Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0177/18.9BEFUN
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TAXA DE OCUPAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO
Sumário:I - A taxa devida pela entidade recorrida, a partir de 01-01-2016, passou a resultar da aplicação de duas fórmulas fixadas nos anexos I e II do D.L. nº 230/2008, de 27-11, nos termos do estatuído no artigo 2º nºs 2 e 3 do DLR nº 2/2007/M, que, entre outros factores atendem a classes de densidade populacional do Município (rácio de número de clientes/Km 2), às quais se associam diferentes factores percentuais, que variam entre 4,80% a 14,40%, seguido de um ajustamento, imposto por um princípio de equidade intermunicipal.
II - O art. 2º do DLR 2/2007/M, na redacção do DLR nº 34/2016/M, apenas remete para as fórmulas de determinação da taxa/contrapartida devida constantes dos anexos I e II do D.L. nº 230/2008, alterado pela LOE 2016, e não para o regime transitório previsto no seu artigo 4º, que o legislador regional, seguramente, não podia ignorar.
III - No espaço autonómico, os diplomas regionais desde que recaiam sobre temas de interesse específico não reservado aos órgãos e soberania, como sucede no caso presente, têm aplicação preferencial sobre as leis estaduais que regem a matéria.
IV - Ora, face aos fins visados com os diplomas em causa e às condições especificas temporais da sua aplicação conjugados com o texto da norma ora em crise, não se poderá concluir que o pensamento do legislador foi o de manter, a partir de 2016, o regime provisório constante do artigo 4º do D.L. nº 230/2008, ou seja, mostra-se inviável, uma interpretação no sentido da ampliação da nova redacção dada ao art. 2º do DLR nº 2/2007/M, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2016, em harmonização com o disposto no artigo 3º do DLR nº 34/2016/M, de molde a nela incluir a aplicação do regime transitório estabelecido no artigo 4º do D.L. nº 230/2008.
V - Não se verifica qualquer lacuna legislativa regional que possa justificar a aplicação à situação dos autos do regime transitório previsto no artigo 4º do D.L. 230/2008 e, estando em causa situações distintas não se pode considerar violado o princípio da igualdade estatuído no artigo 13º da CRP.
Nº Convencional:JSTA000P26963
Nº do Documento:SA2202101130177/18
Data de Entrada:12/27/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DO FUNCHAL
Recorrido 1:EEM - EMPRESA DE ELECTRICIDADE DA MADEIRA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 177/18.9BEFUN (Recurso Jurisdicional)


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Município do Funchal, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 08-11-2019, que julgou procedente a pretensão deduzida por “EEM - Empresa de Electricidade da Madeira, S.A.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada contra os actos de liquidação de taxa de ocupação do domínio público municipal do Funchal, respeitantes ao 4º trimestre de 2017, que integram as Faturas n.º FTC 00/22016, no valor de € 600.468,55 e n.º FTC 00/22031, no valor de € 337.763,56 perfazendo o montante total de € 938.232,11


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1ª A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, fez uma incorreta aplicação do direito aos factos que se encontram documentalmente provados ao considerar a impugnação em causa nos autos totalmente procedente e ao determinar a anulação destas liquidações, respeitantes ao 4.º Trimestre de 2017 por serem ilegais por desconformes com o regime jurídico aplicável ao caso concreto.

2ª Em face dessa decisão a questão a decidir no presente recurso consiste na avaliação da legalidade dos atos de liquidação consubstanciados nas Faturas n.º FTC 00/22016 e n.º FTC 00/22031 referentes ao 4.º trimestre de 2017.

3ª Através dos artigos 210º e 211º, do Orçamento do Estado para 2016, aprovado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterou-se o Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto e o Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, por forma a prever-se, que nos municípios das Regiões Autónomas fosse devida, uma contrapartida ou remuneração pela utilização dos bens do domínio público ou privado municipal no âmbito da exploração da concessão ou do desenvolvimento da atividade de DEE.

4ª Procurou-se através dessas alterações realizar uma harmonização dos regimes vigentes a nível estadual e regional de tal forma que se determinou que essa contrapartida ou remuneração deveria ser calculada em termos equivalentes aos estabelecidos para a renda anual prevista no Decreto-Lei n.º 230/2008.

5ª No seguimento dessas alterações o DLR n.º 34/2016/M, de 5 de agosto, alterou os artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 2/2007/M, de 8 de janeiro passando a prever-se, que essa contrapartida seria determinada na RAM a partir das fórmulas constantes dos Anexos I e II ao Decreto-Lei n.º 230/2008.

6ª Todavia, mesmo com a entrada em vigor do DLR n.º 34/2016/M não pode acontecer a imediata redução do valor anual pago ao recorrente pela recorrida, uma vez que o Decreto-Lei n.º 230/2008, prevê no seu artigo 4º um regime transitório da renda anual.

7ª Esse regime transitório da renda anual previsto nesse artigo 4º, existe para que com o novo regime de contrapartida ou remuneração não resulte a imediata redução do valor anual pago aos Municípios pela concessionária ou pela entidade que explora a atividade de distribuição de eletricidade em baixa tensão durante quatro anos.

8ª Uma vez que a disciplina legislativa regional padece de um vazio regulatório no tocante à questão da previsão de um regime transitório da contrapartida anual a pagar, pela EEM, aos municípios terá de ser através da interpretação da Lei que se preencherá esta lacuna.

