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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0873/07.6BELSB 09/18
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
IRC
TRANSMISSÃO DE BENS IMOBILIÁRIOS
LUCRO TRIBUTÁVEL
IMPUGNABILIDADE
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
TRIBUTAÇÃO PELO RENDIMENTO REAL
Sumário:I - A inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil), enquanto causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
II - O artº.536, nº.3, do C.P.Civil, é inspirado pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da acção, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa. Pelo contrário, se a inutilidade for imputável ao réu ou requerido, será este o responsável pela totalidade das custas.
III - Em sede de I.R.C. surge-nos a norma do artº.129, do C.I.R.C. (actual artº.139), preceito que consagra um procedimento referente às garantias dos contribuintes e que tem como objectivo a prova, pelo sujeito passivo, do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe, assim, obviar à aplicação do disposto no artº.58-A, nº.2 (actual artº.64), do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).
IV - O alienante poderá fazer prova de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT, impedindo assim a correcção da matéria tributável em sede de I.R.C., para tanto consagrando o legislador o procedimento previsto na citada norma do artº.129, do C.I.R.C., o qual tem efeito suspensivo da liquidação do tributo e segue a tramitação do procedimento de revisão da matéria colectável por métodos indirectos (cfr.artº.129, nº.5, do C.I.R.C.).
V - A apresentação do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis é condição prévia/necessária para, mais tarde, a impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas pela A. Fiscal, poder abranger tal matéria (cfr.artº.129, nº.7, do C.I.R.C., em vigor em 2004; actual artº.139, nº.7).
VI - Não se admite, como fundamento da reclamação graciosa da liquidação (recorde-se que a liquidação é subsequente ao procedimento previsto no artº.129, do C.I.R.C.), a matéria de facto relacionada com o preço efectivo da transmissão, que apenas poderá ser conhecida em sede de impugnação judicial, em caso de dedução prévia do pedido/procedimento previsto no mesmo preceito.
VII - O que pode e deve ser objecto de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa).
VIII - O princípio da tributação pelo rendimento real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa. Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso/exclusivamente, antes tendo de ser concatenado com outros princípios constitucionais e normas constantes em diversos diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.), tal como os artºs.18 e 23, do C.I.R.C., nesta cédula tributária.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25232
Nº do Documento:SA2201911270873/07
Data de Entrada:01/10/2018
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“A…………, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.332 a 339 do processo, a qual julgou parcialmente extinta a presente instância, devido a inutilidade superveniente da lide, e improcedente na restante parcela, a presente impugnação pelo recorrente intentada e tendo por objecto mediato o acto de liquidação adicional de I.R.C., referente ao ano de 2004 e que apurou o montante a pagar, após demonstração de acerto de contas, de € 28.787,15.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.356 a 373 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A sentença do Tribunal a quo julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quando à liquidação de imposto de IRC, do ano de 2004, na parte relativa à fração “AC”, condenando a ora Recorrente nas custas por considerar que a extinção da instância na parte referida “resultou de erro da Recorrente” e que é “não imputável à Fazenda Pública nos termos e para os efeitos do art. 277, alínea e) do CPC”;
