Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0884/17
Data do Acordão:09/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:IRC
DIVIDENDOS
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
Sumário:Nos termos do artigo 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, em face da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua acionista residente nos Países Baixos, impõe-se apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa, nomeadamente a sua alegada isenção de tributação, para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos, em ordem a fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais nos termos do artigo 56.º do TCE, atual artigo 63.º do TFUE.
Nº Convencional:JSTA000P23570
Nº do Documento:SA2201809120884
Data de Entrada:07/11/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida em 15/02/2017 (fls.566/592) pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A…………, com sede nos Países Baixos, contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pela Administração Tributária, relativo à retenção na fonte de IRC, praticado pelo B…………, sobre os lucros que lhe foram distribuídos, no montante de € 596.329,95.
Apresenta, nas suas alegações de recurso, as conclusões seguintes:
«I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor e Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da constante na sentença recorrida e, portanto, conduzir a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Assim sendo, somos levados a concluir pela existência de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.
II – A………… sociedade devidamente constituída ao abrigo das leis holandesas anteriormente denominada “C…………” veio apresentar IMPUGNAÇÃO JUDICIAL do ato de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa preferido pela Administração Tributária, relativa à retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo B………… SA., (B…………) a 15.06.2007, relativa às ações com o código PT……OAM0007, no montante de 0,048 por ação, tendo auferido o rendimento bruto de €5 963 299,44, por ser titular da totalidade de 124 235 405 ações.
Esse rendimento bruto foi objeto de retenção na fonte à taxa de 10%, no montante de € 596 329,94, peticionando a impugnante a restituição de igual montante; ou seja, está em causa a retenção definitiva à taxa de 10%.
III – A questão controvertida é, tal como a decisão do Tribunal ad quo a definiu, a legalidade das retenções na fonte efetuadas à impugnante respeitantes ao pagamento de dividendos distribuídos pelo B…………, atento ao direito Europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais.
IV – Quanto à legalidade das retenções na fonte efetuadas à impugnante aquando do pagamento de dividendos distribuídos pelo B…………, atentos ao direito europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais, importa concluir sobre a boa aplicação e cumprimento do Direito Comunitário, por duas ordens de razões.
V – A primeira directamente por via da aplicação da Convenção bilateral assinada por Portugal e Holanda, Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000 aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 a que ambos os Estados se vincularam e que vigora na ordem jurídica, nos termos do art.º 8.º da CRP.
A segunda por via da observância da directiva sobre o regime fiscal comum aplicável às sociedades – mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes (n.º 90/435/CEE) na redacção à data dos factos.
VI - A sociedade impugnante que não se conforma com a retenção na fonte (operada a titulo definitivo a uma taxa de 10%) porque, não considerando o valor da participação por si detida no capital do B……….. — valor de aquisição não inferior a € 20 000,00 correspondente contudo a uma participação inferior a menos de 15% do capital da sociedade distribuidora, entende que nenhuma retenção deveria ter ocorrido.
Considera ainda essa retenção assente numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais, em contrariedade com a previsão do artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (“TCE”) e, consequentemente, consubstanciando uma violação do primado do direito comunitário sobre o direito interno, tal como consagrado no n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
VII – Ora, tal discriminação não se verifica porque nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, a isenção apenas ocorre sempre que se coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 15% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos. (Redacção dada pelo art.º 52.º da Lei n.º 53-A de 29 de Dezembro) - negrito nosso. Ora, a impugnante não cumpre esses requisitos.
Assim, para que fosse materialmente e imediatamente aplicável o disposto no número 3 do art.º 14.º do CIRC, a isenção, deveria ser feita prova perante a entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos ao respectivo titular, de que a mesma se encontraria nas condições de que depende a isenção aí prevista, sendo esta a relativa às condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 901435/CEE, de 23 de Julho, a efectuar através de declaração confirmada e autenticada pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado membro da União Europeia da residência da entidade beneficiária dos rendimentos (ainda de observar seriam as exigências previstas no artigo 119.º do CIRS).
Tal prova, não foi feita porque, reafirme-se, a sociedade impugnante não cumpre os requisitos da directiva, na redacção à data em vigor, ao contrário do que parece ser o seu entendimento.
VIII – De facto, face à possibilidade de ocorrência de dupla tributação internacional, por estarmos perante um ato que ocorre por previsão das normas tributárias de dois Estados, a situação deve ser igualmente enquadrada com o auxílio das convenções internacionais. Nesse âmbito tal situação, encontra-se prevista e regulada pelas Convenções Internacionais, livremente ratificadas pelos Estados, in casu: a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, em 27 de Abril de 2000.
Desse modo e com efeito, a reciprocidade de tratamento entre Administrações Fiscais é evidente sendo disso também expressão que se colhe de
https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other subjects/ref und or exemption dividend tax/dividend tax/refund
ou de
https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other subjects/ref und or exemption dividend tax/forms
IX – Como tal, para qualquer interpretação sobre a matéria decidenda há que atentar ao que refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0968/12, Acórdão datado de 23-01-2013, disponível em www.dgsi.pt, ou seja, o direito comunitário não pode deixar de ser observado pelo que, em caso de dúvidas face à aplicação do direito comunitário e em consumação do art.º 8.º n.º 4 da CRP, existe a possibilidade do reenvio prejudicial para o TJCE que deve ser salvaguardada, porquanto as decisões são vinculativas para os tribunais portugueses, conforme disso é exemplo o acórdão datado de 2003/07/27, proferido no processo n.º 0874/03, disponível também em www.dgsi.pt. Ora desde já se invoca que em caso de dúvida se deve colocar a questão em apreço ao TJCE.
X - Questão semelhante (tributação de juros) foi apreciada no acórdão TJUE proferido em 22 dezembro 2008 (processo nº C-282/07), tendo sido emitida pronúncia nos seguintes termos:
“Os artigos 52º do Tratado CE (que passou, após alteração a artigo 43º CE), 58º do Tratado CE (actual artigo 48º CE), 73º-B e 73º-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56º CE e 58º CE), devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.