9ª Uma interpretação atualista, respeitando a vontade do legislador e a finalidade da lei, implica que a aplicação aos Municípios da Região de uma contrapartida única calculada nos termos da fórmula constante do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 230/2008, também tenha associado o citado regime transitório de acordo com as circunstâncias do tempo em que a lei é aplicada.

10ª Deste modo o recorrente tem o direito a que lhe seja aplicado o regime transitório previsto no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 230/2008, por forma a que o valor anual devido pela recorrida pela ocupação do domínio público municipal, não seja diminuído até ao fim de 2020.

11ª E de resto, estamos perante uma perante situação justificativa da aplicação subsidiária, na RAM, da lei geral da República de 2008 (cf. n.º 2 do artigo 228.º da CRP), dado que a disciplina legislativa regional padece de um vazio regulatório no tocante à questão da previsão de um regime transitório da contrapartida anual a pagar, pela EEM, aos municípios.

12ª O que fundamenta a aplicação supletiva do Decreto-Lei n.º 230/2008 e determine a adoção, na RAM, das normas do referido regime estadual que preveem o regime transitório que consta do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 230/2008.

13ª Qualquer interpretação do artigo 2º do DLR n.º 2/2007/M, na redação dada pelo DLR n.º 34/2016/M que considere que se aplicam simplesmente as fórmulas de cálculo que constam do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 230/2008 sem o regime transitório previsto no artigo 4º do mesmo diploma, configura uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

14ª Dado que, uma interpretação deste artigo 2º na redação que lhe foi dada em 2016, que não aplique aos Municípios da RAM todo o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 230/2008, leva a que estes tenham um tratamento diferenciado face aos Municípios Continentais na aplicação deste regime de contrapartidas.

15ª O princípio da igualdade, consagrado na nossa Lei Fundamental, proíbe diferenciações de tratamento, salvo quando estas, ao serem objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundadas.

16ª Uma prestação financeira 'em função do consumo de energia elétrica em baixa tensão' calculada de acordo com a densidade do território e sujeita a uma taxa variável, tomando por referência o ano de 2007 implica uma redução drástica das receitas devidas ao recorrente pela utilização dos bens do domínio público municipal por parte da recorrida.

17ª Pelo que, a não aplicação a este caso do regime transitório previsto no citado artigo 4º leva a uma diferenciação de tratamento entre o recorrido e os municípios do continente, que não é objectivamente justificada por valores constitucionalmente relevantes violando por esta via o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP.

18ª A sentença recorrida violou os artigos 210º e 211º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, o artigo 9º, do Código Civil e ainda o artigo 13º e n.º 2 do artigo 228.º, da Constituição da República Portuguesa, ao fazer uma interpretação do artigo 2º do DLR n.º 2/2007/M, na redação dada pelo DLR n.º 34/2016/M, manifestamente violadora do princípio da igualdade.

Por tudo o que ficou dito e pelo muito que será suprido deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, sendo elaborada nova decisão que declare esta impugnação judicial totalmente improcedente, tudo com as legais consequências,

Como é de JUSTIÇA”

A Recorrida “EEM - Empresa de Electricidade da Madeira, S.A.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

A) A douta sentença recorrida julgou totalmente procedente a Impugnação Judicial deduzida pela EEM, ora Recorrida, contra dois atos de liquidação de taxa de ocupação do domínio público municipal, respeitantes ao 4.º Trimestre de 2017, integrados nas faturas n.º FTC 00/22016, no valor de € 600.468,55 e n.º FTC 00/22031, no valor de € 337.763,56, praticados pelo Recorrente, através da CMF;

B) Entendeu a sentença recorrida que os atos em causa são ilegais por violação de lei, concretamente por violação do regime jurídico aplicável à situação subjudice, o qual vem, no seu juízo, regulado no art.º 2.º do DLR n.º 2/2007/M na redação dada pelo DLR n.º 34/2016/M, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2016. Afasta, assim, o Tribunal a quo a teoria propugnada pelo Recorrente, nos termos da qual se aplicaria ao caso concreto o regime jurídico transitório patente no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, o qual estabelece que “os municípios que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, se encontrem ao abrigo do regime estabelecido no n.º 5.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril, mantêm o referido regime no máximo até 2012”;

C) Não concordando com os fundamentos aduzidos e com a decisão final adotada pelo Tribunal recorrido, de anular os dois atos de liquidação impugnados, veio o Município do Funchal interpor recurso da douta Sentença, apresentando, para o efeito, as suas Alegações de Recurso;

D) Em linhas gerais, o Recorrente discorda da sentença recorrida, por entender: (i) que existe na legislação regional um vazio regulatório, o qual deverá ser preenchido, por analogia, aplicando-se o regime transitório que decorre da leitura conjugada do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, com o n.º 5 da Portaria n.º 437/2001, consagrado, em 2008, para o território do Continente; e (ii) que qualquer outra interpretação do quadro legal regional configurará uma violação do princípio da igualdade, implicando para os Municípios da RAM, entre os quais o Recorrente, um tratamento diferenciado face aos Municípios do Continente;

E) A Recorrida, por seu turno, discorda, em absoluto, das conclusões alcançadas pelo Ilustre Representante do Município do Funchal nas suas doutas Alegações de Recurso, acompanhando a posição do Tribunal a quo, pelas razões que melhor se expenderam supra;

F) Sinteticamente, entende a Recorrida que: (i) inexiste qualquer lacuna no regime regional consagrado no DLR n.º 2/2007/M, na redação dada pelo DLR n.º 34/M/2016, que justifique a aplicação de um regime transitório previsto, em 2008, para a realidade do Continente; (ii) a não consagração de um regime transitório, na RAM, em 2016, não surpreende, e é, pelo contrário, material e plenamente fundada; (iii) não é possível, em estrita observância da Constituição e da lei fiscal, proceder nos termos pretendidos à integração de uma lacuna por analogia em matéria tributária; (iv) e, a omissão do regime transitório não configura, de todo, uma violação do princípio da igualdade ou a equivalência entre prestações financeiras devidas pelos operadores de DEE em BT, no Continente e na RAM. Bem pelo contrário (!).

