Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01079/16
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CAUSA DE PEDIR
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Só há omissão de pronúncia quando o tribunal tinha o dever de decidir um assunto presente que silenciou.
II - O tribunal «ad quem» não pode solucionar um pedido de intimação com base em razões ignoradas pelo tribunal «a quo» e alheias à causa de pedir enunciada «in initio litis».
III - Fora das hipóteses previstas no art. 150º, n.º 4, do CPTA, o tribunal de revista não pode questionar a alteração do julgamento de facto, realizada na 2.ª instância.
IV - Impende sobre a candidata ao ensino superior excluída do respectivo concurso por falta de apresentação de um documento o ónus de provar que oportunamente o oferecera.
V - Se aquele «onus probandi» não for cumprido, a dúvida sobre a realidade do facto resolve-se contra a candidata, seguindo-se a improcedência do pedido de intimação baseado na ilegalidade do acto que a excluíra do concurso.
Nº Convencional:JSTA00069958
Nº do Documento:SA12016121401079
Data de Entrada:11/14/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - ADM PUBL INDIRECTA.
DIR ADM CONT - INTIMAÇÃO COMPORTAMENTO.
Legislação Nacional:CPTA02 ART109 ART150 N4.
CPC13 ART260 ART414 ART571 ART608 N2 ART615 N1 D.
CCIV66 ART10 N3 ART342 ART344 ART347 ART371 N1 ART376 N1 ART393 N2.
DL 296-A/98 DE 1998/09/25 ART7 ART17 ART20-A ART27.
PORT 143/14 DE 2014/07/14 ART21 N5.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
A……………….., identificada nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul que, revogando o sentenciado no TAF de Lisboa, julgou improcedente o pedido de intimação do Ministério da Educação e Ciência (MEC) – com vista a que admitisse a candidatura da recorrente ao ensino superior e criasse uma vaga num curso de Medicina – e absolveu do pedido a entidade demandada.
A recorrente findou a sua minuta de recurso alinhando as conclusões seguintes:
DA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS ADEQUADAS A EVITAR OU MINORAR OS DANOS DECORRENTES DO EFEITO DEVOLUTIVO AO RECURSO
A. A atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso importa danos graves e irreparáveis para a Recorrente, uma vez que, na sequência da sentença do TAC de Lisboa, encontra-se matriculada no curso de Medicina, sendo irreparáveis os danos decorrentes da imediata suspensão desse curso.
B. Por outro lado, a manutenção da Recorrente no curso de Medicina não causa qualquer prejuízo a ninguém.
C. Pelo que, nos termos do n.° 3 do artigo 143° do CPTA, deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, sem prejuízo de, se assim não for entendido, o Tribunal determinar as medidas cautelares adequadas, as quais devem passar por permitir a continuação da recorrente a frequentar o curso de Medicina até ao trânsito em julgado da presente intimação

DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

D. Entende ainda a Recorrente que o acórdão recorrido está inquinado do vício de nulidade, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, porquanto o Tribunal a quo, na decisão proferida, não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar.
E. Decorre das contra-alegações apresentadas pela ora Recorrente, em sede de recurso de apelação da decisão do TAC de Lisboa, o documento comprovativo da realização do exame de "Physics” (alegadamente em falta) já tinha sido entregue pela Recorrida à DGES, no passado ano de 2013, para instruir a candidatura desta ao curso de Bioquímica.
F. Circunstância que, inclusivamente, consta da matéria de facto provada na decisão do TAC de Lisboa, bem como do acórdão proferido pelo TCA Sul.
G. Tal situação foi invocada pela Recorrente com o intuito de explicitar nos autos que, sem margem para dúvida, o DGES sempre teve acesso ao documento alegadamente em falta.
H. Sendo por isso manifestamente desproporcional uma decisão de indeferimento que se sustenta na alegada não entrega de um certificado.
I. Ou seja, se a alegada situação tivesse sido considerada a decisão tomada pela Administração no sentido de indeferir a candidatura da Recorrente não poderia deixar de ser considerada ilegal.
J. O TCA Sul ao revogar a sentença da primeira instância deveria ter apreciado as questões que lhe foram colocadas nas contra-alegações, (veja-se, a título de exemplo, o disposto nos artigos 42.° ou 47.° das contra-alegações de recurso), designadamente a que agora se volta a colocar, ou seja, a de saber se, mesmo sem a prova da entrega do documento, era legal o indeferimento tendo em conta que o mesmo documento já constava nos serviços da recorrida.
K. Não o tendo feito, incorreu o acórdão em omissão de pronúncia, o que implica a sua nulidade, nos termos do art. 615°, 1, d) do CPC. Impondo-se a remessa do processo ao TCA Sul para conhecimento da mesma.

DA FUNDAMENTAÇÃO PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

L. A Recorrente entende que se verificam preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da Revista, já que a decisão recorrida errou na interpretação e aplicação do direito, que importou uma séria alteração da matéria de facto assente, alteração esta que serviu de único sustento para o teor da decisão versada no acórdão recorrido,
M. Com efeito, incorreu em erro de julgamento relativamente à matéria de Direito, no que respeita à distribuição do ónus da prova, e por considerar que o mesmo cabia à Recorrente.
N. Não fosse esse o seu - errado - entendimento, deslocando-se para a Recorrida o referido ónus, teria o Tribunal a quo concluído de forma necessariamente diferente.
O. A questão aqui é, portanto, saber se: o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei, agindo contra o direito, quando decidiu a alteração da matéria de facto provada com fundamento no facto de ser à Recorrente que incumbia o ónus da prova; se sustentou na apreciação da matéria de facto fixada em função da errada interpretação e aplicação das regras do ónus da prova, tendo ainda desconsiderado o valor probatório de um documento autêntico, enquadrando-se por isso na parte final do n.° 4 do artigo 150.° do CPTA
P. Por outro lado, também é certo que nos presentes autos foram proferidas duas decisões em sentido totalmente oposto.
Q. Assim, deve concluir-se que, à luz do artigo 150.° do CPTA, estão preenchidos os pressupostos para a admissão da presente revista, porquanto se constata a necessidade de uma melhor aplicação do direito pelo Tribunal ad quem.
Sem prescindir,
R. O valor probatório de um documento emitido pela entidade competente (documento autêntico) certificando a entrega dos documentos necessários para uma candidatura ao ensino superior, traduz uma questão geral que, além de ser suscetível de dizer respeito a um grande número de casos actualmente, suscita questões complexas e difíceis em matéria de direito probatório.
S. Trata-se, por isso, de uma questão que pode vir a colocar-se com frequência e que a intervenção do STA pode clarificar e, desse modo, orientar os Tribunais Administrativos bem como a Administração.
T. Por outro lado, saber em que termos deve ser repartido o ónus da prova perante situações em que a Administração certifica a receção de certos documentos que, mais tarde, não constam do processo instrutor é também uma questão de relevância jurídica fundamental na medida em que centra a discussão sobre o recorte preciso e rigoroso do ónus da prova em processo administrativo.
Sem prescindir,
U. Por outro lado, não pode a Recorrente deixar de explicitar que a sua pretensão, que motivou a instauração dos presentes autos, se reconduz ao exercício do direito de acesso ao ensino superior, à liberdade de escolha e exercício de profissão e à igualdade.
V. Assim, e estando em causa, em sede de decisão final, o reconhecimento e exercício dos direitos fundamentais que assistem à Recorrente, conforme supra referenciado, não deixa de ser patente a importância social fundamental do presente recurso.
W. Assim, porquanto se constata a necessidade de uma melhor aplicação do direito, por ser evidente a ilegalidade do douto acórdão recorrido, tendo inclusivamente sido proferidas duas decisões em sentido oposto nos presentes autos, e demonstrada que está a importância jurídica e social fundamental do presente recurso, deverá o presente recurso de revista excecional ser admitido, nos termos do artigo 150.° do CPTA.

