Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0376/11.4BEAVR
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REVERSÃO
Sumário:I - Os vícios do despacho que ordena a reversão constituem fundamentos de oposição, nos termos do disposto no artigo 204.°, n.º1, b), d) e i) do C.P.P.T...
II – Se na impugnação judicial apresentada por revertidos se constata que é ainda invocada falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, está também constituído o fundamento de oposição previsto no art. 204.º, e), do C.P.P.T..
III – Na impugnação judicial é a liquidação e a notificação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas que relevam para aferir da caducidade, ou seja, as efectuadas à sociedade originária devedora que não ao revertido.
Nº Convencional:JSTA000P27105
Nº do Documento:SA2202102030376/11
Data de Entrada:12/14/2020
Recorrente:A………….. (E OUTROS)
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

I.1. A……………….. e B……………, melhor sinalizadas nos autos, interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida a 22 de janeiro de 2013, que julgou verificada a exceção dilatória de erro na forma de processo e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública (F.P.) da instância.
I.2. Formularam alegações que remataram com as seguintes conclusões:
“1 - Por sentença de 22 de Janeiro de 2013, a impugnação judicial foi julgada improcedente e, em consequência foi a Fazenda Pública absolvida da instância, por se julgar verificada a excepção dilatória de erro na forma de processo.
2 - As Recorrentes A…………… e B………………….foram citadas da execução em 3.02.2011 e 08.02.2011, respectivamente, para cobrança da alegada divida exequenda de que seria devedora e executada a sociedade C…………., Lda., por dívidas referentes a IVA dos anos de 2005 e 2006.
3 - Fundamentou-se a sentença a “quo” na aplicação de um critério subjectivo, sem qualquer explicação dos motivos de tal decisão, ao afirmar que através da análise de todas as peças processuais, as ora recorrentes apenas pretendiam impugnar a legalidade da reversão.
4 - Os fundamentos da impugnação judicial, invocados pelas Recorrentes na petição inicial, encontram enquadramento jurídico no artigo 99.º do C.P.P.T., cuja relação de fundamentos expressa nas várias alíneas, não é exaustiva.
5 - Na petição inicial apresentada, afirma-se que a sociedade C…………….., Lda., não exerce qualquer actividade desde o ano de 2003, data em que decidiu pela dissolução da sociedade, não tendo realizado desde logo a escritura de dissolução, por ser credora da fazenda pública, conforme documentos aí juntos como tal, o imposto exigido não é devido.
6 - Contudo, até à data da referida escritura (29.12.2005), as obrigações fiscais da sociedade sempre foram cumpridas de forma pontual.
7 - Mais se alega a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, bem como a falta de responsabilidade das recorrentes na ocorrência que deu origem à instauração da execução contra a originária devedora e, por reversão, às próprias impugnantes.
8 - Como decorre da petição, as Impugnantes colocam claramente em foco a ilegalidade da liquidação em concreto ou seja, pretendem discutir também o vício resultante da aplicação ao caso concreto de que emerge a liquidação da dívida exequenda, pretensão esta compatível com a forma de processo utilizada.
9 - Vícios/fundamentos que deveria ser conhecido em impugnação judicial, pois que a liquidação efectuada para além do prazo de caducidade viciada de ilegalidade se torna – pois que o direito da Administração Tributária a liquidar o imposto se extinguiu com o termo do prazo de que dispunha para a efectuar.
10 - Razão por que o processo de impugnação deve prosseguir para apreciação do mérito da causa, por não se estar perante a excepção dilatória de erro na forma de processo, bem como, pelo circunstância de a petição inicial conter pedidos compatíveis com a forma de processo utilizada.
11 - Assim, as Recorrentes invocaram fundamentos que se subsumem nos previstos no artigo 99.º do CPPT.
12 - Fundamentos relativamente aos quais, a juiz a “quo” não se pronunciou, nem os invocou na sentença recorrida, limitando-se a aplicar um raciocínio subjectivo, não o concretizando nem fundamentando, carecendo assim a sentença proferida da aplicação rigorosa da lei.
13 - De facto, da leitura e análise rigorosa da petição inicial de impugnação judicial, é forçoso concluir que a pretensão das recorrentes/impugnantes é somente impugnar a liquidação do imposto em causa que originou o despacho de reversão ocorrido, imposto esse ilegal, conforme resulta da mesma.
14 - A sentença recorrida não apresenta fundamentação sobre o percurso cognitivo e a formação da convicção do julgador quanto à apreciação dos factos invocados que fundamentaram a pretensão das Impugnantes.
15 - As afirmações constantes da sentença recorrida assentam somente numa análise objectiva da petição inicial, conforme supra referido, não se debruçando na análise criteriosa e rigorosa dos fundamentos invocados, abstendo-se de se pronunciar quanto ao pedido formulado, deduzindo conclusões meramente abstractas.