G) Assim, pela ocupação do domínio público municipal, inerente à atividade de DEE em BT, é devida pela EEM, aos Municípios da RAM, desde 2006, uma taxa comummente designada por ‘taxa de direitos de passagem’;

H) Inicialmente prevista e regulada pelo DLR n.º 2/2007/M, o montante desta taxa era, na sua versão original, livremente fixado pelos órgãos competentes de cada município da RAM, ou por uma associação de municípios em seu nome, até a um valor máximo de 7,5% das vendas de energia em BT. Com a LOE/2016 e a revisão operada, nesta sequência, pelo DLR n.º 34/2016/M, a contribuição financeira devida pela Recorrida passou a ser o resultado de fórmulas detalhadamente reguladas na lei, as quais pressupõem a definição, para cada município de um valor de referência para 2007, sobre o qual operam, depois, um conjunto de indicadores orientados à sua atualização;

I) A contrapartida anual devida pela EEM passou, assim, desde 1 de janeiro de 2016, a resultar da aplicação de duas fórmulas fixadas ex lege, concretamente nos Anexos I e II ao Decreto-Lei n.º 230/2008, por remissão dos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º do DLR n.º 2/2007/M, as quais atendem, entre outros fatores, a classes de densidade populacional do município (rácio número de clientes/km2), às quais se associam diferentes factores percentuais, variáveis entre 4,80% e 14,40%, seguido de um exercício de ajustamento homotético, imposto por um princípio de equidade intermunicipal - o que, no caso do Recorrente, implica uma quebra da receita, face à auferida até 2015 a este título. Circunstância que não é indiferente à proposição do presente recurso e que é pressuposto da proposta de uma suposta ‘interpretação atualista’ da lei, defendida pelo Município do Funchal;

J) Além das remissões taxativas feitas no artigo 2.º do DLR n.º 2/2007/M para o Decreto-Lei n.º 230/2008, nada mais há que determine a adoção, na RAM, de normas do referido regime estadual. O mesmo é dizer que não existe, no quadro regional, qualquer disposição transitória ou remissão para um regime transitório como o fixado no Continente, em 2008;

K) Ora, cabe recordar que, no espaço autonómico, os diplomas legislativos regionais, desde que existam e recaiam sobre temas de interesse específico não reservado aos órgãos de soberania - como é o caso –, têm aplicação preferencial sobre as leis estaduais que rejam a mesma matéria. Não pode assim senão entender-se que a ausência de regulação transitória corresponde a uma vontade legítima e prevalecente, do poder legislativo regional, no estrito respeito pelo princípio da autonomia político administrativa da RAM, a qual deve ser, nessa exata medida, considerada e respeitada pelos entes públicos, entre os quais o Recorrente, Município do Funchal;

L) Por outro lado, cabe sublinhar que inexiste qualquer justificação material para a aplicação do regime consagrado no n.º 5 da Portaria n.º 437/2001 e no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008 à realidade da RAM, em 2016. Pelo contrário, conclui-se pela total pertinência e racionalidade da opção jurídico-política da lei regional de 2016, ao não consagrar um regime transitório daquele tipo. É que, ao contrário do que se verifica com o DLR n.º 34/2016/M, o Decreto-Lei n.º 230/2008 teve por objeto, aquando da sua aprovação, uma realidade histórica e conjuntural em que certos municípios do Continente se encontravam já previamente integrados num sistema assente em diversas ‘classes de densidade’, o que, de todo, não era à situação dos municípios da RAM a 1 de janeiro de 2016. Os municípios da RAM (onde se inclui o Município do Funchal) nunca antes de 2016 haviam sido classificados segundo a sua densidade de centros de consumos/Km2. Não se preenche, pois, a hipótese normativa disposta no n.º 5 da Portaria n.º 437/2001 e no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, que pressupõe uma reclassificação dos municípios por acréscimo de densidade;

M) Verifica-se, assim, que nenhum dos elementos da hermenêutica legal, seja o elemento literal, sejam os elementos lógicos (histórico, teleológico e sistemático) permitem sustentar a ‘interpretação atualista’ visada pelo Recorrente;

N) De notar ainda que, para além de substantivamente injustificada a analogia pretendida, ela é ainda impossível de realizar à luz das regras de interpretação dispostas nos n.ºs 1 e 4 da LGT, na medida em que, não colhendo qualquer base na letra da lei, o Recorrente pretende adotar nos atos de liquidação impugnados, de que a Recorrida é sujeito passivo, à margem do que vem detalhadamente definido nos artigos 2.º e 3.º do DLR n.º 2/2007/M, na redação dada pelo DLR n.º 34/2016/M, um procedimento tributário inovatório, impondo uma espécie de ‘coleta mínima’ - operação que é terminantemente proibida em matérias de taxas, sujeita ao exigente princípio da legalidade tributária;

