Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01154/16.0BESNT
Data do Acordão:04/24/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24474
Nº do Documento:SA22019042401154/16
Data de Entrada:10/15/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, UNIPESSOAL, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………, Unipessoal, Lda., veio, ao abrigo do artigo 80.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), interpor recurso, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, da decisão administrativa, proferida no processo de contra-ordenação n.º 3652015060000082211, que correu os seus termos no Serviço de Finanças Oeiras 2, que lhe aplicou uma coima no montante de 36.460,44€ pelo pagamento fora de prazo do imposto devido na declaração periódica de IVA 2014/09, ocorrido em 11/11/2014, cujo prazo para cumprimento terminou a 10/11/2014, infração prevista nos artigos 114.º n.ºs 2 e 5 al. a) e 26.º n.º 4, RGIT.
O recorrente requereu que se ordenasse «(i)…a anulação de todo o processo de contra-ordenação por falta de notificação e a emissão de nova notificação para pagamento da coima com redução ao abrigo do artigo 29.º n.º 1 do RGIT e, (ii) subsidiariamente, caso não se entenda ser de anular todo o processo de contra-ordenação, ordenar a redução da coima de 30% para 15% do imposto pago fora de prazo, ou seja, para 16.240,73 Euros, ao abrigo do artigo 18.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro».
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1.2. Aquele Tribunal, por despacho de 23/03/2018 (fls.60118/65), proferiu a seguinte decisão:
«Nestes termos e com fundamento nas disposições legais citadas, determino a substituição da coima aplicada por sanção de admoestação pela contra-ordenação que foi imputada à Recorrente, nos termos seguintes:
“O Tribunal lembra que o dever de pontual entrega das prestações tributárias constitui não apenas uma obrigação dos sujeitos passivos objecto de tutela sancionatória, mas dever de cidadania, devendo estes organizarem-se de forma a que factores imprevistos, como erros burocráticos, desatenções e atrasos, não impeçam o cumprimento pontual desse dever. O atraso, mesmo ligeiro, mesmo prontamente reparado, constituiu infracção, que não se apagou pelo facto de o Tribunal entender que esta admoestação se revela, no caso, suficiente para punir a infracção cometida.”».
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1.3. Contra o assim decidido recorre, para este Supremo Tribunal, a Fazenda Pública concluindo as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«I. À Recorrente foi aplicada no âmbito do Processo Contra-ordenacional n.º 36542015060000082211 coima no valor de € 36.460,44, acrescida de custas processuais, pela prática de infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 27.º do CIVA e na alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por pagamento de imposto fora do prazo referente à declaração periódica de 2014/09, punível nos termos do n.º 2 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e do n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.
II. Sendo que, da douta sentença aqui recorrida resultou a procedência do recurso de contra-ordenação, com revogação da decisão recorrida e aplicação, em sua substituição, à recorrente da pena de admoestação ao abrigo do disposto no artigo 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, aplicável ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT.
III. Discordamos, contudo, do entendimento vertido na douta sentença, porquanto se entende não resultar da factualidade assente o preenchimento dos requisitos ao abrigo dos quais se mostraria positivamente pertinente a aplicação da pena da admoestação em substituição da coima aplicada em sede procedimento contra-ordenacional.
IV. Do disposto no artigo 51.º do RGCO resulta que a aplicação da pena de admoestação depende da gravidade da infracção, devendo tal conceito ser preenchido com apelo às disposições do RGIT que se debruçam sobre a classificação das infracções.
V. Assim, de acordo com o previsto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 23.º e os n.ºs 2 e 5, alínea a), do artigo 114.º do RGIT, e considerando que a coima aplicada ascende à quantia de 36.440,21, estamos perante uma infracção grave.
VI. Daí se inferindo a gravidade da infracção em causa nos presentes autos, e não por referência ao período de tempo pelo qual durou o incumprimento, pelo que, nos confrontamos com infracção grave não passível de aplicação da pena de amoestação prevista no artigo 51.º do RGCO, aplicável ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT.