2-A ora Recorrente discorda desta condenação em custas pois, por um lado, o erro da Recorrente na entrega da declaração de substituição do IRC é irrelevante para a definição da responsabilidade por custas no presente processo de Impugnação e, por outro, resulta claro que no momento em que propôs a presente ação existia plena utilidade na lide em virtude de se ter verificado a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, por falta de decisão da Autoridade Tributária no prazo legal, motivos pelos quais considera que a responsabilidade pelas custas deverá ser assacada à Autoridade Tributária;
3-Perante a formação da decisão de indeferimento (ainda que tácito), a ora Recorrente utilizou o meio que estava ao seu alcance para contestar tal decisão de indeferimento, isto é, propôs a presente ação;
4-A decisão de deferimento parcial apenas foi tomada após propositura da presente ação, a que foi totalmente alheia a ora Recorrente;
5-É patente que a causa da inutilidade da presente lide resultou do deferimento parcial da reclamação na parte respeitante à Fração “AC”, já na pendência da impugnação judicial, sendo de todo estranha à ora Recorrente, pelo que a responsabilidade pelas custas apenas poderá ser assacada à Autoridade Tributária;
6-Em face de todo o exposto, deverá a sentença do Tribunal a quo ser revogada na parte relativa à condenação em custas em virtude da inutilidade superveniente, sendo a Fazenda Pública condenada em custas na parte relativa à extinção parcial da instância;
7-O Tribunal a quo declarou ainda inexistirem quaisquer ilegalidades que possam ser assacadas à liquidação em crise nos autos;
8-Em particular, o Tribunal a quo considerou que: “A Administração Tributária alertou a Recorrente, aquando da notificação para apresentação da declaração de substituição relativa ao exercício de 2004, caso não tenha sido efetuada a prova a que se refere os n.ºs 1 e 3 do artigo 129.º do CIRC”, concluindo que a “Recorrente não reagiu atempadamente, lançando mão do procedimento previsto na lei (...) cujo ónus sobre si recaía, como pressuposto para a instauração da impugnação judicial (artigo 129.º n.º 7 do CIRC)”;
9-A ora Recorrente considera que, salvo melhor opinião, a Sentença incorreu em erro de julgamento na medida em que a liquidação padece de diversas ilegalidades que não foram corretamente analisadas pelo Tribunal a quo;
10-Em concreto, a Recorrente considera dever considerar-se, salvo melhor opinião, que (i) que o 58.º-A CIRC deverá ser desaplicado ao caso por contrariar princípios constitucionais basilares do sistema tributário português; ou (ii) caso assim não se considere, deve o meio utilizado pela ora Recorrente ser admitido para ilidir a presunção do artigo 58.º-A CIRC [in casu, a reclamação graciosa apresentada e constante dos autos] tendo em conta a ratio das normas aplicáveis e as características particulares do caso em apreço, que se exporão em seguida;
11-A presunção do artigo 58.º-A do CIRC só deve ser aplicada a transmissões de imóveis que não contenham circunstancialismos impulsores da diminuição do valor do imóvel, sob pena de se estar a transcender a ratio do referido preceito;
12-A Recorrente considera pois que a liquidação deveria ter sido considerada ilegal pelo Tribunal a quo por violação do princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva, do 104.º, n.º 2 da CRP que dispõe que “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”;
13-Tendo em conta estes princípios constitucionais, a ora Recorrente considera que a presunção estabelecida no artigo 58.º-A do CIRC não merece aplicação no caso concreto, pelo que a sentença do Tribunal a quo padece das referidas ilegalidades, devendo ser revogada com todos os efeitos legais;
14-Subsidiariamente, indique-se que, caso se considere aplicável o artigo 58.º-A do CIRC ao presente caso, sempre deveria a Reclamação graciosa apresentada pela Recorrente ter sido considerada pelo Tribunal a quo como um meio idóneo para ilidir a presunção do artigo 58.º-A do Código do IRC;
15-De acordo com o n.º 1, do artigo 64.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), “O interessado que pretender ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária deverá para o efeito, caso não queira utilizar as vias da reclamação graciosa ou impugnação judicial de ato tributário que nela se basear, solicitar a abertura de procedimento contraditório próprio.”;