Este considerando deve ser conjugado com o considerando 32 do acórdão TJUE proferido em 8 novembro 2007 (processo C-379/05), que apreciou questão semelhante de diferença de tratamento fiscal resultante das diferentes residências de sociedades beneficiárias de dividendos distribuídos. (...) há que distinguir tratamentos desiguais, permitidos nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea a), CE, das discriminações proibidas pelo nº deste mesmo artigo.
(...) para que uma regulamentação fiscal nacional (...) possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkoojjen,C-35/98 (...); de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02 (...); e de 8 de Setembro de 2005, Blanckaert,C-512/03 (...)
XI – E, como se refere a propósito na obra “A Tributação das Sociedades na União Europeia” consideram-se impostos equiparáveis os impostos vigentes em vários Estados que, embora podendo ter denominações distintas, tenham uma natureza semelhante; tal não impede a reciprocidade de tratamento.
XII – A Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, veio também em consonância regular a retenção na fonte dos lucros distribuídos entre uma sociedade afiliada e a sociedade-mãe, com domicílio fiscal em um dos diversos países membros da União Europeia, tendo em vista criar condições análogas às de um mercado interno e facilitar os agrupamentos de sociedades à escala comunitária.
Tal directiva veio impor aos Estados-Membros que a distribuição de lucros não se encontrasse sujeita à retenção na fonte, salvo se necessário para prevenir fraudes e abusos, autorizando ainda a derrogação desta não retenção a três países, entre os quais a Portugal em que permitiu tal retenção por razões orçamentais.
XIII – Relativamente ao montante detido pela impugnante no capital social da sociedade distribuidora de lucros, verifica-se que a situação em apreço não se pode subsumir ao quadro legal previsto no normativo acabado de referir, tal como decorre dos factos articulados e por ela própria afirmados, isto porque como se verifica, a sociedade não detinha a participação mínima exigível de 15% pelo que não se pode considerar afiliada, não preenchendo consequentemente os requisitos impostos por essa Directiva pelo que, salvo melhor entendimento, o Tribunal ad quo caiu em erro de direito.
E em boa verdade se diga que já no que se refere ao mencionado artigo 46.º do CIRC, tal normativo enquadra situações diferentes, os casos de sociedades residentes e, não de entidades que disponham de relações com não residentes, ou seja, ‘visa eliminar a dupla tributação económica de lucros distribuídos e, já não a dupla tributação internacional.
XIV – Por outro lado, face ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 3 de Junho de 2010 “Incumprimento de Estado - Livre Circulação de capitais – Artigos 56.º CE e 40.º do Acordo EEE – Diferença de Tratamento – Dividendos distribuídos a sociedades residentes e a sociedades não residentes” processo C-487/08, que tem por objecto uma acção de incumprimento nos termos do art.º 266.º CE, verificamos que na acepção do artigo 5.º n.º 1 da Directiva 90/435 existe para Portugal uma inicial derrogação consagrada pelo n.º 4 do mesmo artigo que permite à República Portuguesa “cobrar uma retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas sociedades afiliadas às sociedades mães”.
XV – Ou seja, a eliminação da dupla tributação encontra-se prevista no âmbito da EU no art.º 239.º do Tratado CE, nos termos do qual “Os Estados Membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus Nacionais...a eliminação da dupla tributação na Comunidade”.
Nessa medida vigora a CDT celebrada entre Portugal e a Holanda que se encontra de acordo com as regras do direito comunitário.
XVI – A retenção foi em conformidade, efectuada à taxa 10% nos termos do art.º 10.º da CDT, uma vez que a recorrida é sujeito a venootschapsbelasting nos Países Baixos, sem possibilidade de opção ou de isenção (sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nos países baixos sem possibilidade de opção ou isenção, conforme documento emitido pela administração fiscal holandesa).
Concluindo-se definitivamente que a impugnante foi até tributada, comparativamente, com base numa taxa mais favorável do que a aplicada a residentes que se encontrem nas mesmas condições e que são tributados a uma taxa superior; situação comparável aos lucros de uma entidade residente em território português, são as condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, quando se coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia lucros, desde que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira.
Mas, como acima se pode constatar e, sem conceder, sempre se repita que a sociedade impugnante não cumpre os requisitos da directiva, ao contrário do que parece ser o seu entendimento.
XVII – Assim sendo os dividendos em causa enquanto lucros gerados em Portugal – país fonte dos rendimentos, estão sujeitos a tributação, a título definitivo mediante retenção na fonte quando distribuídos, a não residentes, sendo que em regra as retenções na fonte para residentes têm um carácter de pagamento por conta do imposto devido a final. Ou seja, por via do crédito de imposto a impugnante beneficiará no seu país a eliminação da dupla tributação, país esse onde se verifica a reciprocidade de tratamento à semelhança do que acontece em Portugal e onde se tributam os dividendos; caso contrário não faria sentido a CDT.
Pelo que, com o muito devido respeito, o douto Tribunal “ad quo”, face a tudo o supra exposto, ao decidir que “a retenção na fonte sobre dividendos distribuídos...padece de «vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capital previsto no artigo 56.º TCE (renumerado art.º 63 TFUE) e, consequentemente, do art.º 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.”, não esteou a sua fundamentação de direito de acordo com a solução adotada pelo legislador e, nessa medida a decisão recorrida deve ser afastada da ordem jurídica.
XVIII – Consequentemente também o Tribunal ad quo errou na aplicação da lei ao determinar serem devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, porquanto não houve qualquer erro imputável aos serviços nem se verifica vício de violação de lei nos termos já expostos, sem prejuízo de que, deve ainda a Fazenda Pública ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
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1.2. A recorrida contra-alegou terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«A. Andou bem o douto Tribunal a quo ao proferir a decisão, ora em recurso, a qual manifesta uma correcta valoração da matéria de facto e de direito com interesse para a decisão, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida e, por conseguinte, anulando a retenção na fonte impugnada, no montante de €596.329,94, sobre os dividendos distribuídos pelo B………… em 15/06/2007, e, em consequência, condenando a Fazenda Pública no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios até ao efectivo reembolso.
