo cujo pagamento está em falta, é porque o seu montante já foi legalmente liquidado, por qualquer uma das vias possíveis (liquidação resultante da declaração apresentada pelo SP, liquidação adicional, liquidação oficiosa ou autoliquidação), mas todos estes atos tributários foram devidamente notificados e já se formou caso decidido na esfera tributária, e só depois destes atos de liquidação é que surge a contraordenação pela falta de entrega do tributo liquidado, prevista no art.º 114, nº 1 do RGIT (aqui se fala da “prestação tributária deduzida nos termos da lei!).
14ª - Porém, no caso concreto esse valor da prestação tributária em falta resulta de autoliquidação da arguida (cf. fls. 29), que calculou o valor anual do pagamento adicional por conta da derrama estadual em €62.687,57, a ser paga em três prestações, a vencerem-se em Julho (o não pagamento desta deu causa à coima aplicada), Setembro e Dezembro, no valor cada uma de €20.894,19, e não existe pois qualquer imperativo legal que obrigue a que a decisão de aplicação de coima indique os elementos que contribuíram para a fixação do tributo em falta.
15ª - E como chegou a ATA ao valor da coima aplicada de €6.268,25 (al) c), do nº 1, do art.º 79 do RGIT) a título de negligência?
16ª - Esta questão é colocada pela arguida recorrente nas conclusões XIX a XXVI da sua petição de recurso, e nesta parte, e sobre a qual não houve pronúncia do Tribunal recorrido, e tendo em atenção que o valor da derrama estadual a pagar pela arguida em 2018 era de €62.687,57, a ser paga a título de pagamento adicional por conta em três prestações, a vencerem-se em Julho (o não pagamento desta deu causa à coima aplicada), Setembro e Dezembro, no valor cada uma de €20.894,19, fácil seria de concluir que o valor da coima corresponderia a 10% do valor anual da derrama estadual e seria o limite mínimo da coima aplicável, embora sem observância do nº 4, do art.º 26 do RGIT, por a arguida ser uma sociedade.
17ª - Só que o valor do tributo cujo não pagamento deu causa à coima aplicada era apenas o montante da prestação de Julho de €20.894,19, pelo que neste entendimento tem razão a recorrente quando afirma que não percebe como se chegou ao valor da coima aplicada.
18ª - Por outro lado, parece-nos que ocorre erro de direito ou na aplicação da norma, porquanto no nº 2, do art.º 114 do RGIT estabelece-se que o montante mínimo da coima aplicável a título de negligência corresponde a 15% do imposto em falta e esta redação foi introduzida pelo art.º 155 da Lei 64-B/2011 de 30/12 (LOE de 2012).
19ª - Antes desta alteração, o valor mínimo da coima correspondia a 10% do imposto em falta, mas atenta a data dos factos (Julho de 2018), esse valor teria que corresponder a 15% do imposto em falta, e agravado para o dobro por força do nº 4, do art.º 26 do RGIT, o que não aconteceu, pelo parece ter razão a recorrente quando alega que não entende como se chegou a este concreto montante da coima aplicada.
20ª - É certo que se o valor da coima aplicada correspondesse ao limite mínimo aplicável, não haveria necessidade de se proceder na decisão administrativa à indicação dos elementos que contribuíram para a concreta fixação da coima aplicada (al. c) - nº 1, do art.º 79 do RGIT), tal como refere o Sr. Juiz na sentença recorrida – neste sentido, acórdão do STA de 31/01/2018, proferido no P. 45/17, publicado no DR de 18/02/2020.
21ª - Mas, nesta parte, ainda que sobre a matéria não tenha havido pronúncia do Tribunal recorrido, também nos parece que a decisão, no tocante à coima concreta aplicada, não preenche o requisito da al. c) - nº 1 do art.º 79 do RGIT.
22ª – Mas sendo o objeto do recurso a falta da descrição sumária dos factos e da indicação das normas violadas e punitivas na decisão de aplicação de coima impugnada, é nosso entendimento que não ocorre qualquer nulidade insuprível do processo de contraordenação tributário, prevista na al. d), do nº 1, do art.º 63 do RGIT, por violação do disposto na al. b), do nº 1, do art.º 79 do RGIT.
