Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0158/01.1BTLRS 0738/17
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
COMPENSAÇÃO POR INICIATIVA DO CONTRIBUINTE
Sumário:I - Tendo a presente acção administrativa especial por objecto o despacho de indeferimento da requerida compensação entre as dívidas tributárias identificadas pela Recorrente e o alegado crédito constituído pela dação em pagamento, não reconhecendo o Estado tal crédito, não se pode dar como verificado o primeiro dos requisitos para a compensação, i. é, a existência de um crédito a favor do contribuinte de que seja devedor o Estado.
II - Havendo o requerimento sido apresentado em 19/07/2000, é adequável o disposto nos artigos 90º do CPPT, que regula a compensação por iniciativa do contribuinte, e que remete para a disciplina do antecedente artigo 89º,em cujo nº 5, na redacção então em vigor, se determinava que «no caso de já estar instaurado processo de execução fiscal, a compensação é efetuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e acrescido».
III - Não estando esclarecido nos autos que haja sido emitido qualquer título de crédito, antes deles resultando que o crédito invocado pela Recorrente é contestado pela Administração Tributária trata-se, indubitavelmente, de um crédito litigioso, que nessas condições não se mostra apto para ser considerado para efeitos de compensação.
IV - Do disposto no nº 9 do artigo 284º do CPT revogado, resultava que nos casos de aceitação da dação em pagamento de bens de valor superior à dívida exequenda e acrescido, no despacho que a autorizava era constituído um crédito no montante desse excesso. Mas, o que se apura, é que o valor do imóvel dado em pagamento foi fixado em montante muito próximo do valor da dívida exequenda e o montante que o excedia foi imputado ao acrescido e custas do processo pelo que, não tendo sido constituído qualquer crédito a favor do contribuinte no despacho que autorizou a dação em pagamento, era necessário que o mesmo fosse reconhecido pela Administração Tributária, o que não ocorreu, por esta o ter contestado.
V - Assim, consistindo num crédito litigioso, o mesmo não pode ser invocado para efeitos da compensação prevista no artigo 90º nºs. 4 e 5 do CPPT, falecendo razão à recorrente porque se impunha legalmente que obtivesse previamente o reconhecimento de tal crédito.
Nº Convencional:JSTA000P26467
Nº do Documento:SA2202010140158/01
Data de Entrada:06/21/2017
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A………...., S.A., visando a revogação da sentença de 06-12-2016, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentara contra o despacho proferido pelo Subdirector Geral dos Impostos, em 12/12/2000, que lhe indeferiu o pedido de pagamento de dívidas fiscais por compensação de créditos, consubstanciado no oferecimento da dação em pagamento de um prédio rústico, alegando, assim, deter um crédito sobre o Estado no valor €1.077.935,03.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………., S.A. as seguintes conclusões:

“A) a divida exequenda no montante de 747 007 366$00 objecto do pedido de dação veio a ser declarada parcialmente prescrita no montante de 202 434 264$00;
B) tendo o sido lavrado o auto de dação pela dívida exequenda considerada existente nessa altura de apenas de 544 394 215$00;
C) a douta sentença recorrida, fundando-se no disposto no artigo 284º do CPT, considerou que a dação opera-se com o despacho ministerial que a autoriza nos termos do nº 8 do citado artigo e, como tal, passados os cinco dias a que se refere o nº 15 do artigo, está consumada a dação e extinta a dívida;
D) termos em que a dívida exequenda já não poderia prescrever após tal despacho;
E) Contudo, salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de erro na decisão de direito porquanto, salvo melhor opinião, faz deficiente interpretação das normas do citado artigo 284° do CPT;
F) Com efeito, o citado normativo deve ser interpretado no sentido de que a dação apenas se consuma, nos termos do nº 12, com o auto lavrado no processo, o qual nos termos do nº 14 é o respectivo título de transmissão do imóvel;
G) Sendo a transmissão do imóvel a contraprestação para pagamento da dívida exequenda, esta apenas se extingue com a efectiva transmissão do imóvel para a esfera jurídica do Estado;
H) Pelo que, até à extinção da dívida exequenda, pode ocorrer a sua prescrição pelo decurso do respectivo prazo, o que ocorreu e foi declarado pelo órgão com competência para a execução fiscal:
I) Termos em que ficou constituído um crédito a favor da executada e aqui recorrente nos termos do n° 9 do citado artigo 284°, uma vez que esse crédito relativo ao excesso constitui-se automaticamente por força do despacho aí previsto;
J) termos em que o despacho recorrido é manifestamente ilegal e como tal deveria ter sido julgado na douta sentença recorrida;
K) Pelo que mal andou a douta sentença recorrida quando julgou a acção improcedente laborando em erro na decisão de direito.
Nos termos sobreditos e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser anulada a douta decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene a anulação do despacho recorrido e admita à compensação em causa, como é de inteira JUSTIÇA.”

Houve contra-alegações em que o recorrido DIRECTOR GERAL DOS IMPOSTOS veio dizer o seguinte:

“A AT mantém tudo quanto anteriormente articulou. Na verdade, a recorrente vem pôr em crise a douta sentença que decidiu negar provimento ao recurso mantendo o acto recorrido.
O acto impugnado foi o despacho do Senhor Subdirector-Geral proferido em 02.06.03, que indeferiu à recorrente o seu pedido de compensação de dívidas fiscais por compensação em créditos que esta tem sobre o Estado.
Como bem se observou na douta sentença “a questão a decidir consiste em saber se, por referência ao instituto jurídico da dação em pagamento (a compensação), se pode concluir que o simples facto de se demonstrar que o valor do bem dado em pagamento é superior ao da dívida faz, por si só, nascer na esfera jurídica da ora recorrente um crédito, certo, líquido e exigível sobre o Estado, de montante correspondente à diferença desses mesmos valores."