B. Considerando o teor das conclusões apresentadas pela Fazenda Pública, a questão objecto do Recurso interposto prende-se com a discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa em violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrada nos artigos 56.º e 58.º do TCE (actualmente artigos 63.º e 65.º do TFUE).
C. Diga-se, desde já, que não pode o presente recurso proceder, pois inexiste qualquer erro de julgamento que possa ser assacado à sentença recorrida.
D. No que respeita à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje sobre a matéria extensa jurisprudência assente e pacífica, quer do Tribunal de Justiça, quer dos Tribunais nacionais, sendo evidente que se trata de situações comparáveis e que o regime previsto na legislação portuguesa apresenta um tratamento discriminatório entre residentes e não residentes, conforme resultou provado nos presentes autos.
E. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n.º 1, c) do artigo n.º 88º, e n.º 2, c) do artigo n.º 80.º do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n.º 3, do artigo n.º 14.º, do CIRC, a contrario, estando também idêntica obrigação prevista para entidades residentes em território nacional mas relativamente às quais se estabelecia a dispensa deste dever, bem como a não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90.º n.º 1 c) e 46.º n.º 1 (nas redacções em vigor à data).
F. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes.
G. Sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos dividendos que lhe foram distribuídos pelo B…………, facto que padece de ilegalidade por violação do direito europeu, nomeadamente do princípio da livre circulação de capitais.
H. Porquanto, caso fosse a Recorrida residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B………… seriam deduzidos da base tributável para efeitos de determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte.
I. Ou seja, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, ao contrário do que sucede no caso da Recorrida em resultado apenas da sua residência noutro país da EU que não Portugal, o que configura uma verdadeira discriminação proibida pelo artigo 58.º n.º 3 do TCE, restritiva da liberdade de circulação de capitais estabelecida pelo artigo 56.º TCE (ora, artigo 63.º do TFUE), e do investimento de sociedades não residentes em Portugal.
J. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno, nem por via convencional, conforme reconheceu o TJUE nos Acórdãos Secilpar (Processo C-199/10) e Amorim Energia BV (Processo C-38/11).
K. Na realidade, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B…………, porquanto esses dividendos se encontravam isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês.
L. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior – correspondente à retenção efectuada – do que uma sociedade nas mesmas condições (i.e., mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional.
M. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retorno económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social numa sociedade Portuguesa, em comparação com a detenção, em iguais condições, por parte de uma sociedade residente em Portugal, criando um obstáculo ao investimento em Portugal por parte de residentes de outros Estados-Membros, maxime, uma restrição à livre circulação de capitais.
N. Ora, a violação invocada tem, não só, correspondência legal – o actual art. 63.º do TFUE – como apoio na jurisprudência vasta e unanime do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais, que inclusivamente já se pronunciaram no sentido de as diferenças de tributação sobre os dividendos serem discriminatórias e restritivas da liberdade de circulação de capitais em situações idênticas à da Recorrida.
O. Conforme foi decidido repetidas vezes pelo TJUE (designadamente, nos enunciados processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, Denkavit lnternationaal e Denkavit France, e Amurta), as situações como a sob análise são situações comparáveis.
P. No mesmo sentido foi a decisão tomada pelo TJUE nos já enunciados Processo C-199/10 (Secilpar) e Processo C-38/11 (Amorim), disponíveis em http://curia.europa.eu pronunciando-se sobre uma situação idêntica à situação em análise nos presentes autos por existir uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais.
Q. Assim como neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos proferidos em 07/10/2015 e 12/11/2014, nos Recursos n.º 768/13 e n.º 461/14-30, respectivamente, negando provimento à pretensão da Fazenda Pública e confirmando as decisões proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito dos processos n.º 53/09.6BELRS e n.º 52/09.8BELRS, impugnações nas quais era parte a Recorrida e nas quais se discutiu matéria de facto e de direito em tudo semelhante à que se encontra ora em discussão e cujas decisões se encontram juntas aos presentes autos.
R. Deste modo, ter-se-á de concluir que as situações em discussão são objectivamente comparáveis pelo que estamos perante um caso de discriminação e não de mero tratamento desigual justificado pelas diferenças objectivas de tributação entre residentes e não residentes, como pretende a Recorrente.
S. Em face do que resultou exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida não padece de qualquer vício, devendo a mesma ser confirmada, mantendo-se a anulação do acto tributário impugnado, com as demais consequências legais, designadamente a devolução do imposto, acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos.
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1.3. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. 566 e seguintes dos autos, que julgou procedente a ação intentada contra o ato de retenção na fonte, no valor de € 596.329,95 euros.
Entende a Recorrente que a sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto no artigo 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º do TFUE) e incorreu em erro de julgamento, motivo pelo qual se pugna pela sua revogação.
Alega a Recorrente que a impugnante insurgiu-se contra a retenção na fonte (através de reclamação graciosa) por considerar que a mesma assenta numa discriminação injustificada entre acionistas residentes e não residentes, em violação do princípio da livre circulação de capitais e em violação do disposto no artigo 56º do Tratado da Comunidade Europeia e do primado do direito comunitário sobre o direito interno, tal como consagrado no artigo 4º da Constituição da República Portuguesa.
Considera, contudo, a Recorrente que tal discriminação não se verifica, uma vez que a impugnante não reunia as condições estabelecidas no artigo 2º da Diretiva nº 90/435/CEE, do Conselho de 23 de Julho, e que fazia depender a isenção de uma participação no capital não inferior a 15% e da permanência na titularidade das ações durante um período mínimo de 2 anos – artigo 52º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Mais entende a Recorrente que para a aplicação do disposto no nº 3 do artigo 14º do CIRC, mostrava-se necessário que a impugnante tivesse feito prova, anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos, de que reunia tais condições. Ora, diz, a impugnante não detinha uma participação de 15% na sociedade distribuidora dos dividendos.
E conclui peticionando a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue a ação judicial improcedente.