DO MÉRITO DO RECURSO

X. A Recorrente considera que o acórdão recorrido interpretou erradamente os artigos 371°, n° 1; 372°, n° 1 e 393°, n° 2 do Código Civil, uma vez que desprezou o valor probatório — força probatória plena — de um documento autêntico.
Y. O TAC de Lisboa, na decisão proferida, considerou provada a seguinte factualidade (alínea k) da matéria de facto): “Aquando da candidatura no GAESUP, a requerente entregou a B…………… os originais de documentos para instrução da candidatura referida em j), dentre os quais constavam quatro certificados a que se referem as alíneas a), b), d) e h), tendo este, por sua iniciativa, extraído cópias dos mesmos para instruir a referida candidatura, devolvendo os originais à requerente, colocando as cópias numa mesa” (‘realce nosso).
Z. O TCA Sul, por sua vez, modificou a matéria de facto, passando a al. k) a ter a seguinte redação:
“Aquando da candidatura no GAESUP, a requerente entregou a B……………….. os originais de documentos para instrução da candidatura referida em j), dentre os quais constavam três certificados a que se referem as alíneas a) d) e h), tendo este, por sua iniciativa, extraído cópias dos mesmos para instruir a referida candidatura, devolvendo os originais à requerente, colocando as cópias numa mesa” (realce nosso).
AA. A diferença entre um e outro facto dado como provado reside no diferente entendimento dos dois Tribunais face ao teor probatório do comprovativo da entrega dos documentos que certificam a realização dos exames indicados na alínea b) da matéria de facto provada, que tem a seguinte redação:
“A requerente, em Junho de 2012, realizou os exames finais das disciplinas trianuais da Universidade de Cambridge, exigidos para o ingresso no ensino superior no Reino Unido, as quais foram posteriormente objeto de equivalência e de conversão para o sistema de classificação português, para efeito de acesso ao ensino superior português”
BB. A prova da apresentação do documento comprovativo do facto supra indicado, deve ter, antes de mais, em linha de conta o documento, cuja cópia foi transposta para a alínea m) dos factos provados, e de onde consta, além do mais, que foi recebido o documento comprovativo da equivalência do exame estrangeiro ao ensino secundário português, incluindo a conversão da classificação final do curso para a escala de 0 a 20.
CC. O documento transcrito na al. m) foi emitido por um funcionário público, competente, no exercício das suas funções com a finalidade de atestar a entrega dos documentos ali referidos, tendo inclusivamente um carimbo da respetiva instituição.
DD. Trata-se, portanto, para efeitos probatórios de um documento autêntico nos termos do n° 1 do artigo 369.° e do n° 2 do artigo 370°, ambos do Código Civil.
EE. Esta qualificação jurídica presume-se (370.°,1 do Código Civil), sendo ainda certo que no presente caso a referida presunção não foi ilidida.
FF. Estranhamente, porém, o Tribunal a quo não encarou o documento em causa como um documento autêntico.
GG. Olvidando que “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora” - cfr., para o efeito, o disposto no n° 1 do artigo 371.° do Código Civil.
HH. Ora, resulta desse documento autêntico para efeitos probatórios, que a Requerente entregou os exigidos documentos comprovativos da realização dos exames finais para instruir a sua candidatura.
II. A força probatória plena não podia, portanto, ser afastada, como fez o TCA Sul, tendo em conta o resultado das inquirições às testemunhas, ou mediante a análise do processo instrutor, uma vez que, nos termos do n.° 1 do artigo 372.° do Código Civil, “ probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade”
JJ. Certo é que o documento não é falso. Como não é falso que a Recorrente tenha efectivamente realizado o exame que o documento em causa logrou comprovar.
KK. A conclusão do TCA Sul de que aquele documento não provava para além de toda a dúvida razoável é manifestamente ilegal, na medida em que viola claramente o disposto no n° 1 do artigo 372.° do Código Civil,
LL. Pois o documento indicado na alínea m) da matéria de facto faz prova plena da rececão pelo funcionário público dos documentos lá indicados
MM. A prova plena só cede perante a prova do contrário.
NN. O TCA Sul tratou a prova plena como se estivesse em causa uma prova bastante, a qual cede perante a “contra-prova”, isto é, perante a prova de que o facto poderia não ter ocorrido.
OO. O erro do acórdão recorrido radica pois na desconsideração da força probatória plena do documento transcrito na alínea m) da matéria de facto.
PP. E, nessa medida, a sua conclusão de que não está provada a entrega do documento comprovativo contra os dizeres do referido documento autêntico viola claramente os referidos artigos 371.°, n° 1 e 372°, n° 1 do Código Civil.
QQ. E viola ainda o disposto no n° 3 do artigo 393.° do Código Civil, ao admitir prova testemunhal relativamente a um facto plenamente provado por documento, uma vez que não é admitida a prova testemunhal “quando o facto estiver plenamente provado por documento autêntico”
RR. Ora, face a esta situação, a consequência jurídica não poderá ser outra senão dar-se como provado o facto constante da alínea k), tal como constava da sentença proferida na primeira instância, uma vez que essa prova resulta diretamente do documento autêntico junto aos autos.
SS. Acresce que, e consequentemente a sentença recorrida ao decidir nos termos em que o fez violou os direitos fundamentais da Recorrente, privando-a, injustificadamente, do direito de liberdade de escolha de profissão (consagrado no n° 1 do artigo 47.° da CRP), do direito ao ensino (consagrado no n° 1 e al. d) do n° 2 do artigo 74.° da CRP) e bem assim, do acesso ao ensino superior (consagrado no n° 1 do artigo 76.° da CRP), dando-se para todos os efeitos legais — por economia — por integralmente reproduzido o alegado nos artigos 70.° a 94.° do requerimento inicial, que aqui se imputa à sentença recorrida.
TT. Acresce que, e tendo em conta tudo quanto já foi exposto no decorrer deste processo, é evidente que tais direitos fundamentais lhe estão a ser ilicitamente vedados pois não só é manifesta a ilegalidade do despacho que recusou a candidatura da Recorrente, como é ilegal o acórdão recorrido.

B — Da violação das regras do ónus da prova

UU. Nos termos do artigo 88° do Código de Procedimento Administrativo (em vigor na data dos factos) “Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão com nos termos do n.° 1 do artigo anterior.”
VV) No entanto, esta regra deve valer, apenas, só em princípio - Como indica o acórdão do STA citado por ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES E PACHECO DE AMORIM (CPA anotado, pág. 490), “só em princípio incumbe ao interessado aprova dos fatos constitutivos do direito ou do interesse invocados (...) porquanto cabe à Administração um papel dinâmico na escolha dos elementos relevantes (...)".
WW. É que, como nos dá conta VIEIRA DE ANDRADE, no processo administrativo “não vale (...) um ónus da prova subjetivo formal ou de produção, pelo menos no seu sentido rigoroso” (ob. Cit. Pág. 498). Segundo o referido autor, o ónus da prova vai depender da situação processual das partes, mas “terá de determinar-se na ausência de norma expressa, de acordo com um quadro de normalidade concreto ou típico, construído com base nas regras e do domínio da vida e nos princípios próprios do direito administrativo” (pág.498).
XX. Podem, continua o autor, ser ponderadas as circunstâncias relativas aos próprios factos: se a disponibilidade probatória relevante pertencer a uma das partes, deve ser essa a parte onerada (pág. 502).
YY. Culminando, até, com a formulação de uma regra pelo próprio juiz — sempre que não existam regras expressas - aplicáveis ao caso concreto (pag. 502).
ZZ. No caso em apreço, está em causa saber quem tem o ónus de provar que um documento dado genericamente como apresentado e que não consta do processo instrutor se extraviou por facto imputável à Administração, alheio à Recorrente ou se não foi entregue.
AAA. Problema este que decorre — como indica o douto acórdão recorrido — do facto de o documento referido na alínea m) da matéria de facto não indicar, de forma discriminada, que foram entregues quatro certidões, sendo certo que no processo instrutor constam apenas três.
BBB. Quem deve fazer a prova de que não houve extravio, tendo em conta que se provou que a recorrente entregou certidões e que a sua receção foi comprovada pelo funcionário competente?
CCC. Entende a Recorrente que o ónus da prova que lhe competia foi cumprido, tendo esta provado - através dos meios que dispunha - que entregou os documentos que genericamente constam do documento descrito na al. m) da matéria de facto provada.
DDD. Por outro lado, e face à invocação da inexistência do referido documento no processo instrutor, já cabia à Administração ónus de provar que não ocorreu qualquer extravio.
EEE. Consequentemente, um “non liquet” relativamente a este facto deverá sempre ser resolvido a favor da Requerente e não o contrário como decidiu o TCA Sul, por três razões:
a. Corre inversão do ónus da prova a favor da Recorrente;
b. O facto essencial a provar (extravio) é modificativo da factualidade provada pela Recorrente (entrega genericamente provada).
c. Deverá construir-se uma regra que atribua à Administração a prova de que não extraviou um documento que, em termos genéricos, atestou ter recebido.
FFF. Ademais, não é possível extrair qualquer conclusão relativamente ao sujeito a quem incumbe o ónus da prova sem atender ao procedimento levado a efeito: isto porque, neste caso — isto é, dos alunos que vêm do ensino estrangeiro —, o candidato leva os seus documentos que exibe junto do funcionário que, ato contínuo, procede à sua cópia e digitalização devolvendo os originais.
GGG. Ora, para ser uma verdadeira entrega, o candidato teria que ou entregar os originais ou ser responsável por levar uma cópia para entregar nos serviços.
HHH. Só assim seria exigível impor ao candidato o ónus de responsabilidade única sobre o preenchimento da candidatura e instrução da mesma.
III. Em rigor e quanto à candidatura online (conforme ocorre para os estudantes do ensino nacional) é normal que esse ónus seja suportado unicamente pelo candidato, porque é ele que preenche e verifica o preenchimento da sua candidatura online.
JJJ. Para que o mesmo ónus impendesse da mesma forma sobre o sistema de entrega de documentos era necessário que fosse o candidato o único responsável pela entrega de documentos.
KKK. Sucede que não foi o que se passou no caso da Recorrente, nem é o que se passa nos restantes casos de entrega manual — pelo menos quanto às inscrições ocorridas no Gabinete da Universidade do Porto —, na medida em que a responsabilidade é repartida entre o funcionário que fotocopia, autentica de acordo com o original, digitaliza e emite a declaração de entrega dos documentos e o candidato que exibe os documentos, permite que os mesmos sejam fotocopiados e venha confiante com o comprovativo de entrega para casa.
LLL. Quer isto dizer que, não sendo respeitado o procedimento de entrega, porque são os próprios serviços que determinam o procedimento de exibição, há uma repartição de responsabilidades e com ele uma repartição do ónus pelos erros e omissões na instrução da candidatura, sob pena de o candidato ser responsável por um procedimento que não lhe é permitido controlar na íntegra!
MMM. Ao implementar um procedimento que não respeita o procedimento de entrega determinado pela Deliberação do CNAES, é abusivo invocar o artigo relativo aos erros e omissões dos candidatos, que, de resto, nem sequer é aplicável ao caso dos autos.

