Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0227/13.5BEPDL 0225/18
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IVA
VALOR TRIBUTÁRIO
SUBVENÇÃO
PROGRAMA POSEIMA
DIREITO COMUNITÁRIO
QUESTÃO PREJUDICIAL
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:I - O sistema europeu comum do I.V.A. prevê o tratamento das subvenções, essencialmente, em duas vertentes. A primeira vertente estatui que as subvenções devem ser incluídas na base tributável do imposto e assim sujeitas a tributação, quando directamente relacionadas com o preço das operações tributáveis praticadas pelos sujeitos passivos (cfr.artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A.; artº.11-A, nº.1, al.a), da Sexta Directiva I.V.A., 77/388/CEE do Conselho, 17/05/1977; artº.73, da Directiva I.V.A., 2006/112/CE do Conselho, 28/11/2006). Uma segunda vertente consubstancia-se na sua inclusão no denominador da fracção para efeitos de cálculo do "pro rata", causando deste modo efeitos no cálculo do direito à dedução dos sujeitos passivos mistos. A técnica que prevê a inclusão da subvenção no valor tributável é de aplicação obrigatória, enquanto a técnica que prevê que as subvenções possam ser consideradas no denominador da fracção para o cálculo da percentagem de imposto a deduzir é optativa.
II - O conceito de subvenção/subsídio reporta-se à atribuição a um sujeito passivo de I.V.A., por parte de um organismo internacional ou de um organismo público nacional, ou a expensas destes, de uma prestação de carácter patrimonial, assumindo o sujeito passivo subvencionado o compromisso de adoptar uma determinada conduta, prosseguir um dado objectivo ou realizar um certo projecto ou tarefa, de que a entidade que concede a subvenção não é a directa beneficiária/destinatária, mas que visa a satisfação de uma necessidade colectiva ou ir ao encontro de um interesse público considerado relevante.
III - De acordo com o legislador nacional, as ajudas concedidas no âmbito do programa "Poseima" são equiparadas a subvenções directamente conexas com o preço das operações, nessa medida devendo ser incluídas no valor tributável em I.V.A., tudo para efeitos do disposto no citado artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A. (cfr.artº.34, nº.4, da Lei 127-B/97, 20/12 - OE 1998).
IV -.O direito comunitário, originário ou derivado, vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade directa e do efeito directo (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa).
V - O artº.34, nº.4, da Lei 127-B/97, 20/12 - OE 1998 (ao estatuir que as ajudas concedidas no âmbito do programa "Poseima" são equiparadas a subvenções directamente conexas com o preço das operações, nessa medida devendo ser incluídas no valor tributável em I.V.A., tudo para efeitos do disposto no citado artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A.) não é desconforme ao direito e à jurisprudência comunitários.
VI. A figura do reenvio de questão prejudicial pode ter por objecto a resposta a um de dois assuntos, tudo conforme se encontra consagrado no actual artº.267, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (cfr.anteriormente o artº.234, do Tratado C.E.):
a-A interpretação de uma disposição de direito comunitário;
b-A interpretação e/ou apreciação da validade de um acto emanado das instituições comunitárias.
VII - O T.J.U.E. apenas admite três excepções à obrigação de reenvio de questão prejudicial, sem prejuízo da existência de questões prejudiciais facultativas:
a-Falta de pertinência da questão suscitada no processo;
b-Existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo T.J.U.E.;
c-Total clareza da norma em causa (teoria do acto claro).