VII. Atento o exposto, incorreu o Tribunal a quo em errado julgamento de direito, com violação do disposto no artigo 51.º do RGCO, conjugado com o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 23.º do RGIT e os n.ºs 2 e 5 al. a), do artigo 114.º do RGIT.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão de aplicação da coima.
Porém V. Exas decidindo farão a Costumada Justiça.».
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«O Ministério Público, junto deste Tribunal, vem, ao abrigo do disposto no artigo 289.º, n.º 1, 1º segmento, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, emitir o seguinte parecer
1. Inconformada, veio a AT interpor recurso jurisdicional do despacho decisório proferido em 23/03/2018, pela M.ma Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou procedente o presente recurso de contraordenação e, consequentemente, revogou a decisão recorrida, na parte em que aplicou à arguida uma coima no montante de €36.460,44 e, em substituição, aplicou-lhe, como sanção de contraordenação que lhe foi imputada, a pena de admoestação constante do segmento dispositivo da decisão em crise (assim, cfr. a sentença recorrida, ínsita de fls. 70 a 75 e as alegações, juntas de 85 a 91 do processo digital, doravante designado como p. d.)
Analisadas as alegações, constata-se que a AT veio imputar, à decisão em crise, erros de julgamento de direito, com o que se mostraria infringido o preceituado no artigo 51.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), conjugado com o disposto nos artigo 23.º, n.os 1 e 3 e 114.º, n.os 2 e 5, alínea a), estes últimos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Cumpre, pois, ao Ministério Público emitir parecer, o qual segue, de seguida.
2. Defende a Recorrente que o artigo 51.º do RGCO, alegadamente desrespeitado pelo tribunal a quo, faz depender a aplicação da pena de admoestação da gravidade da infração e que este conceito deverá ser preenchido com apelo às disposições do RGIT, sendo, a esta luz, irrelevante a duração do incumprimento.
Nesta esteira, veio pugnar que in casu estar-se-ia perante uma infração grave, atendendo a que a coima aplicada ascende ao montante de €36.440,21, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 23.º, n.os 1 e 3 e 114.º, n.os 2 e 5, alínea a), ambos do RGIT.
Todavia, contrariamente ao entendimento veiculado pela Recorrente, a classificação como “grave” da contraordenação em causa deixa inalterado o tratamento jurídico da questão decidenda objeto do presente recurso.
Efetivamente, sobre esta específica questão versou e decidiu o douto Acórdão deste Colendo STA, de 10/10/2018, no âmbito do Processo n.º 0800/14.4BEVIS ou 0560/18 (numeração do STA), que firmou a seguinte doutrina: “I - Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, o tribunal pode decidir proferir uma admoestação nos termos do disposto no art. 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contraordenações tributárias ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT// II - A gravidade da infração a considerar para efeitos de indagar da possibilidade de aplicar a sanção admonitória deve ser aferida pela conjugação de todas as circunstâncias concretas do comportamento ilícito, não podendo considerar-se essa possibilidade inelutavelmente arredada pela classificação como contraordenação grave prevista no art. 23.º do RGIT, a qual terá como único efeito autorizar a aplicação de sanções acessórias (cfr. art. 28.º, n.º 1, do RGIT)” (Disponível em www.dgsi.pt, tal como os demais a citar, de futuro.).