Fundamenta a douta sentença a sua decisão no facto de nos termos do nº 1 do artigo 201° do CPPT, o executado poder, no prazo da oposição à execução fiscal, requerer ao ministro ou órgão executivo de quem dependa a administração tributária legalmente competente para a liquidação e cobrança da dívida exequenda e acrescido, a dação em pagamento de bens móveis ou imóveis, nas condições aí previstas.
E, continua, dispondo o nº 9 desse mesmo artigo que "em caso de aceitação da dação em pagamento de bens de valor superior à dívida exequenda e acrescidos, o despacho que a autoriza constitui, a favor do devedor, um crédito no montante desse excesso, a utilizar em futuros pagamentos de impostos ou outras prestações tributárias ... "
Constata-se, no entanto, do n° 4 do artº 89°, o art° 90° e nº 9 do art° 201° do CPPT, com clareza, que a constituição de um crédito a favor do devedor, no momento do excesso resultante da dação em pagamento de bens de valor superior à dívida exequenda e acrescidos, terá que ocorrer no despacho que autoriza essa mesma dação. Sendo certo que no caso sub judice nenhum crédito foi constituído a favor da ora Recorrente."
E, no seguimento do entendimento subscrito pelo EMMP refere que seria um absurdo que a eficácia do despacho de autorização da dação em pagamento pudesse ser alterada pela superveniência da prescrição de parte da dívida paga através dessa dação, sem nova manifestação do órgão ministerial competente.
Donde tal como alegámos na resposta, ao celebrar o auto, o devedor não esteja necessariamente investido num crédito do imposto constituído pela diferença entre o valor atribuído ao bem dado em pagamento e o valor da dívida exequenda e respectivos acrescidos.
De outro modo, parece que o direito a essa diferença - antes da satisfação do crédito exequendo - teria que ser constituído da mesma forma, i. é, por despacho ministerial.
E seria um completo absurdo, que o fim para o qual foi atribuído o poder discricionário de aceitar a dação, caso a eficácia do despacho de autorização pudesse ser alterada pela superveniência da prescrição de parte ou da totalidade da dívida ou até da criação de uma nova obrigação pecuniária do Estado, fosse alterado sem que se fizesse nova manifestação de vontade do órgão ministerial competente.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve ser mantida a douta sentença recorrida, por ter feito a mais correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, tudo com as legais consequências.”

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, em douto Parecer e pelas razões a que infra se dará realce e as quais, no essencial, apontam para que, tratando-se de um crédito litigioso, o mesmo não pode ser invocado para efeitos da compensação prevista no artigo 90º do CPPT pelo que, nessa medida, a presente acção intentada pelo Recorrente mostra-se votada ao insucesso, uma vez que se impõe que antes a Recorrente obtenha o reconhecimento de tal crédito e, independentemente da apreciação que se fizer dos termos em que se concluiu a dação em pagamento e a extinção da anterior dívida tributária, o despacho de indeferimento do pedido de compensação mostra-se correto e não padece da ilegalidade que lhe é assacada, uma vez que não foi reconhecido e constituído qualquer crédito a favor da Recorrente nos termos em que esta o invoca.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Contra a Recorrente foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 89/060553.0, que corria termos no Serviço de Finanças de Albufeira, o qual, depois de lhe terem sido apensados outros, prosseguiu para cobrança de, entre outras, dívidas à Segurança Social, provenientes de contribuições e juros de mora no montante de Esc. 747.007.366$00 – cf. fls. 36 e sgs do PA Vol I;
B) Os referidos créditos da Segurança Social, foram adquiridos pela Direcção Geral do Tesouro à Segurança Social- cf. cópia da informação n.º 4511/2000 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, junta a fls. 14 a 17 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;
C) Em 28/1/97 a Recorrente requereu a regularização das suas dívidas com natureza fiscal por adesão ao regime especial de pagamento de dívidas ao Estado previstas pelo Dec-Lei n.º 124/96 de 10/8, requerendo, além do mais, o pagamento de dívidas à Segurança Social no montante de Esc. 748.000.000$00, identificadas em A) e B) oferecendo, para pagamento integral desta dívida, a dação em pagamento do prédio rústico denominado «…………… », sito na freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 3444 – cf. fls. 1 e 2 volume I do PA;
D) O prédio rústico oferecido em dação em pagamento, identificado em C), veio a ser avaliado para o efeito, em 9/3/1998, pelo valor de Esc. 752.960.000$00 - cf. fls. 78 volume II do PA;
E) Por despacho conjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) e do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (SETF), datado de 20/8/98, foi aceite o pedido identificado em C), «pelo valor de Esc. 752.960.000$00», resultante da avaliação do imóvel, para ser exclusivamente aplicado no pagamento das dívidas à Direcção do Tesouro, as quais «ascendem a Esc. 747.007.366$00, e na parte das custas, reduzidas a 50%, devidas nos processos de execução fiscal onde estavam a ser exigidas, que pudessem ser abarcadas pelo excedente» prevendo-se o exercício do direito de recompra no prazo de 3 anos nas condições de actualização definidas no despacho - cf. cópia do Despacho Conjunto a fls. 67 e 68 do volume II do PA;