2. Pese a pouco criteriosa e confusa forma como o tribunal “a quo” discriminou a matéria de facto assente, afigura-se-nos que se pode extrair da sentença e dos documentos para os quais a mesma remete que em 15/06/2007 o B ………… distribuiu à impugnante o valor de €5.963.299,44, a título de dividendos e referente à titularidade de 124.235.405 ações, tendo procedido à retenção na fonte do montante de € 1.192.659,89 euros, correspondente à aplicação da taxa de retenção de 20%, cujo montante foi posteriormente reduzido para metade (€ 596.329,95), por força da aplicação da Convenção de Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos.
Para se decidir pela procedência da ação considerou o TT de Lisboa que por a participação, embora inferior a 10%, corresponder a um valor de aquisição superior a €20.000.000, pelo que se o sujeito passivo fosse residente em Portugal ser-lhe-ia aplicável a dispensa de retenção na fonte prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 90º do CIRC, sendo-lhe também concedida a possibilidade de deduzir integralmente os dividendos distribuídos no apuramento do seu lucro tributável.
Mais considerou o TT de Lisboa, citando em apoio a doutrina do acórdão do STA de 09/07/2014, proc. 01435/12, «o facto de a legislação holandesa, em 2007, consagrar a chamada “participation exemption” que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas beslotenvennootschap, como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, sendo que não são considerados custos nem podem ser deduzidos os valores suportados no estado da fonte, a título de retenção na fonte, excetuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (...) — conforme arts 10 e 13 do Wet op de vennootschupsbelasting, e 31º do Besuit woorkoming dubbele bel asting 2001».
Concluiu, assim o tribunal que «a tributação efetuada aos dividendos distribuídos é ilegal por padecer de violação do direito comunitário, nomeadamente da violação do princípio da livre circulação de capitais, aplicável nos termos do art. 56º do TCE, atual art. 63º do TFUE, e consequentemente, do nº 4 do art. 8º da CRP».
3. A Recorrente questiona a sentença recorrida imputando-lhe erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 2º da diretiva comunitária nº 90/435/CEE, do Conselho de 23 de Julho, designadamente quanto à verificação dos requisitos ali consignados para beneficiar da isenção de retenção na fonte.
A questão passa pois por saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que a Recorrente lhe assaca, designadamente se o entendimento sufragado na sentença sobre a violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado no direito comunitário se mostra ou não correto, ou seja, se as normas do direito nacional aplicadas no caso concreto à retenção na fonte dos dividendos distribuídos originam discriminação entre sujeitos passivos residentes e não residentes, como se concluiu na sentença recorrida.
Desde logo importa referir que o entendimento sufragado na sentença recorrida assenta numa base que não é a da Diretiva n° 90/435/CEE, do Conselho de 23 de Julho, ou seja, o tribunal “a quo” não concluiu que os requisitos da diretiva estavam reunidos no caso concreto dos autos. Nem a questão suscitada pela impugnante e cuja pretensão foi acolhida pelo tribunal “a quo” passa necessariamente pela verificação dos pressupostos definidos na citada diretiva respeitante às relações sociedades mães e sociedades afiliadas. Como se deixou mencionado no acórdão do Tribunal de Justiça de 08/03/2017, proc. C-448/15, «há que recordar que, como resulta, nomeadamente, do seu terceiro considerando, a Diretiva 90/435 se destina a evitar, através da instituição de um regime fiscal comum, que a cooperação entre sociedades de Estados-Membros diferentes seja penalizada relativamente à cooperação entre sociedades de um mesmo Estado-Membro, e facilitar, assim, o agrupamento de sociedades à escala da União Europeia. Esta diretiva tem assim como fim último garantir a neutralidade, no plano fiscal, da distribuição de lucros por uma filial estabelecida num Estado-Membro à sua sociedade-mãe estabelecida noutro Estado-Membro (acórdão de 1 de outubro de 2009, Gaz de France — Berliner Investissement, C-247/08, EU:C:2009:600, n.º 27 e jurisprudência aí referida) (Considerando 25 do citado acórdão).
Ora, não é esta a questão suscitada nos autos, daí que se nos afigure deslocada a discussão que a Recorrente pretende que seja feita no âmbito deste recurso.
Convém referir igualmente a este propósito que o Tribunal de Justiça tem entendido que «...para participações não abrangidas pela Diretiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e adotar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. No entanto, esta situação não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado FUE (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 54; Amurta, n.º 24; e Aberdeen Property Fininvest Alpha, n.º 28)». (Considerando 34 do mesmo acórdão, proc. C-448/15).
Na ação intentada pela recorrida esta invocou a violação do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no artigo 56º do Tratado CE, por o regime consagrado no CIRC relativo às sociedades não residentes, como é o seu caso, ser discriminatório por comparação com o regime aplicável às sociedade residentes. E foi nessa perspetiva que o tribunal “a quo” conheceu da questão.
Dispunham os números 3 e 4 do artigo 14º do CIRC:
“3 - Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 15% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos.
4 - Para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos ao respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a isenção aí prevista, sendo a relativa às condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, efectuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 119º do Código do IRS."
A AT considerou que da conjugação da alínea c) do nº 1 com a alínea b) do nº 3, ambos do art. 88º do CIRC, resulta que estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo rendimentos obtidos em território português por entidades não residentes e sem estabelecimento estável provenientes de aplicação de capitais. E a alínea c) do nº 2 do art. 80º do CIRC, por remissão do nº 5 do art. 88º do CIRC determina que os rendimentos de capitais obtidos por entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e que não possuam estabelecimento estável no território nacional estão sujeitas a retenção na fonte, a título definitivo, a uma taxa de 20%.
Por outro lado atento o disposto no artigo 90º-A, nº 1, do CIRC, em conjugação com o nº 2 do artigo 10º da CDT celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, os dividendos podem ser objeto de tributação no estado contratante onde reside a sociedade que os paga, a uma taxa não superior a 10%.