23ª – Foram violados os artigos 79 - nº 1 - al. b) e 63 - nº 1 - al. d) do RGIT.
Nestes termos, deverá ser o presente recurso julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida para que seja substituída por outra que conheça do mérito da impugnação judicial da coima aplicada nestes autos pela ATA.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Cumpre decidir.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em apreciar a bondade da decisão recorrida que julgou procedente o presente recurso, declarando a nulidade insuprível da decisão condenatória referida nos autos, tendo como pano de fundo o art. 79º nº 1 al. b) do RGIT relacionado com a falta de descrição sumária dos factos.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. A sociedade comercial “A…………, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº ………, desde 1/1/2018, é detida pela sociedade comercial “B…………, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº ………, conforme documentação de fls. 24/33 que se dá por reproduzida.
2. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 23 verso do qual consta que o lucro tributável da sociedade comercial “B…………”, em 2017, ascendeu ao montante de € 5.879,189,66, e o total do PAC a entregar por essa sociedade ao montante de € 109.479,74, em três prestações de € 36.493,25.
A3. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 24 do qual consta que o lucro tributável da sociedade comercial “A…………”, em 2017, ascendeu ao montante de € 4.007,302,68, e o total do PAC a entregar por essa sociedade ao montante de € 62.682,57, em três prestações de € 20.894,19.
4. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 25 comprovativo do pagamento efectuado em 31/7/2018 pela sociedade comercial “B………… S.A.”, Contribuinte Fiscal nº ………, no montante de € 57.387,44, referente ao PAC 1ª prestação.
5. A Autoridade Tributária, em 29/8/2018, levantou o auto de notícia de fls. 37 verso que se dá por reproduzido, do qual consta que a ora Recorrente, em 31/7/2018, não entregou o pagamento adicional por conta (IRC), referente ao período 2018/07, no montante de € 20.894,19.
6. A Recorrente, em 17/10/2018, apresentou defesa nos termos e com os fundamentos exarados no documento de fls. 38/47 que se dá por reproduzido, no qual sustentou que não praticou o ilícito imputado, dado o pagamento efectuado pela sociedade dominante, “B…………, S.A.”, no montante de € 57.387,44, conforme documento que juntou com a defesa apresentada.
7. Dá-se por reproduzida a decisão condenatória de fls. 55 da qual consta a seguinte factualidade: -1. Imposto/Trib: IRC - Pagamento adicional por conta. 2. Período a que respeita a infracção: 2018/07; 3. Valor da prestação tributária em falta:20.894,19; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2018-07-31, os quais se dão como provados”, (…) Normas Infringidas artigo 104º, nº 1, e 104º-A, nº 1, do CIRC, Normas Punitivas artigos 114º, n º 2, e nº 5, alínea f), e 26º, nº 4, do RGIT. Medida da Coima Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Artº 27 do RGIT): Actos de Ocultação – Não; Benefício Económico – 0,00; Frequência da Prática – Acidental; Negligência – Simples; Obrigação de não cometer a infracção – Não; Situação Económica e Financeira – Baixa; Tempo decorrido desde a prática da infracção < 3 meses. (…) Coima fixada - € 6.268,25”.
8. O presente recurso foi apresentado em 26/6/2019.

Factos não provados:
Não resultaram provados quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa.
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou da análise crítica da documentação junta aos autos referida no probatório em relação a cada um dos factos, bem como da matéria alegada e não impugnada, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar a bondade da decisão recorrida que julgou procedente o presente recurso, declarando a nulidade insuprível da decisão condenatória referida nos autos.
Neste domínio, a sentença recorrida ponderou o seguinte:
“…
Sucede que o artigo 79º do Regime Geral das Infracções Tributárias, no que concerne aos requisitos da decisão final de condenação, refere “A decisão que aplica a coima contém:
(…)
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;”.
Como se referiu supra, da factualidade dada como assente na decisão condenatória ora em crise não se alcança o modo como a Autoridade Tributária concluiu que o montante de imposto a entregar ascende a € 20.894,19, posto que não indicou qual o lucro tributável da Recorrente em 2017, e nem sequer mencionou o normativo legal que dá conta da forma de cálculo deste tributo.