16 - Por esta razão, faltando-lhe a fundamentação do julgamento de facto o julgado recorrido padece do vício de nulidade, tendo violado o n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e o n.º 3 do artigo 659.º do CPC.
17 - A sentença recorrida padece de falta de fundamentação, uma vez que não faz nenhuma referência quanto ao processo cognitivo percorrido pelo julgador para entender que os factos alegados pelas Recorrentes, em virtude da “aparência” ocorrência da excepção dilatória não foram sequer passíveis de análise, apesar de enquadrados no disposto no artigo 99.º do CPPT.
18 - Por esta razão, a sentença recorrida incorre em falta de fundamentação – violando assim o artigo 125.º do CPPT, que deveriam pronunciar-se quanto à matéria de facto e de direito alegada, constituindo a forma de processo aplicada e invocada, a correcta e legalmente admissível para conhecer desses fundamentos.
19 - A sentença recorrida deve ser anulada, determinando-se a sua baixa à 1.ª instância para apreciação da matéria de direito relevante para julgamento dos factos não apreciados na sentença recorrida, que erroneamente julgada provada e procedente a excepção dilatória de erro na forma de processo.
20 - Por essa razão, a apreciação da prova à luz das regras da experiência comum deveria ter tomado em conta o que se provasse a propósito do processo administrativo que antecedeu a presente execução fiscal, designadamente os vícios que foram invocados na p.i. e ignorados na sentença recorrida.
21 - A sentença recorrida incorre, assim em falta de fundamentação e omissão de pronúncia – violando assim o n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ao recurso ser concedido provimento, revogando-se a sentença recorrida com o que se fará, INTEIRA JUSTIÇA.”
I.3. O recurso foi admitido, não tendo sido apresentadas contra-alegações, e sustentado em posterior despacho não se verificarem nulidades.
I.4. Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte (T.C.A.N.) foi proferida decisão sumária a 6-11-2020, a declarar o TCAN incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento deste recurso jurisdicional e competente para o efeito, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.).
I.5. Remetidos os autos ao S.T.A, o exm.º magistrado do Ministério Público teve “vista”, pronunciando sobre o recurso interposto, concluindo no sentido de “negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.”
I.6. O objeto do recurso, sendo relativo ao decidido na sentença recorrida quanto à absolvição da instância com fundamento erro na forma do processo, é de delimitar, de acordo com as conclusões das recorrentes, em que se colocam as seguintes questões:
- Nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito, e por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 123.º n.º2 e 125.º do C.P.P.T. e ainda do art. 659.º n.º3 do C.P.C.;
- Erro de julgamento, de direito, no decidido quanto à absolvição da instância por erro na forma do processo.
As recorrentes defendem quanto a esta última questão terem sido invocados vícios na petição inicial (p.i.), os quais se subsumem ao art. 99.º do C.P.P.T., bem como terem invocado a caducidade da liquidação que importa apreciar e decidir em impugnação.
Assim, pedem que seja anulada a sentença proferida e mandada ampliar a matéria de facto ou que aquela seja revogada.
I.7. O recurso é de apreciar e decidir em conferência, com dispensa de vistos dos exm.ºs Conselheiros adjuntos, atenta a natureza das questões suscitadas, e tendo os mesmos acesso ao processo através do S.I.T.A.F..
II. Fundamentação.
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. Em 05/06/2007 foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Feira 1, à executada C………………., Ldª o processo de execução fiscal nº 0094200701032682, por dívidas de IVA de 2005, no montante de € 748,20 – fls. 1 e 2 do p.a.
2. O prazo para pagamento voluntário expirava em 03/05/2007 – fls. 34 dos autos.
3. Em 12/01/2008 foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Feira 1, à executada C………………, Ldª o processo de execução fiscal nº 0094200801003615, por dívidas de IVA de 2006, no montante de € 1 496,40, com pagamento voluntário até 6/12/2007 – fls. 79/80 do p.a.
4. O título executivo consistiu em certidão passada pelo Serviço de Finanças de FEIRA 1 – resulta dos autos
5. As executadas foram citadas, por reversão, em 3 de Fevereiro de 2011 e 8 de Fevereiro de 2011 – fls. 32/33.
6. Em 20 de Abril de 2011, as executadas intentaram os presentes autos de Impugnação, nos termos do artº 102º e ss. do CPPT, pedindo que o Despacho de reversão fosse declarado nulo ou anulado, por erro na fundamentação e por erro quanto ao seu objecto e ao seu conteúdo, nos termos seguintes:
7. Na petição inicial as AA não identificam as liquidações, e não imputam qualquer ilegalidade às próprias liquidações, mas sim à reversão, que consideram indevida, por:
i) não se encontrarem “verificados os pressupostos legais para que possa ocorrer reversão contra as impugnantes, nem para que as impugnantes possam ser consideradas responsável[eis] subsidiário (as] na execução fiscal nem devedor (as] de qualquer dívida fiscal” (artigo 2.° da p.i.);