VIII - A questão prejudicial a reenviar só se coloca se o Juiz nacional se confronta com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário e se a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, ou seja, mostra-se necessária para o julgamento da causa. Já assim não será se, nomeadamente, a apreciação da legalidade das liquidações em causa não convoca a aplicação de normas de direito comunitário, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26131
Nº do Documento:SA2202007010227/13
Data de Entrada:03/07/2018
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A………., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Ponta Delgada, exarada a fls.50 a 59 do processo, a qual julgou improcedente a presente impugnação, pela mesma sociedade intentada, tendo por objecto mediato os actos de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, referentes ao ano de 2009 e no montante total de € 132.941,87.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.69 a 76 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Pela sua natureza e enquadramento jurídico face às normas que as instituíram e regulamentaram, as ajudas, aqui em causa, concedidas à recorrente ao abrigo do Programa Poseima, constituem subvenções que, contrariamente ao entendimento da douta sentença recorrida, não estão diretamente relacionadas com o preço das operações, na acepção do Artigo 73º da Diretiva IVA (nem do Artigo 11.°A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva);
B-Embora não seja conhecida jurisprudência especificamente sobre as ajudas do Programa Poseima, existe uma larga jurisprudência do TJUE sobre a interpretação da norma do artº 73º da Diretiva IVA (bem como do anterior artº 11º, A), nº 1, a), da Sexta Diretiva, com a mesma redação). E essa jurisprudência, do TJUE e também do STA, contrariamente ao julgamento feito pela sentença recorrida, vai, clara e uniformemente, no sentido de uma interpretação restritiva da norma, concretamente quanto aos pressupostos da noção normativa de “subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações”. O que reforça a legítima conclusão de que as ajudas ao abrigo do Programa Poseima, de acordo com tal jurisprudência, não podem ser tratadas como subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos da sua subsunção na norma do artº 73º da Diretiva e, consequentemente, não podem ser sujeitas a tributação em sede de IVA;
C-O legislador do artº 34º, nº 4, da Lei nº 127-B/97, de 20 de Dezembro, ao vir equiparar, formalmente, as ajudas do Poseima às subvenções contempladas no artº 16º, nº 5, alínea c), do CIVA, apenas para efeitos da sua tributação, veio reconhecer, expressamente, que tais ajudas, na sua substância e materialidade, não são subvenções diretamente conexas com o preço das operações;
D-Não sendo, materialmente, subvenções diretamente conexas com o preço das operações, as ajudas do Poseima não têm enquadramento no conceito de subvenções tributáveis em IVA previstas no artº 73º da Diretiva IVA, pelo que não podem ser sujeitas a este imposto;
E-Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o artº 34º, nº 4, da Lei nº 127-B/97, de 20 de Dezembro, ao equiparar as ajudas do Poseima às subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos de tributação em IVA, é uma norma inválida face ao Direito Comunitário, por ilegalidade material, por violação do artigo 73º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva IVA) e do anterior artigo 11.º A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva, bem como, contraria toda a jurisprudência do TJUE sobre a interpretação daquelas normas;
F-Por todo o exposto, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, por erro de interpretação e determinação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que deverá ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente, por provada e, consequentemente, determine a anulação da liquidação impugnada, por ilegalidade. Conforme peticionado;
G-Normas jurídicas violadas pela sentença recorrida: − artigo 73º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva IVA) e do anterior artigo 11.º A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva.
Colendos Juízes Conselheiros,
Ao contrário do julgamento que, desta questão, fez a douta sentença recorrida, entende a recorrente que a jurisprudência do TJUE aqui citada vai, claramente, no sentido de que as ajudas comunitárias em causa, concedidas à recorrente ao abrigo do Programa Poseima, não revestem a natureza de subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações, pelo que não integram o valor tributável para efeitos de IVA, sendo essa a interpretação que deverá ser feita do artº 73º da atual Diretiva IVA.
No entanto, no caso de V. Exas., Colendos Juízes Conselheiros, entenderem que não existe uma resposta clara quanto à questão de saber se as ajudas concedidas ao abrigo do Programa Poseima são ou não subsumíveis no conceito de “subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações”, para efeitos do disposto no artº 73º da Directiva IVA, entende a recorrente que deverá esse Supremo Tribunal proceder ao reenvio prejudicial da questão em análise, e de outras questões que entenda suscitar, para o TJUE, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
O QUE SE REQUER.
Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que V. Exas, Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, comprovando-se que a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, não podendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente.