(i) Da inversão do ónus da prova, nos termos do n.° 2 do artigo 344° do Código Civil
NNN. O ónus da prova pode começar por estar a atribuído a uma das partes e passar para a outra, nos termos do artigo 344° do Código Civil, através do instituto da inversão do ónus da prova.
OOO. Assim, a regra de que o ónus da prova da apresentação da certidão cabe ao Requerente (artigo 342.°, n° 1 do Código Civil) inverte-se quando a Administração torna completamente impossível a prova do extravio da certidão junta.
PPP. É aplicável o disposto no n° 2 do artigo 344°, do Código Civil uma vez que, tendo a Recorrente feito a prova de que apresentou as certidões comprovativas e tendo sido exarado um documento comprovativo da apresentação da certificação da habilitação do ensino secundário não português, ficou completamente impossibilitada de fazer prova do extravio desse documento.
QQQ. A impossibilidade de provar que não houve extravio só pode ser atribuída à Administração, a título pelo menos de negligência, uma vez que bastava ter certificado, na altura em que recebeu os documentos, aqueles que em concreto efectivamente recebeu — o que não fez...
RRR. A inversão do ónus da prova leva assim a que caiba à Administração provar que não houve extravio.
SSS. Sem a prova desse facto, subsiste o facto provado pela Recorrente, ou seja: o comprovativo da realização do exame de física no estrangeiro foi efetivamente entregue, como de resto consta ainda que em termos genéricos do documento reproduzido na alínea m) da matéria de facto.

Ao que acresce,
(ii) Do facto modificativo do direito da Recorrente invocado pela Administração
TTT. Como vimos, está em causa a prova (ou não) do extravio do documento, pois foi a partir da constatação de que o processo instrutor não continha o documento referido na al. b) que se concluiu não haver prova da sua entrega.
UUU. No entanto, e estando provado que foi entregue um documento comprovativo da realização do exame no estrangeiro (como decorre da alínea m) da matéria de facto), o facto a provar era o de saber se, efectivamente, esse documento se extraviou ou não.
VVV. Com esta configuração, o facto negativo (não extravio do documento) é um facto modificativo da factualidade provada pela Recorrente, nos termos e para os efeitos previstos n.° 2 do artigo 342° do Código Civil, que nos indica que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”
WWW. Com efeito, resultando provada a entrega de um documento comprovativo da realização dos exames do ensino secundário no estrangeiro, e não constando no Processo Instrutor uma certidão integrada nesse documento, está em causa a prova de um facto modificativo dos efeitos decorrentes da prova da entrega da certidão.
XXX. Isto porque estando o supra citado facto provado em todo o seu género (entrega de documentos comprovativos da realização do curso secundário estrangeiro), se pretende não provada uma componente específica, integrada nesse género (certificado de realização do exame de “Physiks”).
YYY. O facto modificativo - a não entrega pela Recorrente de todas as certidões que o documento da al m) diz terem sido juntas - deveria, assim, ter sido provado pela Administração, nos termos do n.° 2 do artigo 342.° do Código Civil.
ZZZ. Não havendo prova de que não houve extravio, então, a prova do facto constante da al. m) deve abranger todos os documentos que integram o respetivo género, isto é, todos os documentos relativos a cursos equivalentes ao ensino secundário obtidos no estrangeiro.

(iii) A construção de uma solução para um problema normativo de acordo com a normalidade.
AAAA. Diz-nos VIEIRA DE ANDRADE que o juiz deve poder estabelecer regras específicas de ónus da prova, tendo em conta os interesses e valores em jogo e as consequências da decisão — ob.cit. pág. 501.
BBBB. Indica ainda o autor citado que “poderão distinguir-se, por exemplo, as situações em que estejam em causa direitos fundamentais (o ónus da prova da legalidade da compressão tenderá a recair mais fortemente sobe a Administracão,) (...)”
CCCC. No presente caso, as regras sobre a normalidade da vida levam a que se atribua o ónus da prova de que não houve extravio do documento à Administração, sendo certo que:
a. Não há dúvidas sobre a realidade do facto a provar com o documento - A Recorrente realizou todos os exames exigidos para ingresso ao ensino superior e é titular do certificado comprovativo da sua realização;
b. Está em causa a proteção de vários direitos fundamentais que assistem à Recorrente, entre eles, o direito ao ensino e de acesso ao ensino superior;
c. Não há dúvidas de que foram entregues certidões;
d. Consta do documento emitido pelo funcionário competente que recebeu as certidões emitidas pela entidade competente do país que respeita a habilitação do ensino secundário não português, englobando a certidão ora em causa (comprovativa da realização do exame de física no Reino Unido);
e. A Recorrente está impossibilitada de fazer prova de que não houve extravio da certidão, imputável pelo menos a título de negligência à Administração;
f. É manifestamente desproporcional a limitação de um direito fundamental perante uma situação em que a Recorrente reúne as condições para o exercer.
DDDD. Daí que, a enunciação de uma regra específica sobre o ónus da prova em casos do tipo do que está em causa deverá ser a seguinte: cabe à Administração o ónus da prova relativamente ao não extravio de uma certidão que atestou genericamente ter recebido e que não consta do processo instrutor.
EEEE. De acordo com esta regra probatória, e perante a prova de que foram entregues os documentos constantes da alínea m) da matéria de facto, deverá dar-se como provado o facto constante da alínea k) da matéria de facto da sentença proferida no TAC de Lisboa, ou seja:
FFFF. “K - Aquando da candidatura no GAESUP, a requerente entregou a B……………. os originais de documentos para instrução da candidatura referida em j), dentre os quais constavam quatro certificados a que se referem as alíneas a), b), d) e h), tendo este, por sua iniciativa, extraído cópias dos mesmos para instruir a referida candidatura, devolvendo os originais à requerente, colocando as cópias numa mesa” (realce nosso).
GGGG. Perante a prova de que a Recorrente apresentou todos os documentos exigidos deve, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido mantendo-se integralmente na ordem jurídica a sentença proferida no TAC de Lisboa.