ii) a Administração Tributária não ter feito prova da “culpa dos responsáveis subsidiários pela insuficiência do património” (artigos 13.° a 15.°, 19º da p.i.;

iii) as impugnantes não terem qualquer culpa na “falta de pagamento pela sociedade da dívida exequenda” e pela “falta de bens penhoráveis”(artigos 16º a 18°, 20.° a 23º);

iv) no projecto de reversão, a Administração não “mencionar e apreciar quaisquer [os] novos elementos que fossem carreados para o projecto de reversão pelas impugnantes” (artigos 30º a 33º).
II. De direito.
Quanto à nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito:
O tribunal recorrido fixou a factualidade relevante para apreciação da questão do erro na forma de processo que no seu entendimento cumpria solucionar para se decidir pela absolvição da instância.
Conforme entendimento reiterado do S.T.A. que só se verifica nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito se essa falta for absoluta – cfr., acórdão de 19-3-1997, proferido no recurso n.º 21 293, e, entre muitos outros, o de 18-11-2020, proferido no proc. 0699/17.9BELRA, acessíveis em www.dgsi.pt
Por outro lado, tendo sido fixados a matéria de facto já acima transcrita, e fundamentado de direito, por referência, nomeadamente, à al. b) do art. 204.º do C.P.P.T., relativo a fundamento de oposição a execução, e aos artigos 199.º, 202.º, 668.º, n.º1 e) e 498.º n.º3 do C.P.C. - versão aplicável à data da sentença proferida -, no que concerne ao erro na forma do processo e à excepção dilatória de absolvição, foram exteriorizadas as razões que conduziram a que se tivesse decidido no sentido indicado e não noutro sentido.
Tal o que um destinatário normal colocado na posição das impugnantes ora recorrentes não poderiam deixar de entender quanto à motivação de facto e de direito que determinou a absolvição da instância da F. P..
Não ocorre, assim, a nulidade da sentença, pela falta de fundamentação invocada, de facto e de direito.
Quanto à nulidade por omissão de omissão de pronúncia:
A nulidade por omissão de pronúncia depende de haver questões que não tenham sido apreciadas e que tenham sido suscitadas pelas partes, nos termos do estatuído nos artigos 125.º n.º1 do C.P.P.T. e 615.º n.º1, d) do C.P.C..
Para se estar perante uma “questão” é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existam divergências, manifestadas em razões de facto ou de direito, que não meros argumentos – tal, mais uma vez, o entendimento que tem sido reiterado pelo S.T.A. desde o acórdão 28-6-1995, proferido no proc. n.º 14 611, de que é exemplo o acórdão de 16-12-2020, proc. n.º 0683/20.5BELRA, acessível no sítio já indicado da INTERNET.