V. Exas., porém, melhor decidirão, julgando conforme for de JUSTIÇA!
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A entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.82 a 84 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-A sentença recorrida – após aturada análise – sintetiza o seu exame nas seguintes premissas: os pagamentos efetuados à recorrente ao abrigo do programa POSEIMA, são provenientes de fundos da União Europeia; estes pagamentos destinam-se a minorar o impacto dos sobrecustos de abastecimento em produtos agrícolas essenciais para o consumo ou a transformação na região dos Açores; existe repercussão ao nível dos custos de produção e ao nível dos preços ao consumidor; e o benefício do regime específico de abastecimento fica subordinado à repercussão efetiva, até ao utilizador final, da vantagem económica resultante da isenção do direito de importação ou da ajuda, sendo que os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar o cumprimento do regulamento, considerando o pagamento das subvenções ao abrigo do programa Poseima subsumíveis a IVA;
B-Efetivamente, a norma introduzida no Orçamento de Estado para 1998 equiparou as ajudas POSEIMA a subvenções diretamente conexas com o preço das operações, pelo que os beneficiários daquelas ajudas são obrigados a liquidar o IVA referente às ajudas recebidas;
C-O facto de as normas comunitárias não terem enquadrado tais subvenções como ajudas à produção veio permitir que o legislador português enquadrasse e viesse a equiparar tais subvenções como diretamente conexas com o preço das operações;
D-A norma da citada Lei do Orçamento não contende com qualquer norma do Direito Comunitário a que, por força do primado do direito convencional, haja de ser dada prevalência;
E-Nesse sentido decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de setembro de 2010, no âmbito do processo n.º 03740/10, da Secção de Contencioso Tributário, 2.º Juízo, consultável em www.dgsi.pt.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.89 e 90 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.91 e verso do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.50 a 52 do processo físico):
1-A sociedade A………., S.A., tem sede na rua ……….., n.º ………., 9500-………., Ponta Delgada, dedicando-se à atividade principal de “fabricação de alimentos para animais”, correspondente ao CAE 10.912 (cfr.fls. 17 e 19 do processo administrativo);
2-No âmbito da sua atividade, a impugnante tem introduzido na Região Autónoma dos Açores, mercadorias para abastecimento, destinadas à transformação, que beneficiaram da ajuda estabelecida no Programa Comunitário de Opções Específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores - POSEIMA (por confissão);
3-A sociedade A………, S.A., foi objeto de uma ação de fiscalização externa, de âmbito geral, incidente sobre o exercício de 2009, a qual se desenvolveu a coberto da ordem de serviço n.º OI201000207, da Direção de Finanças de Ponta Delgada, e teve inicio em 3 de março de 2012 (cfr.fls. 17 do processo administrativo);
4-Em 3 de agosto de 2012, a divisão de inspeção tributária da Direção de Finanças de Ponta Delgada elaborou o relatório de inspeção, na qual se propôs a correção ao IVA do exercício de 2009, no valor de € 118.992,57, com fundamento no facto de a sociedade A………, S.A., ter introduzido rações, na Região Autónoma dos Açores, que beneficiaram da ajuda estabelecida no Programa Comunitário de Opções Específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores - POSEIMA, sem que tivesse liquidado o IVA respeitante a essas ajudas (cfr.fls. 13 a 27 do processo administrativo);
5-O relatório de inspeção referido foi aprovado por despacho do Diretor de Finanças de 20 de setembro de 2012 (cfr.fls.13 do processo administrativo);
6-Em 13 de outubro de 2012, em consequência da ação inspetiva, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada efetuou as seguintes liquidações adicionais do IVA e respetivos juros compensatórios, em nome da sociedade A………., S.A.:
- período de 0901, liquidação n.º 12122628, no valor de € 17.985,52, e liquidação de juros compensatórios nº 12122629, no valor de € 2.528,81.
- período de 0906, liquidação n.º 12122630, no valor de € 20.814,44, e liquidação de juros compensatórios nº 12122631, no valor de € 2.577,57.
- período de 0909, liquidação n.º 12122632, no valor de € 28.536,36, e liquidação de juros compensatórios nº 12122633, no valor de € 3.246,11.