E foi com base em tais preceitos que o valor da retenção, inicialmente efetuado à taxa de 20% foi reduzido com base na taxa de 10%, perfazendo o valor de € 596.329,95 euros impugnado.
É este regime que a recorrida questionou por comparação com o regime previsto nos artigos 46º, nº 1, e 90º, nº 1, alínea c), ambos do CIRC, aplicável às sociedades residentes.
A questão sob análise não é nova e já foi objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça e por este Supremo Tribunal noutros processos, designadamente no acórdão do Pleno de 09/07/2014, processo n° 01435/12, e mais recentemente no acórdão de 07/10/2015, processo n 0768/13.
Com efeito, a questão tem subjacente a preocupação de evitar ou minorar a dupla tributação económica dos rendimentos, mas compreendida no âmbito da aplicação do princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 56º do Tratado da CE, atual artigo 63º do Tratado da União Europeia (TFUE) e no princípio da não discriminação dos sujeitos passivos em razão da sua residência.
Ora, a este propósito o Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de que a possibilidade de consagração de regimes diferenciados com base na residência permitida pelo artigo 65º do TFUE «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e de pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE] (acórdão Amurta, já referido, n.º 31, e despacho Secilpar – Sociedade Unipessoal, já referido, n.º 34).
Assim como adverte igualmente o Tribunal de Justiça, «Para participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica ou em cadeia dos lucros distribuídos e adoptar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de Convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica ou em cadeia. No entanto, esta situação não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 54; Amurta, n.º 24; e Comissão/Itália, n.º 31)» (Considerando 40 do acórdão de 03/06/2010, proc. C-487/08 (Comissão/Reino de Espanha)).
Considera igualmente o TJ que «a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os acionistas residentes mas também os acionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos acionistas não residentes assemelha-se à dos acionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 68; Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.º 35; Amurta, n.º 38; e despacho Secilpar — Sociedade Unipessoal, já referido, n.º 37)» (Considerando 58 do acórdão de 18/06/2012, proc. C-38/11).
E no caso de aplicação de uma CDT, refere o mesmo TJ que «...a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n.º 38; Comissão/Espanha, n.º 62; e Comissão/Alemanha, n.º 68)» (Considerando 63 do citado acórdão C-38/11.)
E é na sequência dessa jurisprudência do TJ que no acórdão do Pleno de 09/07/2014, processo n° 01435/12, se concluiu que «...a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63)».
Ou seja, para efeitos da verificação da conformidade das normas nacionais com o direito comunitário (art. 56º do Tratado) há que aferir se o regime estabelecido na CDT permite ao contribuinte não residente imputar integralmente no imposto devido na Holanda o valor da retenção efetuada em Portugal.
Nesse mesmo acórdão do Pleno entendeu-se, considerando o disposto no nº 4 do artigo 24º da CDT (4 – Além disso, os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, do n.º 2 do artigo 11.º, do n.º 2 do artigo 12.º, do n.º 5 do artigo 13.º, do n.º 1, alínea b), do artigo 14.º, do artigo 16.º,do artigo 17.º, do n.º 3 do artigo 18.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 23.º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no n.º 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação.) celebrada entre Portugal e os Países Baixos, que «a convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado». Considerou-se ainda nesse mesmo aresto que se impunha a aquisição para os autos da legislação holandesa sobre a forma de tributação dos dividendos para aferir da possibilidade real de imputação do valor do imposto retido em Portugal.
Ora, fez-se constar a este propósito na sentença recorrida que «o facto de a legislação holandesa, em 2007, consagrar a chamada “participation exemption” que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas besloten vennootschap, como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, sendo que não são considerados custos nem podem ser deduzidos os valores suportados no estado da fonte, a título de retenção na fonte, excetuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (v. Freek P.J. Snel, «The Netherlands tax treatment of subsidiaries With Special Reference to Credit Regimes», European Taxation, Maio de 2009, pág.235) — conforme arts. 10º e 13, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31º, do Besuit woorkoming dubbele belasting 2001»
Sucede que estas conclusões extraídas pelo tribunal “a quo” para além de fazerem referência a um relatório, não fazem referência a qualquer elemento legislativo que tenha sido obtido pelo tribunal, designadamente os citados artigos 10º e 13º do “Wet op de vennootschapsbelasting” (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) em vigor na Holanda. Ou seja, o tribunal “a quo” limitou-se a remeter para preceitos legais da legislação holandesa sem que conste dos autos qualquer elemento a esse respeito e sem que se saiba qual o seu conteúdo, ficando a dúvida sobre se o tribunal teve ou não acesso a essa legislação ou se essa informação foi extraída do citado relatório ou de qualquer outro lugar.
É certo que no acórdão do Tribunal de Justiça de 08/11/2007, proc. C-379/05 (caso Amurta), em que se conheceu de uma situação similar (mas inversa), o tribunal transcreve alguns preceitos da legislação em vigor à data dos factos ali apreciados, entre os quais o citado artigo 13°, mas desconhece-se se tais preceitos sofreram alterações e em que termos. Ainda que se dê como dado adquirido que a legislação holandesa consagra a denominada “participation exemption”, impunha- se definir em que termos essa isenção está estabelecida, e tais elementos não podem ser dados como adquiridos no processo.
Por outro lado e salvo o devido respeito, não se aceite o entendimento sufragado no acórdão do STA de 07/10/2015 (proc. 0768/13), no sentido de que não tendo a Fazenda Pública posto em causa o regime assim delineado na sentença, deve considerar-se que «...está, suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação de tais dividendos nos Países Baixos (isenção), forçoso é concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE (63º do actual TFUE)».
Entendemos, assim, que para apreciação da questão colocada nos autos se impõe a aquisição para o processo dos elementos da legislação holandesa em vigor no ano de 2007 a fim de aferir da possibilidade de a impugnante imputar no imposto a que está sujeita na Holanda do montante correspondente à retenção suportada em Portugal.».
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1.4. Por Despacho a fls. 684/verso as partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo, no prazo de dez dias, sobre o parecer do Ministério Público.
A recorrente nada disse.
