Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:08/18.0BCLSB
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23749
Nº do Documento:SA12018102208/18
Data de Entrada:10/02/2018
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A..., SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A……….., SAD, apresentou, no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), recurso do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que manteve a decisão que o sancionou com penas de multa nos montantes de € 1.148,00, de € 765,00 e de € 2.525,00 por ter praticado os ilícitos disciplinares previstos e punidos pelos artigos 127.º/1 e 187.º/1, alíneas a) e b), do RDLPFP.

O TAD negou provimento ao recurso.

O Autor recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e anulando os actos impugnados.

É desse Aresto que a FPF recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Colhe-se na M. F. que, no dia 8/04/2017, realizou-se, no Estádio do Dragão, um jogo de futebol entre o A……….. e o B……….. e que na bancada onde se encontravam os adeptos do clube visitado foram deflagrados seis petardos e um flash light e proferidas palavras ofensivas para um dos jogadores do clube visitante e para um dos clubes rivais, daí resultando a instauração de um processo disciplinar contra o A………… e punição deste, pelo Conselho de Disciplina da FPF e pela prática das infracções p. e p. nos art.ºs 127.º/1, 186.º, n.º 1 e 187.º, nº 1, al.ªs a) e b), do Regulamento Disciplinar daquela Federação, nas multas acima referidas.

O A……….. recorreu para o TAD mas este manteve a decisão recorrida.

A FPF recorreu para o TCA Sul e este, concedendo provimento ao recurso, anulou o acto punitivo com fundamento no Parecer do M.P. onde se lê:
“No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa e como bem se depreende do teor da decisão proferida pelo Colégio Arbitral, tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada pelo citado Colégio à fundamentação das decisões proferida ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrados na FPF;
Falta de rigor essa que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao A………..;
É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do A……….. no seguinte trecho:
“…a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor do lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado...”.
Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apreciação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;
Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos … foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia … ;
O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via do insuficiente corpo de prova;
Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler:
«Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes.
E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus.»”

E no tocante à isenção de custas ponderou:
2.2.3.4 Ora, atendendo a que as normas de isenção de custas, designadamente as contidas no Regulamento das Custas Processuais, consubstanciam normas excepcionais, em que cada situação de isenção estará normativamente prevista de modo expresso, e que quer a Lei do TAD quer a Portaria n.º 301/2015, de 22/09, o regulamenta no que respeita à taxa de arbitragem e encargos do processo de arbitragem, não contêm qualquer previsão de situação de isenção de custas, tem que concluir-se que a Federação Portuguesa de Futebol não beneficiava de qualquer isenção das custas do processo arbitral (taxa de arbitragem), como propugnou.”

3. É deste Acórdão que a FPF recorre pelas razões constantes das seguintes conclusões:
“2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorrectos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.
3. O acórdão proferido, salvo o devido respeito, limita-se a remeter a sua fundamentação para um parecer do Ministério Público – que se considera inadmissível – e, por sua vez, tal parecer do Ministério Público, remete para os argumentos apresentados pela ora Recorrida, o que equivale a falta de fundamentação.
4. A questão essencial trazida ao crivo do STA – a responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorrectos dos seus adeptos – revela uma especial relevância jurídica e social e, sem dúvida, que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.”.

4. Conforme se acaba de ver, nem o TCA nem o Recorrente põem em causa a existência dos factos que originaram a instauração do processo disciplinar e a consequente condenação do Recorrido, isto é, que está provado que, no referido jogo, na bancada onde se encontravam os adeptos do A……….., houve rebentamento de petardos e gritos ofensivos contra adversários.
E, se assim é, o que está em causa é, apenas e tão só, a questão é a de saber se a ocorrência de tais factos é, por si só, suficiente para condenar o A……….. e isto porque, não sendo objectiva a responsabilidade pela prática de tais infracções, será indispensável provar que aquele clube não tinha vigiado convenientemente a entrada dos seus adeptos no seu estádio ou que os autores dos factos puníveis tinham sido, efectivamente, seus adeptos.
O que evidencia que a questão que aqui se coloca tem relevante importância jurídica uma vez que é decisivo saber, se nas circunstâncias dos autos, recai sobre a acusação o ónus de provar o que o Acórdão recorrido considerou indispensável sob pena de absolvição do Clube acusado.
Por outro lado, tendo-se em atenção a importância social que o futebol tem na nossa sociedade e a possibilidade de replicação desta temática tudo aconselha à admissão do recurso.

Decisão.
Termos em que se admite a revista.
Sem custas.
Porto, 22 de Outubro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.