O) Por último, importa referir que a aplicação, a 1 de janeiro de 2016, do regime revisto nos termos do DLR n.º 34/2016/M não só não comporta qualquer risco de violação do princípio da igualdade, por se tratarem, conforme demonstrado supra, de situações distintas entre si; como, pelo contrário, i.e., a dilação da entrada em vigor deste regime por 4 anos adicionais, essa sim, prorrogaria no tempo uma situação de tratamento diferenciado (arbitrário) de que a Recorrida foi, ao longo de anos, objeto face aos operadores económicos que, no Continente, desempenham atividade idêntica à exercida pela EEM na RAM (e que justificou, justamente as alterações promovidas pelos artigos 210.º e 211.º da LOE/2016);

P) Situação agravada pelo facto de, ao contrário do que sucedeu em 2008, no Continente, no contexto presente e no quadro legal em vigor, o SEN não arcar, em 2013, na RAM, com o valor excedentário almejado pelo Recorrente. O que levaria, ao absurdo, à internalização da diferença nas contas da Recorrida (em disparidade com o que acontece com todos os outros operadores de DEE em BT, que refletem integralmente na tarifa o custo dos direitos de passagem);

Q) Entendimento que, diga-se, foi já confirmado pela Entidade Reguladora do Serviços Energéticos;

R) Em face do exposto, tendo os atos de liquidação praticados pelo Recorrente, e anulados pelo Tribunal a quo, tido por base um regime transitório que é, em absoluto, inaplicável na RAM, ressalta a conclusão da absoluta discrepância entre o conteúdo dos atos (assentes na aplicação de uma taxa única de 7,5%) e o regime jurídico concretamente aplicável à situação vertente (que pressupõe a aplicação de fórmulas de cálculo constantes dos Anexos I e II, do Decreto-Lei n.º 230/2008, aplicáveis ex vi dos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º do DLR n.º 2/2007/M, na redação dada pelo DLR n.º 34/2016/M);

S) Conclui-se, em suma, que o Venerando Tribunal ad quem deve julgar improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida, e a decisão ali adotada de anular os atos de liquidação impugnados, por se afigurarem ilegais por violação de lei.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, devem as presentes Alegações de Recurso ser consideradas procedentes, e, em consequência, nos termos supra explanados, deve este Ilustre Tribunal julgar improcedente o Recurso interposto pelo Recorrente, mantendo o sentido da decisão adotada pelo Tribunal a quo, concretamente no que respeita à anulação dos atos de liquidação da contribuição financeira devida pela ocupação do domínio público municipal do Funchal, referentes ao 4.º Trimestre de 2017, acima melhor identificados.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar ilegais as liquidações por violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 2º do DLR nº 2/2007/M (na redacção dada pelo DLR 34/2016/M de 2016) por não ter feito uma interpretação extensiva no sentido da aplicação subsidiária das normas do Decreto-Lei nº 230/2008 que prevêem o regime transitório que consta do artigo 4º do Decreto-Lei nº 230/2008 de 27 de Novembro.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) A Impugnante EEM – Empresa de Eletricidade da Madeira, SA., com o nipc. ……………. (doravante, Impugnante) é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (RAM) e tem por objeto social a produção, transporte, distribuição e comercialização de energia elétrica. [cfr. facto alegado na petição inicial e corroborado na contestação (18.º e 19.º)];

B) Em 16 de Dezembro de 2016, foi enviado ao Presidente do Conselho de Administração da EEM – Empresa de Eletricidade da Madeira, SA. (doravante EEM) o ofício (S2016/25905) do Município do Funchal – Departamento de Gestão Financeira e Patrimonial, assinado pelo Presidente da Câmara, com o assunto: “Taxa única Municipal pela Ocupação do Domínio Público Municipal”, com o teor que se reproduz:

“Relativamente ao assunto identificado em epígrafe, serve o presente para informar V. Exa. que, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, do art.º 25.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, conjugado com o disposto no artigo 2.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2007/M, de 8 de Janeiro, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 34/2016/M, de 5 de Agosto, e em cumprimento do regime transitório de renda anual, foi aprovada1 [1. cfr. a deliberação da Assembleia Municipal, tomada na sessão extraordinária de 14/11/2016, em anexo] a taxa única municipal pela ocupação do domínio público municipal, no valor de 7,5% do valor anual das vendas de energia elétrica em baixa tensão.”

[cfr. facto que o Tribunal tem conhecimento, bem como a Impugnante, porquanto o mesmo documento consta do Processo Administrativo apenso ao Proc. de Impugnação n.º 287/17.0BEFUN apresentada pela ora Impugnante, na qual se discute a legalidade da fatura n.º FTI 00/11638 e fatura n.º FTI 00/11641 emitidas pelo Município do Funchal e referentes ao 1.º Trimestre de 2017];

C) Em 29 de Dezembro de 2017 foi emitida, pelo Município do Funchal, a Fatura n.º FTC 00/22016 em nome de “Empresa de Eletricidade Madeira e P”, referente a “taxa de ocupação do domínio público municipal (7,5%) – 4.º trimestre de 2017”, no valor de €600.468,55 e com data limite de pagamento 29 de Janeiro de 2018. [cfr. doc. 1 junto com a pi e fls. 4 do PA apenso (digitalizado a fls. 117 e ss. dos autos), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];