Ora, o tribunal recorrido conheceu do erro na forma do processo, considerando os pedidos efetuados de nulidade e ilegalidade da reversão que não da própria liquidação, e apreciando ainda outros aspectos tidos por relevantes para a decisão que foi proferida.

Assim, não se verifica nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia.
Não sendo de desconsiderar que, pese embora não se verifiquem as referidas nulidades, se possa ocorrer erro de direito no decidido, cumpre, pois, apreciar o decidido quanto a erro na forma do processo:
Face ao invocado no recurso interposto, consta da p.i., em resumo, o seguinte:
- Não estão verificados os pressupostos legais da reversão, para que possam ser consideradas responsáveis subsidiário, nem é exigível às impugnantes o pagamento de qualquer quantia por parte da administração tributária, nem as mesmas são devedoras à mesma de qualquer quantia a qualquer título (artigos 2.º e 3.º);
- O despacho de reversão é nulo e ilegal, o que sustentaram no não exercício de actividade desde 2003 da sociedade C………………., e na junção de documento, mais alegando ter esta sempre cumprido pontualmente as suas obrigações até que foi dissolvida em 29-12-2005, não existindo fundamento para o processo de execução fiscal ter sido instaurado à referida sociedade, nem do mesmo modo fundamento para a responsabilidade subsidiária (artigos 4.º a 9.º);
- a reversão incide sobre uma tributação presumida e que exige a prática concreta de atos tributáveis e não a dedução ou presunção abstrata de quaisquer atos, bem como que incumbe ao serviço de finanças e seus funcionários verificar se se verificam os pressupostos da reversão (10.º e 12.º);
- “falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade (artº 45º da LGT)”, restrito no que às ora impugnantes diz respeito, e quanto à aplicação do prazo de prazo de 4 anos desde os factos tributários, sem causas de suspensão ou interrupção (artigos 42.º e 46.º)..
Ora, do acima referido resulta que, quanto às referidas inexigibilidade da dívida e a ilegalidade e demais invocado relativamente ao despacho de reversão, foram apresentados fundamentos de oposição a execução fiscal, que não de ilegalidade da liquidação a que se refere o art. 97.º, a), do C.P.P.T. em que se teria de fundar a impugnação apresentada.

O decidido na sentença recorrida está ainda de acordo com o que a jurisprudência do S.T.A. que tem vindo a afirmar que “os vícios do despacho que ordena a reversão constituem fundamentos de oposição, nos termos do disposto no artigo 204.°/1/b) /d)/ i) do CPPT”- cfr., acórdãos de 27-09-2017, proc. 0296/16, de 12-07-2018, proc. 0310/14, e de 10-10-2018, proc. 0592/10.6BEPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado, também quanto à caducidade da liquidação, se constata que, tendo sido invocada falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, está constituído o fundamento de oposição previsto no art. 204.º, e), do C.P.P.T., conforme, aliás, com o que o S.T.A. tem também entendido - cfr. acórdão de 20-6-2018, no proc. 0212/18, disponível ainda no mesmo sítio, segundo o qual na impugnação “é a liquidação e a notificação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas que relevam para aferir da caducidade”, ou seja, “as efectuadas à sociedade originária devedora” que não as efetuadas ao revertido.

De tudo o exposto, se extrai que o recurso não obtém provimento quanto à anulação da sentença recorrida, ampliação da matéria de facto, ou revogação da mesma, sendo de confirmar o decidido.

III. DECISÃO:

Os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelas recorrentes – art. 527.ºn.º1 do C.P.C..

Lisboa, 3 de fevereiro de 2021. - Paulo Antunes (relator) - Pedro Vergueiro -Aragão Seia.