F) Por ofício datado de 5/6/1998, o Director de Serviços da Justiça Tributária da Direcção-Geral dos Impostos comunicou ao Chefe da Repartição de Finanças de Albufeira que o pedido de adesão ao DL 124/96, de 10/8 formulado pela Recorrente foi deferido nos termos constantes do Despacho Conjunto dos SEAF e SETF, solicitou-lhe a notificação do mesmo à requerente, e que após registo na Conservatória do Registo Predial do bem em causa a favor do Estado fosse comunicado à Direcção de Serviços a elaboração e remessa do «auto da dação» - cf. fls. 63 do Volume II do PA;
G) A Recorrente foi notificada do despacho conjunto através de ofício n.º 8206 datado de 7/10/1998 remetido registado com aviso de recepção - cf. fls. 147 do PA volume III;
H) Por despacho de 31/1/2000, o chefe do Serviço de Finanças de Albufeira declarou a prescrição de parte das dívidas objecto da referida dação em pagamento, no montante de Esc. 202.072.830$00 relativas a contribuições devidas à Segurança Social, despacho reiterado com fundamentação de facto e de direito em comunicação efectuada ao Subdirector Geral do Tesouro através de ofício n.º 1324 datado de 26/1/2001 a solicitação deste-cf. fls. 103 do PA volume III;
I) Em 25/2/2000, foi lavrado o «auto de dação em pagamento» no qual, para além do mais, ficou escrito que, pelos representantes da Recorrente foi dito que «conforme foi autorizado por despacho de 20/8/1998 dos Senhores Secretários de Estado do Tesouro e das Finanças e dos Assuntos Fiscais, comunicada pelo ofício n.º 7619, de 2 de Setembro de 1998 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária da Direcção-Geral dos Impostos, vai efectuar-se a entrega, pela sua representada, do citado bem ao Estado, a fim de efectuar o pagamento integral da dívida exequenda (544 394 215$00) bem como de 5 131 521$00 do acrescido (custas) sendo esta entrega feita por meio de dação» e pelo Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira foi dito que «na sua qualidade de representante do Estado, como consta do ofício nº. 14 720, de 15/9/1998 da Direcção-Geral do Tesouro, aceita a presente dação em pagamento com o consequente pagamento integral da dívida exequenda e acréscimos, no montante de 549 525 736$00, ficando, assim, extinta esta dívida da Sociedade já referida porquanto o valor de avaliação do imóvel dado em pagamento é de 752 960 000$00» auto lavrado nos termos dos n.ºs 12 e 13 do artigo 284.° do Código de Processo Tributário a valer como título de transmissão – cf. fls. 15 do PA volume II;
J) A transmissão do bem identificado em C) por dação foi registada na Conservatória do Registo Predial de Albufeira em 1/3/2000 – cf. fls. 17 do PA volume II;
K) Em 19/7/2000 a Recorrente requereu ao Director-Geral dos Impostos autorização para efectuar o pagamento de dívidas exequendas e acrescido relativas a IVA, Contribuição Autárquica e Coimas através de compensação com o crédito que invocou deter sobre a Fazenda Pública, resultante da diferença entre o valor da avaliação do imóvel oferecido em dação identificado em C) e o valor da dívida exequenda, que ascendia ao montante de Esc. 203.434.264$00 - d. fls. 11 dos autos e 158 do PA vol. III;
L) Sobre tal pedido foi elaborada a informação n.º 3469/2000 de 28/9/2000 propondo o deferimento do pedido da Recorrente por ter enquadramento no n.º 9 do artigo 284.º do CPT, porquanto, por força da aceitação da dação foi constituído um crédito a favor da requerente que pode ser utilizado nos 5 anos seguintes ao da sua constituição como sucede no caso - cf. fls. 155 do PA volume III;
M) Na referida informação foi exarada proposta pelo Director dos Serviços de Justiça Tributária, datada de 28/9/2000, concordando com o parecer, propondo o assunto à consideração superior - cf. fls. 155 do PA volume III;
N) Em Outubro de 2000, pela Direcção de Serviços de Justiça Contenciosa foram solicitadas informações adicionais sobre o motivo da redução do valor da dívida constante do despacho conjunto identificado em E) - cf. fls. 151 e 154 do PA Vol III;
O) Em complemento da informação n.º 3469/2000 de 28/9/2000 referida em L) foi elaborada a informação n.º 4511/2000, de 6/12/2000, concluindo que deverá ser indeferido o pedido de aplicação do crédito reclamado já que o mesmo não existe, considerando, para além do mais, ter sido com base no valor declarado pela Recorrente no seu requerimento de adesão ao Decreto-Lei n.º 124/96, de 10/8, do montante total de Esc. 747.007.366$00, que no despacho conjunto do SEFT e do SEAF foi aceite a dação em pagamento, pelo que o auto de aceitação deveria ser lavrado por esse valor e não por qualquer outro, motivo por que não se constituiu crédito algum a favor da devedora e, consequentemente, não pode ser deferida a sua pretensão de pagamento de dívidas dela por não se ter constituído nenhum crédito - cf. fls. 14 dos autos e 86 do Vol III do PA;
P) Mais se consignou na referida informação não ser líquido que se tenha verificado a prescrição das dívidas exequendas declarada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, propondo-se que se proceda à correcção do auto de aceitação da dação em pagamento «por forma a que do mesmo constem os valores indicados no Despacho Conjunto que aceitou a dação» e que "Caso a empresa não aceite rectificar o auto de aceitação (...), deverá ser tal facto comunicado de imediato (...), por forma a que seja proposta a revogação do Despacho Conjunto que aceitou a dação, e posteriormente ser pedida a anulação da mesma (...), devendo nesse caso prosseguir de imediato, e com carácter de urgência, os respectivos processos de execução fiscal onde as dívidas abrangidas pelo aludido Despacho se encontram a ser exigidas» considerando ser esse o valor aceite em dação e não o constante do auto de aceitação da dação - cf. fls. 14 dos autos e 86 do P A volume III;
