Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0351/12.1BESNT
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
DIREITO DE AUDIÇÃO
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE
OFENSA DE CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL
Sumário:I - A falta de audição do interessado em procedimento administrativo não sancionatório, não implica nulidade, podendo apenas gerar mera anulabilidade da respectiva decisão.
II - No que concerne à alegada preterição das formalidades atinentes à notificação do relatório de inspecção tributária, a existir, não contende, inegavelmente, com qualquer um dos elementos essenciais do acto, a que alude o nº 1 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, então em vigor, ou seja, os actos impugnados no âmbito destes autos não estão abrangidos na previsão da norma agora citada, nem se integram em qualquer uma das categorias de actos nulos, enumeradas nas alíneas a) a i) do nº 2 do mesmo preceito legal.
III - No que diz respeito à ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, esta só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários, além de que, entre as violações possíveis de direitos por normas tributárias, a sanção mais grave da nulidade, por razões de proporcionalidade, terá de ser reservada para os actos que representam mais graves violações dos direitos tributários.
Nº Convencional:JSTA000P26972
Nº do Documento:SA2202101130351/12
Data de Entrada:09/18/2018
Recorrente:A......................, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 351/12.1BESNT (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A…………, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 27-04-2018, que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública do pedido no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com os actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos exercícios de 2007 a 2009, no montante total de € 44.551,19.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

l. A douta decisão "sub judice", assimilou ao regime da anulabilidade, a sanção decorrente dos vícios invocados, por contraposição à nulidade sindicada pela Recorrente, A…………., Lda;

2. Houve preterição do direito de participação dos cidadãos, na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito, tal como decorre do disposto no nº 5 do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa.

3. A necessidade de adequação da tramitação ao princípio do contraditório, por forma a que o contribuinte participe activamente na formação da decisão, decorre do estabelecido no nº 1, do artigo 45º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

4. Houve preterição da formalidade essencial da audição, antes da conclusão do relatório final da inspecção tributária, atento o disposto na alínea e), do nº 1, do artigo 60º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5. A inquirição pretendida era absolutamente essencial para suporte da importância/montante a determinar em sede de liquidação, no âmbito do relatório final do projecto de decisão.

6. A preterição pela administração fiscal da pretendida inquirição não assegurou o exercício do direito de audição, na sua plenitude, na justa medida em que não foi viabilizado o direito de contraditara existência de valores facturados mas não recebidos.

7. O disposto nos nº's 3 e 4, do artigo 60º, do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, institui a inequívoca prerrogativa da entidade inspeccionada se pronunciar sobre o projecto de conclusões do relatório, nomeadamente quanto aos fundamentos para determinação da liquidação.

8. A omissão da inquirição pretendida pela entidade inspeccionada, importa preterição de uma formalidade manifestamente essencial conducente à posterior liquidação em conformidade com a justiça do caso concreto, preterição esta que consubstancia uma nulidade.

9. Por outro lado, o nº 2 do artigo 62º, do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, determina a necessidade do relatório final ser notificado por carta registada dirigida ao contribuinte, o que não aconteceu.

10. A administração fiscal preteriu uma formalidade entendida como essencial, corporizada na obrigação legal de promover a correlativa notificação do contribuinte, por via postal registada.

11. A administração fiscal não justificou a preterição da formalidade essencial de notificação do relatório final por via pessoal ou por via postal registada, sendo que nunca se valeu de nenhuma destas duas modalidades de comunicação, consignadas, de forma imperativa, no procedimento tributário.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença proferida, só assim se fazendo Justiça”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública do pedido




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A. A Impugnante, A……………, Lda., foi objecto de uma acção inspectiva externa em resultado da qual foram apuradas correcções aritméticas à matéria tributável, em sede de IVA, dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no valor de € 14.133,19, € 13.271,78 e € 11.428,18, respectivamente (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 33 a 46 do PAT apenso, que se dá por reproduzido);

B. Na sequência da acção inspectiva referida na alínea antecedente foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios nºs. 11112426, 11112427, 11112428, 11112429, 11112430, 11112431, 11112432, 11112433, 11112434, 11112435, 11112436, 11112437, 11112438, 11112439, 11112440, 11112441, 11112442, 11112443, 11112444, 11112445, 11112446, 11112447, 11112448 e 11112449, referentes aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, com prazo limite de pagamento voluntário a 31.10.2011 (cfr. consulta de liquidações, a fls. 251 a 273 do PAT apenso);

C. Em 13.03.2012, deu entrada no Serviço de Finanças de Cascais - 1 a presente impugnação judicial (cfr. carimbo aposto, a fls. 5 dos autos).