16-Da leitura deste artigo ressalta, de imediato, uma primeira conclusão: a ilisão de presunções fiscais - como é o caso da prevista no artigo 58.º-A do CIRC - poderá ser efetuada, tanto por meio de reclamação graciosa, como de impugnação judicial, mesmo quando a lei prescreva procedimento contraditório próprio, como é o caso do procedimento previsto no artigo 129.º do CIRC;
17-A redação do artigo 64.º do CPPT, bem como, a orientação da jurisprudência e doutrina mencionada anteriormente, são unânimes no reconhecimento da reclamação graciosa como um meio idóneo para ilidir as presunções fiscais, de que é exemplo o artigo 58.º-A do CIRC;
18-Para além disso, esta conclusão pela idoneidade da reclamação graciosa na ilisão de presunções fiscais como a do artigo 58.º-A do CIRC, ao contrário do que foi decidido na douta sentença do Tribunal a quo, não colide com o disposto no n.º 7, do artigo 129.º do CIRC;
19-Posto isto, a ilisão de presunções fiscais poderá ser efetuada por meio de 3 vias alternativas: (1) a reclamação graciosa, (2) a impugnação judicial e, por último, (3) procedimentos contraditórios próprios, como é o caso do artigo 129.º do CIRC, sendo que as duas primeiras vias se consideram primordiais face à última;
20-Isto significa que a presunção estabelecida no art. 58.º-A do CIRC - ilidível nos termos do art. 73.º da L.G.T. - não só poderá ser afastada a sua aplicação mediante a apresentação do pedido de demonstração previsto no art.129.º do CIRC, como também pela apresentação de reclamação graciosa e impugnação judicial, as quais têm primazia face àquele primeiro procedimento;
21-A Recorrente, em conformidade com o prescrito no artigo 64.º do CPPT, procurou ilidir a presunção do artigo 58.º-A do CIRC através de entrega de reclamação graciosa, na qual ficou demonstrado cabalmente que o valor pelo qual os imóveis foram vendidos foi inferior ao valor patrimonial tributário definitivo dos mesmos, tendo servido para essa demonstração a identificação das circunstâncias que concorreram para o sucedido, nomeadamente: (i) o facto de as transmissões se terem verificado relativamente a imóveis sobre os quais impendia o ónus do arrendamento, facto que não é tido em conta na avaliação dos imóveis ao abrigo das regras do CIMI, mas que, como é natural, diminui o respetivo valor, sobretudo porque as rendas praticadas eram muito baixas; (ii) e, por outro lado, a natureza específica do projeto da sociedade da Recorrente;
22-A interpretação deste preceito, e sobretudo dos meios de defesa que o mesmo disponibiliza ao contribuinte para efetuar a prova do preço efetivo de venda dos imóveis, tem que ser feita de forma hábil, sob pena de ter que se concluir pela inconstitucionalidade das normas em causa, por violação dos arts. 104.º, n.º 2, 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP;
23-Caso fosse aplicável o artigo 129.º, o que só por mero dever de patrocínio se concede, teria a Administração Tributária agido de má-fé e, em violação do princípio da tutela da confiança, porque ao invés de comunicar claramente a obrigatoriedade de entrega de um requerimento nos termos daquele artigo para ilidir da presunção do artigo 58.º-A do CIRC - obrigação que se lhe impõe por via do princípio da colaboração entre a Administração Tributária e o Contribuinte - a Administração nada fez e agora, ultrapassados os prazos para a entrega do referido requerimento, contesta a via utilizada pela Recorrente para a ilisão da presunção;
24-De facto, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não resulta provado que a “Administração alertou a Impugnante, aquando da notificação para apresentação da declaração de substituição relativa ao exercício de 2004”, pois na notificação referida não há nenhum alerta aquando da reavaliação das frações dos autos, nem a Recorrente tinha apresentado qualquer requerimento para ilidir o valor fixado, como bem sabia Autoridade Tributária;
25-Na sequência desta notificação, a Recorrente entregou a declaração de substituição em cumprimento do procedimento exigido no artigo 58.º-A do CIRC. Perante esta atitude diligente e reveladora da intenção da Recorrente em colaborar com a Administração Tributária, não pode agora, esta Administração Tributária recusar-lhe o direito a ilidir a presunção do artigo 58.º-A do CIRC, sob pena de má-fé e de violação do princípio da tutela da confiança;