A recorrida pelo requerimento a fls.687/689 veio expor o seguinte:
«1. No seu parecer, o MP considera que o “o tribunal “a quo” limitou-se a remeter para preceitos legais da legislação holandesa sem que conste dos autos qualquer elemento a esse respeito e sem que se saiba qual o seu conteúdo, ficando a dúvida sobre se o tribunal teve ou não acesso a essa legislação ou se essa informação foi extraída do citado relatório ou de qualquer outro lugar”,
2. Pelo que conclui que “para apreciação da questão colocada nos autos se impõe a aquisição para o processo dos elementos da legislação holandesa em vigor no ano de 2007 a fim de aferir da possibilidade de a impugnante imputar no imposto a que está sujeita na Holanda do montante correspondente à retenção suportada em Portugal”.
3. Ora, quanto a este ponto, e salvo melhor opinião, o MP não explicita se a questão que suscita se trata de matéria de facto ou de direito.
4. Sem prejuízo, e no que respeita à legislação vigente na Holanda em 2007, bem como ao facto de a Recorrida beneficiar da participation exemption, cabe ainda sublinhar que a Fazenda Pública, nas conclusões das suas alegações de recurso, não põe em causa que a Recorrida beneficiava daquele regime de isenção no seu país de residência, nem que tal regime resultava dos preceitos legais invocados na sentença recorrida.
5. Não obstante, sempre se dirá que está suficientemente adquirido na jurisprudência dos nossos tribunais, em particular deste Supremo Tribunal Administrativo, que na Holanda o regime de tributação destes rendimentos é a isenção (participation exemption), o qual não permite neutralizar a tributação sofrida em Portugal, ainda que por via da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.
6. Neste sentido, e por todos, veja-se designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2015, proferido no Processo n.º 0768/13, o qual versava sobre os exercícios de 2004, 2006 e 2007
7. Em face do exposto, é convicção da Recorrida que resulta amplamente provado que, em 2007, e por força dos artigos 10.º e 13.º do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001, aquela beneficiava da participation exemption, a qual não permitia a neutralização da tributação sofrida em Portugal e, como tal, devem as liquidações em causa ser anuladas – como assim o decidiu o Tribunal a quo –, por vício de violação lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais.».
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1.5. A recorrida veio juntar aos autos a decisão sumária constante de fls. 691 a 696v.
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1.6. Notificada a FP para se pronunciar sobre esta decisão sustentou (fls. 707 a 710), em síntese, tal como proposto pelo MP, que se deverá averiguar se a legislação holandesa, em 2007, contempla ou não o regime de «participation exemption» e se permite à impugnante aplicar este regime aos dividendos atribuídos pelo B…………, SA; a ser permitido aplicar tal regime importa saber se o aplicou e, como tal, isentou de tributação, em parte ou totalmente, os dividendos atribuídos pelo B………… e, em caso negativo, se a mesma podia deduzir esse imposto pago em Portugal no imposto holandês sobre os rendimentos das pessoas coletivas.
1.7. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu por provada a seguinte matéria de facto:
«A) A impugnante é uma sociedade de direto Holandês denominada por A………….”, devidamente constituída ao abrigo das lei holandesas, com sede em ………, ……, nos Países Baixos com o número de identificação fiscal português ………, anteriormente denominada por “C…………” e que em 19.11.2011, incorporou por fusão a sociedade de direito holandês denominada “A…………. HOLDING NV”, conforme certificado de fusão de fls. 258 dos autos;
B) Em 17.03.2008 foi certificado pela Administração Fiscal Holandesa – Amesterdão que a ora impugnante «é sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nos Países Baixos sem possibilidade de opção ou isenção» (vennootshapsbelasting in the Neetherlands);
(cfr. declaração emitida pela Administração Fiscal de Amesterdão)
C) Em 28 de Março de 2003 a sociedade C…………, adquiriu 19.024.014 ações nominativas no capital social do B…………, SA à «D…………, SA.», pela quantia de €43.945.472,34, conforme Relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 24 junto com a PI)
D) Em 28 de Março de 2003 a sociedade C…………, adquiriu 1.217.849 ações nominativas no capital social do B…………, SA à «D…………, SA.”, pela quantia de €2.813.231.19, conforme relatório da Auditoria, datado de 09.04.2009, sendo esta sociedade regularmente constituída sob as leis da Grécia;
(cfr. doc. n.º 4 junto com a PI)
E) Em 31 de Março de 2003 a sociedade C………… adquiriu 36.404.897 ações nominativas por subscrição em aumento de capital social do B…………, pelo valor de €36.404.897, conforme relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 4 junto com a PI)
F) No período entre 4 de Junho de 2003 e 26 de junho de 2003, a C………… alienou 20.000.000 de ações nominativas no capital do B…….….., conforme relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 4 junto com a PI)
G) As transmissões acima referidas correspondem em 18 de Março de 2009 a um valor de aquisição mínimo de 20 milhões de euros (€20.000.000), conforme relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 4 junto com a PI)
H) Em 15.06.2007, foi efetuada a retenção na fonte à taxa de 20%, sobre 124.235.40 ações do código PT……0AM0007, resultando um valor líquido de imposto de €4.770.639,55, comunicado à impugnante pelo B…………, em 26.05.2008;
(cfr. doc. n.º 2 junto com a PI)
I) Na mesma data e pela mesma entidade, foi a impugnante informada de que foi devolvido pela Administração Fiscal, ao abrigo da Convenção de Eliminação da Dupla Tributação entre Portugal e a Holanda, através de reclamação, o montante de €596.392,95;
(cfr. doc. n.º 2 junto com a PI)
J) Mais informou o B………… que, o montante de €596.392,95 foi incluído no montante total de imposto sobre o rendimento, pago às Autoridades Fiscais Portuguesas, em 20.07.2007;
(cfr. doc. n.º 2 junto com a PI)
K) Em 15.07.2009, a impugnante deu entrada no serviço de finanças de Lisboa-8 de reclamação graciosa, cujo indeferimento foi comunicado através do ofício n.º 108348 de 16.12.2009;
(cfr. doc. n.º 1 junto com a PI e fls. 2 do processo de reclamação graciosa junto aos autos)
L) Em 04.01.2010 deu entrada neste tribunal a presente impugnação, conforme data a fls. 248 dos autos;».