Q) O Subdirector-Geral dos Impostos proferiu despacho, datado de 12/12/2000, com fundamento no parecer/proposta prestado pela Direcção de Serviços de Justiça Tributária da DGCI na informação n.º 4511/2000, indeferindo o pedido de aplicação de crédito, «já que o mesmo não foi constituído» e que «verificados os pressupostos da decisão de dação, foram autorizados em conformidade com o proposto» - cf. fls. 14 dos autos e 86 do PA Vol III;
R) Em 9/1/20010 Subdirector Geral da Direcção Geral do Tesouro invocando a falta de elementos que fundamentem o despacho que declarou a prescrição da dívida referido em H) solicitou informação sobre qual a fundamentação do referido despacho - cf. fls. 98 do PAT Vol II;
S) Em 26/1/2001 o Chefe do Serviço de Finanças respondeu ao solicitado em N) - cf. ofício n.º 1324 a fls. 103 do PA Vol III;
T) A Recorrente foi notificada de tal despacho através do ofício n.º 1322 de 26/1/2001 - cf. fls. 102 do Vol II do PAT;
U) Através do ofício n.º 1323 de 26/1/2001 a Recorrente foi notificada para, no prazo de 10 dias comparecer no Serviço de Finanças de Albufeira, «para se proceder à rectificação do auto de aceitação da dação lavrado em 25/2/2000, por forma a que do mesmo constem os valores indicados no Despacho conjunto de 20/8/1998» (identificado em E)) pelos «valores de 752.960.000$00 e 747.007.366$00, referentes respectivamente ao valor da avaliação do bem oferecido em dação e o valor das dívidas declaradas pela empresa, pois só assim se dará cumprimento integral ao mesmo, sendo cera que este foi proferido tendo por base estes pressupostos, que não podem "à posterior" ser alterados» sob cominação de ser proposta a revogação do Despacho Conjunto que aceitou a dação - cf. fls. 101 do PAT Vol II;
V) Do despacho identificado em Q) apresentou a Recorrente a presente acção – cf. fls. 2 dos autos.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a acção, padece de erro de julgamento, por ter decidido que o despacho ministerial que autorizou a dação em pagamento e também operou a extinção da dívida exequenda, fundando-se no disposto no artigo 284.º do CPT, não podendo esta, consequentemente, prescrever após tal despacho, pelo que não haveria lugar a qualquer crédito a favor da recorrente.
Vejamos.
Por decisão do senhor subdiretor-geral dos impostos, datada de 12/12/2000, foi indeferido o pedido de pagamento de dívidas fiscais por compensação com créditos que a Recorrente alegou deter sobre o Estado no valor de € 1.077.935,03 euros.
Sustenta a Recorrente, em epítome breve, que o tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 284º, nºs 8, 12 e 14 do CPT na medida em que a dação em pagamento é um negócio jurídico formal que apenas opera com a outorga do respectivo instrumento, que, in casu, seria o auto lavrado no processo pelo que, tendo sido realizado após a declaração de prescrição de parte da dívida, haverá que atender apenas ao remanescente da dívida para efeitos da dação em pagamento, do que resultaria para a devedora a constituição de um crédito sobre a Fazenda Pública, correspondente à diferença de valores, sendo por isso ilegal o despacho de indeferimento da compensação e devendo a sentença ser revogada e substituída por decisão que determine a sua anulação.
Em sede fáctica e com acuidade para a questão a decidir, fixou-se no julgado que:
-por despacho conjunto, datado de 20/08/98, dos secretários de estado dos Assuntos Fiscais e do Tesouro e Finanças, foi aceite o pagamento de dívidas fiscais, no valor global de esc. 747.007.366$00, por dação em pagamento, mediante a entrega de prédio rústico, avaliado em esc. 752.960.000$00, pertença da devedora;
-por despacho de 31/01/2000 do chefe de finanças de Albufeira, foi declarada parcialmente prescrita a dívida, no montante de esc. 202.072.830$00 escudos;
-em 25/02/2000 foi lavrado auto de dação em pagamento, no qual foi feito constar que o Estado aceitou o referido prédio como dação em pagamento da dívida de esc. 544.394.215$00 escudos, e do montante de esc. 5.131.521$00 a titulo de acrescido (custas), havendo essa transmissão sido registada em 01/03/2000;
-em 19/07/2000 a Recorrente requereu o pagamento de dívidas por compensação com o crédito que detinha sobre o Estado e decorrente do remanescente da dação em pagamento.
Foi perante essa realidade fáctica que o Tribunal “a quo" fundamentou juridicamente que da dação em pagamento invocada pela Recorrente não resultou qualquer constituição de crédito a seu favor, pelo que o indeferimento do pedido de compensação impugnado não padece de qualquer ilegalidade, decidindo pela improcedência da ação.
Quid juris?
A questão em causa é o pagamento de dívidas fiscais por compensação de créditos, consubstanciado no oferecimento de dação em pagamento de um prédio pelo que, como denota o EPGA no seu douto Parecer, diferentemente do entendimento perfilhado pelo tribunal "a quo'' consideramos que, em primeiro lugar, há que analisar em que termos é legalmente possível efetuar a compensação de dívidas tributárias com créditos do sujeito passivo sobre o Estado.
Se bem perscrutamos, a tese da recorrente, no que tange às consequências do pagamento mediante compensação, é que a dívida se encontra paga e tem, por isso, direito ao remanescente; dito de outro modo: parece apodíctico que quando afirma que tem de emitir-se a declaração da extinção da dívida por pagamento (por compensação), está a afirmar que não se procedeu à compensação do anteriormente referido pagamento (parcial) da dívida. Ou seja, a tese da recorrente é a de que, pelo simples facto de se demonstrar que o valor do bem dado em pagamento é superior ao da dívida faz, por si só, nascer na esfera jurídica da ora recorrente um crédito, certo, líquido e exigível sobre o Estado, de montante correspondente à diferença desses mesmos valores.
Mas, a nosso ver, a recorrente extrai consequências que são típicas de outras figuras jurídicas, designadamente, a cessão de créditos e a dação.