*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos, que constam dos autos e do PAT apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”
«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que a decisão recorrida assimilou ao regime da anulabilidade, a sanção decorrente dos vícios invocados, por contraposição à nulidade sindicada pela Recorrente, A…………, Lda., na medida em que houve preterição do direito de participação dos cidadãos, na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito, tal como decorre do disposto no nº 5 do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa, verificando-se que a necessidade de adequação da tramitação ao princípio do contraditório, por forma a que o contribuinte participe activamente na formação da decisão, decorre do estabelecido no nº 1, do artigo 45º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que houve preterição da formalidade essencial da audição, antes da conclusão do relatório final da inspecção tributária, atento o disposto na alínea e), do nº 1, do artigo 60º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, até porque a inquirição pretendida era absolutamente essencial para suporte da importância/montante a determinar em sede de liquidação, no âmbito do relatório final do projecto de decisão, o que significa que a preterição pela administração fiscal da pretendida inquirição não assegurou o exercício do direito de audição, na sua plenitude, na justa medida em que não foi viabilizado o direito de contraditara existência de valores facturados mas não recebidos e o disposto nos nºs 3 e 4, do artigo 60º, do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, institui a inequívoca prerrogativa da entidade inspeccionada se pronunciar sobre o projecto de conclusões do relatório, nomeadamente quanto aos fundamentos para determinação da liquidação, ou seja, a omissão da inquirição pretendida pela entidade inspeccionada, importa preterição de uma formalidade manifestamente essencial conducente à posterior liquidação em conformidade com a justiça do caso concreto, preterição esta que consubstancia uma nulidade.
Por outro lado, o nº 2 do artigo 62º, do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, determina a necessidade do relatório final ser notificado por carta registada dirigida ao contribuinte, o que não aconteceu, pelo que, a administração fiscal preteriu uma formalidade entendida como essencial, corporizada na obrigação legal de promover a correlativa notificação do contribuinte, por via postal registada e a administração fiscal não justificou a preterição da formalidade essencial de notificação do relatório final por via pessoal ou por via postal registada, sendo que nunca se valeu de nenhuma destas duas modalidades de comunicação, consignadas, de forma imperativa, no procedimento tributário.

Que dizer?

Em termos essenciais, a Recorrente pretende que a petição inicial foi apresentada tempestivamente porque sustenta que os vícios que assaca aos actos impugnados geram a nulidade dos mesmos, o que significa que a impugnação judicial poderia ser deduzida a todo o tempo, nos termos do nº 3 do art. 102º do CPPT, ou seja, a Recorrente discorda de que a impugnação esteja sujeita a prazo, uma vez que sustenta que os vícios imputados às liquidações adicionais do IVA radicaram i) na preterição do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito e ii) na ocorrência de nulidades insupríveis do procedimento de inspecção, situação que determina a nulidade dos actos em crise.

Ora, é sabido que os actos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção da nulidade podem ser impugnados a todo o tempo, como resulta do preceituado no já referido art. 102º nº 3 do CPPT em consonância com o disposto no art. 134º nº 2 (actualmente, art. 162º nº 2), do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (“A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal”, na redacção aplicável que é a inicial, ou seja, anterior ao Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro) e no art. 58º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (“A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo”», na redacção aplicável, que é a da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro).

Sobre a realidade em equação nos autos, a sentença recorrida ponderou o seguinte:

“(…)

Constata-se, assim, que nenhum dos fundamentos da presente impugnação é gerador de nulidade, não se podendo aplicar o regime constante do n.º 2 do art. 103.º do CPPT.

Os vícios invocados pela Impugnante reconduzem-se à violação de princípios jurídicos de natureza formal ou de trâmite, cuja sanção cominada é a anulabilidade, como se depreende do disposto no art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo (em vigor à data).

A nulidade, como regime de excepção, é reservada aos actos tributários em que se verifique usurpação de poder, a que falte algum dos seus elementos essenciais (e que sejam necessários para assegurar a sua exequibilidade), que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental ou que ofendam o caso julgado (cfr. n.º 2 do art. 133.º do CPA, em vigor à data). Mesmo a ofensa a um direito fundamental, tal como é prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 133.° do CPA, só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável.