DO ERRO DE JULGAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO - DA JUNÇÃO DA PROVA DE FÍSICA NA CANDIDATURA DE 2013
HHHH. Todavia e para o caso de se entender que não ocorre omissão de pronúncia, mas sim a irrelevância de um dos argumentos da ora Recorrente, entende esta que a decisão não poderá manter-se.
IIII. Na verdade, pretendeu a Recorrente, com a instauração dos presentes autos, que lhe fossem reconhecidos certos direitos fundamentais, porquanto reúne todas as condições legalmente exigidas (e exigíveis) para os reconhecer.
JJJJ. Atente-se, desde logo, ao facto de que quando a Recorrente só tomou conhecimento da alegada falta do documento necessário para instruir a sua candidatura quando já não haveria qualquer hipótese de o juntar novamente no âmbito daquele procedimento, tendo sido considerado pela Administração extemporânea a junção de qualquer certificado fora do prazo estipulado para a candidatura.
KKKK. Note-se, ainda, que em circunstâncias comuns (maxime, os casos dos candidatos que não realizaram exames nos estrangeiro), a lei não configura a necessidade de se proceder a uma tramitação complexa, suscetível a falhas ligadas à organização e, consequentemente, à eventualidade de se cometerem erros nos serviços da Administração Pública.
LLLL. Ora, e como já aqui se disse, a decisão de indeferimento da candidatura da Recorrente com fundamento na suposta falta de prova da entrega de um documento essencial à sua instrução, atenta toda a realidade que lhe é subjacente, é manifestamente desproporcional, pois decide unilateralmente pela supressão de vários direitos fundamentais em desconsideração total pelas circunstâncias de facto e de direito realmente existentes.
MMMM. Nem, tão pouco, tal indeferimento poderá encontrar o seu sustento no artigo 57.° do Regulamento do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior Público.
NNNN. Em primeiro lugar, porque já resulta provado nos autos que a Recorrente reúne todas as condições para ingressar no Ensino Superior, para o curso de Medicina
OOOO. Assim como a eventual falta de algum documento exigido para aferir tais condições não é nem poderá ser imputável à Recorrente, motivo por que foi exarado, pela própria Administração, documento comprovativo da entrega de todos os certificados exigidos
PPPP. Por fim, o referido artigo 57.° da Portaria 143/2014 não pode ser interpretado e aplicado por forma a recusar, sem mais, o acesso ao ensino superior a candidatos que reúnam as condições para tal.
QQQQ. Sendo que o conteúdo da referida norma, quando interpretado de forma a impedir o exercício de direitos fundamentais (como aconteceu no caso concreto) é materialmente inconstitucional
RRRR. Assim como é inconstitucional o disposto no n.° 4 do artigo 21.° do referido regulamento, novamente quando aplicado no sentido de obrigar um candidato a sofrer os danos decorrentes dos erros cometidos pela Administração, que nunca lhe poderiam ser imputáveis, vedando-lhe gravemente o acesso aos seus direitos, liberdades e garantias.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (ex-MEC) contra-alegou, tendo concluído do seguinte modo:
I. É entendimento do Recorrido, Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (ex. Ministério da Educação e Ciência) que o presente recurso de revista não reúne as condições legalmente exigidas para ser admitido, uma vez que não estão preenchidos os requisitos do n.° 1 do artigo 150.° do CPTA, para além de que, nos termos do n.° 3 e 4 deste preceito, ao STA está vedado reapreciar a matéria de facto.
II. Nos presentes autos não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental ou que seja necessária a respetiva admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito.
III. De facto, a questão colocada no presente recurso, tem natureza casuística, centrada na reapreciação da matéria de facto - saber se o documento comprovativo do exame final da disciplina de “Physics” de junho de 2012 foi (ou não entregue) no ato de candidatura junto do GAESUP.
IV. Ou seja, está em causa, unicamente, o processo de candidatura da Recorrente ao ensino superior para o ano letivo de 2014-2015, razão pela qual não se trata de uma questão cuja ocorrência se preveja frequente ou que venha a transpor o caso concreto para um largo número de casos.
V. Em apreço está uma questão que não extravasa a esfera jurídica da Recorrente, não tem qualquer capacidade de expansão, nem de repercussão social ou até de ser suscetível de gerar controvérsia.
VI. Além do mais, não se verifica que a questão sub judice envolva elevada complexidade, que se trate de uma situação cuja solução necessite de aplicação e concatenação de vários regimes legais e institutos jurídicos, não ocorrem também dúvidas ao nível jurisprudencial e doutrinal, pelo que não é necessária a admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito.
VII. Acresce ainda que, o eventual erro na fixação e na análise da matéria de facto não pode constituir fundamento de recurso de revista, face ao estipulado nos n° 3 e 4 do artigo 150.° do CPTA (cfr. alegações 40 a 45 supra).
VIII. Em princípio, o Supremo Tribunal Administrativo deve acatar a matéria de facto fixada pelas instâncias, uma vez que lhe estão vedados os poderes de modificação da matéria de facto.
IX. Assim, o Tribunal de recurso, só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão, o que não sucede no caso vertente.
X. Estando em causa, nos presentes autos, matéria que respeita ao caso concreto e ao princípio da livre apreciação da prova, não existe fundamento para o recurso de revista, para além de que o Acórdão recorrido não padece de qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica ou juridicamente insustentável, não estando, por isso, preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 150.° n° 1 do CPTA, pelo que deve o mesmo ser rejeitado em sede de apreciação preliminar.
XI. E pretendendo a Recorrente uma reapreciação da matéria de facto, no que tange à sua situação individual e concreta, atenta a decisão de primeira instância que lhe foi favorável, em detrimento da decisão do TCA Sul, de 14 de julho, haverá que concluir pela inadmissibilidade do presente recurso pois tal reapreciação não pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com os n.°s 3 e 4 do artigo 150.° do CPTA.
XII. Considera a Recorrente que o Acórdão do TCA Sul, de 14 de julho, aqui em crise, é nulo por omissão de pronúncia ou por erro de julgamento (cfr. alegação 48 supra).
XIII. Quanto à omissão de pronúncia, bem se demonstrou que o documento a que se refere a Recorrente (de junho de 2012), instruiu a sua candidatura ao Concurso de Acesso ao Ensino Superior no ano de 2013-2014, quando os presentes autos se reportam ao Concurso de Acesso ao Ensino Superior no ano de 2014-2015, e também porque em causa está efetivamente saber se deveria dar-se como provada a entrega do documento comprovativo da realização da prova de “Physics” no âmbito do Concurso de Acesso ao Ensino Superior no ano de 2014- 2015.
XIV. Tendo sido esta a questão central que foi levada à apreciação do TCA Sul e sobre a qual se pronunciou o Acórdão recorrido, decai o alegado vício de omissão de pronúncia com base na alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.
XV. Seguidamente, dir-se-á que o documento apelidado de “check list” não é, nem como tal foi judicialmente qualificado, um documento autêntico uma vez que o funcionário do GAESUP não é uma autoridade pública ou oficial público cujos atos sejam dotados de fé pública e como tal não é um documento apto a fazer prova plena dos factos.
XVI. Como tal, o aludido documento não pode ser crível para fazer prova de que a Recorrente entregou quatro (4) certificados, de entre os quais o documento comprovativo do exame final da disciplina de “Physics” de junho de 2012.
XVII. Por isso andou bem o TAC Sul quando afirma que o referido documento — “check list” — não é idóneo para inverter as regras do ónus da prova.
XVIII. E como tal, como bem ajuizou o TCA Sul, teria que ser dado como provado que a Recorrente não entregou o documento comprovativo do exame final na disciplina de “Physics”, de junho de 2012, e que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa errou no julgamento que encetou ao dar como provado o facto constante da alínea K).
XIX. Por seu turno, no que se refere ao ónus da prova, reafirmar-se-á, em primeiro lugar, que era sobre a Recorrente que impendia o ónus de provar o facto constitutivo que suporta a sua pretensão, ou seja, provar que havia entregue o documento comprovativo do exame final na disciplina de “Physics”.
XX. Mas mais, não está em causa aferir quem, no caso concreto, tinha o ónus da prova, tendo sido dado como provado que o documento em questão não foi entregue aquando da candidatura mas apenas com a reclamação graciosa do ato de exclusão relativo ao Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior para o ano letivo de 2014-2015 (não constando do processo instrutor), sendo que as regras concursais estipulavam especificamente que tanto o formulário de candidatura como a respetiva instrução eram da responsabilidade exclusiva dos candidatos.
XXI. Pelo que, não estando em causa a ausência de norma expressa, como apregoou a Recorrente, em contraponto com os normativos legais que regiam o Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior para o ano letivo de 2014-2015, nem qualquer repartição do ónus da prova, restaria apenas concluir que à Recorrente, e unicamente a esta, cabia provar que o documento comprovativo do exame final na disciplina de “Physics” por ela tinha sido entregue...
XXII. O que não logrou demonstrar, como bem sentenciou o TCA Sul no Acórdão recorrido.
XXIII. Dir-se-á ainda que o TAC de Lisboa deveria ter acionado o princípio non liquet perante a dúvida com que se defrontou, tendo em consideração a regra geral relativa ao ónus da prova - cabe à parte que alega - e à prova produzida em sede de audiência, decidindo a dúvida do facto contra aquele a quem este aproveitava, ou seja, contra a Recorrente.
XXIV. Ora, não cabendo à Administração provar o “não extravio da certidão”, e perante o facto de a Recorrente não ter demonstrado que entregou o documento comprovativo do exame final da disciplina de “Physics” como lhe competia, jamais poderia ser dado como provado o facto constante da alínea K) da matéria de facto ínsita na sentença proferida pelo TAC de Lisboa.
XXV. Em suma, fica demonstrado que a Recorrente não possuía os requisitos legalmente exigidos para aceder ao ensino superior e, por isso, a decisão da Administração tinha cobertura legal.
XXVI. Nesta medida, não tendo o Acórdão recorrido dado como provada a junção pela Recorrente do documento comprovativo do exame de “Physics” realizado em Junho de 2012, na 1ª fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior para o ano de 2014-2015, sendo tal omissão da sua responsabilidade, nos termos do disposto no n° 5 do artigo 21° da Portaria n° 143/2014, de 14 de julho, decidiu bem o TCA Sul quando determinou a anulação da sentença do TAC de Lisboa, quando procedeu à alteração da matéria de facto e julgou improcedente o pedido de intimação.
XXVII. Consequentemente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer erro ou vício, uma vez que não tendo ficado demonstrado/provado a junção do referido documento pela Recorrente e recaindo o ónus da prova sobre esta, não poderia o Tribunal a quo ter concluído em sentido diverso daquele em que concluiu, devendo a decisão ora posta em crise ser mantida, por legal.