Lato sensu e à guisa de enquadramento jurídico do instituto em apreço, começaremos por realçar que, na verdade, a cessão de créditos é um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito.
Assim, a cessão de créditos verifica-se quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito. Ocorre, por isso, uma substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. Não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado activo – cfr. Almeida Costa, Dir. Obrigações, 4ª ed., pág. 554.
A propósito, escrevem os professores Antunes Varela e Pires de Lima, a seguinte passagem do seu Código Civil Anotado, volume l, pág. 413: «É de notar que esta disposição (a do n.º 1 do artigo 578.º) apenas visa os efeitos entre as partes. Quanto ao devedor, são outros os princípios legais (cfr. art.º 583.º)».
Tal afirmação pode incutir a ideia errada de que os efeitos concretos de uma cessão de créditos serão unicamente oponíveis ao cedente e ao cessionário, o que equivale a negar a eficácia externa na medida em que tais efeitos resultariam oponíveis ao devedor, estando este sujeito «a outros princípios legais».
Todavia, o n.º 1 do artigo 578.º tem de conjugar-se com o disposto no artigo 583.º. E, assim, negociada uma cessão de créditos entre as respectivas partes, os seus efeitos serão, desde logo, unicamente oponíveis ao cedente e ao cessionário. O contrato de cessão é imediatamente eficaz entre ambos, solução cuja consagração já remonta ao Código de 1867 que no seu artigo 789.º rezava: «Pelo que respeita ao cedente, o direito cedido passa ao cessionário pelo facto do contrato; mas em relação ao devedor ou a terceiro, a cessão só pode produzir efeito desde que foi notificada ao devedor, ou por outro modo levada ao seu conhecimento, contando que o fosse por forma autêntica».
Assim estabelecida a nível dos efeitos do negócio (relativamente ao cedente -cessionário, por força do contrato; relativamente ao devedor, por facto da notificação ou equivalente), esta cisão constitui uma dualidade de regimes.
O professor Antunes Varela in Das obrigações em geral 2.ª edição, volume II, págs. 268 e seguintes, demonstra, porém, que o contrato de cessão é de eficácia translativa imediata (independente da notificação do devedor) nas relações entre as partes, mas tem eficácia diferida para o momento da notificação enquanto concerne à oponibilidade ao devedor (n.º 1 do artigo 583.º).
Deste enquadramento decorre, pois, que, contra a ideia apoiada na literalidade do nº 1 do artigo 578.º, a cessão de créditos não produz apenas «efeitos entre as partes».
Ainda sobre a eficácia externa da cessão de créditos, adite-se que a generalidade dos autores, de que se destaca Ennecerus, Derecho de Obligaciones, I, pág. 377, afirma a sua natureza obrigacional e convergem no entendimento de que esta figura não constitui um contrato típico.
Mas já é duvidoso que a cessão de créditos seja um negócio jurídico abstracto, já que do n.º 1 do artigo 578.º, que vimos citando, decorre que o tipo de contrato de cessão de créditos é, variavelmente, o tipo concreto que pertença ao negócio jurídico que o preenche.
Ou seja, o negócio jurídico é abstracto enquanto nele se faz abstracção da causa, a qual aparece substituída pela forma pelo que, pela aparência do negócio -base se vê que a sua causa poderá variar e diferenciar-se qualitativamente. É assim que a cessão de créditos poderá ter uma causa adquirendi, uma causa donandi, uma causa solvendi, uma causa credendi. E a ligação entre a causa concreta e a cessão (que através dela se funcionaliza) é de tal ordem incindível que lhe resulta inaplicável o velho princípio das Institutas e do Digesto, segundo o qual causa falsa non nocet . Cfr. Institutas: 2, 20, 31. Digesto: 35 1, 17, 2. Cfr: no Diccionario de derecho romano, de Guttierrez Alviz, 1948, pág. 86.
E isso tem enorme relevância quanto à eficácia externa, já que o devedor pode opor ao cessionário (ao tempo da verificação do vício, um terceiro, relativamente, ao crédito) todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, naturalmente com a ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (artigo 585.º do Código Civil).
A cessão de créditos, pode, com a sua causa variável, concretizar-se numa compra e venda (artigo 874 º do Código Civil), numa doação (artigo 940.ºn.º 1), na datio (aliás cessio) in solutum (artigo 837.º), na datio (cessio) pro solvendum (artigo 840.º), na constituição de um novo direito de crédito através do penhor de direitos (artigo 679.º).
A essa luz, a validade da cessão depende da verificação e um cúmulo de requisitos: - o somatório daqueles que, por força do n.º 1 do artigo 578.º, variam consoante o tipo de negócio que lhe serve de base, com aqueles outros que são comuns a todos os contratos de cessão, varie neles como variar, a causa em concreto.
Como ensina o professor Almeida Costa, Direito das obrigações, 3.ª edição, 1979, pág. 561, «Devemos considerar os efeitos da cessão de créditos sob um tríplice ponto de vista: as relações entre o cedente e o cessionário, entre este e o devedor cedido, e entre os participantes na cessão e terceiros».
No nº56 do 2º volume das suas Instituições, Guilherme Moreira expendia que «Para se determinarem os efeitos que derivam da cessão, é necessário verificar se o devedor foi notificado ou dela tem conhecimento».
E depois de analisar os efeitos que derivam da cessão antes da notificação, escreve aquele doutrinador:
«Pelo que respeita aos efeitos da cessão posteriores à sua notificação ao devedor, esses efeitos dão-se entre o cedente e o devedor cedido, entre este e o cessionário, e entre o cessionário e terceiros. Quanto às relações entre o cedente e o devedor, este, pela notificação, fica obrigado só para com o cessionário, perdendo o cedente a qualidade de credor. Não pode portanto o devedor cedido pagar ao cedente, embora este lhe exija o pagamento (artigos 789.º e 791.º)».