Acresce que é uniforme e pacífico o entendimento vertido no douto Acórdão deste STA, de 13/10/2010, no Processo n.º 0670/10, nos termos do qual “I – Não contendo o RGIT qualquer norma sobre os termos da atenuação especial da coima, será em princípio aplicável aos termos da atenuação o disposto no n.º 3 do artigo 18.º do RGCO, subsidiariamente aplicável no que respeita às contraordenações tributárias ex vi do disposto na alínea b) do artigo 3.º do RGIT. // II- Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, como no caso dos autos, o Tribunal pode decidir proferir uma admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO (subsidiariamente aplicável às contraordenações tributárias por força da alínea b) do artigo 3.º do RGIT)”. (...) (Esta jurisprudência foi, também seguida, v. g. pelos doutos Acórdãos 03/04/2013, no Processo n.º 05/13 e de 25/10/2017, no Processo n.º 0371/17)
De resto, esta posição doutrinária acolhe e dá corpo à jurisprudência consagrada, v. g., no douto Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 327/99, de 26/05/1999, no Processo n.º 144/99, (Publicado no Diário da República n.º 166, II Série, de 19/07/1999.) onde se enfatizou que “(...) do artigo 18 n.º 2, da Constituição e do próprio princípio da proporcionalidade, inerente ao Estado de Direito, decorre o princípio da necessidade das sanções: estas (no caso das contraordenações, as coimas e as respetivas medidas acessórias) só devem ser aplicadas quando outros meios menos onerosos de política social se mostrem insuficientes ou inadequados para organizar a proteção dos respetivos bens jurídicos.
E mais: as coimas impostas pela prática de contraordenações devem ser proporcionadas à gravidade da contraordenação e, bem assim, à intensidade da culpa e à situação económica do agente (…)”.
Destarte, pese embora o entendimento oposto, sufragado pela ora Recorrente, a sentença recorrida acolheu e corroborou a corrente jurisprudencial consolidada sobre esta específica problemática, não merecendo, pois, qualquer censura
3. A ser assim, em nome e sob a égide do princípio da proporcionalidade, in casu justifica-se e impõe-se a aplicação à Recorrida da pena de admoestação.
Com efeito, atentos os factos levados ao probatório, revelam-se reduzidas, quer a ilicitude da conduta, quer a culpa da arguida.
Nesta conformidade, no caso em presença, mostram-se preenchidos todos os requisitos da aplicação da pena de admoestação.
Destarte, à luz das considerações aduzidas supra, vista a matéria de facto dada como provada e atento o preenchimento dos requisitos que condicionam a aplicação da pena de admoestação à ora Recorrida, o Ministério Público vem defender a improcedência do recurso nos termos e com os fundamentos acima concisamente explicitados.
4. Em suma e em conclusão, o Ministério Público emite o parecer de que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, deve ser confirmada a decisão judicial recorrida.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A). A 06.11.2014 foi pela Recorrente submetida a declaração periódica de IVA n.º 112081064723, pelo regime mensal, referente ao período 2014/09, onde se apurou IVA a pagar no montante de €108.271,55 [cf. fls. 22 dos autos].
E). A 11.11.2014 foi efectuado o pagamento de €108.271,55, identificado no ponto anterior [cf. fls. 25 dos autos].
C). Com data de 30.01.2015 foi pela Recorrente remetida carta de despedimento da funcionária B………… [cf. fls. 21 dos autos].
D). A 14.08.2015 foi alterada a password via CTT associada à conta da Recorrente [cf. 29 dos autos].
E). A 30.04.2015 foi remetida à Recorrente a notificação para o pagamento de coima reduzida, no montante de €2.706,78, em sede do processo n.º 36542015160000018028, instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, para pagamento no prazo de 15 dias a contar da data da notificação [cf. fls. 33, 46 a 48 dos autos].
F). A notificação electrónica identificada no ponto anterior foi aberta a 14.08.2015 [cf. fls. 33 e 47 dos autos].
G). A 21.06.2015, foi levantado o auto de notícia n.º 2014.0458303, contra a Recorrente pela prática de infracção ao disposto no artigo 27.º, n.º 1 e artigo 41.º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), por pagamento fora de prazo do imposto devido na declaração periódica de IVA 2014/09, ocorrido em 11.11.2014, cujo prazo para o cumprimento terminou em 10.11.2014, infracção prevista e punível pelo artigo 114.º, n.º 2 e 5, al. a), e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho [cf. fls. 5 e 45 dos autos].
H). Com base no auto de notícia identificado no ponto anterior foi instaurado, em 21.06.2015, o processo de contra-ordenação n.º 36542015060000082211, a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras 1 [cf. fls. 4 e dos autos].
I). Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, foi aplicada à Recorrente a coima de €36.460,44, acrescida de custas processuais (acto recorrido) (...)” [cf. fls. 31 dos autos].
J). O presente recurso foi apresentado a 21.09.2015 [cf. fls. 6 dos autos].».
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3.1. A decisão recorrida identificou como objeto dos presentes autos a decisão administrativa proferida em sede do processo de contraordenação n.º 36542015060000082211, do Serviço de Finanças de Oeiras 2, que aplicou uma coima no montante de €36.460,44, acrescida das custas processuais, pela prática de infracção ao disposto no artigo 27.º, n.º 1 e artigo 41.º, n.º 1, alínea b) do CIVA, por pagamento fora de prazo do imposto devido na declaração periódica de IVA 2014/09, ocorrido em 11.11.2014, cujo prazo para o cumprimento terminou em 10.11.2014, infracção prevista e punível pelo artigo 114.º, n.º 2 e 5, al. a), e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho.
Acrescentou que as questões a decidir eram as seguintes:
- vício de falta de notificação válida do procedimento de redução de coima;
- vício de violação do princípio de igualdade e
- vício de desproporcionalidade da coima, encontrando-se reunidos os pressupostos para a atenuação especial da coima.
Entendeu quanto à primeira questão que não se demonstra ilidida a presunção de notificação, nos termos do artigo 39., n.º 10 do CPPT, falecendo assim a argumentação expendida pela recorrente no sentido da verificação de vício de falta de notificação válida do procedimento de redução de coima.
Acrescentou quanto à segunda que não poderá prevalecer o argumento de violação do princípio de igualdade, porquanto foi por sua única e exclusiva responsabilidade que não teve acesso às notificações remetidas via CTT, pelo que não se poderá equiparar a um contribuinte diligente e que acede tempestivamente às notificações que lhe são remetidas.
Concluiu, atenta a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente, em que a dilação no pagamento do imposto devido foi de apenas umas horas (de um dia para o outro), proferir uma admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contraordenações tributárias por força da alínea b) do artigo 3.º do RGIT nos termos seguintes:
“O Tribunal lembra que o dever de pontual entrega das prestações tributárias constitui não apenas uma obrigação dos sujeitos passivos objecto de tutela sancionatória, mas dever de cidadania, devendo estes organizarem-se de forma a que factores imprevistos, como erros burocráticos, desatenções e atrasos, não impeçam o cumprimento pontual desse dever. O atraso, mesmo ligeiro, mesmo prontamente reparado, constituiu infracção, que não se apagou pelo facto de o Tribunal entender que esta admoestação se revela, no caso, suficiente para punir a infracção cometida”.
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3.2. É esta decisão que vem questionada no presente recurso.
A questão foi já apreciada por diversas vezes neste STA sem qualquer divergência.
Inexistem motivos para não acompanhar tal uniforme orientação pelo que remetemos e transcrevemos o acórdão de 10-10-2018, proc. 0800/14.4BEVIS 0560/18, que merece a nossa total aderência e no qual se escreveu o seguinte:

“2.2.2 DA POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIR A COIMA APLICADA POR ADMOESTAÇÃO
A Recorrente não questiona a possibilidade, em abstracto, de o tribunal substituir a coima aplicada por admoestação, mediante aplicação do n.º 1 do art. 51.º do RGCO, desde que verificados, cumulativamente, os requisitos aí estabelecidos: i) a reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e ii) a reduzida gravidade da culpa do agente. Sustenta, no entanto, que tal possibilidade está vedada no caso sub judice, uma vez que a contra-ordenação é classificada como grave, em face do critério do n.º 3 do art. 23.º do RGIT, o que arreda a verificação daquele primeiro requisito.