26-Ora, de todo o exposto somos levados a concluir que a sentença do Tribunal a quo padece de diversas ilegalidades, ao desconsiderar a reclamação como meio idóneo à ilisão da presunção do 58.º-A do CIRC, violando o princípio da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da tutela da confiança e da boa-fé, previstos no artigo 266º da CRP e no artigo 55.º da LGT.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.384 a 386 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.387 e verso do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.333 a 334-verso do processo físico):
1-A impugnante dedica-se à “compra e venda de bens imobiliários”- Código CAE 68100 (cfr. fls. 144 dos presentes autos);
2-Em 26/04/2004, a impugnante vendeu a fracção autónoma designada pela letra “H”, do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz urbana sob o artigo 626, da freguesia da ………, pelo preço de € 63.355,53 (cfr. fls. 68 a 72 dos presentes autos);
3-Em 27/04/2004, a impugnante vendeu a fracção autónoma designada pela letra “U”, do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz urbana sob o artigo 626, da freguesia da ………, pelo preço de € 80,001,00 (cfr. fls. 73 a 77 dos presentes autos);
4-Em 03/06/2004, a impugnante vendeu a fracção autónoma designada pela letra “D”, do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz urbana sob o artigo 626, da freguesia da ………, pelo preço de € 80.368,29 (cfr. fls. 96 a 109 dos presentes autos);
5-Em 26/04/2005, a impugnante vendeu a fracção autónoma designada pela letra “AC”, do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz urbana sob o artigo 626, da freguesia da ………, pelo preço de € 75.828,23 (cfr. fls. 78 a 80 dos presentes autos);
6-Na sequência da avaliação da fracção autónoma “H”, identificada no ponto 2, realizada nos termos do CIMI, foi atribuído à fracção, em 2005, o valor patrimonial tributável de € 84.240,00, que não foi impugnado (cfr. fls. 145 dos presentes autos);
7-Na sequência da avaliação da fracção autónoma “U”, identificada no ponto 3, realizada nos termos do CIMI, foi atribuído à fracção, em 2005, o valor patrimonial tributável de € 104.370,00, que não foi impugnado (cfr. fls. 145 dos presentes autos);
8-Na sequência da avaliação da fracção autónoma “D”, identificada no ponto 4, realizada nos termos do CIMI, foi atribuído à fracção, em 2005, o valor patrimonial tributável de € 104.370,00, que não foi impugnado (cfr. fls. 145 dos presentes autos);
9-Na sequência da avaliação da fracção autónoma “AC”, identificada no ponto 5, realizada nos termos do CIMI, foi atribuído à fracção, em 2005, o valor patrimonial tributável de € 106.540,00, que não foi impugnado (cfr. fls. 145 dos presentes autos);
10-Em 10/01/2006 a impugnante foi notificada, sob a epígrafe:
“(…)
“Correcção ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, com o seguinte teor: Nos termos do n.º 1 do artigo 58.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, os sujeitos passivos que alienaram direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas dos imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
Sempre que, nas transmissões onerosas acima referidas, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor que deve ser considerado para determinação do lucro tributável.
Nos casos em que a determinação do valor patrimonial tributário definitivo do imóvel ocorra após o final do prazo para a entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, devem os sujeitos passivos entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que esse valor se tornou definitivo. (…)
Chamo, por isso, a atenção para a necessidade de ser apresentada, até ao final do corrente mês, a declaração de substituição relativa ao exercício de 2004, onde deve ser inscrito, no Campo 257 do Quadro 07, o valor correspondente a essas diferenças positivas, salvo se tiver sido efectuada a prova a que se refere os n.ºs 1 e 3 do artigo 129.º do Código do IRC.