A revista foi admitida pelo acórdão do STA de fls. 742 e ss., da responsabilidade da formação a que alude o art. 150º, n.º 5, do CPTA.

A sentença da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
A) A requerente concluiu, no ano lectivo de 2012-2013, o ensino secundário no Colégio Luso-Internacional do Porto [CLIP], instituição de ensino que integra o sistema educativo do Reino Unido – cfr. fls. 62, 150-153 dos autos, fls. 25 do processo administrativo (PA) e acordo das partes;
B) A requerente realizou, em Junho de 2012, os exames finais das disciplinas bianuais de Biologia e Física, da Universidade de Cambridge, exigidos para o ingresso no ensino superior do Reino Unido, os quais foram posteriormente objecto de equivalência e de conversão para o sistema de classificação português, para efeito de acesso ao ensino superior português – cfr. fls. 64-65, 152-153 dos autos, 18 do PA e acordo das partes;
C) A requerente, nos exames referidos na alínea B), obteve as seguintes classificações:
Physics = Física: C;
Biology = Biologia: C – cfr. fls. 64-65, 152-153 dos autos e 18 do PA);
D) A requerente, em Junho de 2013, realizou os exames finais das disciplinas trianuais, da Universidade de Cambridge, exigidos para o ingresso no ensino superior do Reino Unido, as quais foram posteriormente objecto de equivalência e de conversão para o sistema de classificação português, para efeito de acesso ao ensino superior português – cfr. fls. 66-67, 154-155 dos autos, fls. 26 do PA e acordo das partes;
E) A requerente, nos exames referidos na alínea D), obteve as seguintes classificações:
Portuguese = Português: A;
Environmental management = Gestão Ambiental: A;
General Paper = Disciplina Geral: B;
Mathematics = Matemática: D – cfr. fls. 66-67, 154-155 dos autos e fls. 26 do PA;
F) A requerente candidatou-se ao ensino superior português no ano lectivo de 2013-2014, tendo a candidatura sido aceite e concedida à requerente equivalência ao 12º ano de escolaridade do Ensino Secundário, pela Direcção-Geral de Educação, com a classificação final de 17,9 valores, pelo processo de equivalência 00944/EST/2013 – cfr. fls. 68 dos autos e acordo das partes;
G) A requerente ficou colocada, no âmbito do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2013-2014, no curso de Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto – cfr. fls. 69-73 dos autos;
H) A requerente reinscreveu-se, no ano lectivo de 2013-2014, no CLIP, para efeito de melhoria das notas do Ensino Secundário, tendo realizado novos exames nas disciplinas de Biologia – em Novembro de 2013 – e de Química e Matemática – em Junho de 2014 – cfr. fls. 74-76, 156-159 dos autos, fls. 24 e 27 do PA e acordo das partes;
I) A requerente, nos exames referidos em H), obteve as seguintes classificações:
Biology: A;
Mathematics: B;
Chemistry: C – cfr. fls. 74-76, 156-159 dos autos e fls. 24 e 27 do PA;
J) A requerente no dia 18 de Julho de 2014, apresentou no Gabinete de Acesso ao Ensino Superior da Universidade do Porto (GAESUP), a sua candidatura à 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior para o ano lectivo 2014-2015, ao curso de Medicina, indicando 6 preferências de "Pares instituição/curso" – cfr. fls. 78 dos autos;
K) Aquando da candidatura no GAESUP, a requerente entregou a B……………… os originais de documentos para instrução da candidatura referida em J), dentre os quais constavam quatro "certificados" a que se referem as alíneas A), B), D) e H), tendo este, por sua iniciativa, extraído cópias dos mesmos para instruir a referida candidatura, devolvendo os originais à requerente, colocando as cópias numa mesa – cfr. depoimentos infra indicados;
L) Nas cópias dos documentos referidos na alínea antecedente foi aposto carimbo e assinatura de conformidade com os originais – cfr. fls. 23, 24, 25, 26 e 27 do PA) e depoimentos infra indicados;
M) Com data de 18 de Julho de 2014 o referido técnico da Universidade do Porto entregou à requerente o instrumento de fls. 78 dos autos, subscrito pela requerente e pelo referido técnico do GAESUP B……………, de que consta o seguinte:

“ARTIGO20º-A


[...]” – cfr. fls. 78 dos autos e depoimentos infra indicados;
N) As fotocópias referidas em L) ficaram arquivadas no GAESUP – cfr. depoimento infra indicado;
O) As fotocópias referidas em L), foram digitalizadas e remetidas à Direcção-Geral do Ensino Superior [DGES] – cfr. depoimento infra indicado;
P) Com data de 22 de Agosto de 2014, a Direcção-Geral da Educação, emitiu o instrumento de fls. 77 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“[…] Para efeitos de candidatura ao Ensino Superior em 2014, e com base em elementos constantes no Processo de Equivalências Estrangeiras nº 00944/EST/2013, referente a pedido de equivalência apresentado por A……………… natural do Porto, filha de C…………….. e de D………………, portadora do Cartão de Cidadão nº ……………., válido até 18-05-2014, declara-se que a requerente apresentou documentos de cuja análise resulta que, à mesma, poderá vir a ser concedida equivalência do "AICE DIPLOMA", do Colégio Luso Internacional do Porto – CLIP, ao 12º ano de escolaridade do Ensino Secundário, com a classificação final de 19,2 (dezanove valores e duas décimas), que, arredondada às unidades, corresponde a dezanove valores, ficando essa concessão condicionada à confirmação da habilitação acima indicada, através da apresentação do original do diploma final correspondente, nos termos referidos na Informação I-DGIDC/2012/1565, DSDC-EE, de 15 de Junho, que mereceu despacho de concordância da Senhora Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário em 3 de Julho de 2012.
A presente declaração é emitida para efeitos de candidatura ao ensino superior em 2014, nos termos constantes da mesma, e não substitui o Certificado de Equivalência que venha a ser emitido por esta Direcção-Geral. [...]” – cfr. fls. 77 dos autos;
Q) Analisada a candidatura e a respectiva documentação, constante do procedimento de candidatura remetido pelo GAESUP à DGES, constatou a DGES que do mesmo não constava documento comprovativo da realização do exame final estrangeiro de Física, para efeitos de substituição da componente de Física da prova de ingresso 07 Física e Química, fixada para o acesso e ingresso nas várias opções de candidatura – cfr. fls. 21 do PA e depoimento infra indicado;
R) Com data de 7 de Setembro de 2014, a Direcção-Geral do Ensino Superior remeteu à requerente via e-mail, o instrumento de fls. 82 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte:
“[…] Concluída a 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, vimos informar que o resultado da tua candidatura foi o seguinte:
> Resultado: Excluída da candidatura, ao abrigo do artigo 57º do regulamento
> Por incumprimento do nº 4 do artigo 21º do regulamento do concurso nacional (não dispõe de opções válidas). Consultar as razões de facto na ficha individual disponível na candidatura online.
> Poderás consultar os detalhes do resultado da tua candidatura em www.dges.mec.pt/coloc/2014 a partir das 0h de dia 7 de setembro de 2014. Poderás também obter um extrato da tua candidatura iniciando sessão no sítio da candidatura anime e acedendo ao separador "Documentos".[...]” – cfr. fls. 82 dos autos;
S) A requerente efectuou a consulta da candidatura on line e obteve a informação de que "não tinha provas de ingresso" – cfr. fls. 83-84 dos autos e depoimento infra indicado;
T) Em 8 de Setembro de 2014 a requerente apresentou reclamação relativa à exclusão da [sua] candidatura ao ensino superior nos termos do instrumento de fls. 87 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“[...] vem solicitar a reapreciação da sua candidatura ao Ensino Superior, uma vez que:
1. Não é verdade que não tenha realizado "provas de ingresso", uma vez que as mesmas foram realizadas com sucesso;
2. Não foram aplicados, na apreciação da sua candidatura, os critérios definidos na Portaria 224/2006 de 6 de Março;
3. Não foi considerada a possibilidade, expressamente prevista no site da DGES, de utilização das melhores notas dos últimos 3 anos.
4. Toda a entrega de documentação e tramitação de documentos seguiu a metodologia estabelecida, desde há longos anos, entre o Ministério de Educação e o CLIP; Salienta-se que a signatária, com base nos critérios em uso, legalmente estabelecidos, candidatou-se e foi aceite, em 2013, no curso de Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e que, no presente ano, realizou provas de melhoria de notas para entrada no curso de Medicina.
Com base nas classificações obtidas e nos critérios legalmente estabelecidos, a signatária obteve uma classificação de acesso de 181,0, o que lhe garantiria o ingresso no curso de Medicina ministrado pelo ICBAS da Universidade do Porto, o que pela presente, expressamente se solicita.
Atento o período de matrículas já iniciado, e o iminente início das aulas, solicita-se o deferimento da presente reclamação com a máxima urgência. [...]” – cfr. fls. 85-87 dos autos e fls. 13-20 do PA;
U) Em anexo à reclamação referida na alínea antecedente a requerente juntou, entre outros documentos, o documento comprovativo da realização do exame final de Física, referido em B) – cfr. fls. 13-20 do PA, maxime fls. 18 do PA;
V) Com data de 19 de Setembro de 2014 o mandatário da requerente apresentou ao Senhor Director-Geral da Direcção-Geral do Ensino Superior Senhor Professor Doutor …………., o instrumento de fls. 88-93 dos autos, pelo qual solicitou que lhe prestasse informação sobre o estado do procedimento administrativo de apreciação da reclamação e requereu a passagem de certidão de todos os documentos constantes do seu processo de candidatura ao ensino superior para o ano lectivo 2014/2015, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“[...] 1. A requerente concluiu o ensino secundário, no ano lectivo de 2012-2013, no Colégio Luso-Internacional do Porto (CLIP), sendo as classificações obtidas na dita instrução objeto de equivalência nos termos prescritos na Portaria nº 224/2006, de 08.03, e no Decreto-Lei nº 227/2007, de 28.12.
2. No ano de 2013, a requerente realizou, com sucesso, todos os exames equivalentes às provas de ingresso exigidas, tendo acedido, no ano letivo de 2013-2014, ao curso de Bioquímica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Porto.
3. Não obstante, a requerente sempre pretendeu ingressar no curso de Medicina, pelo que, no ano letivo de 2013-2014, optou por realizar melhoria de notas aos exames equivalentes, de acordo com a legislação aplicável, às provas de ingresso exigidas para o acesso ao curso de medicina.
4. Os referidos exames foram concluídos com sucesso e as classificações respetivas foram certificadas e convertidas (para o sistema português) pelo Colégio Luso Internacional do Porto.
5. A requerente, a 18 de julho de 2014, apresentou a sua candidatura ao ensino superior de acordo com todos os trâmites legais e regulamentares aplicáveis, colocando como opções os cursos de medicina de diversas instituições nacionais, conforme se pode constatar da análise da sua candidatura.
6. Para o efeito, foi entregue junto dos Vossos Serviços toda a documentação necessária, como é possível confirmar através da ficha comprovativa da entrega dos documentos exigidos pelo artigo 3º do Regulamento de aplicação do disposto no artigo 20º-A do Regime de Acesso e Ingresso no Ensino Superior.
7. A supra referida ficha fazia menção expressa à realização de exames de melhoria de nota, equivalentes às provas de ingresso, tendo, no referido documento, informado expressamente que seria emitida a declaração de equivalência das mesmas.
8. A supra referida documentação foi entregue nos Vossos Serviços pelo Colégio Luso-Internacional do Porto, de acordo com o procedimento há muito adotado por esta instituição de ensino (CLIP) e pelo Ministério da Educação e Ciência, e com base no regime normativo aplicável.
[...]
5) Julgar procedente a reclamação apresentada, em 08.09.2014, contra o ato de exclusão da candidatura, e, consequentemente, seja em sua substituição praticado um ato de retificação, nos termos do artigo 58º do Regulamento aprovado pela Portaria nº 143/2014, de 14.07, passando a requerente à situação de colocada no par instituição/curso a que teria direito caso a sua candidatura não tivesse sido rejeitada. [...]” – cfr. fls. 88-96 dos autos e fls. 5-10 do PA;
W) Com data de 9 de Outubro de 2014 a ER remeteu à requerente o instrumento de fls. 112-113 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“[…] 6. Consideradas as classificações resultantes dessa reanálise, mantém a situação de EXCLUÍDA com o seguinte fundamento:
No âmbito da instrução da candidatura, realizada junto do Gabinete de Acesso ao Ensino Superior da Universidade do Porto, não foi apresentado qualquer documento comprovativo da realização de exame final estrangeiro de Física, para efeitos de substituição da componente de Física da prova de ingresso 07 Física e Química, fixada para acesso e ingresso nas várias opções de candidatura.
Em sede de reclamação apresenta o General Certificate of Education, obtido em Junho de 2012, com a realização de um exame de Physics.
Não comprovando a entrega do referido Certificado – GCE no âmbito da instrução da candidatura, não reúne condições para a substituição da prova de ingresso 07 Física e Química, em conformidade com o disposto no artigo 20º-A do Decreto-Lei nº 296-A/98, de 25 de Setembro, e na Deliberação da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior nº 1229/2013, de 30/05, retificada pela Declaração de Retificação nº 804/2013, de 18/07, e pela Declaração de Retificação nº 1217/2013, de 18/11. [...]” – cfr. fls. 112-113 dos autos e fls. 12 do PA;
X) O pedido referido em V) foi decidido, por despacho do Senhor Subdiretor-Geral do Ensino Superior, no qual foi aposto a data de "24-9-2014" exarado na informação nº 1/DSAES/2014/227, tendo sido indeferida a reclamação com o fundamento de a requerente não ter apresentado no acto de candidatura o documento comprovativo da realização do exame final estrangeiro de Física, para efeitos de substituição da componente de Física da prova de ingresso 07 Física e Química, fixada para acesso e ingresso nas várias opções de candidatura, uma vez que as regras concursais do concurso em apreço não permitem a entrega da documentação em falta em sede de reclamação, tendo o pedido de passagem de certidão sido deferido, nos termos do instrumento de fls. 2-4 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
Y) Com data de 27 de Outubro de 2014 a ER remeteu à requerente o instrumento de fls. 1 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“[…] notifico V. Exa. do meu despacho de 24 de Outubro de 2014, que indeferiu o pedido de julgar procedente a reclamação apresentada em 08-09-2014 contra o acto de exclusão da candidatura (...) com os fundamentos constantes da informação em anexo. [...]” – cfr. fls. 1 do PA;
Z) E………………. foi o último candidato colocado na Universidade do Porto – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no curso de Medicina, Mestrado Integrado, com o nº de ordem .... e com a nota de 181,0 pontos, com 169,00 nas provas de ingresso e 193 de média do ensino secundário – cfr. fls. 114-117 dos autos;
AA) F……………….., com o nº de ordem ........, foi colocado na Universidade do Porto – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no curso de Medicina, Mestrado Integrado, com a nota de 181,0 pontos, com 170,00 nas provas de ingresso e 192 de média do ensino secundário – cfr. fls. 118-129 dos autos.

O acórdão recorrido alterou essa decisão de facto relativamente ao ponto referido na al. K), a que deu a seguinte redacção:
Aquando da candidatura no GAESUP, a requerente entregou a B…………… os originais de documentos para instrução da candidatura referida em J), dentre os quais constavam três «certificados» a que se referem as alíneas A), D) e H), tendo este, por sua iniciativa, extraído cópias das mesmas para instruir a referida candidatura, devolvendo os originais à requerente, colocando as cópias numa mesa.