Deste modo, é manifesto que a decisão condenatória não contém a – descrição sumária dos factos”, enunciada de forma perfeitamente cognoscível por forma a permitir a um destinatário normal a apreensão da fundamentação do acto e assegurar a defesa de forma eficaz, por forma a concluir pela verificação dos elementos típicos do ilícito imputado. Como referem os Sr. Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in “Regime Geral das Infracções Tributárias”, p. 435, - (…) os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão”.
Consequentemente, sem necessidade de outros considerandos, nem de conhecimento da alegada falta de fundamentação do montante da coima, que de resto se fixou no limite mínimo e portanto reduz a relevância da fundamentação em relação ao montante concreto da coima, importa declarar a nulidade da decisão condenatória.

Nas suas alegações, o Recorrente defende que a decisão de aplicação de coima impugnada descreve os factos e contém a indicação das normas violadas e punitivas, quando, como se alcança da decisão (fls. 55 e 56 dos autos) alude à falta do pagamento adicional por conta da derrama estadual, relativo ao período de Julho de 2018, autoliquidado no montante de €20.894,19 (cf. fls. 37 verso, 29 e conclusões I a VII da petição de recurso) e indica todas as normas que prevêem e punem essa factualidade apurada e considerada ilícita e tanto assim é que a recorrente na sua petição de recurso apenas alega que a responsabilidade pelo pagamento desse tributo era da sociedade dominante do grupo em que se integrava a arguida, que esse pagamento foi feito e subsidiariamente apenas alega que ocorre nulidade insuprível do processo de contraordenação e da própria decisão de aplicação de coima, por faltarem nesta os elementos que contribuíram para a concreta fixação da coima aplicada, em violação do disposto na al) c), do nº 1, do art.º 79 do RGIT, sendo que, no mais, a arguida entendeu perfeitamente que factos é que lhe estavam a ser imputados, e que normas os prevêem e punem como ilícito contraordenacional, como se alcança da leitura da sua petição de recurso.
Que dizer?
Desde logo, importa ter presente que a decisão recorrida julgou procedente o recurso interposto, e declarou a nulidade insuprível da decisão condenatória, tendo apenas como pano de fundo a norma acima descrita, ou seja, o art. 79º nº 1 al. b) do RGIT.
Assim sendo, e sobre esta matéria, o Ac. deste Tribunal de 06-05-2020, Proc. nº 03468/10.3BEPRT, www.dgsi.pt, ponderou que:
“…
Passando, pois, à apreciação dos fundamentos do corrente recurso jurisdicional, anotamos que, no acórdão de 17 de outubro de 2018, tendo, como no caso presente, sido versada a matéria da nulidade insuprível - Art. 63.º n.º 1 al. d) do RGIT – da decisão administrativa de aplicação de coima, por falta de requisitos legais, concretamente, os inscritos na al. b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT (O acórdão de 17.10.2018, versou, ainda, sobre nulidades insupríveis previstas no art. 79.º n.º 1 al. c) do RGIT), ou seja, por não conter a “descrição sumária dos factos (…)”, defendeu-se que esta exigência, indicativa, deve ser entendida “como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão” (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].”. E, mais adiante, por apelo a jurisprudência anterior, do STA, acrescentou-se: «O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada».

No caso concreto, a decisão de aplicação da coima imputa à arguida a violação da norma constante do arts. 104º nº 1 e 104º-A nº 1 do CIRC -falta de entrega de pagamento por conta; indica como normas punitivas os arts.114º nº 2 e 5 al. f) e 26º nº4 RGIT, onde se estabelece a moldura sancionatória aplicável à falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, expressamente equiparada à falta de entrega da prestação tributária.
Por outro lado, embora a alusão à falta de entrega de pagamento por conta não esteja referida na componente da decisão administrativa que tem como epígrafe Descrição sumária dos factos, antes na componente Normas infringidas e Normas Punitivas, não deixa de assumir relevância como efectiva descrição da factualidade que integra o tipo legal de contraordenação imputada à arguida, permitindo-lhe o pleno exercício do direito de defesa (neste sentido, Ac. do S.T.A. de 10-04-2019, Proc. nº 0260/17.8BEAVR, www.dgsi.pt).