D) Na mesma data foi emitida, pelo Município do Funchal, a Fatura n.º FTC 00/22031 em nome de “Empresa de Eletricidade Madeira e P”, referente a “taxa de ocupação do domínio público municipal (7,5%) – 4.º trimestre de 2017 – (valor remanescente)”, no valor de €337.763,56 e com data limite de pagamento 18 de Maio de 2017. [cfr. doc. 1 junto com a pi e fls. 5 do PA apenso (digitalizado a fls. 117 e ss. dos autos), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];

E) Em 5 de Janeiro de 2018, a Impugnante – EEM, recebeu o ofício do Município do Funchal – Departamento de Gestão Financeira e Patrimonial n.º S2018000000060 de 4 de Janeiro de 2018, assinado pelo Presidente da Câmara do Funchal, com o assunto: “Taxa de ocupação do domínio público municipal do ano de 2017”, no qual se lê:

“Nos termos do art.º 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2007/M, de 8 de janeiro, alterado e republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 34/2016/M, de 5 de agosto, vimos por este meio enviar as faturas1 [1. FTC 00/22031 e FTC 00/22016] relativas à taxa de ocupação do domínio público municipal do quarto trimestre do ano de 2017, tendo por base o valor do consumo de energia em baixa tensão e iluminação pública de 2015.

Mais se informa que, aquando do apuramento dos consumos de energia e iluminação pública para 2017, serão efetuados os respetivos acertos de faturação.” [cfr. doc. 1 junto com a pi e fls. 3 do PA apenso (digitalizado a fls. 117 e ss. dos autos), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];

F) Em 5 de Fevereiro de 2018 deu entrada no Município do Funchal, o processo de RECLAMAÇÃO deduzido contra as Faturas n.º FTC 00/22031 e FTC 00/22016, emitida em 29 de Dezembro de 2017, e melhor identificadas em C) e D). [cfr. doc. 2 junto com a pi e fls. 7 do PA apenso (digitalizado a fls. 117 e ss. dos autos), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];

G) A presente Impugnação foi enviada a este Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, via Sitaf, em 4 de Junho de 2018. [cfr. a fls. 2 dos autos (suporte físico)];


*
Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa.
* * *
Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso aos presentes autos e informações oficiais juntas e não impugnadas, tal como se foi fazendo referência em cada um dos pontos do probatório.”

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar ilegais as liquidações por violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 2º do DLR nº 2/2007/M (na redacção dada pelo DLR 34/2016/M de 2016) por não ter feito uma interpretação extensiva no sentido da aplicação subsidiária das normas do Decreto-Lei nº 230/2008 que prevêem o regime transitório que consta do artigo 4º do Decreto-Lei nº 230/2008 de 27 de Novembro.


Nas suas alegações, a Recorrente refere que através dos artigos 210º e 211º, do Orçamento do Estado para 2016, aprovado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, alterou-se o Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto e o Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, por forma a prever-se, que nos municípios das Regiões Autónomas fosse devida, uma contrapartida ou remuneração pela utilização dos bens do domínio público ou privado municipal no âmbito da exploração da concessão ou do desenvolvimento da actividade de DEE, procedendo-se a uma harmonização dos regimes vigentes a nível estadual e regional de tal forma que se determinou que essa contrapartida ou remuneração deveria ser calculada em termos equivalentes aos estabelecidos para a renda anual prevista no Decreto-Lei n.º 230/2008, sendo que, no seguimento dessas alterações o DLR n.º 34/2016/M, de 5 de Agosto, alterou os artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 2/2007/M, de 8 de Janeiro passando a prever-se, que essa contrapartida seria determinada na RAM a partir das fórmulas constantes dos Anexos I e II ao Decreto-Lei n.º 230/2008, verificando-se que mesmo com a entrada em vigor do DLR n.º 34/2016/M não pode acontecer a imediata redução do valor anual pago ao recorrente pela recorrida, uma vez que o Decreto-Lei n.º 230/2008, prevê no seu artigo 4º um regime transitório da renda anual, que existe para que com o novo regime de contrapartida ou remuneração não resulte a imediata redução do valor anual pago aos Municípios pela concessionária ou pela entidade que explora a actividade de distribuição de electricidade em baixa tensão durante quatro anos.
Assim, uma vez que a disciplina legislativa regional padece de um vazio regulatório no tocante à questão da previsão de um regime transitório da contrapartida anual a pagar, pela EEM, aos municípios terá de ser através da interpretação da Lei que se preencherá esta lacuna e uma interpretação actualista, respeitando a vontade do legislador e a finalidade da lei, implica que a aplicação aos Municípios da Região de uma contrapartida única calculada nos termos da fórmula constante do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 230/2008, também tenha associado o citado regime transitório de acordo com as circunstâncias do tempo em que a lei é aplicada, o que significa que o recorrente tem o direito a que lhe seja aplicado o regime transitório previsto no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 230/2008, por forma a que o valor anual devido pela recorrida pela ocupação do domínio público municipal, não seja diminuído até ao fim de 2020, até porque estamos perante uma perante situação justificativa da aplicação subsidiária, na RAM, da lei geral da República de 2008 (cf. n.º 2 do artigo 228.º da CRP), dado que a disciplina legislativa regional padece de um vazio regulatório no tocante à questão da previsão de um regime transitório da contrapartida anual a pagar, pela EEM, aos municípios, o que fundamenta a aplicação supletiva do Decreto-Lei n.º 230/2008 e determine a adopção, na RAM, das normas do referido regime estadual que prevêem o regime transitório que consta do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 230/2008.
Aliás, qualquer interpretação do artigo 2º do DLR n.º 2/2007/M, na redacção dada pelo DLR n.º 34/2016/M que considere que se aplicam simplesmente as fórmulas de cálculo que constam do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 230/2008 sem o regime transitório previsto no artigo 4º do mesmo diploma, configura uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, dado que, uma interpretação deste artigo 2º na redacção que lhe foi dada em 2016, que não aplique aos Municípios da RAM todo o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 230/2008, leva a que estes tenham um tratamento diferenciado face aos Municípios Continentais na aplicação deste regime de contrapartidas.