Relembro que, não sendo efectuada a correcção referida, sendo devida, haverá lugar a liquidação adicional de imposto, a que acrescem juros compensatórios à taxa de 4%, contados nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária. (…)
(cfr. ponto 41 da p.i. e fls. 81 dos autos);
11-Em 30/01/2006 a impugnante entregou declaração de substituição de IRC, Modelo 22, relativa ao ano de 2004, onde efectuou a correcção aos proveitos declarados em 2004 correspondente à diferença entre os valores patrimoniais definitivos das fracções autónomas e os valores constantes das escrituras públicas de compra e venda (cfr. fls. 82 a 84 dos autos);
12-Na declaração de substituição a impugnante englobou as quatro fracções identificadas nos pontos 2, 3, 4 e 5 supra, inserindo o valor de € 99.971,95 a título de ajustamento positivo (cfr. fls. 82 a 84 dos autos);
13-Em 30/01/2006 foi emitida a liquidação de IRC e juros compensatórios e moratórios n.º 2006 2310003081, do ano de 2004, no montante total de € 28.923,13 (cfr. fls. 48 a 50 dos autos);
14-Nos termos da demonstração de acerto de contas o saldo a pagar de IRC do ano de 2004 foi de € 28.787,15, com data limite de pagamento em 13/03/2006 (cfr. fls. 49 dos autos);
15-Na notificação da liquidação de IRC n.º 2006 2310003081 referida no ponto 13 supra consta:
«Fica V. Exa. notificado (a) da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.
Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 128.º do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT.»
(cfr. fls. 48 dos autos);
16-Em 15/03/2006 a impugnante efectuou o pagamento do imposto (cfr. fls. 51 dos autos);
17-Em 29/06/2006, a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional referida no ponto 13 supra (cfr. fls. 52 e 141 dos autos);
18-Em 29/03/2007 a impugnante remeteu por correio electrónico ao Tribunal Tributário de Lisboa, a presente impugnação (cfr. fls. 3 dos autos);
19-Em 17/10/2008 a reclamação graciosa a que alude o ponto 17 supra, foi deferida parcialmente, por despacho do Director de Finanças Adjunto, que aqui se dá por integralmente reproduzido, deferindo no que respeita à fracção “AC” por ter sido incluída como proveito do exercício de 2004, quando deveria ter sido incluído apenas no exercício de 2005 e indeferindo relativamente às fracções “D”, “H” e “U” por a reclamação graciosa não ser o meio para ilidir a presunção estabelecida no artigo 58-A do CIRC (cfr. fls. 143 a 157 dos autos);
20-Através do ofício n.º 079563, datado de 20/10/2008 a impugnante foi notificada do despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa (cfr. fls. 142 a 157 dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O Tribunal alicerçou a sua convicção na apreciação conjugada de toda a prova documental junta aos autos pela impugnante e pela Fazenda Publica, indicada relativamente a cada um dos factos, cujos documentos não foram impugnados…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu:
1-Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto à liquidação de imposto de I.R.C., do ano de 2004, na parte relativa à fracção “AC”, a qual resultou de erro da sociedade impugnante ao incluir o mesmo imóvel na declaração de substituição como proveito de 2004 (cfr.nºs.11, 12, 13 e 19 do probatório);
2-No mais, julgar improcedente a presente impugnação.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que a causa da inutilidade da presente lide resultou do deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida pelo apelante, na parte respeitante à Fração “AC” e já na pendência desta impugnação judicial, assim não lhe sendo imputável, pelo que a responsabilidade pelas custas apenas poderá ser assacada à Autoridade Tributária. Que deverá a sentença do Tribunal “a quo” ser revogada na parte relativa à condenação em custas em virtude da inutilidade superveniente, sendo a Fazenda Pública condenada em custas na parte relativa à extinção parcial da instância (cfr.conclusões 1 a 6 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis ao processo judicial tributário supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P.T.), vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/01/2013, rec.1208/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/10/2017, rec.89/17; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/10/2017, proc.538/14.2BELRA; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I vol., pág.512; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.307 e seg.).