Ou seja, há que averiguar se a classificação de uma contra-ordenação como grave pelo art. 23.º do RGIT afasta inelutavelmente a possibilidade de lhe ser aplicada a sanção admonitória prevista no n.º 1 do art. 51.º do RGCO por se não poder considerar a infracção de reduzida gravidade. Vejamos:
Seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Outubro de 2010, proferido no processo n.º 670/10, …
- de 3 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 5/13, …
- de 25 de Outubro de 2017, proferido no processo n.º 371/17, …
- de 12 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 497/18, …) admitimos a possibilidade de aplicação da admoestação em sede de contra-ordenação tributária, que não vem questionada.
É certo que a admoestação só é possível se a reduzida gravidade da contra-ordenação a justificar. Mas será que, como sustenta a Recorrente, a circunstância de o limite superior da moldura abstracta da coima ultrapassar o limite fixado pelo n.º 3 do art. 23.º do RGIT (actualmente fixado em € 15.000) e, por isso, ser classificada como grave, implica o afastamento da possibilidade de aplicação da admoestação?
O art. 23.º do RGIT, que tem como epígrafe «Classificação das contra-ordenações», começa por qualificar as contra-ordenações como «simples ou graves» (n.º 1) e, depois, estabelece como critério para essa qualificação o limite máximo com que as contra-ordenações são puníveis: simples até € 15.000 e graves se esse valor for ultrapassado (n.ºs 2 e 3); na determinação desse limite máximo, indica ainda que é de atender «à coima cominada em abstracto no tipo legal» (n.º 4).
A norma não diz para que efeitos é estabelecida a classificação das contra-ordenações prevista no art. 23.º do RGIT, qual a relevância dessa classificação. Mas a doutrina indica como único efeito o da possibilidade de aplicação de sanções acessórias, que, nos termos do n.º 1 do art. 28.º do RGIT, apenas existe relativamente às contra-ordenações tributárias graves (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit., anotação 4 ao art. 23.º, pág. 287. No mesmo sentido, JOÃO RICARDO CATARINO e NUNO VICTORINO, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Vislis editores, 2002, anotação 7 art. 23.º, pág. 158.).
Ora, o n.º 1 do art. 51.º do RGCO, artigo que prevê a admoestação, não restringe a respectiva aplicação às contra-ordenações leves nem a veda relativamente às contra-ordenações graves; diz, isso sim, que «[q]uando a reduzida gravidade da infracção […] o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação».
É certo que, como invoca a Recorrente, a doutrina se pronuncia no sentido de que, porque a possibilidade de proferir admoestação está reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, dela «será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias, nos termos dos arts. 21.º e 22.º» e de que «se houver uma qualificação legal de contra-ordenação em função da sua gravidade, deverão qualificar-se de reduzida gravidade no caso em que a lei as qualifique como leves ou simples, como sucede com os arts. 139.º do Código da Estrada e 23.º do RGIT» (Cfr. nota 1 supra e MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, anotação 2 ao art. 51.º, pág. 394.). Se esta segunda proposição não nos merece reparo algum, já a primeira não nos parece poder ser aceite sem mais, pelo menos quando não tenha sido aplicada sanção acessória.
Na verdade, a nosso ver, o facto de uma contra-ordenação ser classificada como grave à luz do critério estabelecido pelo n.º 3 do art. 23.º do RGIT – com o único efeito de possibilitar a aplicação de sanções acessórias – não implica necessariamente que, nos casos em que não é aplicada sanção acessória, fique arredada a possibilidade de ser sancionada com uma admoestação, que essa possibilidade fique «desde logo, legalmente excluída», nas palavras da Recorrente – cfr. conclusão f). Não ignorando que o elemento literal é apenas um (e nem sequer o mais importante) dos factores a considerar quando se pretende extrair o sentido da lei (O elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma (com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189), não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
Na verdade, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam a mesma matéria, e as que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins, designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma (cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192).), também não podemos ignorar que o texto é o ponto de partida e o limite da tarefa hermenêutica (cfr. art. 9.º do Código Civil): ora “reduzida gravidade” é ainda uma gradação do que é grave. Se a intenção do legislador fosse a de que apenas as contra-ordenações leves pudessem ser sancionadas com admoestação, e já não as graves, por certo o teria dito de modo inequívoco no n.º 1 do art. 51.º do RGCO; não o fez, usando terminologia diversa, qual seja a da “reduzida gravidade”.