Anote-se que, não obstante estes preceitos serem do Código de 1867, a sua doutrina corresponde à actual, decorrente dos artigos 577.º e 583.º do Código de 1966.
Ora, o facto da transmutação de posições é extremamente importante nos efeitos da cessão, já que o credor perde a qualidade de credor ao mesmo tempo que ganha a de terceiro. Dito de outro modo: estamos perante a despersonalização do crédito, que vem traduzida no n.º 1 do artigo 577.º do nosso Código Civil e que mostra como a acção do cessionário, um terceiro (relativamente ao crédito) pode interferir na esfera patrimonial do devedor, por sua vez também um terceiro (relativamente à cessão).
Há, todavia e com relevo para o caso dos autos, que aludir à eficácia externa da cessão de créditos quanto à transmissão de garantias e outros acessórios.
Resulta do artigo 582.º do Código Civil, que é uma manifestação do princípio accessorium, que na falta de convenção em contrário, a cessão de créditos importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (n.º1 do preceito citado); e acrescenta o nº 2 que a coisa empenhada que estiver na posse do cedente será entregue ao cessionário, mas não a que estiver na posse de terceiro.
Sob esse prisma, pode afirmar-se que a cessão de créditos pode ter por objecto créditos presentes (já vencidos a prazo, ainda por vencer; condicionais, etc.) e também créditos futuros (artº 211º do CC), desde que determináveis (vd. A. Varela, Obrigações, 2º.274).
Explicitando melhor, pode afirmar-se que, em princípio, nada impede que seja legalmente reconhecida a convenção entre cedente e cessionário, que altere a igualdade de grau entre os créditos resultantes de cessão parcial, desde que esta não ofenda os direitos de terceiro; a desigualdade de grau não será, no entanto, um efeito típico da cessão, mas antes um efeito da cláusula anexa à cessão.
Tudo isto para justificar a compreensibilidade de que, a nosso ver, a recorrente se gruda ao conceito e à eficácia típicos da cessão de créditos ao pressupor que o crédito por si "cedido" à AT ser de valor substancialmente superior ao da dívida para com esta, o que, só por este motivo, torna inverosímil a tese sustentada pela recorrente.
Na verdade, a recorrente parece seguir a tese de que ocorre a eficácia translativa imediata da questionada cessão (compensação) [independentemente da notificação ao devedor], nas relações entre as partes, e afastando, portanto, a tese da eficácia translativa diferida quer em relação ao devedor e a terceiros, quer em relação às próprias partes.
Ora, segundo entendemos do raciocínio da recorrente, depois da aceitação, (que, para ela, ocorreu no caso concreto), dada a diferença dos valores, para todos os efeitos ficou credora do remanescente.
Por outro lado, atenta a figura da dação em cumprimento (datio in solutum) definida no art° 837° do C. Civil que se traduz na pretensão do devedor de extinguir imediatamente a obrigação através da prestação diversa da devida, o devedor só fica desonerado se o credor der o seu assentimento.
E, na verdade com a dação em cumprimento, efectuando-se uma prestação diversa da devida, a obrigação se extingue sem que fique outra a substituí-la (Cfr. Almeida Costa - «Obrigações», 3ª ed., pág. 807). Assim, a dação em pagamento consiste na entrega pelo devedor ao credor de uma coisa diversa da que constitui objecto da prestação para imediata extinção da dívida, operando assim o cumprimento por sub – rogação real de harmonia com a convenção das partes, o que tem como efeito prático que o credor passe a ser imediatamente o titular do crédito dado pelo devedor, ficando este logo liberado da sua precedente dívida (cfr. Fernando Olavo, Desconto Bancário, pág. 240).
Assim, verificando-se o duplo requisito (existência de uma prestação diferente da que é devida e que essa prestação tenha por fim extinguir imediatamente a obrigação), a datio in solutum terá todo o cabimento, seja qual for a natureza da prestação debitória inicial e seja qual for o objecto da prestação diferente levada a cabo, quer pelo devedor, quer por terceiro- A. Varela, Das Obrigações em Geral, II Vol., 2º ed., págs. 136/137.
E é porque com a dação em pagamento envolve a realização de uma prestação diferente da devida, que ela só extinguirá o crédito e, com ele, as suas garantias e acessórios, se o credor lhe der o seu consentimento o qual normalmente é prestado no momento em que a dação se realiza, disciplina que já vem do direito romano: aliud pro alio invito creditori solvi non potest, assim mesmo acolhida no artº 837º do Ccivil.
Todavia, no domínio das dívidas tributárias a dação em pagamento só é admissível nos casos expressamente previstos na lei, por injunção contida no artº 40º, nº 2 da LGT.
Ora, o artº 87º do CPPT determina que o regime da dação em pagamento antes da instauração da execução fiscal só é permitida, quaisquer que sejam os tributos em dívida, sejam fiscais ou parafiscais e mesmo que respeitem a diversas administrações fiscais, no caso especial do seu nº 1, ou seja e como refere o Mº Juiz «a quo», só no âmbito do processo conducente à celebração de acordo de recuperação de créditos – cfr. artº 87º nºs 1 a 3 do CPPT.
Posto isto [de que decorre a exigência em tais situações do consentimento do credor e por isso nos permitimos fazer semelhante excurso), em rigor, relativamente à compensação (que é o que verdadeiramente está em causa), o Art. 847° do Código Civil, prescreve que:
«1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A liquidez da dívida não impede a compensação.»
Como redunda da al. a) deste art. 847º, nº 1, do CC, para que possa operar a compensação exige-se que o crédito com se pretende compensar a dívida seja exigível judicialmente, ou seja, que o credor possa compelir judicialmente o devedor a cumprir a obrigação.