Passemos ao direito.
A aqui recorrente, que em 2014 requerera o ingresso no curso de Medicina, viu a sua candidatura excluída porque lhe não juntou o documento comprovativo do exame de Física, por si realizado em 2013. Então, e sustentando que o documento em falta instruíra deveras a candidatura, ela instaurou contra o MEC o processo de intimação dos autos, para protecção de direitos, liberdades e garantias (arts. 109º e ss. do CPTA).
O TAF de Lisboa considerou provado que a requerente, ao candidatar-se em 2014 ao ensino superior, entregara aquele documento – que a Administração posteriormente extraviou; daí que a sentença intimasse o MEC a admitir a candidatura da requerente nesse ano lectivo de 2014/2015 e a colocá-la numa vaga de um curso de Medicina. Todavia, o TCA-Sul modificou tal julgamento de facto, visto que decidiu não estar provado que a requerente instruíra a sua candidatura de 2014 com o documento comprovativo do exame de Física. Por isso, o acórdão ora «sub specie» concluiu pela bondade da exclusão da candidatura da aqui recorrente e pela improcedência do pedido de intimação.
Nesta revista, a recorrente dirige ao aresto cinco fundamentais censuras: «primo», diz que ele é nulo por não se haver pronunciado sobre a relevância da entrega ao MEC – aquando da candidatura ao ensino superior que a requerente formulara no ano de 2013 – do documento comprovativo desse exame de Física; «secundo», afirma que o novo julgamento de facto feito pelo TCA ofendeu, no seu processo e no seu resultado, as regras legais em que se disciplinam a atendibilidade de meios de prova e a força probatória dos documentos autênticos; «tertio», considera que o aresto inverteu o «onus probandi», já que competiria à Administração provar que o documento em falta não acompanhara a candidatura; «quarto», clama pela relevância do documento referente ao exame de Física e entregue ao MEC um ano antes; «quinto», invoca a inconstitucionalidade das normas regulamentares em que a exclusão se fundou, na medida em que elas violariam os direitos fundamentais que a intimação dos autos visa proteger.
Comecemos pela arguição de nulidade. Esta denúncia da recorrente funda-se na ideia de que fora colocada nos autos uma certa «quaestio juris»: a de saber se – independentemente de estar completa ou incompleta a instrução da candidatura apresentada em 2014 – a exclusão da recorrente sempre seria ilegal em virtude do MEC já dispor, desde 2013, do documento que comprovava a feitura do exame de Física. Porém, esta precisa questão não fora enunciada pela recorrente, no seu requerimento inicial, como um fundamento autónomo da ilegalidade do acto de exclusão. E a questão também não foi posta, com esse sentido e alcance, na contra-alegação dirigida ao TCA – «situs» onde a recorrente, aludindo embora à entrega de tal documento em 2013, daí não extraiu quaisquer consequências invalidantes do acto que a excluíra nem pediu, sequer, uma correlativa ampliação do «thema decidendum» (art. 636º do CPC).
Assim, é falso que a ora recorrente houvesse suscitado junto do TCA a questão jurídica de saber se um documento por si entregue em 2013 relevava na candidatura que apresentou em 2014. E, na medida em que essa matéria não foi submetida à consideração do TCA, este não tinha o dever de a decidir (art. 608º, n.º 2, do CPC) – de modo que, não o fazendo, incorresse em omissão de pronúncia (art. 615º, n.º 1, al. d), do CPC).
Isto afasta, «de plano», a arguida nulidade do acórdão. E facilita a abordagem imediata de uma questão de mérito conexa – ligada à quarta censura que «supra» elencámos.
A recorrente disse que o TCA tinha o dever de se pronunciar sobre a relevância, na sua candidatura de 2014, de um documento por si entregue em 2013. Constatámos que esse dever processual não existia porque o assunto não chegara a ser colocado. Mas importa dizer mais: mesmo que essa problemática constasse da apelação, o TCA não poderia decidi-la, sob pena de extravasar da causa de pedir e assim violar a estabilidade da instância (art. 260º do CPC).
Na verdade, o requerimento inicial é claríssimo no sentido de que a «causa petendi» da intimação consistia no facto do documento alegadamente em falta ter realmente acompanhado a candidatura oferecida em 2014. Foi isso, e apenas isso, que a ora recorrente invocou como fundamento do pedido de intimação, pois o seu longo «excursus» sobre a ofensa de direitos fundamentais (arts. 70º a 94º do requerimento inicial) não foi assumido como uma autónoma fonte de ilegalidade, mas como um resultado desta – para além de constituir uma justificação preliminar da opção pelo meio processual utilizado. Portanto, e «in initio litis», a recorrente não filiou o efeito jurídico pretendido – ou seja, o reconhecimento judicial da ilegalidade da pronúncia que a excluíra e a paralela intimação para ser admitida no «status» adequado – no documento que ofereceu em 2013. Assim, este pretérito oferecimento não integrava a «causa petendi» do pleito, motivo por que as instâncias estavam absolutamente impedidas de julgar o pedido de intimação por esse diverso prisma. E o mesmo sucede, ademais «a fortiori», quanto aos poderes de cognição deste STA. Desde logo, é impossível que o STA aborde e julgue o presente caso fora da causa de pedir enunciada e fixada; depois, e porque o presente recurso é de mera revisão, impossível se torna ainda que o STA enfrente uma questão – a da relevância do documento apresentado em 2013 – que não fora considerada nem decidida pelo aresto «sub specie».
Deste modo, tudo o que a recorrente alegou na sua revista em prol da atendibilidade do documento oferecido em 2013 cai pela base, por extravasar da estrutura da lide delineada «in initio» e por nem sequer se adequar ao objecto e ao âmbito do actual recurso. Donde se segue a improcedência ou a irrelevância de todas as conclusões ligadas a tal matéria.
E razões semelhantes levam ao afastamento da quinta censura que acima referimos.
Ao agora pretender que a intimação vingue através da desaplicação de várias normas regulamentares convocadas pelo acto de exclusão, a recorrente afasta-se novamente da «causa petendi» invocada e atendível. Mas não é processualmente aceitável essa modificação da causa de pedir numa fase de recurso. E aplicam-se aqui, «mutatis mutandis», as considerações atrás expostas a propósito de um desvio similar.
Deste modo, e porque a recorrente não questionou, «in initio litis», a aplicabilidade das normas procedimentais assumidas como fundamento do acto de exclusão – já que se limitou a criticá-lo no plano dos seus pressupostos de facto – toda essa matéria excede a fisionomia da lide e não integra o «thema decidendum» do actual recurso. Pelo que soçobram também todas as conclusões respectivas.
Consideremos agora as outras questões de mérito enunciadas na revista.
Já vimos que o TCA refez o julgamento de facto produzido na 1.ª instância, porquanto decidiu não estar provado que a ora recorrente tivesse instruído a sua candidatura de 2014 com o documento comprovativo do exame de Física. Esse juízo do TCA é agora insindicável, salvo ocorrendo alguma das hipóteses referidas no art. 150º, n.º 4, do CPTA. E a recorrente procura enquadrar o assunto nesta norma, já que qualifica a «check list» – emanada do funcionário que recebeu a sua candidatura – como um documento, aliás autêntico, demonstrativo de que ela então entregara aquele dado documental.
Independentemente da «check list» ser um documento autêntico ou apenas particular, a recorrente teria, obviamente, razão se nela se referisse que o comprovativo do exame de Física fora apresentado (arts. 371º, n.º 1, e 376º, n.º 1, do Código Civil). Contudo, não consta dessa lista o reconhecimento, claro e preciso, de que o funcionário realmente recebeu tal documento – e este é o «punctum saliens» do dissídio. Perante essa falta de menção na lista, não se pode dizer que esta plenamente provava que o documento acerca do exame de Física acompanhou a candidatura apresentada pela recorrente em 2014. Donde se segue que o TCA, ao julgar que não se provara esse oferecimento concomitante, não afrontou qualquer força probatória oposta, atribuível à dita «check list» – o que coloca imediatamente o assunto à margem do regime da produção e atendibilidade da chamada «prova do contrário» (art. 347º do Código Civil).
E, precisamente porque esse facto – a entrega em 2014 do documento relacionado com o exame de Física – não estava plenamente provado, qualquer juízo factual que o TCA tivesse de emitir sobre o assunto não sofria do constrangimento previsto no art. 393º, n.º 2, do Código Civil. Assim, e para julgar se o mesmo facto haveria de se considerar provado ou não, o TCA podia recorrer – como fez – a quaisquer elementos probatórios obtidos no processo, exercendo essa actividade de acordo com o efectivo teor da «check list» e o princípio da livre apreciação das provas.
É agora certo que o aresto recorrido, ao alterar o sobredito ponto de facto, não ofendeu o art. 150º, n.º 4, do CPTA. Isto é assim porque não havia qualquer instrumento cuja força probatória apontasse numa direcção díspar; e porque nenhuma norma exigia que a solução dessa questão de facto assentasse numa determinada espécie de prova. Consequentemente, a alteração que o TCA introduziu no julgamento de facto, e contra a qual a recorrente se insurge, apresenta-se-nos como inatacável.
Consequentemente, improcedem todas as conclusões em que a recorrente preconiza a supressão da mudança introduzida pelo TCA na factualidade relevante.