- período de 0910, liquidação n.º 12122634, no valor de € 35.550,79, e liquidação de juros compensatórios nº 12122635, no valor de € 3.927,14.
- período de 0912, liquidação n.º 12122636, no valor de € 16.105,46, e liquidação de juros compensatórios nº 12122637, no valor de € 1.669,67
(cfr.fls. 11 e 12 do processo administrativo);
7-Em 3 de maio de 2013, a sociedade A…………, S.A., apresentou uma reclamação graciosa contra os atos de liquidação do IVA referenciados em 6 (cfr. fls. 3 a 9 do processo administrativo);
8-Em 28 de novembro de 2013, o Diretor de Finanças de Ponta Delgada decidiu indeferir a reclamação graciosa (cfr.fls. 46 do processo administrativo);
9-A Direção de Finanças de Ponta Delgada enviou o ofício n.º 4732, dirigido à sociedade A………., S.A., através da carta registada com aviso de receção n.º RM698331734PT, cujo talão de receção se mostra assinado a 3 de Dezembro de 2013 (cfr.fls. 43, 44 e 45 do processo administrativo).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Da instrução da causa inexistem factos não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O Tribunal fundou a sua convicção com base nos documentos juntos ao processo administrativo apenso.
Quanto à matéria em 2), o Tribunal teve em consideração o alegado pela impugnante 4º e 11º da petição inicial, em articulação com o teor do relatório de inspeção tributária referenciado em 4)…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve os actos tributários objecto do processo (cfr.nº.6 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que não sendo, materialmente, subvenções directamente conexas com o preço das operações, as ajudas do Poseima não têm enquadramento no conceito de subvenções tributáveis em I.V.A., conforme previsão do artº.73, da Directiva I.V.A., pelo que não podem ser sujeitas a este imposto, contrariamente ao decidido na sentença recorrida. Que o artº.34, nº.4, da Lei 127-B/97, de 20/12, ao equiparar as ajudas do Poseima às subvenções directamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos de tributação em I.V.A., é uma norma inválida face ao Direito Comunitário, por ilegalidade material, devido a violação do artº.73, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006 (Directiva I.V.A.), e do anterior artº.11-A, nº.1, al.a), da Sexta Directiva. Que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, por erro de interpretação e determinação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que deverá ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação procedente. Que no caso deste Tribunal entender que não existe uma resposta clara quanto à questão de saber se as ajudas concedidas ao abrigo do Programa Poseima são, ou não, subsumíveis no conceito de "subvenções directamente relacionadas com o preço das operações", para efeitos do disposto no artº.73, da Directiva I.V.A., entende o recorrente que deverá estruturar-se pedido de reenvio prejudicial da questão em análise para o TJUE, tudo nos termos do artº.267, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (cfr.conclusões A a G do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Conforme se retira do exame da matéria de facto (cfr.nº.4 do probatório), a A. Fiscal estruturou liquidações adicionais de I.V.A., relativas ao ano fiscal de 2009 e tendo por base legal o artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A., mais operando os mesmos actos tributários com base no entendimento de que os montantes de subvenções recebidos pela sociedade impugnante e ora recorrente, ao abrigo do programa comunitário "Poseima", integravam a base tributável para efeitos de cálculo do mesmo tributo.
O sistema europeu comum do I.V.A. prevê o tratamento das subvenções, essencialmente, em duas vertentes. A primeira vertente estatui que as subvenções devem ser incluídas na base tributável do imposto e assim sujeitas a tributação, quando directamente relacionadas com o preço das operações tributáveis praticadas pelos sujeitos passivos (cfr.artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A.; artº.11-A, nº.1, al.a), da Sexta Directiva I.V.A., 77/388/CEE do Conselho, 17/05/1977; artº.73, da Directiva I.V.A., 2006/112/CE do Conselho, 28/11/2006). Uma segunda vertente consubstancia-se na sua inclusão no denominador da fracção para efeitos de cálculo do "pro rata", causando deste modo efeitos no cálculo do direito à dedução dos sujeitos passivos mistos. A técnica que prevê a inclusão da subvenção no valor tributável é de aplicação obrigatória, enquanto a técnica que prevê que as subvenções possam ser consideradas no denominador da fracção para o cálculo da percentagem de imposto a deduzir é optativa (cfr.Rui Laires, O tratamento em IVA das subvenções na legislação e na jurisprudência comunitária, in Ciência e Técnica Fiscal, nº.419, Janeiro/Junho 2007, pág.7 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 6ª.Edição, Reimpressão, Almedina, 2020, pág.211 e seg.).