Acresce que a compensação depende da vontade de ambas as partes conforme resulta do artigo 847.° do Código Civil, na medida em que importa o reconhecimento das respectivas dívidas e créditos pelas mesmas e não há dúvida de que «in casu» a AT não reconhece ao recorrente qualquer crédito.
É que por força do preceituado na al. c) do nº 1 do art. 853° do Código Civil «os créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas não são susceptíveis de extinção por compensação, salvo se a lei expressamente o autorizar».
Em sede de impostos existe lei expressa (artºs 89º e 90º do CPPT) que permite a compensação pelo que esta é admissível pois os créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas não são susceptíveis de extinção por compensação, salvo se a lei expressamente o autorizar (cfr. al. c) do nº 1 do art. 853° do Código Civil).
No domínio das dívidas tributárias a compensação só é admissível nos casos expressamente previstos na lei, por injunção contida no artº 40º, nº 2 da LGT, determinado o artº 89º, nºs 1 e 5 do CPPT que o regime da compensação pode ser accionado antes e depois da instauração da execução fiscal, mas só é permitida, para além da vontade de ambas as partes, se não pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida mostrar-se garantida nos termos do CPPT.
Similarmente, pois, em sede das obrigações tributárias está prevista a compensação como forma de extinção das dívidas, quer por iniciativa da AT, quer por iniciativa do contribuinte (cfr. arts. 89º e 90º do CPPT).
Sempre que a compensação seja da iniciativa do contribuinte, fica dependente da verificação de diversos requisitos, conforme a desejada compensação seja a efectuar com créditos tributários ou com créditos sobre o Estado de natureza não tributária.
Portanto, para a compensação de dívidas com créditos tributários, por iniciativa do contribuinte, que pode ser feita ainda na fase de cobrança voluntária, impõe-se:
a) que haja um crédito a favor do contribuinte de que seja devedora a AT;
b) que esse crédito resulte de reembolso, ou de revisão oficiosa, ou de reclamação graciosa, ou de impugnação judicial, ou de outro meio gracioso ou contencioso;
c) que o credor (contribuinte) seja, ao mesmo tempo, devedor de tributos;
d) que o mesmo credor peticione, em requerimento, a compensação;
e) caso se trate de compensação com crédito de terceiro, que seja apresentada prova de que este consente que se faça a compensação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 3ª edição, nota 2 ao art. 90º, pág. 414).
Na circunstância de a compensação de dívidas seja a fazer com créditos de natureza não tributária que o contribuinte detenha sobre o Estado, exige-se ainda, para além dos requisitos acima referidos e de que se esteja já em fase de cobrança coerciva (execução fiscal), que, nos termos do disposto nos nºs. 4 e 5 do art. 90º do CPPT, haja prévio reconhecimento do ministro de que depende o serviço devedor e do Ministro das Finanças, de que a dívida é certa, líquida, exigível e tem cabimento orçamental.»
Ora, a presente acção administrativa especial tem por objecto o despacho de indeferimento da requerida compensação entre as dívidas tributárias identificadas pela Recorrente e o alegado crédito constituído pela dação em pagamento.
Mas aqui chegados, no encalço do Parecer do EPGA, ao contrário do entendimento do tribunal "a quo'' consideramos que em primeiro lugar haveria que analisar em que termos é legalmente possível efetuar a compensação de dívidas tributárias com créditos do sujeito passivo sobre o Estado.
Nesse sentido, havendo o requerimento sido apresentado em 19/07/2000, é adequável o disposto nos artigos 90º do CPPT, que regula a compensação por iniciativa do contribuinte, e que remete para a disciplina do antecedente artigo 89º, em cujo nº 5, na redacção então em vigor, se determinava que «no caso de já estar instaurado processo de execução fiscal, a compensação é efetuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e acrescido».
Ora, patenteiam os autos, que não está esclarecido que haja sido emitido qualquer título de crédito, antes resulta que o crédito invocado pela Recorrente é contestado pela Administração Tributária tratando-se, pois, de um crédito litigioso, que nessas condições não se mostra apto para ser considerado para efeitos de compensação.
Acresce que, do disposto no nº 9 do artigo 284º do CPT revogado, resultava que nos casos de aceitação da dação em pagamento de bens de valor superior à dívida exequenda e acrescido, no despacho que a autorizava era constituído um crédito no montante desse excesso.
E o que se apura dos autos é que o valor do imóvel dado em pagamento foi fixado em montante muito próximo do valor da dívida exequenda e o montante que o excedia foi imputado ao acrescido e custas do processo pelo que, não tendo sido constituído qualquer crédito a favor do contribuinte no despacho que autorizou a dação em pagamento, era forçoso que o mesmo fosse reconhecido pela Administração Tributária, o que não ocorreu, por esta o ter contestado, como resulta da matéria assente na sentença recorrida.
Assim, consistindo num crédito litigioso, o mesmo não pode ser invocado para efeitos da compensação prevista no artigo 90º do CPPT, falecendo razão à recorrente porque se impunha legalmente que obtivesse previamente o reconhecimento de tal crédito.
Ora, se não existe crédito (pelo menos para já certo e determinado) não se pode falar em compensação.