Por outro lado, se relativamente à dispensa da coima, prevista no art. 32.º do RGIT, o legislador não restringiu a possibilidade às contra-ordenações classificadas como leves nos termos do art. 23.º do mesmo Regime (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.ª edição, anotação 4 ao art. 32.º, pág. 321, que afirmam: «a não exigência também de diminuta ilicitude permite concluir que o campo de aplicação da norma não se limita às contra-ordenações de reduzida gravidade».), mal se compreenderia que tivesse estabelecido essa restrição relativamente à admoestação, que constitui ainda uma sanção (e não dispensa dela).
Acresce que o critério do art. 23.º do RGIT, exclusivamente determinado em função do montante da coima, não se nos afigura ajustado quando erigido em único critério para medir a antijuricidade do comportamento e, assim, aferir da “gravidade da infracção” prevista no n.º 1 do art. 51.º do RGCO.
Mas, ainda que assim não se entenda – e concedemos que a tese que subscrevemos não é pacífica – não encontramos motivo para divergir da anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, em que a admoestação foi judicialmente aplicada a contra-ordenações que seriam graves à luz da classificação do art. 23.º do RGIT. Nas situações a que se referem os acórdãos indicados supra, na nota de rodapé com o n.º 3, as contra-ordenações em causa podiam também ser classificadas como graves à luz do critério do art. 23.º do RGIT e, apesar de a questão aí não ter sido objecto de decisão expressa, essa circunstância não constituiu impedimento à aplicação da admoestação.
Assim, parafraseando essa jurisprudência, verificamos que do registo da linha temporal dos acontecimentos relevantes para o caso dos autos, levada ao probatório, resulta que o período em que o imposto devido esteve em falta foi de apenas um dia (entre 10 e 11 de Fevereiro de 2014), tendo sido a Recorrida a regularizar espontaneamente a situação.
Assim, como ficou dito no acórdão de 13 de Outubro de 2010, proferido no processo n.º 670/10, «[n]ão descortinamos justificação convincente para que em face de uma culpa reconhecidamente diminuta, um atraso na entrega da prestação … pouco expressivo … e um prejuízo à receita tributária tão pouco relevante [compensado pelos juros correspondentes a um dia de atraso], se possa entender como adequada ao grau de ilicitude e culpa do agente uma coima … de € 7.806,74 … razão pela qual, atendendo às circunstâncias do caso e ponderando que a aplicação dos termos da atenuação especial da coima previstos no artigo 18.º n.º 3 do RGIT implicam uma punição da arguida desproporcional e desadequada, se decide punir o agente com uma pena de admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO, punição esta legalmente possível atendendo a que a infracção, na medida em que foi prontamente reparada, se revelou efectivamente de reduzida gravidade e a culpa do agente é manifestamente diminuta, desta forma se satisfazendo as exigências de prevenção».
Concluímos, assim, que bem andou a sentença recorrida ao substituir a coima aplicada pela autoridade administrativa por uma admoestação, ex vi do disposto no art. 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável em matéria de contra-ordenações tributárias, nos termos do art. 3.º alínea b) do RGIT.”.
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I - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, o tribunal pode decidir proferir uma admoestação nos termos do disposto no art. 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contra-ordenações tributárias ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT.
II - A gravidade da infracção a considerar para efeitos de indagar da possibilidade de aplicar a sanção admonitória deve ser aferida pela conjugação de todas as circunstâncias concretas do comportamento ilícito, não podendo considerar-se essa possibilidade inelutavelmente arredada pela classificação como contra-ordenação grave prevista no art. 23.º do RGIT, a qual terá como único efeito autorizar a aplicação de sanções acessórias (cfr. art. 28.º, n.º 1, do RGIT).
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 24 de abril de 2019. – António Pimpão (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.