O programa comunitário "Poseima" (instituído pela Decisão do Conselho 91/315/CEE, de 26/06/1991), tendo por pressuposto o atraso estrutural importante, além do mais, da Região Autónoma dos Açores, agravado por dificuldades específicas (insularidade, perifericidade, superfície reduzida, relevo e clima difíceis) tem como objectivo o reforço do apoio da Comunidade para garantir que os Açores participem plenamente na dinâmica do mercado interno. Neste contexto prevê um regime específico de abastecimento de produtos, dentro dos limites das necessidades do mercado do arquipélago e tendo em conta as produções locais e as correntes de troca tradicionais.
O valor tributável em I.V.A. das transmissões de bens e das prestações de serviços inclui as subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando-se como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume de serviços prestados e que sejam fixadas anteriormente à realização das operações (cfr.citado artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A.).
Em traços gerais, deve entender-se que o conceito de subvenção/subsídio se reporta à atribuição a um sujeito passivo de I.V.A., por parte de um organismo internacional ou de um organismo público nacional, ou a expensas destes, de uma prestação de carácter patrimonial, assumindo o sujeito passivo subvencionado o compromisso de adoptar uma determinada conduta, prosseguir um dado objectivo ou realizar um certo projecto ou tarefa, de que a entidade que concede a subvenção não é a directa beneficiária/destinatária, mas que visa a satisfação de uma necessidade colectiva ou ir ao encontro de um interesse público considerado relevante (cfr.Rui Laires, O tratamento em IVA das subvenções na legislação e na jurisprudência comunitária, in Ciência e Técnica Fiscal, nº.419, Janeiro/Junho 2007, pág.86).
Ora, de acordo com o legislador nacional, as ajudas concedidas no âmbito do programa "Poseima" são equiparadas a subvenções directamente conexas com o preço das operações, nessa medida devendo ser incluídas no valor tributável em I.V.A., tudo para efeitos do disposto no citado artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A. (cfr.artº.34, nº.4, da Lei 127-B/97, 20/12 - OE 1998).
Revertendo ao caso dos autos, o Tribunal "a quo" conclui que as subvenções sob exame nos presentes autos reúnem os pressupostos para serem tributadas em sede de I.V.A., mesmo de acordo com os pressupostos avançados pelo T.J.U.E. Por outro lado, que o citado artº.34, nº.4, da Lei 127-B/97, 20/12, não é desconforme ao direito europeu. Por último, havendo uma norma que, para os efeitos do disposto no artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A., equipara as ajudas concedidas no âmbito do programa "Poseima" às subvenções directamente conexas com o preço das operações, o acto de liquidação assume-se como um acto vinculado, de forma alguma tais subvenções podendo deixar de ser tributadas, assim sendo legais as liquidações adicionais objecto do processo.
O recorrente defende que não, dado que as ajudas concedidas no âmbito do programa "Poseima", para os produtos provenientes da Comunidade, que estão na origem das liquidações oras impugnadas, não poderão ser consideradas directamente conexas com o preço das operações tributáveis, nos termos do artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A.
Vejamos quem tem razão.
Recorde-se, antes de mais, que o direito comunitário, originário ou derivado, vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade directa e do efeito directo (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.688/11.7BECBR; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9409/16; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.540 e seg.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.264 e seg.).
