Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02493/15.2BESNT
Data do Acordão:03/09/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRS
ACÇÃO
TÍTULOS DE CRÉDITO
CONTRATO
PERMUTA
MAIS VALIAS
Sumário:I - Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.).
II - A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social.
III - O contrato de permuta não tem actualmente regulamentação no Código Civil, apresentando-se como um contrato atípico, inominado, de cariz oneroso, a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas da compra e venda (cfr.artº.939, do C.Civil) Será talvez o mais antigo contrato estabelecido entre humanos desde tempos imemoriais em que, na ausência de dinheiro, apenas a troca de bens permitia obter o que o outro possuía e nos faltava. Guardou essa característica de troca de bens que o anterior Código de Seabra tipificou no artº.1592, com a designação de "escambo" ou "troca", apresentando-se actualmente com consagração legal e um uso renovado ao nível do mercado imobiliário (cfr.artºs.2, nº.5, al.b), e 4, al.c), do C.I.M.T.). A realidade que lhe está subjacente reconduz-se a duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não consiste em dinheiro, mas sim no bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades. A regulamentação própria do contrato de compra e venda não lhe é adequada quanto às regras que são efeito necessário da existência de preço, aqui ausente.
IV - As mais-valias correspondem a ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito (acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante), os quais não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto e a consequente estruturação de normas de incidência objectiva.
V - O contrato de permuta de acções configura uma "alienação onerosa de partes sociais" e, nessa medida, as mais-valias apuradas com a celebração desse contrato são subsumíveis no artº.10, nº.1, al.b), do C.I.R.S. Nos termos do estabelecido no artº.10, nº.2, al.a), do mesmo diploma, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12, estão excluídas da tributação as mais-valias apuradas com a permuta, no caso das acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P29094
Nº do Documento:SA22022030902493/15
Data de Entrada:04/13/2021
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.147 a 166 do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pelo recorrido, A………….., intentada e tendo por objecto acto de liquidação de I.R.S./demonstração de acerto de contas, referente ao ano de 2010 e no montante total de € 707.682,45.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.179 a 199-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou parcialmente procedente a Impugnação deduzida contra os atos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.º 201550000006690 e n.º201550000025647, e dos respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2010.
II-Contrariamente ao que sucedeu no recurso apresentado pela AT no passado dia 02-02-2021 no processo de Impugnação Judicial nº 2496/15.7BESNT e uma vez informada, na parte inicial do capítulo dedicado à fundamentação de direito da decisão ora recorrida, da existência de decisões judiciais já transitadas em julgado as quais, segundo se afirma, tiveram por objeto idêntica questão jurídica e a obtenção de mais-valias resultantes da mesma operação de permuta – afigura-se à Recorrente imperioso dedicar nas presentes motivações de recurso um capítulo introdutório que aborde os precisos termos em que este Colendo STA entendeu, de forma absolutamente certeira, não tomar conhecimento do recurso apresentado no processo de Impugnação Judicial nº 2495/15.9BESNT no seu acórdão de 14-10-2020.
III-Cumpre, finalmente, dar a palavra a este Colendo STA no sentido de tomar posição esclarecida e sapiente sobre o mérito dos autos, designadamente, sobre a aplicação (ou não) do disposto no artigo 10.º, n.º 2, al. a), do CIRS às mais-valias obtidas provenientes de operações de permuta de ações.
IV-A presente ação foi apresentada tendo por objeto uma ação inspetiva que, relativamente ao IRS, logrou levar a cabo uma correção referente a mais-valias provenientes de um negócio de permuta de ações celebrado pela Impugnante cuja exclusão de tributação de IRS prevista, à data, na alínea a) do n.º 2 do art.º 10.º do Código do IRS foi entendido pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) como se mostrando inaplicável face à natureza do tipo de negócio em causa, por não ter sido essa a intenção do legislador, independentemente da revogação levada a cabo dessa disposição legal pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho.
V-A apreciação do regime jurídico globalmente considerado (ratio) que os SIT produzem no RIT; o apelo aos momentos temporais da entrada em vigor das normas previstas na alínea a), do nº 2 e 8 do art. 10º do CIRS, que nos reconduz ao elemento histórico da interpretação jurídica, e, a referida autonomização da figura da permuta no regime do art. 10º, do CIRS que nos convoca para o elemento sistemático – em nada se relacionam com a querela jurisprudencial que se instalou a partir da entrada em vigor da Lei 15/2010 de 26 de julho, abordando, essencialmente, aquele que foi, no seu entender, o desejo do legislador em salvaguardar a neutralidade fiscal.