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3.1. A sentença recorrida entendeu que sofre de ilegalidade a liquidação uma vez que a retenção na fonte sobre os dividendos, auferidos pela impugnante no B…………, viola o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.
Com efeito escreveu-se na sentença recorrida “que a tributação efetuada aos dividendos distribuídos é ilegal por padecer de violação do direito comunitário, nomeadamente na violação do princípio da livre circulação de capitais, aplicável, nos termos do art. 56º do TCE, atual art. 63º do TFUE” pelo que “as retenções na fonte sindicadas nos autos devem ser anuladas e devolvidas pela AT à impugnante, nos termos previstos no art.º 100 da LGT”.
É esta ilegalidade da liquidação que a FP questiona no presente recurso e que importa apreciar.
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3.2. Tal como resulta da matéria de facto provada (ponto H) a retenção na fonte a que se referem os presentes autos ocorreu em 15.06.2007.
Este STA apreciou já, em 11-04-2018, proc. 0276/17, retenção na fonte semelhante à dos presentes autos ocorrida em 2004 acompanhando vasta jurisprudência deste STA que aí se encontra identificada.
Porque se trata da mesma questão controvertida e inexistindo motivos para da mesma discordar passaremos a acompanhá-lo transcrevendo aquele acórdão.
Nele se escreveu o seguinte:
“…
Citando o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que acima referimos (na nota de rodapé com o n.º 4), que também se reporta à tributação de dividendos distribuídos por sociedade residente em território português a sociedade não residente, com sede nos Países Baixos:
«[…] sobre tal questão o Tribunal de Justiça, por despacho de 18.06.2012, proferido no processo C-38/11 (in http://eur-lex.europa.eu), depois de ponderar que, no processo principal, o Supremo Tribunal Administrativo não apresentou a convenção destinada a evitar a dupla tributação como fazendo parte do quadro jurídico aplicável ao processo, declarou que:
1) Os artigos 63.º TFUE e 65.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efectuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades accionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.
2) Os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite que uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 20% obtenha o reembolso do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efectuados pela sociedade residente em Portugal unicamente se tiver detido essa participação de modo ininterrupto durante dois anos, tornando assim mais morosa a eliminação da dupla tributação económica relativamente às sociedades accionistas residentes em Portugal que detêm o mesmo tipo de participação. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento.
Na sequência da decisão do Tribunal de Justiça o acórdão fundamento delimitou a questão controvertida como sendo a de saber «se efectivamente, a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais ou à liberdade de estabelecimento, ou, (…) por outras palavras (…) se o valor do imposto retido em Portugal poderia vir a ser recuperado nos Países Baixos».
E sobre tal questão, depois de ponderar que, a ser correcta a tese da recorrente e estando o valor retido em Portugal isento nos Países Baixos, não constituía aí «base tributável de imposto sobre o rendimento/capitais, pelo que não haveria lugar a crédito de imposto» e, «assim não haveria possibilidade de recuperar o imposto retido em Portugal» o acórdão fundamento veio a concluir que, para se poder chegar a essa conclusão havia que «apurar factos, nomeadamente, saber se tais dividendos foram ou não declarados nos Países Baixos» e havia «que trazer aos autos as normas legais que a recorrente refere como vigentes nos Países Baixos», decidindo, em consequência «a revogação da decisão recorrida, com a baixa dos autos tendo em vista a aquisição das normas legais aplicáveis e ampliação da matéria de facto pertinente, a fim de se confirmar ou não o alegado pela recorrente».
[…] o Acórdão […] – em cumprimento, após reenvio prejudicial, da pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia em sede do Despacho Fundamentado proferido no Processo C-38/11 –, considera que o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa – maxime a sua isenção de tributação – é decisivo para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização pelo artigo 24º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos.
[…]
Com efeito, bem pelo contrário, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes […] no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt.
[…] cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se o regime decorrente do artigo 24.º, n.ºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes.
[…] vem sendo dito, de forma clara, pela jurisprudência do TJUE, que “quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais” (Ac. do TJUE proferido no processo C-379/05, Amurta SP contra Inspecteur van de belastingdienst/Amsterdam).
Como sublinha, João Félix Pinto Nogueira (Neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VI, tomo 3, pág. 313) o TJUE não se prende com a forma jurídica que assuma o crédito, e tem aceitado que a neutralização possa ocorrer tanto como consequência de um crédito integral, como por força de um crédito ordinário.
Porém, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção sendo necessária uma neutralização efectiva, isto é, que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência.
Como ficou expresso no despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11, na sequência de pedido de decisão prejudicial suscitado no âmbito do acórdão fundamento [(O acórdão do Pleno que citamos refere-se aqui ao acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 482/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b046d513c019c45c80257acb003bc8fc.)], “o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado-Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (…).
Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63).
Quer isto dizer, tal como concluiu o TJUE, que para se alcançar a neutralização é necessário que os dividendos distribuídos sejam efectivamente tributados no Estado da residência. Se o não forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total anulação dos efeitos discriminatórios provocados pela originária retenção na fonte e não há neutralização (Vide neste sentido, João Félix Pinto Nogueira, ob. citada, pág. 313).
Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado por diversas vezes que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal […].
Ora no caso em apreço […] estava em causa a CEDT Portugal/Países Baixos a qual, juntamente com as normas internas de tributação em IRC e as normas legais vigentes nos países baixos, faz parte do quadro jurídico aplicável com vista a aferir da possibilidade de neutralização dos efeitos de restrição à livre circulação de capitais provocados pela originária retenção na fonte.
O método de prevenção da dupla tributação está previsto no artigo 24.º daquela Convenção, que dispõe no seu n.º 2:
“Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no n.º 4, acrescenta-se: “(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, do n.º 2 do artigo 11.º, do n.º 2 do artigo 12.º, do n.º 5 do artigo 13.º, do n.º 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16.º, do artigo 17.º, do n.º 3 do artigo 18.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 23.º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no n.º 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.
A convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.
No caso sub judice, como vimos, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à …………, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco …………, SA, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjunta dos arts. 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 3, e 80.º, n.º 2, alínea c), do CIRC, só pode ser neutralizada através deste método de imputação se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).
Importa pois apurar, de acordo com legislação fiscal holandesa, como são tratados os dividendos em causa, distribuídos à ………… e relativos aos exercícios de 2003 e 2004, nomeadamente se beneficiam de alguma isenção e, em caso negativo, se a mesma podia deduzir esse imposto pago em Portugal no imposto holandês sobre os rendimentos das pessoas colectivas».
Subscrevendo integralmente este entendimento, diremos que também no caso sub judice se impõe tal indagação, i.e., saber se, não obstante da legislação nacional decorrer, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais, consubstanciada em maior tributação da entidade não residente, essa restrição vem a ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Na verdade, se o imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos por entidade com sede em Portugal à sua accionista não residente puder ser recuperado no país de residência, isto é, puder ser imputado no imposto sobre o rendimento devido pela sociedade ora Recorrida nos Países Baixos até ao montante da diferença de tratamento, não se verificará discriminação e restrição da livre circulação de capitais; mas se o imposto retido em Portugal não poder ser imputado no imposto devido pela ora Recorrida nos Países Baixos, em qualquer percentagem, por virtude de a lei holandesa não permitir a dedução, compensação ou recuperação do imposto pago em Portugal aquando da distribuição de dividendos – designadamente por estes beneficiarem aí de isenção de imposto –, verificar-se-á a violação dos invocados princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais.
Assim, para que se pudesse concluir no sentido da restrição da livre circulação de capitais e do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as sociedades não residentes, no caso teria que ficar demonstrado que por via da retenção na fonte efectuada em Portugal e da taxa de imposto neerlandês incidente sobre os rendimentos obtidos globalmente resultou uma tributação mais gravosa para as entidades não residentes do que a aplicável às sociedades residentes.
Ora, a sentença nada estabeleceu nesse sentido.
Note-se que, logo na petição inicial a Impugnante alegou que «a tributação imposta por Portugal sobre os dividendos pagos pelo B............ não será, no caso concreto, neutralizada pelo Estado da residência – a Holanda» e que «as participações detidas pela Impugnante no B............ qualificam-se para efeitos de aplicação do regime “participation exemption” holandês, beneficiando os dividendos assim recebidos de isenção de tributação, nos termos do artigo 13 Wet vennotschapsbelasting 1969 (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas Holandês)», alegação que reiterou em sede de contra-alegações de recurso, afirmando que a discriminação do tratamento resultante da legislação portuguesa não é resolvida por via convencional, uma vez que «a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B............, porquanto esses dividendos se encontram isentos de tributação na Holanda, ao abrigo do regime da participation exemption holandês» (cfr. conclusões K. e L.).
Também o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no seu parecer, depois de afirmar que «a retenção na fonte foi efectuada ao abrigo da lei interna […] com respeito do estatuído no artigo 10.º/2/b) da CDT Portugal/Holanda» e que «[a] retenção em causa poderia ser, abstractamente, neutralizada pela aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no artigo 24.º/2/4 da referida CDT», referiu que «o Direito Holandês (artigo 13.º do CIRC holandês) isenta de tributação os dividendos em causa, impedindo, assim, em concreto, a efectivação da neutralização da retenção na fonte».
Sendo certo que o Tribunal a quo, bem, considerou que da legislação nacional decorre, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56.º do TCE (actual art. 63.º TFUE), já não averiguou se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Na verdade, não só não afirmou a necessidade de verificar dessa circunstância, como também não registou factualidade nenhuma a esse propósito, designadamente não efectuando o julgamento daquela que a Impugnante invocou expressamente na petição inicial e que supra deixámos referida.
Tenha-se presente que, como decorre do art. 348.º do Código Civil («1. Àquele que invocar direito consuetudinário, local, ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.
2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinário, local, ou estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição.
3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do direito comum português».), apesar do ónus da prova da existência e conteúdo do direito estrangeiro invocado pela Impugnante recair sobre ela, o tribunal tem a obrigação oficiosa de dele indagar, obrigação que nem sequer depende de ter sido invocado.
Por outro lado, não podemos olvidar que a Impugnante juntou um documento em ordem a comprovar, para além do mais, que é sujeito de imposto sobre o rendimento nos Países Baixos, sem possibilidade de opção ou de isenção (cfr. fls. 123 a 128), cuja força probatória o Tribunal a quo não ponderou.
É, pois, essencial esclarecer se, e em que medida é que a mencionada CEDT – Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 (Publicado no Diário da República, n.º 159/2000, I Série - A, de 12 de Julho de 2000,ELI: http://data.dre.pt/eli/resolassrep/62/2000/07/12/p/dre/pt/html.) –, permite, no caso concreto, neutralizar a tributação, e, por conseguinte, fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais, pois que sem isso não é possível decidir sobre a concreta ilegalidade e, em função desse julgamento, anular ou manter a liquidação impugnada.
Considerando assim que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se porque o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – exige-se que o Tribunal a quo amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Impõe-se, pois, anular a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que acima se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.”.

Acompanhando integralmente o transcrito acórdão e porque nos encontramos perante a mesma factualidade a necessitar de um semelhante enquadramento jurídico entende-se anular a decisão recorrida para que seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o exposto, concedendo-se provimento ao recurso.
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Nos termos do artigo 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, em face da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua acionista residente nos Países Baixos, impõe-se apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa, nomeadamente a sua alegada isenção de tributação, para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos, em ordem a fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais nos termos do artigo 56.º do TCE, atual artigo 63.º do TFUE.
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4. Assim sendo acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos baixem à 1.ª instância nos termos e para os efeitos referidos.
Custas pela Recorrida.
Lisboa, 12 de setembro de 2018. - António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.