Em matéria de inclusão de subvenções/subsídios no valor tributável de operações sujeitas a I.V.A., para efeitos de aplicação do artº.11-A, nº.1, al.a), da Sexta Directiva I.V.A., 77/388/CEE do Conselho, 17/05/1977 (cfr.artº.73, da Directiva I.V.A., 2006/112/CE do Conselho, 28/11/2006), a jurisprudência comunitária do T.J.C.E./T.J.U.E. definiu os respectivos pressupostos, essencialmente, no acórdão de 22/11/2001, processo C-184/00, caso OPW, e no acórdão de 13/06/2002, processo C-353/00, caso KNW.
Em primeiro lugar, a subvenção pode ser entendida como o pagamento proveniente de uma autoridade pública. Em segundo lugar, a subvenção tem que ser paga a um sujeito passivo para que este transmita certos bens ou preste determinados serviços. Para haver tributação da subvenção tem que haver um acto de consumo por um terceiro destinatário dos bens ou serviços disponibilizados pela entidade subvencionada, não podendo a subvenção ser concedida em benefício da autoridade que a concede. Acresce que, tem que haver um nexo directo entre a subvenção e o preço das operações (entrega de bens ou prestação de serviços). Tal nexo existirá quando o preço do bem seja determinável, quanto ao seu princípio, o mais tardar, no momento em que ocorre o facto gerador. O compromisso de pagar a subvenção assumido por aquele que a concede tem como corolário o direito de a receber reconhecido ao beneficiário, quando a operação tributável for realizada por este. A relação entre a subvenção e o preço deve resultar de forma inequívoca, não sendo necessário que o preço do bem - ou uma parte do preço - esteja determinado, bastando que seja determinável. Em último lugar, a existência de tais pressupostos terão de ser observados numa análise casuística, de acordo com os factos apresentados pelo caso concreto (cfr.Rui Laires, ob.cit., pág.70 e seg.).
No caso "sub iudice", concluímos, com o Tribunal "a quo", que as subvenções sob exame nos presentes autos reúnem os pressupostos para serem tributadas em sede de I.V.A., assim se enquadrando na norma de incidência constante do artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A., tal como do artº.11-A, nº.1, al.a), da Sexta Directiva I.V.A., 77/388/CEE do Conselho, 17/05/1977 (cfr.artº.73, da Directiva I.V.A., 2006/112/CE do Conselho, 28/11/2006), de acordo com os pressupostos avançados pelo T.J.C.E./T.J.U.E.
Para tanto, avançam-se as seguintes razões:
1-Foram concedidos pagamentos à sociedade impugnante/recorrente, provenientes do programa "Poseima", os quais são inequivocamente provenientes de fundos da União Europeia (cfr.nºs. 2 e 4 do probatório);
2-Tais ajudas foram concedidas com o desiderato de minorar o impacto dos sobrecustos de abastecimento em produtos agrícolas essenciais para o consumo ou a transformação na região dos Açores;
3-Por forma a haver repercussão ao nível dos custos de produção e no dos preços ao consumidor final (cfr.Decisão do Conselho 91/315/CEE, de 26/06/1991, ponto 9.1 e 9.2 do programa "Poseima");
4-O benefício do regime específico de abastecimento fica subordinado à repercussão efectiva, até ao utilizador final, da vantagem económica resultante da isenção do direito de importação ou da ajuda, sendo que os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar o cumprimento do regulamento, nomeadamente em matéria de medidas de controlo e sanções administrativas (cfr.artºs.3, nº.4, e 27, do Regulamento CE 247/2006, do Conselho, de 30/01/2006).
Em consequência, não se vislumbra que o citado artº.34, nº.4, da Lei 127-B/97, 20/12 - OE 1998 (ao estatuir que as ajudas concedidas no âmbito do programa "Poseima" são equiparadas a subvenções directamente conexas com o preço das operações, nessa medida devendo ser incluídas no valor tributável em I.V.A., tudo para efeitos do disposto no citado artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A.) seja desconforme ao direito e à jurisprudência comunitários.