VI-Merece reparo o indispensável enquadramento jurídico relativo à natureza ontológica e dogmática da delimitação negativa da incidência prevista na alínea a), do nº 2 e no nº 8 do art. 10º do CIRS, enquanto figura maior daquilo que é um benefício fiscal à luz do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr. art 2º EBF).
VII-Estando em causa formas de derrogação ao princípio da tributação é consabido o entendimento jurisprudencial que pugna por uma interpretação restrita e declarativa da norma de isenção afastando, neste particular, a interpretação extensiva que o tribunal a quo sufragou na sua fundamentação por via da remissão que faz para o conceito geral de alienação onerosa previsto na norma de incidência, quando o legislador, no que respeita à aplicabilidade do regime às transmissões resultantes de permuta e estando em causa uma isenção, sempre que a pretendeu regular – fê-lo de forma expressa (cfr. nº 8 do art. 10º do CIRS).
VIII-Em termos teleológicos (na base da qual está uma maior exigência interpretativa), os fins que presidem à tributação para além de diferentes, não estão, em termos fiscais, colocados ao mesmo nível, face ao fim superior que justifica a não tributação.
IX-Os benefícios fiscais reduzem a base tributável levando a uma poupança fiscal, têm impacto direto na receita do Estado, sendo mesmo considerados como despesa fiscal, pelo que devem ser objeto de interpretação literal restritiva, atentas as razões de interesse público relevante que lhes estão subjacentes, nomeadamente, e para além daquelas que o próprio instrumento visa salvaguardar, a fraude, a evasão fiscal, e, no caso em apreço – indelevelmente – a neutralidade fiscal.
X-A sentença produzida no processo 2496/15.7BESNT limita-se a produzir uma afirmação no seio da qual entende que o nº 8 do art. 10º do Código do IRS visa apenas garantir a neutralidade fiscal das operações de permuta sem que se alcance o motivo/fundamento que a leva a concluir nesse sentido.
XI-A interpretação deve ser realizada tendo por objeto a globalidade do regime do art. 10º do CIRS e não apenas uma norma em particular sob pena de colocarmos em crise a ratio normativa do regime fiscal e sem se olvidar que estamos perante uma norma de isenção fiscal.
XII-No entender do tribunal a quo o desejo extremo do legislador de apenas conceder a exclusão da tributação se se garantir a neutralidade fiscal das operações de permuta nos termos do nº 8 do art. 10º, do CIRS foi paradoxalmente esquecido, permitindo que, seja como for, nos termos da alínea b), do nº 2, do art. 10º do CIRS a exclusão possa ser atribuída sem essa preocupação.
XIII-Perguntamo-nos então… qual a ratio ou qual a necessidade de introduzir o nº 8 do art. 10º do CIRS para assegurar a referida neutralidade fiscal das operações de permuta (anterior em termos de vigência á própria norma do nº 2) se, em todo o caso, os efeitos dessa desejada neutralidade podem ser afinal conduzidos ao decesso, por via de um subterfúgio legal previsto na alínea b), do nº 2, do art. 10º do CIRS?
XIV-O argumento não colhe. E coloca todo o regime de exclusão tributária relativa às operações de permuta em causa.
XV-A cada transmissão onerosa realizada por permuta das participações sociais, conquanto as mesmas se continuem a valorizar, assegurada a neutralidade fiscal isso vai desonerando sucessivamente os sócios da sociedade adquirida cumpridos que foram os requisitos da isenção. A cada transmissão há uma renovação do que pode constituir ou não a obtenção de uma mais-valia tributada ou isenta.
XVI-Trazendo à colação o enquadramento jurídico relativo aos benefícios fiscais (Art. 2º do EBF) e a orientação jurisprudencial citada, podemos, pois, concluir que a observação realizada na sentença revela de forma cristalina o menosprezo a que foi votada a autonomização do regime dos Benefícios Fiscais e a interpretação jurídica a que o mesmo está sujeito, pois que apesar de não se aludir à permuta, uma vez que para este tribunal, tributar ou isentar, assume desadequadamente semelhante dimensão – se na norma de incidência é utilizada a expressão “alienação” no que toca às operações de permuta e o mesmo sucede na norma de isenção, então, nesta última, também terá de estar contemplada a isenção para as operações de permuta.