Será assim?

Como já ficou enunciado, a questão controvertida consiste em saber se tem aplicação no caso em apreciação, o regime transitório que decorre da leitura conjugada do artigo 4.º do DL 230/2008, de 27/11 com o n.º 5 da Portaria 437/2001, de 20/04.
Antes de avançar, cabe ter presente que na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11º nº 1 da LGT) e o artigo 9º nº 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico”, referindo o Ac. deste Supremo Tribunal de 28-09-2019, Proc. nº 01445/16, www.dgsi.pt, citado pela Sra. Procuradora Geral Adjunta, que “A propósito da interpretação da lei, diz o artigo 9º nº1 do CC que esta não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada. E, continua o nº 2 que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, terminando o nº3 que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados….
… Apesar de a letra da lei ser o primeiro estádio da interpretação, funcionando simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação para determinar o alcance de uma lei, o intérprete não pode limitar-se ao sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal tendo de buscar o pensamento legislativo há que descer à essência do texto e desenvolvê-la em todas as direcções possíveis.
A missão do intérprete é precisamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a amplitude o seu valor penetrando o mais que é possível na alma do legislador e a partir daí reconstituir o pensamento legislativo.
Só assim a lei realiza a sua função expansiva representando na vida social uma verdadeira força normativa.
Daí que, na tarefa de fixar o sentido e alcance com que deve valer uma norma jurídica, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica…”.

Neste domínio, o probatório informa que a liquidação da “Taxa única Municipal pela Ocupação do Domínio Público Municipal”, reflectida nas facturas em causa respeita ao 4º trimestre de 2017 e foi feita ao abrigo, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1, do art.º 25º da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, conjugado com o disposto no artigo 2º do Decreto Legislativo Regional nº 2/2007/M, de 8 de Janeiro, alterado pelo Decreto Legislativo Regional nº 34/2016/M, de 5 de Agosto, e em cumprimento do regime transitório de renda anual, (cfr. a deliberação da Assembleia Municipal, tomada na sessão extraordinária de 14/11/2016) e ainda que nas liquidações ora impugnadas, os montantes referentes à “Taxa Única Municipal pela Ocupação do Domínio Público Municipal” em cobrança nas ditas facturas resultam da aplicação de uma “taxa única municipal pela ocupação do domínio público municipal, no valor de 7,5% do valor anual das vendas de energia eléctrica em baixa tensão.

Nesta sequência, a decisão recorrida tomou posição no sentido da ilegalidade das liquidações em causa, considerando que as liquidações das taxas de ocupação de domínio público municipal, aqui impugnadas, dizem respeito ao ano de 2017 (quarto trimestre), pelo que, atento o exposto, o regime jurídico aplicável à situação subjudice vem regulado no art. 2º do DLR n.º 2/2007/M na redacção dada pelo DLR n.º 34/2016/M que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2016 e que o legislador regional, reviu o regime da contrapartida devida pela operadora da actividade de distribuição de energia eléctrica a título de ocupação do domínio público determinando que a partir de Janeiro de 2016 o cálculo da contrapartida, devida pela EEM - Empresa de Electricidade da Madeira, SA. passa a fazer-se por referência às fórmulas constantes dos anexo i e ii do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, alterado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ponderando também que, para além do facto de tal norma deixar de fazer referência ao conceito de “Taxa de ocupação do domínio público municipal”, na sua epígrafe, do texto da lei, também desapareceu a referência a “taxa de 7,5%”, bem como que a referência a “taxa única municipal” do texto da lei foi substituída pela menção a “contrapartida anual”, sendo que, analisadas as liquidações ora impugnadas em conjunto com o ofício do município do Funchal de 16 de Dezembro de 2016, verifica-se que os montantes referentes à “Taxa Única Municipal pela Ocupação do Domínio Público Municipal” em cobrança nas ditas facturas resultam da aplicação de uma “taxa única municipal pela ocupação do domínio público municipal, no valor de 7,5% do valor anual das vendas de energia eléctrica em baixa tensão”, contrariamente ao que dispõe o mencionado art. 2º do DLR n.º 2/2007/M na redacção dada pelo DLR n.º 34/2016/M”.
Nesta sequência, refere também que o regime jurídico transitório patente no artigo 4.º do DL n.º 230/2008 de 27 de Novembro, o qual estabelece que “os municípios que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, se encontrem ao abrigo do regime estabelecido no nº 5º da Portaria nº 437/2001, de 28 de Abril, mantêm o referido regime no máximo até 2012”, não se aplica ao caso concreto, na medida em que, para além de tal regime transitório, consignado no tempo, ter o seu âmbito de aplicação limitado ao ano de 2012, o mesmo tem como escopo “a salvaguarda da densidade populacional em determinados municípios em 2007 e os eventuais decréscimos que com a aplicação da nova fórmula decorreriam para as rendas a pagar aos municípios que se encontravam sujeitos ao regime estabelecido no nº 5º da Portaria nº 437/2001, de 28 de Abril, determina-se um regime transitório de manutenção do valor da renda aplicável a esses municípios entre 2009 e 2012”, verificando-se que o legislador regional não previu uma norma semelhante no DLR nº 34/2016/M que procedeu à primeira alteração e respectiva republicação do DLR nº 2/2007/M e tanto assim é, que de uma leitura atenta do mencionado diploma apenas se prevê a remissão para as fórmulas estabelecidas nos anexos ao Decreto-Lei nº 230/2008, de 27 de Novembro e não para o teor do aduzido artigo 4º, sendo certo que “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.