E, na verdade, tendo em conta a estatuição do artº 847º do CC, com a compensação a obrigação extingue-se sem que fique outra a substituí-la. Assim, a compensação consiste na extinção recíproca de duas obrigações em sentido contrário, ou seja, de duas obrigações com os mesmos sujeitos, sendo o credor de cada uma delas simultaneamente devedor de outra. Definindo por outras palavras, é o meio que o devedor tem de se desobrigar perante o credor, quando dispõe contra este de um crédito equivalente. Pode ser unilateral ou bilateral, consoante exija a declaração de vontade de um só dos sujeitos ou de ambos. A primeira (que seria a pretendida nos autos) só é possível nos casos expressamente previstos na lei e denomina-se, por isso, compensação legal. A segunda é possível independentemente de se verificarem, no caso concreto, os requisitos que a lei exige para a compensação por decisão unilateral :- trata-se, pura e simplesmente, de uma aplicação do princípio de autonomia da vontade, que leva a que as partes possam convencionar a compensação, por acordo, sempre que existam dois créditos recíprocos. É a compensação contratual ou convencional. Há ainda a compensação judiciária, que, todavia, se integra na categoria da compensação legal – Cfr. José João Abrantes, A Excepção de não cumprimento do contrato no Direito Civil Português, ed. De 1986-164/165).
Da definição dada, decorre um traço fundamental desta figura jurídica como causa de extinção das obrigações:- a mesma não opera automaticamente, isto é, para que os dois créditos se considerem extintos, não basta que se encontrem em condições de poderem ser compensados (situação de compensação), mas torna-se ainda necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores nesse sentido (declaração de compensação).
Nos termos do nº 2 do artº 30º da Lei Geral Tributária (LGT) o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
Consagra este inciso legal (ver também o artºs 36º nºs 2 e 3 da LGT e o artº85º do CPPT) o princípio de que as obrigações fiscais são relativamente indisponíveis, estendendo-se a indisponibilidade do crédito tributário, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária.
Essa indisponibilidade e a exigência de lei como base de renúncia a créditos tributários, estão em consonância com o que em geral é defendido pela doutrina e pela jurisprudência do STA – (v. g. LGT Comentada e Anotada por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 3ª Ed., pág. 160 com todas as referências doutrinais e jurisprudenciais).
À luz do princípio da legalidade tributária e em decorrência do disposto nos artºs 8º, nº 1 da LGT e 103º, nº 2 e 165º nº 1 i) da CRP, a renúncia total ou parcial dos créditos tributários referentes a impostos, porque contende com a incidência dos mesmos terá de ser prevista em lei da Assembleia da República ou DL aprovado ao abrigo de autorização legislativa.
Acresce que, por injunção do nº 2 do artº 36º da LGT, Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes.
Assim, nem o objecto da obrigação, nem os juros, nem o prazo de pagamento, etc., podem ser alterados nem sequer por vontade das partes pois a isso se opõe a referido princípio de legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da actividade administrativa; a vontade das partes, seja da Administração, seja dos contribuintes, não tem relevância jurídica, o que vale por dizer que, uma vez preenchidos os pressupostos de facto, nasce a obrigação estreitamente vinculada e, mesmo no âmbito de conceitos indeterminados, está-se perante o seu preenchimento em obediência à lei e não aos interesses das partes.
Tal como salientam A . José de Sousa e Silva Paixão, CPPT Anotado, 1ª ed., pág. 196, Não podem, com efeito, os órgãos da Administração Tributária – contrariamente ao que acontece com a generalidade dos credores privados – negociar sobre as dívidas de imposto, renunciar a elas ou perdoá-las, no todo ou em parte, nem tão pouco conceder moratórias para o seu pagamento ou sequer aceitar que este se faça antecipada ou parcialmente – a menos, claro, que o próprio legislador o consinta.
São ilegais todos os actos da administração fiscal, inclusive do Ministro das Finanças, a autorizar moratórias, suspensão da execução, mesmo em regime de pagamento em prestações, relativamente a impostos já liquidados, sem qualquer norma legal em que se apoie.”
Não reconhece a AT ao recorrente qualquer crédito e, como não existe crédito (pelo menos para já certo e determinado) não se pode falar em compensação.
Em suma:
In casu, não está verificado o primeiro dos referidos requisitos, pois, como está inerente à própria questão a decidir, não está definida a existência do invocado crédito a favor da recorrente.
Depois, atenta a natureza não tributária do crédito invocado pela recorrente (já que o crédito não resulta de qualquer das situações previstas no nº 1 do art. 89º do CPPT, mas antes, de acordo com o alegado, resulta da diferença entre os bens entregues no âmbito de uma dação em pagamento e o valor das dívidas ao Estado pagas pela entrega desses bens), sempre seria exigível, nos termos dos referidos nºs. 4 e 5 do art. 90º do CPPT, o prévio reconhecimento do ministro de que depende o serviço devedor e do Ministro das Finanças, de que a dívida é certa, líquida, exigível e tem cabimento orçamental.
E, porque o crédito em causa não tinha natureza tributária para efeitos da compensação prevista no art. 90º do CPPT, era exigível a existência de despacho ministerial reconhecendo que o referido crédito tem cabimento orçamental.
Em todo o caso, independentemente da natureza do crédito com o qual a executada pretende compensar a dívida exequenda, porque a existência desse crédito não está definida (bem pelo contrário, não é aceite pelo Estado, como resulta claramente do despacho que indeferiu a pretendida compensação), a recorrente não pode ver deferida a sua pretensão de ver compensado o crédito exequendo com aquele alegado crédito sobre o Estado.
Assim e independentemente da apreciação que se fizer dos termos em que se concluiu a dação em pagamento e a extinção da anterior dívida tributária, o despacho de indeferimento do pedido de compensação mostra-se correto e não padece da ilegalidade que lhe é assacada, uma vez que não foi reconhecido e constituído qualquer crédito a favor da Recorrente nos termos em que esta o invoca.
Destarte, impõe-se confirmar a sentença recorrida, ainda que com distinta fundamentação, o que traz implicada a improcedência do recurso.

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O valor da presente acção excede o montante de €275.000.
E, atenta a decisão, não temos por verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP.
Não obstante, porque se nos afigura que o montante da taxa de justiça devida é manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar em 50% o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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3. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida com a fundamentação retro.

Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Condesso – Anabela Russo.