XVII-Se o motivo pelo qual o legislador tributa é diferente e menos exigente em termos interpretativos, do motivo pelo qual isenta e se há um interesse a salvaguardar para que essa isenção possa ser permitida – não é contraditório que, no seio de um conceito geral e abstrato como é a “alienação onerosa” – certas formas jurídicas possam estar contempladas no campo previsional da norma de incidência e não figurar na previsão da norma de isenção.
XVIII-O legislador, no art. 10º, do Código do IRS, sempre procurou autonomizar a permuta face ao conceito mais genérico de alienação onerosa. Isso acontece no nº 8 do art. 10º do CIRS em que há uma alusão clara ao contrato de permuta.
XIX-Também por aqui podemos concluir que inexistindo alusão expressa ao contrato de permuta no disposto na alínea a), do nº 2 do art. 10º, do CIRS em virtude da expressa previsão que decorre do seu nº 8, não foi intenção do legislador aplicar aquele normativo legal às mais-valias de ações detidas há mais de 12 meses resultantes de contratos de permuta. O que se compreende perante a preocupação que manifestou na norma do nº 8.
XX-Relativamente à observação realizada pelo douto tribunal, referente ao n.º 11 do art.º 10.º do Código do IRS, o argumento é menor, não atenta á substância falecendo também face ao modo como o tribunal no lugar de se focar na natureza ontológica da norma de exclusão e da interpretação jurídica que cumpre fazer à luz da jurisprudência citada supra – se distrai relativamente à entrega de declarações acessórias que contendem com a incidência do imposto que aqui não é nem nunca foi objeto de pronúncia.
XXI-Pelo que, inexistindo vício de lei no que à interpretação jurídica foi realizada pelos SIT deixam de se mostrar verificados os pressupostos do art. 43º da LGT impondo-se que a Ré seja absolvida do pedido de juros indemnizatórios e retificada a condenação em custas processuais.
XXII-Estão em causa os seguintes erros de julgamento:
XXIII-Está em causa o erro de julgamento decorrente de insuficiente enquadramento jurídico (por não prefigurada diferenciação ontológica da exclusão tributária à luz do EBF) e de subssunção jurídica, em face, aliás, da orientação jurisprudencial citada pela Ré perante a inaplicável jurisprudência citada na sentença recorrida.
XXIV-Mostra-se violado o disposto nos arts. 2º do EBF; arts 10º, nº 2, alínea a) em virtude da remissão feita pela alínea a), do seu nº 1 e nº 8, todos do CIRS e 11º e 43º da LGT.
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A impugnante e ora recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.203 a 218-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida pelo TAF de Sintra que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Recorrida em sede de impugnação judicial da liquidação adicional de IRS referente a 2010, no valor de € 574.324,84, tendo determinado a anulação dos atos de liquidação de IRS e dos respetivos juros compensatórios e a sua substituição por outros que excluam de tributação as partes sociais que eram detidas pela Recorrida há mais de 12 meses;
B-Nenhuma censura merece a sentença recorrida, que não padece de qualquer erro de julgamento e que decidiu de resto no mesmo sentido da sentença proferida no processo n.º 2495/15.9BESNT, que se debruçou sobre a mesma questão (de saber se as mais-valias decorrentes de permuta de ações podem ser excluídas de tributação se detidas há mais de 12 meses nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS), quanto à mesma operação embora quanto a sujeito distinto da Recorrida;
C-O recurso interposto pela Fazenda Pública reporta-se a argumentos invocados em sentenças proferidas noutros processos, ainda que sobre matéria idêntica, que não o correspondente aos presentes autos os quais não poderão ser conhecidos neste processo por não respeitarem ao mesmo;
D-Bem andou o Tribunal a quo ao decidir que apenas faz sentido que sendo as mais-valias decorrentes de um contrato de permuta de ações consideradas sujeitas a IRS porque compreendidas no conceito de “alienação” a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, se considere que o regime de exclusão de tributação previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS e que também se reporta a “alienação”, possa aplicar-se a essas mesmas mais-valias quando as ações tenham sido detidas há mais de 12 meses;
E-A lei em vigor à data dos factos não previa a exclusão de tributação das mais-valias resultantes de contratos de compra e venda de ações, mas antes daquelas resultantes da alienação de ações, o que inclui a permuta, prevendo também a sua exclusão de tributação quando as ações fossem detidas há mais de 12 meses;
F-De resto, como o Tribunal a quo bem sublinhou, o efeito da transmissão do direito de propriedade sobre as ações a que se reportará a conceito de “alienação” empregue no artigo 10.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do CIRS, tanto opera por força da compra e venda, como por força da permuta;