O direito de participação no procedimento não é, no nosso ordenamento jurídico, um direito fundamental e, nessa medida, ainda que fosse totalmente omitida a audiência prévia do contribuinte, em violação do art. 60.º da LGT - o que não sucedeu in casu - a sanção seria a mera anulabilidade (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, recurso n.º 901/05, de 18.01.2006).

O mesmo se diga em relação às formalidades de notificação do relatório de inspecção tributária, por via postal registada (cfr. art. 38.º e 62.º, n.º 2 do RCPIT). A exigência de notificação é uma mera condição de eficácia em relação a estes dos actos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica e não uma condição de validade do acto - não sendo, por isso, nunca susceptível de gerar a sua nulidade. A omissão das formalidades previstas na lei para a notificação pode, inclusivamente, degradar-se em mera irregularidade se se demonstrar que a forma de notificação utilizada foi suficiente para assegurar o conhecimento do acto pelo respectivo destinatário.

Daí que, os vícios invocados pela Impugnante, a terem ocorrido, no âmbito do procedimento de inspecção, não teriam por efeito a sua nulidade mas tão só a sua anulação, pelo que a impugnação judicial não pode ser deduzida a todo o tempo, ao abrigo do n.º 3 do art.º 102.º do CPPT e sim no prazo de 90 dias a contar do termo do seu pagamento voluntário. …”.

Pois bem, no que concerne ao primeiro elemento, importa ter presente o exposto no Ac. deste Tribunal de 25-09-2019, Proc. nº 0163/14.8BESNT, www.dgsi.pt, onde se refere que “… por via de regra, a alegada a falta de audiência dos interessados antes da decisão final do procedimento apenas constitui vício gerador de mera anulabilidade dessa decisão (art. 135º do Código de Procedimento Administrativo, na redacção então em vigor).

Sendo geradora de nulidade da decisão, com a qual está instrumentalmente conexionada, apenas nos casos em que ponha em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental (art. 133º nº 2, al. d) CPA), ou no âmbito do procedimento administrativo sancionatório.

Este tem sido o entendimento, que acolhemos, da jurisprudência deste Supremo Tribunal - vd. Acórdãos de 11.1.94, recurso 32182, de 8.6.99, recurso 44565, de 12.10.99, recurso 44503, de 16.10.02, recurso 941/02, de 24.10.02, recurso 44052, de 22.01.2004, recurso 429/02, de 25.06.2009, recurso 151/09 e de 21.11.2012, recurso 210/2012 todos in www.dgsi.pt.

Como se disse no supracitado Acórdão 151/09 “a preterição do exercício do direito de audição só em matéria sancionatória assume a natureza de direito fundamental (art. 32.º, n.º 10, da CRP) e, por isso, tal vício, nos procedimentos sancionatórios, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, gerando nulidade do acto de decisão do procedimento, por força do disposto naquela norma constitucional e no art. 133º nº 2, alínea d), do CPA. Fora do âmbito dos procedimentos administrativos sancionatórios, a CRP nem prevê especialmente o direito de audição como direito fundamental a assegurar nos procedimentos administrativos, relegando para a lei ordinária o estabelecimento dos termos em deve ser assegurada «a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (art. 267º nº 5 da CRP), participação essa que nem tem de ser assegurada necessariamente através do direito de audição, nos termos em que está previsto no art. 60º da LGT, 45º do CPPT e 100º a 102º do CPA, pois poderá assumir outras formas, designadamente participação em actos procedimentais”.

Também o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 594/2008, de 10-12-2008, publicado no Diário da República, II Série, de 26-1-2009, não julgou inconstitucional a interpretação dos arts. 100º e 133º nº 1 do Código de Procedimento Administrativo, no sentido de não ser a audiência prévia elemento essencial do acto administrativo, gerando a sua falta a nulidade deste acto.

Em suma, fora do âmbito do direito sancionatório, não pode entender-se que a preterição do direito de audição ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Daí que se entenda que, no caso, estamos perante a alegação de vício gerador de mera anulabilidade (também neste sentido, cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pág. 515), não sendo, consequentemente, aplicável o disposto no artº 102º nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. …”.