Neste sentido, vai, de resto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores desta Jurisdição, a qual subscrevemos, incidente sobre casos em tudo idênticos ao presente (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.3/12.2BEPDL; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/09/2010, proc. 3740/10).
Com estes pressupostos, nega-se provimento ao primeiro esteio da apelação, restando examinar o suscitado pedido de reenvio prejudicial para o T.J.U.E., quanto à questão de saber se as ajudas concedidas ao abrigo do programa "Poseima" são, ou não, subsumíveis no conceito de "subvenções directamente relacionadas com o preço das operações", para efeitos do disposto no artº.73, da Directiva I.V.A., tudo nos termos do artº.267, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (T.F.U.E.).
O processo das questões prejudiciais (reenvio prejudicial) consubstancia um incidente de instância que se desenrola a nível nacional. Inicia-se com a suspensão da instância e a colocação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (T.J.U.E.), tendo em vista a interpretação de uma norma (ou normas) comunitária ou a apreciação da validade de um acto comunitário e termina com o acórdão, retomando-se nessa altura a instância principal e incumbindo ao Juiz nacional resolver o litígio de acordo com a decisão da jurisdição comunitária. Com efeito, a necessidade de o Direito Comunitário ser aplicado de modo uniforme em todo o território da Comunidade não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua actuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Comunitário o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros (cfr.artº.8, nº.4, da Constituição da República Portuguesa).
Por força dos princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário for, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível.
No âmbito do processo das questões prejudiciais, incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não aplicar este direito à situação de facto que está em discussão no processo principal, tarefa que incumbe ao Juiz nacional. Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre as divergências de opinião na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional (cfr.João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.429 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.570 e seg.).
A figura do reenvio de questão prejudicial pode ter por objecto a resposta a um de dois assuntos, tudo conforme se encontra consagrado no actual artº.267, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (cfr.anteriormente o artº.234, do Tratado C.E.):
1-A interpretação de uma disposição de direito comunitário;
2-A interpretação e/ou apreciação da validade de um acto emanado das instituições comunitárias.
A questão prejudicial comporta, assim, duas variantes de competência prejudicial do Tribunal de Justiça. A primeira abarca a função de fixar a interpretação das normas comunitárias e os princípios que lhe subjazem. E a segunda o controlo da legalidade dos actos praticados pelas instituições, órgãos e organismos da União (cfr.João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.419 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.573 e seg.).
Mais se dirá que o T.J.U.E. apenas admite três excepções à obrigação de reenvio de questão prejudicial, sem prejuízo da existência de questões prejudiciais facultativas (cfr. João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.426 e seg.; Manuel Lopes Porto e Outros, Tratado de Lisboa Anotado e Comentado, Almedina, 2012, pág.964, anotação ao artº.267, do T.F.U.E.):
1-Falta de pertinência da questão suscitada no processo;
2-Existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo T.J.U.E.;
3-Total clareza da norma em causa (teoria do acto claro).
Concluindo, importa referir que a questão prejudicial a reenviar só se coloca se o Juiz nacional se confronta com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário e se a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, ou seja, mostra-se necessária para o julgamento da causa. Já assim não será se, nomeadamente, a apreciação da legalidade das liquidações em causa não convoca a aplicação de normas de direito comunitário, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/11/2011, rec.284/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2012, rec.222/12).
No caso "sub iudice", não vislumbra este Tribunal que se coloquem, directamente, problemas de interpretação da norma constante do artº.73, da Directiva I.V.A., no âmbito do presente processo, igualmente não se vislumbrando a necessidade de apreciação da validade de qualquer acto emanado das instituições comunitárias.
Relembre-se que está em causa nos presentes autos o exame de liquidações adicionais de I.V.A., relativas ao ano fiscal de 2009 e tendo por base legal o artº.16, nº.5, al.c), do C.I.V.A.
Face ao exposto, rejeita-se o pedido de reenvio prejudicial por falta de verificação dos respectivos pressupostos no caso concreto.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a sociedade recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 1 de Julho de 2020. - Joaquim Condesso (relator) - Francisco Rothes - Aragão Seia.