Por outras palavras, só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
No caso "sub judice", do exame da sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal “a quo” decretou a parcial inutilidade superveniente da lide, na parte em que a liquidação impugnada (I.R.C. do ano de 2004), incidiu sobre a fracção “AC”, a qual resultou de erro da sociedade impugnante ao incluir o mesmo imóvel na declaração de substituição apresentada como proveito de 2004 (cfr.nºs.11, 12, 13 e 19 do probatório), quando tal imóvel somente foi vendido pela recorrente em 2005 (cfr.nº.5 da matéria de facto). Em virtude desta conduta da apelante, a A. Fiscal viria a revogar parcialmente o acto de liquidação impugnado (acto divisível) em sede de procedimento gracioso de reclamação.
Haverá, agora, que saber a quem são imputáveis as custas na presente instância, na parcela em que foi decretada a dita inutilidade superveniente da lide.
Para tanto deverá levar-se em consideração o artº.536, do C.P.Civil, o qual estabelece:
Artº.536
(Repartição das custas)
1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.

Não se enquadrando o caso dos autos no âmbito da previsão dos nºs.1 e 2 do preceito, deverá atentar-se nos ditames constantes do nº.3 da norma.
O que este nº.3 prescreve é inspirado pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da acção, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa. Pelo contrário, se a inutilidade for imputável ao réu ou requerido, será este o responsável pela totalidade das custas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.181/17.4BELSB; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.96 e seg.).
No caso concreto, é nosso entendimento que, não se podendo afirmar que a decretada inutilidade superveniente parcial da lide será imputável à demandada Fazenda Pública, temos que concluir que a mesma inutilidade superveniente deve ser atribuível, para efeitos de apurar a responsabilidade pelas custas, à sociedade impugnante e ora recorrente (recorde-se que a revogação parcial do acto de liquidação impugnado em sede de procedimento gracioso de reclamação se ficou a dever a erro da sociedade impugnante ao incluir o mesmo imóvel na declaração de substituição apresentada como proveito de 2004), nos termos do artº.536, nº.3, do C.P.C., o que se decretará e assim se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento.
Aduz, igualmente, a sociedade recorrente que o artº.58-A, do C.I.R.C., só deve ser aplicado a transmissões de imóveis que não contenham circunstancialismos impulsores da diminuição do valor do imóvel, sob pena de se estar a transcender a “ratio” do referido preceito. Que caso se considere aplicável o artº.58-A, do C.I.R.C., ao presente caso, sempre deveria a reclamação graciosa apresentada pela recorrente ter sido considerada pelo Tribunal “a quo” como um meio idóneo para ilidir a presunção constante do mesmo normativo. Que tal presunção deve poder ser afastada mediante a apresentação do pedido de demonstração previsto no então artº.129, do C.I.R.C., como também pela apresentação de reclamação graciosa e impugnação judicial, as quais têm primazia face àquele primeiro tipo de procedimento gracioso. Que, em conformidade com o prescrito no artº.64, do C.P.P.T., procurou ilidir a presunção consagrada no artº.58-A, do C.I.R.C., através de entrega de reclamação graciosa, na qual ficou demonstrado que o valor pelo qual os imóveis foram vendidos foi inferior ao valor patrimonial tributário definitivo dos mesmos. Que a liquidação impugnada deveria ter sido considerada ilegal pelo Tribunal “a quo” por violação do princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva consagrado no artº.104, nº.2, da C.R.P. Que a sentença do Tribunal “a quo” padece de diversas ilegalidades, ao desconsiderar a reclamação como meio idóneo à ilisão da presunção constante do artº.58-A, do C.I.R.C., assim violando os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da tutela da confiança e da boa-fé, previstos no artº.266, da C.R.P., e no artº.55, da L.G.T. (cfr. conclusões 7 a 26 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal pecha.