Com este pano de fundo, importa notar que é ponto assente que o montante do tributo em causa nos autos era, na versão original do DLR nº 2/2007/M, livremente fixado pelos órgãos representativos de cada Município da RAM, ou por uma associação de Municípios em seu nome, até um valor máximo de 7,5% das vendas de energia em baixa tensão (BT).
O referido diploma legal - Decreto Regional nº 2/2007/M de 8 de Janeiro - visou, com consta do seu preâmbulo, transferir definitivamente para os municípios, no âmbito do enquadramento de progressiva descentralização preconizada pela Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, a obrigação de provimento de iluminação pública e, nomeadamente, a responsabilidade pelo pagamento da iluminação pública rural e urbana, incluindo a iluminação das estradas regionais complementares que não se encontrem concessionadas, já que as mesmas foram iluminadas a pedido dos próprios municípios, sendo o conteúdo do artigo 2º deste diploma o seguinte:
“Artigo 2.º
Taxa de ocupação do domínio público municipal
O montante da taxa única municipal devida pela EEM - Empresa de Electricidade da Madeira, S. A. (EEM), pela ocupação de domínio público municipal é livremente fixada pelos órgãos competentes de cada município, ou pelos órgãos competentes da entidade para a qual os municípios tenham transferido as competências em causa, em função do consumo de energia eléctrica em baixa tensão na área geográfica da Região Autónoma da Madeira, tendo como limite máximo a percentagem de 7,5% do valor anual das vendas de energia eléctrica em baixa tensão na Região Autónoma da Madeira ou no município, consoante os municípios tenham, ou não, transferido as competências para outra entidade.”
Por sua vez, resulta do preâmbulo do D.L. nº 230/2008, de 27 de Novembro que “ … A separação entre actividades de distribuição e de comercialização entretanto operada pela nova estrutura organizativa do SEN vigente desde 2006 dificulta que o montante da renda possa ser determinado em função do valor das vendas de electricidade da concessionária, tornando necessário proceder à definição de novos critérios para o seu cálculo.
Os novos valores a pagar aos municípios a partir do ano de 2009, inclusive, devem ser integralmente repercutidos nas tarifas de uso das redes de distribuição de electricidade em baixa tensão e actualizados com base num valor de referência apurado para o ano de 2007 para cada município. O aludido valor de referência deve considerar a totalidade do consumo do mercado regulado e do mercado liberalizado de energia eléctrica em baixa tensão em cada município durante o ano de 2006, valorizando esse consumo com base nas tarifas de venda a clientes finais aprovadas pela ERSE para esse mesmo ano.
Por outro lado, face à densidade populacional verificada em determinados municípios em 2007 e aos eventuais decréscimos que, com a aplicação da nova fórmula, decorreriam para as rendas a pagar aos municípios que se encontravam sujeitos ao regime estabelecido no n.º 5.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril, determina-se um regime transitório de manutenção do valor da renda aplicável a esses municípios entre 2009 e 2012…”