G-Mais: o n.º 8 do artigo 10.º do CIRS é uma exceção ao n.º 1 do mesmo preceito, o que significa que o n.º 8 do artigo 10.º do CIRS apenas existe para estabelecer uma exceção no que se refere ao momento de tributação das mais-valias decorrentes da permuta de ações, de onde decorre que o n.º 1 faz incidir IRS sobre as mais-valias decorrentes de uma operação de permuta de partes sociais;
H-Se o n.º 1 do artigo 10.º do CIRS se refere a “alienação” e se considera que os ganhos decorrentes de permutas se incluem aí, então a exclusão de tributação de mais-valias decorrentes da “alienação” de ações detidas há mais de 12 meses prevista no artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS terá de compreender as mais-valias decorrentes da permuta de ações;
I-De resto, a Fazenda Pública labora em erro quanto ao disposto no n.º 8 do artigo 10.º do CIRS, rejeitando que este seja, quando na verdade é, um regime de diferimento de tributação e não de exclusão de tributação (como é já o regime constante do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS), motivo pelo qual os regimes do artigo 10.º, n.º 8 e do artigo 10.º, n.º 2 do CIRS são perfeitamente conciliáveis, podendo acontecer, como aconteceu in casu, que não se verificando os requisitos de que depende a aplicação da neutralidade fiscal do n.º 8 do artigo 10.º do CIRS, se verifiquem os requisitos de exclusão de tributação para mais-valias de permuta de ações detidas há mais de 12 meses;
J-O entendimento defendido pela Fazenda Pública faz tábua rasa dos elementos sistemático e teleológico que devem intervir na interpretação da lei, sendo ilegal, e conflitua com os princípios da igualdade e da legalidade previstos nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da CRP, sendo por isso materialmente inconstitucional e desrespeitando, ainda, a proibição de discriminação constante do artigo 4.º da CEDH;
K-Não se aplicando aos ganhos obtidos em resultado da permuta de ações em causa nos autos (e celebrada em 31.05.2010) o regime de neutralidade fiscal previsto no n.º 8 do artigo 10.º do CIRS, tais ganhos estavam em qualquer caso excluídos de tributação em IRS ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, o que desde já se alega para todos os efeitos legais;
L-O recurso interposto pela Fazenda Pública deve improceder, mantendo-se a sentença recorrida e a anulação dos atos de liquidação de IRS e dos respetivos juros compensatórios e a sua substituição por outros que excluam de tributação as partes sociais que, em 31.05.2010, eram detidas pela Recorrida há mais de 12 meses, com as demais consequências legais.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.226 a 228 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.232 e 234 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.148 a 164 do processo físico):
A-A impugnante entregou no SF Cascais, “Declaração de permuta de partes sociais”, que se dá por integralmente reproduzida, relativa à sociedade …………. (cfr. fls. 34 a 36 dos autos);
B-A impugnante foi alvo de inspecção, em cumprimento da OS n.ºOI201402795, abrangendo o ano de 2010 (cfr. ponto II.1 Do relatório de inspecção, de fls. 43 e ss. dos autos);
C-A 23/07/2014, mostra-se assinada a ordem de serviço, n.ºOI201402795, relativa à inspecção externa, da aqui impugnante, de âmbito parcial, com incidência em IRS, e ao ano 2010 (cfr. documento de fls. 16 do PAT);
D-A 10/12/2014, foi emitido o projecto de relatório da Inspecção Tributária, que se dá por reproduzido (cfr. documento de fls. 42 e ss. dos autos);
E-A impugnante, remeteu requerimento de “Audição Prévia”, relativo ao projecto de decisão, que se dá por reproduzido (cfr. documento de fls. 62 verso dos autos);
F-A 31/12/2014, foi elaborado relatório de inspecção cuja cópia se encontra a fls.62 a 79 do processo físico e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
(imagens)
G-O relatório de inspecção, foi remetido por correio registado, a 08/01/2015 (cfr. documentos de fls. 60 do PAT);
H-A missiva a que se refere a alínea anterior, foi recepcionada, a 9/01/2015 (cfr. documento de fls. 171 do PAT);
I-A 19/01/2015, foi emitida liquidação de IRS, n.º20155000006690, respeitante à aqui impugnante, e ao ano de 2010, onde se apurou um valor a pagar de 1.274.543,63 euros (cfr. documento de fls. 26 dos autos);