A reforma dos impostos sobre o património também introduziu alterações nos Códigos do I.R.S. e do I.R.C., as quais apresentam características verdadeiramente estruturais, uma vez que passam a considerar para efeitos dos impostos sobre o rendimento, no caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, o valor definitivo que servir de base à liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas, sempre que este seja superior ao valor constante do contrato. Tal reforma foi introduzida por via do aditamento ao C.I.R.S., do artº.31-A (cfr.artº.4, do dec.lei 287/2003, de 12/11), e por via do aditamento ao C.I.R.C. dos artºs.58-A (actual artº.64) e 129 (actual artº.139), estas nos termos do artº.6, do dec.lei 287/2003, de 12/11.
As alterações previstas nos citados artºs.31-A, do C.I.R.S., e 58-A, do C.I.R.C., apresentam-se como meras correcções técnicas, sendo que, os meios de defesa do contribuinte passam pela prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário (VPT) que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
Especificamente, em sede de I.R.C. surge-nos a norma do artº.129, do C.I.R.C. (actual artº.139), preceito que consagra um procedimento referente às garantias dos contribuintes e que tem como objectivo a prova, pelo sujeito passivo, do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe, assim, obviar à aplicação do disposto no artº.58-A, nº.2, do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis). Nos termos do nº.6, do mesmo normativo, a prova de que o preço efectivamente praticado pelo sujeito passivo é inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel em causa, tem como requisito a autorização de acesso à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes, incidente sobre o exercício em que ocorreu a transmissão e o anterior. Esta solução legal visa combater os frequentes, generalizados e eficazes esquemas de fraude fiscal, através da simulação do preço da compra e venda de imóveis, em conluio e com vantagem, financeira e fiscal, para todos os intervenientes. Este regime consagra uma situação de inversão do ónus da prova associada à simples e eficaz indicação do justo valor através da introdução de uma estimativa padronizada, o valor normal de mercado que não pode ser inferior ao valor patrimonial tributário dos imóveis objecto de transacção (cfr.Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.271 e seg.; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.548 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, pág.146 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2013, proc.6309/13).
E recorde-se que na esfera do alienante (aqui a sociedade impugnante/recorrente), concorre para a formação do lucro tributável a diferença positiva entre o VPT definitivo e o valor constante do contrato de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (valor de venda). Por outras palavras, quando o VPT seja superior ao valor de venda, o sujeito passivo alienante deve efectuar o respectivo ajustamento do resultado líquido na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão (alienação), o que se traduz num acréscimo correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.
O alienante poderá fazer prova de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT, impedindo assim a correcção da matéria tributável em sede de I.R.C., para tanto consagrando o legislador o procedimento previsto na citada norma do artº.129, do C.I.R.C. (actual artº.139), o qual tem efeito suspensivo da liquidação do tributo e segue a tramitação do procedimento de revisão da matéria colectável por métodos indirectos (cfr.artº.129, nº.5, do C.I.R.C.).
A apresentação do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis é condição prévia/necessária para, mais tarde, a impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas pela A. Fiscal, poder abranger tal matéria (cfr.artº.129, nº.7, do C.I.R.C., em vigor em 2004; actual artº.139, nº.7). Isto, naturalmente, em caso de indeferimento, total ou parcial, do referido pedido. O indicado artº.129, nº.7, do C.I.R.C., veda a possibilidade de utilização da reclamação graciosa. De tal proibição deve o intérprete concluir que resulta, igualmente, o afastamento da norma geral do artº.64, do C.P.P.T., onde o procedimento próprio de ilisão das presunções surge como alternativa à impugnação judicial e à reclamação graciosa. Dito de outro modo, não se admite, como fundamento da reclamação graciosa da liquidação (recorde-se que a liquidação é subsequente ao procedimento previsto no artº.129, do C.I.R.C.), a matéria de facto relacionada com o preço efectivo da transmissão, que apenas poderá ser conhecida em sede de impugnação judicial, em caso de dedução prévia do pedido/procedimento previsto no mesmo preceito. Pelo que a reclamação graciosa apenas poderá versar sobre matérias não abrangidas por aquele procedimento prévio e interlocutório (cfr.Rui Marques, ob.cit., pág.1019).