Com a Lei nº 7-A/2016, de 30-03-2016 (LOE 2016), e a consequente revisão feita pelo DLR nº 34/2016/M, a contraprestação devida pela entidade recorrida passou a ser o resultado de fórmulas, pormenorizadamente, reguladas na lei, que pressupõem a definição, para cada Município, de um valor de referência para 2007, sobre o qual operam, depois, um conjunto de indicadores tendo em vista a sua actualização.
Com efeito, a Lei do Orçamento de Estado para 2016 (aprovado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março), visou a harmonização, em todo o território português, dos regimes de cálculo e de tratamento tarifário das prestações devidas aos municípios em cujos domínios estão instalados equipamentos e infraestruturas afectos à actividade de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa tensão - DEE em BT.
Depois, o Decreto Legislativo Regional nº 34/2016/M que procedeu à primeira alteração e respectiva republicação do DLR nº 2/2007/M, de 8 de Janeiro, visou a concretização do regime estabelecido na Lei do Orçamento de Estado, passando a prever que o cálculo da taxa de direitos de passagem, devida na Região Autónoma da Madeira pela operadora de DEE em BT se passaria a fazer por referência às fórmulas estabelecidas nos Anexos do Decreto-Lei nº 230/2008, de 27 de Novembro, dispondo o preâmbulo do citado diploma regional que: “… Assim, num patente esforço de harmonização dos regimes vigentes a nível estadual e regional - ponto que não pode deixar de relevar em sede de reflexão geral quanto à evolução do enquadramento global aplicável ao sector eléctrico regional -, reconhece-se, aí, de modo expresso, que os municípios das Regiões Autónomas têm direito, tal como os do continente, a uma contrapartida ou remuneração devida pela utilização dos bens do domínio público ou privado municipal no âmbito da exploração da concessão ou do desenvolvimento da actividade de distribuição de electricidade, a qual deve ser calculada em termos equivalentes aos estabelecidos para a renda anual prevista no Decreto-Lei nº 230/2008, de 27 de Novembro, e tratada, tal como esta prestação financeira, como um custo a repercutir na tarifa de uso das redes de distribuição em baixa tensão, tudo conforme disciplinado na lei e no Regulamento Tarifário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)”.
A nova redacção do art. 2º do DLR nº 2/2007/M, agora epigrafado de “ Contrapartida pela utilização de bens do domínio público municipal”, entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2016, em harmonização com o disposto no artigo 3º do DLR n.º 34/2016/M, com o seguinte conteúdo:
“1 - Pela utilização dos bens do domínio público municipal, é devida pela EEM - Empresa de Eletricidade da Madeira, S. A. (EEM), no âmbito do desenvolvimento da atividade do transporte e distribuição de eletricidade, o pagamento de uma contrapartida anual a favor de cada município, ou conjunto de municípios agrupados nos termos da legislação em vigor, situados no território da Região Autónoma da Madeira.
2 - O valor da contrapartida anual prevista no número anterior é determinado a partir de um valor de referência para 2007, considerado o consumo de energia elétrica em baixa tensão, em cada município, no ano de 2006, calculado nos termos da fórmula constante do anexo i do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, alterado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, com as devidas adaptações.
3 - O valor a que se refere o número anterior é atualizado, em cada ano, nos termos da fórmula constante do anexo ii do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, alterado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, com as devidas adaptações, de acordo com a variação do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P., e ponderado por um fator aplicado à variação do consumo de energia elétrica em baixa tensão verificado em cada município, em ambos os casos com base nos dados relativos ao ano anterior àquele em deve ocorrer o pagamento da contrapartida.
4 - A contrapartida anual referida nos números anteriores é integralmente repercutida na tarifa de uso das redes de distribuição em baixa tensão, nos termos previstos no artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, e no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, ambos na redacção dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e no Regulamento Tarifário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos ERSE.”

Neste âmbito, resulta claro que a taxa devida pela entidade recorrida, a partir de 01-01-2016, passou a resultar da aplicação de duas fórmulas fixadas nos anexos I e II do D.L. nº 230/2008, de 27-11, nos termos do estatuído no artigo 2º nºs 2 e 3 do DLR nº 2/2007/M, que, entre outros factores atendem a classes de densidade populacional do Município (rácio de número de clientes/Km 2), às quais se associam diferentes factores percentuais, que variam entre 4,80% a 14,40%, seguido de um ajustamento, imposto por um princípio de equidade intermunicipal.
Na verdade, como já descrito, o art. 2º do DLR 2/2007/M, na redacção do DLR nº 34/2016/M, apenas remete para as fórmulas de determinação da taxa/contrapartida devida constantes dos anexos I e II do D.L. nº 230/2008, alterado pela LOE 2016, e não para o regime transitório previsto no seu artigo 4º, que o legislador regional, seguramente, não podia ignorar.
Pois bem, no espaço autonómico, os diplomas regionais desde que recaiam sobre temas de interesse específico não reservado aos órgãos e soberania, como sucede no caso presente, têm aplicação preferencial sobre as leis estaduais que regem a matéria.
Ora, face aos fins visados com os diplomas em causa e às condições especificas temporais da sua aplicação conjugados com o texto da norma ora em crise, não se poderá concluir que o pensamento do legislador foi o de manter, a partir de 2016, o regime provisório constante do artigo 4º do D.L. nº 230/2008, ou seja, mostra-se inviável, uma interpretação no sentido da ampliação da nova redacção dada ao art. 2º do DLR nº 2/2007/M, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2016, em harmonização com o disposto no artigo 3º do DLR nº 34/2016/M, de molde a nela incluir a aplicação do regime transitório estabelecido no artigo 4º do D.L. nº 230/2008.

Além disso, como bem refere a entidade impugnante/recorrida, inexiste fundamento substancial para a aplicação do regime transitório previsto no artigo 4º do D.L. nº 230/2008, à realidade da RAM, em 2016, porquanto, ao contrário do DLR nº 34/2016/M, o D.L. nº 230/2008, aquando da sua aprovação, teve por objecto uma realidade histórica e conjuntural em que alguns Municípios do Continente se encontravam já integrados num sistema assente em diversas “classes de densidades”, o que não acontecia na RAM, em 01-01-2016.
Efectivamente, o Município recorrente e outros Municípios da RAM nunca antes de 2016 tinham sido classificados segundo a sua densidade de centros de consumo/Km2.
Tal equivale a dizer que não se verifica qualquer lacuna legislativa regional que possa justificar a aplicação à situação dos autos do regime transitório previsto no artigo 4º do D.L. 230/2008 e, estando em causa situações distintas não se pode considerar violado o princípio da igualdade estatuído no artigo 13º da CRP.
Pelo contrário, como sustenta entidade recorrida, a dilação por 4 anos da entrada em vigor do regime sufragado, prorrogaria no tempo um tratamento diferenciado de que a recorrida foi objecto ao longo de vários anos, face aos operadores económicos que no Continente desempenham idêntica actividade e que justificou, exactamente, a alterações introduzidas pelos artigos 210º e 211º da LOE/2016.
Perante o que fica exposto, importa concluir que as alegações do Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito na sentença posta em crise, a qual não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 13 de Janeiro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.