A alteração factual efectuada pelo aresto recorrido tornou incerto que a aqui recorrente tivesse instruído a sua candidatura de 2014 com o documento acerca do exame de Física. Há, pois, um «non liquet» quanto a esse ponto, o que significa que está verificado o antecedente necessário do funcionamento das regras do «onus probandi».
Aplicando-as, o acórdão «sub specie» disse que impendia sobre a recorrente o ónus de provar a entrega, aquando da candidatura, do documento cuja falta acarretou a sua exclusão. Mas a recorrente sustenta que não é assim, multiplicando os argumentos em prol da inversão desse ónus – para que incumbisse à Administração a prova, negativa, de que o documento não fora oferecido.
Desde logo, a recorrente considera que a responsabilidade do funcionário recebedor da candidatura constitui razão bastante para que o referido «onus probandi» se inverta. Contudo, essa responsabilidade não está devidamente averiguada e medida; e não se percebe porque tal inversão haveria de dar-se, visto que um hipotético erro do funcionário – fosse ele qual fosse – não seria assimilável ao estatuído no art. 344º do Código Civil.
Depois, a recorrente funda a pretendida inversão do ónus em razões de «normalidade». Mas, à partida, a falta do documento no processo de candidatura tanto se podia dever ao seu extravio como à omissão da sua entrega – por a candidata, fiando-se na apresentação realizada no ano anterior, supor desnecessário repeti-la. De todo o modo, «normalidade» significa aqui «probabilidade». Ora, a consideração do que era provável ou normal constituía um elemento a ter em conta no julgamento de facto que o TCA emitiu; trata-se, portanto, de assunto excluído dos poderes de cognição deste STA e, enquanto integrado no juízo probatório, insusceptível de inverter o ónus da prova (art. 344º do Código Civil).
A recorrente também afirma que a questão factual a dirimir consiste no «não extravio do documento», facto este que seria modificativo da sua entrega oportuna e que, nessa medida, haveria de ser provado pela Administração (art. 342º, n.º 2, do Código Civil). Mas esta tese fracassa. Ao recusar o extravio do documento, a Administração prolonga a recusa fundamental – a de que ele tivesse sido oportunamente fornecido. Ora, uma defesa que invoque tais recusas coloca-se no estrito plano da impugnação directa (art. 571º do CPC) – e não no das excepções, a que se reporta o art. 342º, n.º 2, do Código Civil.
Aliás, a mera circunstância do facto a provar não caber nesse n.º 2 aponta logo para que o ónus da prova deva resolver-se pelo critério do art. 342º, n.º 1, do Código Civil. E esta é a solução óbvia: se o acto de exclusão se baseou na falta de entrega de um documento, o ataque mais directo a tal pronúncia passava pela recorrente alegar e provar que o entregara.
Decerto que esta regra cederia se o caso se inscrevesse nalguma das hipóteses do art. 344º do Código Civil; e a recorrente di-lo, pois preconiza a inversão do «onus probandi», «ex vi» do n.º 2 do artigo. No entanto, esta norma só pode ser activada «quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado». Prevêem-se aí situações em que a prova do facto, inicialmente possível, deixou de sê-lo por causa de uma conduta censurável que a parte adversa entretanto adoptou. Mas isto nada tem a ver com o caso dos autos, já que a dificuldade de provar a entrega do documento com a candidatura é originária, não tendo sido agravada ou impossibilitada por qualquer comportamento posterior da Administração.
Por último, a recorrente diz que a distribuição do ónus da prova deve fazer-se de maneira a evitar alguma compressão de direitos fundamentais. E, como ela baseou o pedido de intimação na necessidade de proteger direitos do género (direito ao ensino, direito de acesso ao ensino superior, liberdade de escolha da profissão e princípio da igualdade), sustenta agora que a eminência desses fins justifica a inversão do «onus probandi».
Mas convém descer à realidade. O caso julgado formal quanto à propriedade do meio adjectivo utilizado impede-nos de questionar que este dissídio se repercuta nos direitos e liberdades supostamente ofendidos. Porém, não nos impede de discernir que o ponto factual em aberto tende exclusivamente a apurar se uma candidatura ao ensino superior foi bem ou mal instruída. Esse ponto é o antecedente imediato da fundamental questão discutida nos autos – a qual consiste em saber se a Administração cumpriu a lei ao excluir a aqui recorrente do concurso. Assim, tudo o que a recorrente alegou a propósito de princípios, direitos e liberdades constitucionalmente consagrados tendeu à aceitação «in judicio» deste processo urgente – para depois obter o resultado expedito que ele proporcionava. Mas essa referência a princípios e a normas constitucionais só remotamente se ligava ao que verdadeiramente havia para discutir; pois, se a exclusão da recorrente se mostrasse «secundum legem», nenhumas razões fundadas no princípio da igualdade, no direito ao acesso ao ensino superior ou na liberdade de escolha da profissão permitiriam discriminá-la relativamente aos demais candidatos, facultando-lhe um acesso que, nas mesmas circunstâncias, aos outros seria negado.
Portanto, os «direitos fundamentais» continuamente aludidos na revista estão muito além do horizonte em que agora se resolve o problema do ónus da prova. Este respeita, como vimos, à dúvida sobre se um documento acompanhou, ou não, a candidatura excluída. Ora, o direito substantivo então aplicável dizia que os erros ou omissões cometidos na instrução do processo de candidatura eram da exclusiva responsabilidade dos candidatos (art. 21º, n.º 5, do regulamento aprovado pela Portaria n.º 143/2014, de 14/7). Perante isto, e à luz da regra do art. 342º, n.º 1, do Código Civil, à recorrente incumbia fazer a prova da entrega concomitante do exame de Física. E as excepções a tal regra, acolhidas no art. 344º do Código Civil, não se adequam às peculiaridades do presente caso.
Sendo assim, o TCA, ao onerar a recorrente com a prova do facto, decidiu de acordo com as normas do Código Civil. E, como o regime do ónus da prova aí está minuciosamente regulado, não colhe a sugestão, adiantada pela recorrente, de que agora criássemos uma norma «ad hoc» nesse campo – visto que um tal exercício estaria desenquadrado da previsão do art. 10º, n.º 3, do Código Civil.
No fundo, e neste domínio do «onus probandi», a recorrente solicita ao tribunal uma solução particular. Mas uma solução que seria ofensiva das regras deste tipo de concursos e, ademais, impraticável; pois, se lhe atribuíssemos alcance universal – indispensável para evitar que a recorrente beneficiasse duma solução de privilégio – cair-se-ia no absurdo de, doravante, onerar a Administração com a prova de todos os erros e deficiências causais das exclusões que decretasse em tais procedimentos.
Pelo exposto, e após a alteração introduzida na matéria de facto, só havia uma maneira de distribuir o ónus da prova do facto relativo à apresentação do documento comprovativo do exame de Física – e essa foi a adoptada pelo TCA. Daí que a dúvida sobre a realidade do facto se resolvesse contra a ora recorrente (art. 414º do CPC), ou seja, a causa haveria de ser julgada tomando-se como verdadeiro o pressuposto fundamental do acto de exclusão – o de que aquele documento não acompanhara a candidatura da recorrente.
E foi essa a via que o acórdão recorrido trilhou, não se detectando um qualquer vício ou erro no trânsito lógico que, partindo da deficiência instrutória da candidatura, acabou por terminar numa pronúncia de exclusão da candidata. Aliás, no seu requerimento inicial, a ora recorrente também não questionou esse trânsito, isto é, não incluiu na «causa petendi» uma qualquer razão fáctica ou jurídica que inviabilizasse a exclusão de uma candidatura documentalmente incompleta.
Nesse campo, o TCA decidiu outra vez bem. O ingresso no ensino superior português depende de uma prova de capacidade (art. 7º do DL n.º 296-A/98, de 25/9), obtida em provas de ingresso ou, para os estudantes titulares de cursos não portugueses – como era o caso da ora recorrente – em exames finais dotados de equivalência (arts. 17º e 20º-A do mesmo diploma). E as candidaturas ao ensino superior integram um concurso nacional cujo regulamento, para o ano lectivo de 2014/15, estava na Portaria n.º 143/2014, de 14/7 (art. 27º do DL n.º 296-A/98).
Ora, nos termos do art. 30º desse regulamento, os candidatos na situação da recorrente deviam entregar, num GAES, os documentos que contivessem as classificações obtidas nos exames finais substitutivos das provas de ingresso; e um desses documentos era, para o curso de Medicina, o demonstrativo do exame de Física (art. 20º-B do DL n.º 296-A/98).
«In casu», a recorrente não provou, como lhe competia, que entregara o comprovativo desse exame. Sendo assim, a sua candidatura estava incompleta – devido a uma omissão que, à luz do art. 21º, n.º 5, do regulamento, lhe era imputável. Assim, ela candidatou-se em 2014 ao ensino superior sem demonstrar que dispunha de todas as condições para concorrer. E, na falta dessas condições, a Administração estava automaticamente vinculada a excluí-la do concurso (arts. 39º e 57º do regulamento), tal e qual fez – sem que essa sua pronúncia sofresse quaisquer constrangimentos derivados de uma ponderação de «direitos fundamentais», como a recorrente parece supor.
Deste modo, revelam-se improcedentes ou irrelevantes todas as censuras dirigidas ao acórdão «sub specie»; o qual, para além de não ser sindicável quanto ao julgamento de facto que efectuou, resolveu com acerto as várias «quaestiones juris» que se lhe colocavam.

Nestes termos, acordam em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2016. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Francisco Fonseca da Paz.