No sentido da conclusão acabada de exarar vai a jurisprudência deste Tribunal (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/02/2013, rec.989/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/12/2014, rec.881/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/03/2016, rec.820/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/05/2018, rec.860/15).
Revertendo ao caso dos autos, contrariamente ao defendido pelo recorrente, deve concluir-se que a norma do examinado artº.58-A, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2004, se aplica ao caso dos autos, dado que este cabe no âmbito da previsão constante do nº.1 do preceito (cfr.nºs.2 a 4 e 6 a 8 do probatório). A defendida aplicação (interpretação) restritiva do artº.58-A, do C.I.R.C., somente a transmissões de imóveis que não contenham circunstancialismos impulsores da diminuição do valor do imóvel, não tem qualquer correspondência na letra do preceito, assim devendo ser rejeitada (cfr.artº.9, nº.2, do C.Civil).
Por outro lado, igualmente não se deve aceitar a defendida possibilidade de fundamentar a dedução de reclamação graciosa da liquidação o tema de facto relacionado com o preço efectivo da transmissão, matéria esta para a qual o legislador consagrou o procedimento específico previsto no mencionado artº.129, do C.I.R.C. (actual artº.139).
Apesar de tudo o acabado de exarar, igualmente defende o apelante que a liquidação impugnada deveria ter sido considerada ilegal pelo Tribunal “a quo” por violação do princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva/rendimento real consagrado no artº.104, nº.2, da C.R.P.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental. No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Sem prejuízo do acabado de expor, avancemos para o exame da alegada inconstitucionalidade do acto tributário objecto do presente processo, em virtude da violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real consagrado no citado artº.104, nº.2, da C.R.P.
O princípio da tributação pelo rendimento real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa.
Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso/exclusivamente, antes tendo de ser concatenado com outros princípios constitucionais e normas constantes em diversos diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.), tal como os artºs.18 e 23, do C.I.R.C., nesta cédula tributária (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/07/2019, rec.2220/15.4BESNT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/12/2018, proc.7907/14; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1100).
No caso "sub judice", não lobrigando o Tribunal no que possa ter violado o mesmo princípio constitucional a liquidação de I.R.C. sob apreciação (o recorrente também nada concretiza de palpável neste domínio). Pelo contrário, a consagração em lei do procedimento específico previsto no mencionado artº.129, do C.I.R.C., tem por objectivo materializar o valor real do imóvel em causa e, por consequência, o rendimento real a tributar. Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente esteio do recurso.
Por último, defende o recorrente que a sentença do Tribunal “a quo”, ao desconsiderar a reclamação como meio idóneo à ilisão da presunção constante do artº.58-A, do C.I.R.C., viola os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da tutela da confiança e da boa-fé, previstos no artº.266, da C.R.P., e no artº.55, da L.G.T.
Nesta sede e desde logo, deve vincar-se que o recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal (cfr.nºs.25 e 26 das alegações do recurso), as defendidas violações dos ditos princípios constitucionais e legais. Nem este Tribunal conseguiria, se o pretendesse fazer “ex officio”, conhecer de tais vícios uma vez que os mesmos não resultam imediatamente apreensíveis face aos argumentos esgrimidos pelo apelante. Por outras palavras, a falta de concretização/densificação das enumeradas violações dos princípios constitucionais e legais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre as mesmas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN).
Com estes pressupostos, não vislumbra este Tribunal como pode a decisão recorrida (que aplicou ao caso dos autos o regime previsto no artº.58-A, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2004, tal como o procedimento consagrado no artº.129, do C.I.R.C., com a concordância desta instância de controlo, conforme já vincado supra) ofender os citados princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da tutela da confiança e da boa-fé previstos no artº.266, da C.R.P. (norma que consagra os princípios orientadores do agir da Administração Pública), e no artº.55, da L.G.T. (preceito que consagra os princípios orientadores do procedimento tributário).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Novembro de 2019. - Joaquim Condesso (relator) - Paulo Antunes - Ascensão Lopes.