Sendo assim, como é, assiste total razão ao Recorrente quando aponta que a decisão de aplicação de coima impugnada descreve os factos e contém a indicação das normas violadas e punitivas, quando, como se alcança da decisão (fls. 55 e 56 dos autos) alude à falta do pagamento adicional por conta da derrama estadual, relativo ao período de Julho de 2018, autoliquidado no montante de €20.894,19 e indica todas as normas que prevêem e punem essa factualidade apurada e considerada ilícita e tanto assim é que a recorrente na sua petição de recurso apenas alega que a responsabilidade pelo pagamento desse tributo era da sociedade dominante do grupo em que se integrava a arguida, que esse pagamento foi feito, apontando depois que ocorre nulidade insuprível do processo de contraordenação e da própria decisão de aplicação de coima, por faltarem nesta os elementos que contribuíram para a concreta fixação da coima aplicada, em violação do disposto na al) c), do nº 1, do art.º 79 do RGIT.
Na verdade, resulta algo incompreensível o caminho traçado na decisão recorrida quando é a aqui Recorrida que, no âmbito da sua petição de recurso, junta o identificado documento nº 2, onde aponta o seu lucro tributável e indica a três prestações (€ 20.894,19) relativas aos pagamentos adicionais de conta 2018 e os momentos para o efeito (Julho, Setembro e Dezembro), pelo que, é incontornável que a análise do teor da defesa, aliás, já apresentada na fase administrativa do procedimento e, posteriormente, no articulado do recurso judicial, revela a clara compreensão pela arguida de que lhe está a ser imputada a falta de prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, não existindo qualquer dúvida nesta matéria, incidindo a sua argumentação no facto de a responsabilidade pelo pagamento desse tributo ser da sociedade dominante do grupo em que se integrava a arguida e que esse pagamento foi feito, o que afasta a infracção imputada, impondo-se a conclusão de que o binómio formado pela descrição sumária dos factos e pela indicação das normas infringidas e punitivas cumpriu, sem reserva, o objectivo visado com o requisito legal, permitindo à arguida o exercício esclarecido do seu direito de defesa, como efectivamente se verificou.
Tal significa que o julgamento concretizado na decisão (judicial) recorrida enferma de erro na aplicação do direito, na medida em que a decisão administrativa sobre que se debruçou não padece da nulidade insuprível que lhe apontou.
Antes de terminar, e para total clarificação da situação, importa sublinhar que a Recorrida, no âmbito do recurso apresentado perante o TAF do Porto apresentou duas linhas de argumentação:
1º A responsabilidade pelo pagamento desse tributo ser da sociedade dominante do grupo em que se integrava a arguida e que esse pagamento foi feito, o que afasta a infracção imputada, sendo que, neste ponto, o Tribunal a quo aponta apesar dos arts. 105º nº 5 e 105º-A nº 4 do CIRC “atribuírem a responsabilidade pelo apuramento e pagamento do tributo à sociedade dominada, a considerar no imposto a pagar ou a reembolsar pela sociedade dominante, nada obsta a que tal pagamento seja efectuado pelo terceiro, em conformidade com o princípio geral consagrado no artigo 767º do Código Civil”.
Mais refere que “apesar da defesa apresentada, a Autoridade Tributária não atendeu à relação existente entre as duas sociedades (dominante e dominada), facto de que teve conhecimento, pelo menos em sede de defesa no processo de contra-ordenação, impondo-se que apreciasse esta questão”.
No entanto, temos por adquirido que o Tribunal a quo não extraiu qualquer consequência dos elementos apontados, centrando-se na matéria que consta do parágrafo que se encontra entre as duas citações descritas, o que significa que tal matéria terá de ser completada em termos de se poder dizer que o Tribunal a quo conheceu verdadeiramente deste fundamento do recurso.
2º A aqui Recorrida alude ainda à insuficiente indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima aplicada (al) c), do nº 1, do art.º 79 do RGIT) tal como se retira das conclusões XIX a XXVI da sua petição de recurso, realidade sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, por entender que não havia necessidade para o efeito, o que quer dizer que, também aqui deparamos com um fundamento do recurso que está por apreciar.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para aí prosseguirem com conhecimento do recurso judicial, se nada mais a tal obstar.
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.