J-A 13/02/2015, foi emitida a liquidação de IRS n.º201550000025647 (liquidação adicional que substitui a identificada na al.i) do probatório, em virtude da anulação do montante de € 566.868,80, indevidamente liquidado por erro no documento de correcção - cfr.documento junto a fls.28-verso dos autos)., referente ao aqui impugnante, e ao ano de 2010, onde se apurou um valor a pagar de 707.682,45 euros (cfr. documento de fls. 27 verso, dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou parcialmente procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou o acto de liquidação de I.R.S. objecto do processo (cfr.al.J) do probatório), na parte respeitante às acções detidas há mais de 12 meses, improcedendo quanto ao restante.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que inexistindo alusão expressa ao contrato de permuta no disposto no artº.10, nº.2, al.a), do C.I.R.S. em virtude da expressa previsão que decorre do nº.8 do mesmo preceito, não foi intenção do legislador aplicar aquele primeiro normativo legal às mais-valias de acções detidas há mais de 12 meses resultantes de contratos de permuta. Que inexistindo vício de violação lei na interpretação jurídica realizada pela A. Fiscal e que fundou a estruturação da liquidação impugnada, não se verificam os pressupostos previstos no artº.43, da L.G.T., assim se impondo que a recorrente seja absolvida do pedido de juros indemnizatórios e rectificada a condenação em custas processuais. Que a sentença recorrida violou o regime previsto nos artºs.2, do E.B.F., 10, nºs.2 e 8, ambos do C.I.R.S., e 11 e 43, ambos da L.G.T. (cfr.conclusões III a XXIV do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Deve fazer-se, em primeiro lugar, uma breve menção ao conceito de acção, enquanto modalidade de título de crédito, e ao contrato de permuta, enquanto espécie contratual, ambos constantes da matéria de facto provada (cfr.al.A) do probatório; teor do documento junto a fls.34-verso a 36 dos autos).
A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9409/16; José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.24).
Já o contrato de permuta não tem actualmente regulamentação no Código Civil, apresentando-se como um contrato atípico, inominado, de cariz oneroso, a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas da compra e venda (cfr.artº.939, do C.Civil) Será talvez o mais antigo contrato estabelecido entre humanos desde tempos imemoriais em que, na ausência de dinheiro, apenas a troca de bens permitia obter o que o outro possuía e nos faltava. Guardou essa característica de troca de bens que o anterior Código de Seabra tipificou no artº.1592, com a designação de "escambo" ou "troca", apresentando-se actualmente com consagração legal e um uso renovado ao nível do mercado imobiliário (cfr.artºs.2, nº.5, al.b), e 4, al.c), do C.I.M.T.). A realidade que lhe está subjacente reconduz-se a duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não consiste em dinheiro, mas sim no bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades. A regulamentação própria do contrato de compra e venda não lhe é adequada quanto às regras que são efeito necessário da existência de preço, aqui ausente (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 1/07/2020, rec.892/10.5BEAVR; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1986, pág.255).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.221 e seg.).
Avancemos.
"In casu", a questão posta à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, na parte em que considerou subsumível no artº.10, nº.2, al.a), do C.I.R.S. (na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), as mais-valias apuradas com a permuta de acções detidas há mais de 12 meses e, nessa medida, verificada a isenção de tributação em sede de I.R.S.
As mais-valias correspondem a ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito (acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante), os quais não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto e a consequente estruturação de normas de incidência objectiva (cfr.Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, nº.2, Almedina, 2018, pág.88 e seg.).
Chamando à colação o artº.8, nº.3, do C.Civil, subscrevemos o teor do ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/07/2021, rec.2496/15.7BESNT, o qual incide sobre caso em tudo idêntico ao presente, porque relativo à mesma operação de permuta de acções, mais sendo examinada pela A. Fiscal no âmbito do mesmo relatório dos Serviços de Inspecção Tributária e, igualmente, tendo por objecto liquidação de I.R.S. relativa ao ano fiscal de 2010.
Com estes pressupostos, tal como no identificado aresto deste Tribunal e Secção, entende-se que o contrato de permuta de acções configura uma "alienação onerosa de partes sociais" e, nessa medida, as mais-valias apuradas com a celebração desse contrato são subsumíveis no artº.10, nº.1, al.b), do C.I.R.S., e que, nos termos do estabelecido no artº.10, nº.2, al.a), do mesmo diploma, estão excluídas da tributação as mais-valias apuradas com a permuta, no caso das acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 9 de Março de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.