Assim sendo, com referência à matéria apontada nos autos com referência ao vício apontado, concretamente, a não realização de uma diligência requerida no âmbito do exercício do tal direito de audição, sendo de notar que a Recorrida fundamentou a desnecessidade de proceder à inquirição da testemunha arrolada pela Impugnante, temos por adquirido que, independentemente da pertinência de tal alegação, tal apenas poderia conduzir à afirmação da anulabilidade do acto, não podendo suportar a aplicação do mencionado art. 102º nº 3 do CPPT, o que retira qualquer virtualidade ao alegado pela Recorrente neste domínio.

Quanto ao mais, sempre se dirá que, ao contrário do que sugere a Recorrente, não é possível equiparar o regime de invalidade da eventual preterição de formalidades do procedimento de inspecção aos casos de nulidade insuprível do processo de execução fiscal, contemplados no artigo 165º do CPPT, pois que se trata de uma disposição própria e privativa do processo de execução fiscal, dada a sua inserção sistemática, no Capítulo IV, com a epígrafe “Da execução fiscal” e, outrossim, do teor inequívoco do corpo do mencionado preceito do CPPT, o que afasta a sua consideração no âmbito do presente processo de impugnação judicial.

Deste modo, no que concerne à alegada preterição das formalidades atinentes à notificação do relatório de inspecção tributária, a existir, não contende, inegavelmente, com qualquer um dos elementos essenciais do acto, a que alude o nº 1 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, então em vigor, ou seja, os actos impugnados no âmbito destes autos não estão abrangidos na previsão da norma agora citada, nem se integram em qualquer uma das categorias de actos nulos, enumeradas nas alíneas a) a i) do nº 2 do mesmo preceito legal.

Na verdade, tal como já ficou enunciado, os vícios do acto impugnado são, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade.

É o que se depreende do disposto no artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, então em vigor, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.” (…) A anulabilidade constitui uma forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva. No primeiro grupo, incluem-se: (a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto, quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade (incompetência relativa); (b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54º e segs. do CPA, então em vigor), na omissão ou deficiência respeitante à forma do acto (art. 120º do CPA, então em vigor), desde que não se reconduza à carência absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à enunciação do objecto e dos elementos do acto (art. 123º do CPA então em vigor).

Em suma, serão, pois, nulos os actos tributários a que falte algum dos seus elementos essenciais (elementos essenciais dos actos tributários serão aqueles que sejam necessários para assegurar a sua exequibilidade) e os actos indicados no nº 2 do art. 133º do CPA, entre os quais constam os que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental e os que ofendam os casos julgados.

No que diz respeito à ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, esta só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários, além de que, entre as violações possíveis de direitos por normas tributárias, a sanção mais grave da nulidade, por razões de proporcionalidade, terá de ser reservada para os actos que representam mais graves violações dos direitos tributários.

Tal significa que as liquidações de IVA descritas nos autos não violam o conteúdo essencial de um direito fundamental, mas apenas - a ocorrer - o princípio da legalidade tributária, o que acarretaria, não a nulidade, mas a mera anulabilidade das referidas liquidações.

Isto equivale a dizer que a ineficácia reclamada na sede apontada não tem como consequência a nulidade ou inexistência da liquidação impugnada ou, dito de outro modo, não está em causa um caso de ilegalidade que implique a respectiva nulidade desse procedimento e da liquidação consequente.

Nesta medida, considerando a posição acima expressa em torno da consequência dos vícios invocados na petição inicial: a mera anulabilidade ou a nulidade dos actos impugnados, como pressuposto imprescindível para conhecer da questão da tempestividade da impugnação judicial, temos por adquirido que a Impugnante veio assacar aos actos de liquidação adicional, aqui em causa, vícios de violação de lei, que, atendendo ao disposto nos artigos 133º e 135º do CPA de 1991, então em vigor, se reconduzem à figura da anulabilidade.

A partir daqui, tal como aponta a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, constata-se que a Recorrente não atacou a decisão recorrida, quer na determinação do prazo aplicável de caducidade do direito a impugnar, quer na respectiva contagem, sendo que trata-se aqui de um prazo peremptório, cujo decurso determina a sua extinção, e, ademais, que é do conhecimento oficioso do Tribunal, por estarem em causa direitos indisponíveis, conforme dispõe o artigo 333º do Código Civil, sendo que, como emerge da sentença em crise [que - repita-se - a Recorrente não atacou, neste concreto segmento decisório], este deixou, pura e simplesmente, esgotar o prazo de impugnação, o que fez caducar, inelutavelmente, o respectivo direito, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 13 de Janeiro de 2021. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.